Juízes
O Livro dos Juízes foi assim chamado pelo
grande relevo que nele têm os chefes a quem se deu tal nome (chofetîm).
Praticamente o livro é constituído por doze histórias correspondentes aos doze
juízes que nele desfilam aos olhos do leitor.
CONTEXTO
HISTÓRICO
Depois da sua chegada a Canaã e do seu
estabelecimento no território, como está descrito em Josué, as doze tribos ficaram
um pouco à mercê dos povos que ainda ocupavam a terra. Cananeus e filisteus
continuavam a sua luta para expulsar as tribos israelitas que se tinham
infiltrado em algumas parcelas do seu território; e a conquista total da terra
e o consequente predomínio dos israelitas sobre os povos locais ficará para
mais tarde, no tempo de David (séc. X a.C.).
Depois da morte de Josué, por volta de 1200
a.C. (Js 24), as tribos ficaram sem um chefe que aglutinasse todas as forças
para se defenderem dos inimigos estrangeiros. A única autoridade constituída
era a dos anciãos de cada tribo. Além disso, estas pequenas tribos eram muito
independentes entre si, e não era fácil congregá-las. Ficavam, assim, mais
expostas aos ataques de filisteus, cananeus, madianitas, amonitas, moabitas,
todos inimigos históricos de Israel.
QUEM
SÃO OS JUÍZES
É nestas circunstâncias que aparecem os
Juízes. Não são chefes constituídos oficialmente, mas homens e mulheres carismáticos,
atentos ao Espírito do Senhor, pessoas marcadas por uma forte personalidade,
capazes de se imporem moralmente perante as outras tribos. Deste modo, quando
alguma tribo era atacada, o Juiz congregava as outras para irem em socorro da
tribo irmã. Uma outra função que lhes poderia ser atribuída era a de julgar (da
raiz chaphat, que significa “administrar a justiça”, “proteger”), em casos
especiais, função que terá estado na origem do nome de “Juízes”.
O tempo dos Juízes é, pois, o tempo da
consolidação das tribos no seu território, perante os inimigos estrangeiros, e
o tempo das primeiras tentativas de federação entre as várias tribos com
diferentes origens (ver Js 24).
DIVISÃO
E CONTEÚDO
Na falta de escrita, as histórias e os
feitos dos Juízes passaram pelas tradições orais locais, sobretudo nos
santuários, antes de fazerem parte da memória coletiva de Israel.
Com o aparecimento da monarquia e a
consequente organização política, social e religiosa, todo este material de
carácter histórico, mítico, poético e etiológico entrou no espólio coletivo de
Israel, sendo posteriormente organizado por blocos literários mais amplos. É
costume dividir o livro dos Juízes em dois grandes blocos literários:
I. Tradições sobre a conquista de Canaã
(1,1-3,6).
II.
História dos Juízes (3,7-16,31). Nestes, é costume distinguir: Juízes Maiores
ou “salvadores”: Oteniel (3,7-11), Eúde (3,12-30), Débora e Barac (4,1-5,32),
Gedeão (6,11-8,35), Jefté (11,1-40) e Sansão (13,1-16,31); Juízes Menores, que
constituem um bloco literário acrescentado mais tarde: Chamegar (3,31), Tola
(10,1-2), Jair (10,3-5), Ibsan (12,8-10), Elon (12,11-12) e Abdon (12,13-15).
Deste modo se formou o “Livro dos doze Juízes de Israel” (3,7-16,31).
III.
Apêndices: 17-18, sobre a tribo de Dan, e 19-21, sobre a de Benjamim.
Posteriormente foram acrescentadas duas
introduções: 1,1-2,5, que apresenta a situação geral das tribos depois da morte
de Josué; e 2,6-3,6, que apresenta a História de Israel como uma “História
Sagrada”: pecado do povo – castigo de Deus – perdão de Deus. É a concepção
deuteronomista da História de Israel, em cujo contexto teológico deverá
situar-se este livro.
