Neemias
Os livros de Esdras e de Neemias formavam
um só “Livro de Esdras”, na Bíblia Hebraica e na versão grega dos Setenta. Como
esta versão recolhia também o livro apócrifo grego de Esdras e lhe dava o primeiro
lugar (1 Esdras), o livro de Esdras-Neemias era denominado 2 Esdras. Na época
cristã foi dividido em dois. A Vulgata latina adotou essa divisão em 1 Esdras
(=Esdras) e 2 Esdras (=Neemias), reservando ao apócrifo grego a designação de 3
Esdras. A designação dos dois livros a partir das respectivas personagens
principais, Esdras e Neemias, é mais recente, mas foi assimilada mesmo nas edições
impressas da Bíblia massorética.
AUTORIA
E DATAÇÃO
Não é dada qualquer indicação sobre o
autor destes livros, mas admite-se ser um só: o mesmo chamado Cronista, que
redigiu e compôs a vasta síntese histórica dos dois livros das Crônicas, seguidos
de Esdras e Neemias. Um dos indícios mais significativos é a identidade entre
os últimos versículos de 2 Crônicas (36,22-23) e os primeiros versículos de
Esdras (1,1-3), o que sugere a continuidade da narrativa. Pode, assim,
situar-se esta obra nos finais do séc. IV ou início do séc. III a.C..
QUESTÃO
CRONOLÓGICA
Discute-se qual dos dois deverá ser
colocado em primeiro lugar. Muitos preferem a sucessão Neemias-Esdras; mas
ainda não se encontrou uma solução satisfatória para estabelecer a cronologia
dos acontecimentos em questão. O texto fala da chegada de Esdras a Jerusalém,
no sétimo ano do rei Artaxerxes (Esd 7,7) e indica a sua atividade reformadora
(Esd 8-10); depois, vem Neemias, no vigésimo ano de Artaxerxes (Ne 2,1) e a sua
preocupação pela reconstrução das muralhas (Ne 1-7); surge outra vez Esdras,
para a leitura solene da Lei (Ne 8-9); e, finalmente, Neemias, por ocasião de
uma segunda estadia em Jerusalém, no ano 32.° de Artaxerxes (Ne 13,6-7).
Teriam estado estes dois homens ao mesmo
tempo em Jerusalém, a trabalhar independentemente? A resposta mais aceitável é
a seguinte: a atividade de Neemias seria toda ela anterior a Esdras (Ne 1-7 e
10-13, onde aparece como construtor e reformador); mais tarde, talvez no ano
7.° de Artaxerxes II (e não Artaxerxes I), por volta de 398-397 a.C., veio
Esdras a Jerusalém: empreendeu reformas (Esd 7-10), restaurou o culto e fez a
solene leitura pública da Lei (Ne 8-9). Ao aplicar a sua perspectiva teológica
a este emaranhado de dados, o redator final é que terá desorganizado a cronologia
real dos acontecimentos.
No entanto, não se pode negar ou diminuir
o valor histórico das informações veiculadas por estes livros. Concordam perfeitamente
com os dados das fontes bíblicas e profanas, como, por exemplo, os papiros das
ilhas Elefantinas (Egipto).
DOCUMENTAÇÃO
UTILIZADA
Na composição destes dois livros, o Cronista
utilizou como fontes diversos documentos antigos (entre eles, as memórias
pessoais das duas personagens em questão), que ele reproduziu e organizou,
relacionando-os uns com os outros, segundo a sua visão teológica, de forma a
obter um conjunto harmonioso. Assim, podem encontrar-se:
a) documentos oficiais em hebraico
(listas, estatísticas, como as de Esd 2 e Ne 7,6-68; 10,3-30; 11,3-36; 12,1-26)
e em aramaico (correspondência diplomática, decretos oficiais: Esd 4,6-6,18;
7,12-26;
b) memórias de Esdras (Esd 7-10), com
partes redigidas na primeira pessoa (Esd 7,27-9,15) e outras na terceira: Esd
7,1-10; 10; Ne 8-9;
c) memórias de Neemias: Ne 1-7; 10;
12,27-13,31.
DIVISÕES
E CONTEÚDO
O livro de Esdras divide-se em duas
grandes partes:
I. Regresso do Exílio e reconstrução do
templo: 1,1-6,22;
II. Organização da comunidade: 7,1-10,44.
O livro de Neemias consta também de duas
partes:
I. Reconstrução das muralhas de
Jerusalém: 1,1-7,72;
II. Proclamação da Lei e Reformas: 8,1-13,31.
Estas duas partes andam à volta de certos
temas dominantes, que se apresentam por esta ordem:
1. Neemias passa da corte persa para
governador de Jerusalém: 1-2;
2. Construção das muralhas, apesar de
inúmeras dificuldades: 3-6;
3. Recenseamento do povo, celebração da
Lei e renovação da aliança: 7-10;
4. Repovoamento de Jerusalém e das terras
da Judeia: 11;
5. Medidas para garantir o culto e a
pureza dos costumes: 12-13.
PERSPECTIVA
TEOLÓGICA
Esdras e Neemias narram acontecimentos
ocorridos logo após o édito de Ciro (538 a.C.), que permitia o regresso do
cativeiro da Babilônia. Mostrando a situação difícil dos repatriados, fazem
sobressair o esforço pela restauração do povo, no aspecto material e
religioso.
Contêm uma admirável mensagem doutrinal,
centrada em três preocupações fundamentais: o templo, a cidade de Jerusalém e a
comunidade do povo de Deus.
Após as provas do Exílio, com as suas más
consequências no aspecto religioso, o povo organiza-se numa grande unidade
nacional e religiosa.
Meditando na Lei, compreende como o
castigo lhe foi mandado por Deus, devido à sua infidelidade, e como, apesar de
tudo, a misericórdia divina se mantém para com o resto de Israel, detentor das
grandes promessas em relação ao Messias. A Palavra de Deus é, assim, a base da
reconstrução do povo que volta do Exílio.
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