A HISTÓRIA DA
ICONOGRAFIA
Introdução
Visão histórica e a relação da Igreja Católica Apostólica
Romana com as imagens de santos, da Virgem Maria e de Cristo, desde os
primórdios do cristianismo até a resolução final do Concílio de Trento sobre as
imagens.
Nos ateremos aqui à uma parte dessa pesquisa, preocupada com
a utilização das imagens na transmissão do dogma cristão, pela Igreja Católica
do Ocidente. Através das imagens, que retratavam não somente Cristo em cenas da
Sagrada Escritura, mas também a Virgem Maria e os santos homens, a Igreja
transmitia sua mensagem ao povo simples, que não tinha contato com os textos
escritos. Dessa forma, tornava-se mais clara ao conhecimento dos iletrados a
doutrina que eles deveriam seguir. No século VII, o Papa Gregório já afirmava
que “as pinturas são a leitura daqueles que não conhecem as letras”. Portanto,
a Igreja do Ocidente considera importante a utilização de imagens no dever
episcopal de instrução, recomendando, inclusive, através da resolução final do
Concilio Ecumênico de Trento (1562), que “deve-se ter e guardar notadamente nas
igrejas as imagens de Cristo, da Virgem (...) e dos santos”. Para que se
evitasse um retorno à idolatria, as autoridades cristãs fizeram questão de
ressaltar a diferença entre a veneração de uma imagem, que remete a fé do
cristão ao protótipo que ela representa, e adoração, que é um culto prestado
unicamente a Deus.
Para elaboração deste trabalho, foram selecionadas algumas
obras de autores que trataram do tema, como Alain Besançon, Hubert Jedin,
Jean-Claude Bernadet, Cláudio Pastro, entre outros. Enciclopédias e dicionários
especializados em arte e religião também serviram de fonte para elaboração
deste.
O objetivo aqui é
analisar a relação existente entre a Igreja Católica no Ocidente e a produção
artística voltada à temas relacionados à transmissão da doutrina cristã ao
longo dos séculos. Para isto, é importante conhecer as resoluções finais de
alguns Concílios Ecumênicos em que a questão das imagens foi colocada em pauta
(II Concílio de Nicéia – 787; e Concílio de Trento – 1562).
Será exposto ainda, o
estudo de Cláudio Pastro, que faz um longo discurso em sua obra Arte Sacra; o
espaço do sagrado hoje, onde ele ressalta a diferença entre a arte religiosa e
a arte sacra, a verdadeira arte de culto, que experimentou um grande
desenvolvimento no primeiro milênio, e que após o ano 1000, ficou restrita à
Igreja Católica do Oriente.
Será analisada também
a preocupação da Igreja Católica, no Ocidente, em controlar a produção de
imagens para o culto cristão ao longo dos séculos. Embora esse controle não
estabelecesse limites rígidos e imutáveis à iconografia sacra, as autoridades
da Igreja Católica não deixaram de intervir em momentos decisivos, como será
demonstrado nesse trabalho. O que a Igreja Católica não tolera na produção
artística são as inovações, as imagens portadoras de um falso dogma ou de uma
beleza profana provocativa.
A DOUTRINA CRISTÃ NO OCIDENTE
ATRAVÉS DAS REPRESENTAÇÕES ARTÍSTICAS DO CRISTO
Os primórdios da arte cristã
A origem da devoção
às imagens, e isso é um fato curioso, tem suas raízes no plano político. No
Baixo Império, os retratos oficiais dos imperadores reinantes eram considerados
verdadeiros substitutivos da presença do soberano. Sua recepção se fazia em
meio a solenes procissões. Eram objetos de verdadeiro culto e respeito, dignas
de saudações respeitosas que iam até à prosternação, tapeçaria, incenso e
velas.
O culto das santas
imagens inicia-se no decorrer do século V, segundo nos mostra Danielou e
Marrou, e experimenta um brusco impulso no século VI, durante e após Justino II
(565-578), no Império Bizantino. Desde suas origens, segundo os mesmos Danielou
e Marrou “a arte cristã (...) havia desenvolvido uma iconografia religiosa e
havia representado tipos ou cenas tomadas de empréstimo à Sagrada Escritura
para seus muros e monumentos. Tais representações, além da função decorativa e
pedagógica, possuíam já um certo valor de sacralização.”
Ao longo dos séculos, do começo da arte cristã até hoje,
percebe-se que há diferenças entre as representações artísticas do Cristo. Não
é simplesmente a observação de que a arte mais antiga seja diferente, ou uma
mais moderna seja mais desenvolvida. Há que se diferenciar dois estágios da
arte cristã: a arte sacra e a arte religiosa.