O livro contém igualmente dois apêndices:
os capítulos 17-18, que narram a migração da tribo de Dan do Sul para a
nascente do Jordão, no Norte; e os capítulos 19-21, que narram o crime dos
habitantes de Guibeá, da tribo de Benjamim, tribo que será destruída.
Todas estas tradições, que andavam de
boca em boca, juntamente com as de outros heróis nacionais, entram numa coleção
comum depois da queda da Samaria (722/721 a.C.). Mas só durante ou mesmo depois
do exílio da Babilônia é que o livro foi integrado na grande História de
Israel, concluída pelos redatores deuteronomistas e composta pelos seguintes
livros: Dt, Js, Jz, 1 Sm, 2 Sm, 1 Rs e 2 Rs.
A estes redatores se devem, certamente,
as introduções gerais já mencionadas (Jz 1,1-3,6), assim como a introdução a
cada um dos Juízes. Esta redação deuteronomista conferiu uma unidade teológica
a todo o livro, que passou de amálgama de histórias locais a um livro de caráter
nacional.
VALOR
HISTÓRICO
O livro dos Juízes é um dos chamados
“Livros Históricos” da Bíblia, mas é histórico segundo o modo de escrever
História no seu tempo. Nesse gênero literário cabiam não apenas os fatos e os
documentos, como acontece na historiografia moderna, mas também o mito, discursos
(veja-se o belo apólogo de Jotam: 9,7-20), etiologias, pequenos fatos do
dia-a-dia, etc. Este livro fornece-nos um quadro geral único do modo de vida
das tribos de Israel, depois da instalação em Canaã, no que toca à vida
política, social e religiosa. É também interessante o fato de nos falar já do
difícil relacionamento entre algumas tribos, que irá ter o seu desenlace na
separação entre o Norte e o Sul, depois de Salomão.
O tempo dos Juízes corresponde a mais de
dois séculos de História, o que lhe confere um valor especial, embora a
contagem dos anos fornecidos pelo texto nos dê exatamente 410 anos. Este fato é
certamente devido ao uso corrente do número simbólico 40, que significa uma
geração, isto é, a vida de uma pessoa. Esta indicação diz-nos bem do caráter
aproximativo dos dados cronológicos do livro. A cronologia real da época dos
Juízes nunca poderá afastar-se muito do período entre 1200 e 1030.
TEOLOGIA
Como qualquer livro da Bíblia, também o
dos Juízes não foi escrito para nos fornecer simplesmente a História factual
das tribos de Israel. Antes de mais, foi escrito para manifestar como Deus
acompanha o seu povo na sua História concreta, mesmo no meio dos mais graves
acontecimentos, como as guerras contra os povos inimigos.
A sua teologia fundamental é proposta pelos
redatores deuteronomistas nas Introduções (1,1-3,6), em que aparecem fórmulas
características como «os filhos de Israel fizeram o que era mau aos olhos do
Senhor» (2,11; 3,7.12; 4,1; 6,1; 10,6; 13,1). Desta infidelidade do povo ao
Deus fiel da Aliança segue-se o castigo, que aparece nas derrotas perante os
povos estrangeiros; e depois, a vitória, mediante os intermediários do Senhor,
os Juízes “salvadores” (3,31; 6,15; 10,1). A ideia teológica que ressalta deste
livro é, pois, a imagem que um povo livre tem de Deus, que o acompanha para o
libertar.
Não nos devem escandalizar os “pecados”
destes Juízes, homens rudes que precisamos de situar no seu tempo e que
procedem segundo a moral de então. Caso paradigmático é a história de Sansão.
Teremos que tentar, antes, descobrir o que há neles de positivo: a ação de
Deus, que os anima com o seu espírito para conduzir o povo de Deus (3,10; 6,34;
11,29; 13,25). Neste sentido, eles foram uma antecipação dos reis de Israel.
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