Crônicas
Normalmente as traduções da Bíblia
apresentam apenas uma introdução para os dois livros das Crônicas, porque na
Bíblia hebraica eles constituíam um todo, num único livro chamado “Dibrê
hayyamîm” (Anais). A Bíblia grega dos Setenta chamou-lhes “Paralipômenos”, isto
é, coisas transmitidas paralelamente, porque boa parte do seu conteúdo constava
já dos livros de Samuel e Reis.
CONTEXTO
HISTÓRICO
Deve tratar-se de uma obra da segunda
metade do séc. IV, entre 350-250 a.C.; no entanto, reflete a restauração
religiosa do reino de Judá, depois do exílio da Babilônia, nos fins do séc. VI
a.C..
Nesta História têm lugar de relevo a
tribo de Judá (que é a tribo de David), a tribo de Levi (por causa de Aarão, o
protagonista do sacerdócio e do culto divino) e a tribo de Benjamim (à qual
pertence à família de Saul, e em cujo território está implantado o templo).
Isto explica o silêncio acerca do reino
do Norte, ou Israel, e a omissão de muitas coisas – sobretudo as negativas referentes
a David – que se encontram noutros livros históricos, especialmente nos de
Samuel. David e Jerusalém, com o seu templo, estão no centro das Crônicas, tal
como Moisés e o Sinai estão no centro do Pentateuco e da História
Deuteronomista.
DIVISÃO
E CONTEÚDO
As Crônicas visam apresentar a grande
História do povo de Israel. Por isso, no seguimento do Pentateuco, estão na
linha dos livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis (História Deuteronomista)
e de Esdras e Neemias. Constituem, com Esdras e Neemias, um conjunto chamado
“Obra do Cronista”. Além de terem o mesmo estilo e pensamento, os últimos versículos
de 2 Cr (36,22-23) repetem-se no início de Esdras (Esd 1,1-3).
Como dissemos, no centro destes livros
está David e o seu reinado, para o qual converge toda a História precedente, e
radicam, não só a organização do povo como, sobretudo, as estruturas cultuais
do templo. O seu conteúdo pode resumir-se deste modo:
I. História do povo desde Adão até David
(1 Cr 1,1-10,14). É como que a pré-história de David, com início em Adão, constituída
quase totalmente por listas genealógicas, algumas das quais vão até ao
pós-exílio (cap. 1-9). Termina com a morte de Saul (cap. 10). A genealogia, ou
sucessão de gerações, era um gênero literário frequente na Bíblia e nas
culturas antigas, como forma de exprimir a fé na presença da divindade nos
meandros da História dos homens. Mas não se lhe exija o rigor da árvore
genealógica dos tempos modernos: os nomes que a integram podem exprimir apenas
vagas relações de parentesco ou de simples vizinhança, afinidades de ordem
política e econômica; por vezes, nomes de povos e de regiões passam a ser nomes
de pessoas. Para os hebreus, era através da genealogia que alguém podia
tornar-se participante das bênçãos prometidas por Deus a Abraão. As listas das
Crônicas veiculam a promessa messiânica, de que David é sinal privilegiado.
Estas genealogias afirmam, ainda, a importância do princípio da continuidade do
povo de Deus através de um período de ruptura nacional, causada pelo exílio na
Babilônia, e fundamentam a esperança da restauração.
II. História de David (1 Cr 11,1-29,30).
Faz-se a História do reinado de David desde a sagração e a entronização até à
sua morte, dando especial relevo à atuação do rei nos preparativos para a
construção do templo e a organização do culto litúrgico.
III. História de Salomão (2 Cr 1,1-9,31).
Destaca-se a sua sabedoria, a construção e dedicação do templo de Jerusalém e
outros acontecimentos já narrados em 1 Rs. Termina com a morte de Salomão.
IV. História dos reis de Judá (2 Cr
10,1-36,23). Começa com a divisão do reino davídico, depois da morte de
Salomão, e termina com o édito de Ciro, após um relato resumido da atividade
dos reis de Judá.
FONTES
LITERÁRIAS E OBJECTIVO
Aonde foi o Cronista buscar todo este
material? As genealogias (sobretudo 1 Cr 1-9) estavam nos livros do Gênesis,
Êxodo, Números, Josué e Rute; Samuel e Reis – por vezes transcritos
textualmente – forneceram-lhe grande parte do restante material histórico.
Mas o autor tem ainda as suas próprias fontes
literárias, às quais acrescenta a reflexão pessoal, colocando-a, por vezes, na
boca de grandes personagens sob forma de discursos. É o caso da organização
davídica do culto em Jerusalém (1 Cr 22-26) e das reformas religiosas dos reis
Asa e Joás (2 Cr 15 e 24). Quanto aos discursos, ver, por exemplo: 1 Cr
28,2-10; 29,1-5.10-19; 2 Cr 12,5-8; 13,4-12; 15,2-7; 21,12-15; 30,6-9.
Tudo foi utilizado nesta perspectiva: pôr
em relevo Judá, sobretudo o rei David e a cidade de Jerusalém. Para isso, o
Cronista engrandece os aspectos positivos e elimina os negativos; retoca e adapta
este e outro material, a fim de fazer sobressair as preocupações teológicas.
TEOLOGIA
O lugar central da dinastia davídica na
História de Israel é a ideia teológica mais importante do Cronista. As
genealogias de 1 Cr 1-9 preparam-na; o resto do 1.° livro (11-29) está inteiramente
consagrado a David e à sua atividade, tanto profana como litúrgica; o 2.° livro
é a História dos descendentes de David, que devem ver nele o rei modelo e o
ponto de referência da fidelidade a Deus e ao povo. Seu filho Salomão é
idealizado por ter construído o templo de Jerusalém e ter cumprido, assim, o
testamento de David seu pai.
O relevo dado ao culto e ao templo é complementar
daquela ideia teológica. Por isso, o Cronista dá maior atenção aos reis que se
preocuparam com o culto do templo ou o reformaram: além de David e Salomão, os
reis Asa(2 Cr 14-16), Josafat (2 Cr 17-20) e, sobretudo, Ezequias (2 Cr 29-32)
e Josias (2 Cr 34-35). Esta mesma atenção é dada pelos livros de Esdras e
Neemias aos ministros do culto: Aarão e os sacerdotes e levitas (1 Cr 9; 15-16;
23-26; 2 Cr 29-31; 35; Ne 12); mas só o Cronista atribui aos levitas o título e
a função de profetas (1 Cr 25,1-8).
Por isso, poderá pensar-se num levita ou
num grupo de levitas como autores desta obra.
O fato de o Cronista se cingir ao reino
do Sul, aos seus reis e ao seu culto, poderá indiciar uma certa atitude polêmica
em relação ao Norte: a Samaria, que há muito se havia afastado do culto ao Deus
verdadeiro. Mais um sinal de que a fidelidade a Deus, manifestada no
cumprimento da Lei e no ritual do culto de Jerusalém, constitui o propósito
fundamental desta obra.
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