ARTE SACRA E ARTE RELIGIOSA
Segundo Cláudio Pastro, existem dois conceitos sobre arte,
que não são meras noções, mas possuem diferenças radicais. Trata-se da arte
sacra e da arte religiosa. Para Pastro, “a arte sacra, discreta e em estrita
ligação com a liturgia, faz um todo com o espaço sagrado. A arte religiosa, ao
contrário, pode decorar uma sala, um quarto... e até uma capelinha”. Uma imagem
de culto, que é uma arte sacra, manifesta a existência de Deus; ela é sagrada
ética e religiosamente. Ela tem autoridade em si mesma, produz no fiel uma
atitude de respeito, comoção, adoração, temor e tendência a aproximar-se. Essa
imagem sugere ao fiel que adore a Deus. Ela provém do pneuma, do Espírito
Santo. Já numa imagem de devoção, que é uma arte religiosa, se sente a
personalidade de um homem determinado. Esse tipo imagem mostra a vida pessoal
do artista, suas reflexões de fé, lutas e buscas internas.
A imagem de devoção é
fruto de um artista, de um bom artesão. O artista de uma imagem de culto não
cria, mas serve á Presença, contempla. O
objetivo da arte sacra consiste em exprimir pelo visível o Invisível, em
revelar a imagem da natureza divina impressa no criado, mas oculta nele,
realizando objetos visíveis que sejam símbolos do Deus Invisível. São Nicéforo
e São Teodoto Studita consideravam a veneração do ícone como parte integrante
da Liturgia, à semelhança da celebração da Palavra.
A arte sacra é,
segundo Cláudio Pastro, “como um prolongamento do Mistério da Encarnação, da descida
do Divino no criado”. É arte de culto a decorar as paredes das igrejas e a
iconostase, seu santuário, com os principais mistérios bíblicos da fé. Sendo assim,
o artista não pode deixar-se guiar pelas suas próprias inspirações; seu
trabalho não consistirá em exprimir a sua personalidade, mas procurará a forma
perfeita que corresponda a Protótipos Sagrados de inspiração celeste, através
da celebração comunitária e da oração pessoal que filtra a intenção subjetiva
do artista e faz brotar o seu conteúdo objetivo. O ícone está em estreita
ligação com a liturgia. Sendo assim, o ícone é a imagem sacra da Igreja
Universal, que após o ano 1000 ficou restrito ao Oriente. Já no Ocidente, desde
o século XII que os artistas não fazem parte dos Sagrados Ministérios. Na
opinião do mesmo Cláudio Pastro, “talvez exista [hoje] uma arte religiosa, mas
não uma arte sagrada”. Esse tipo de arte prevaleceu durante todo o primeiro
milênio, mas após o ano 1000, foi sendo substituída pela arte religiosa, até
ser deploravelmente dominada nos séculos XVIII e XIX, pelo moralismo,
sentimentalismo e esteticismo da época romântica.
AS BASES PARA A REPRESENTAÇÃO DO
CRISTO
Durante o século IV tendências vindas da penetração de
elementos orientais e ocidentais levantavam alguns problemas para a arte sacra,
sobre que caminho deveria seguir. Nessa época, autoridades da Igreja (Doutores
da Fé, Padres, soberanos pontífices) preocupavam-se em impedir a volta à
idolatria, encerrando a iconografia em limites preciosos, preservando a arte
sacra dos contatos com a ignorância.
Nesse tempo, São
Basílio, juntamente com Santo Agostinho e São João Crisóstomo, exerceram grande
influência no desenvolvimento da arte sacra. Segundo Alfred Leroy.
“Para São Basílio e seus discípulos era normal representar o
Cristo sofredor, pobre, carregando os pecados do mundo, e sem nenhuma beleza
humana. Para Santo Agostinho e São João Crisóstomo tal concepção parecia
incompatível com a Majestade Divina”
A última concepção sobressaiu. Santo Agostinho e São João
Crisóstomo queriam que as imagens fossem visões de majestade e serenidade,
oferecidas à adoração e veneração dos fiéis e com relação à representação da
fisionomia de Cristo surgia outro debate: deveria se adotar a iconografia
síria, na qual Cristo é representado de cabelos longos e barba, ou a
iconografia romana, em que Cristo é representado imberbe e de cabelos curtos.
Segundo Cláudio
Pastro, “o ponto básico referencial na iconografia cristã é, sempre, a face
aqueropita, a sagrada Face não pintada por mão humana”. No final do século IV,
após muitas discussões, prevaleceu a representação síria. Assim a Igreja de
Roma ia estabelecendo as bases da iconografia sacra, sem estabelecer limites
rígidos, estáticos e imutáveis à arte sacra, embora não deixasse de intervir
com rigor em momentos decisivos, como a Querela de Imagens, nos séculos VIII e
IX, e através do Concílio de Trento, no século XVI, quando o luteranismo era
divulgado pela Europa.
A unidade da arte
sacra se dava devido aos intercâmbios realizados entre conventos disseminados
por todo o mundo cristão. Nos mosteiros, religiosos e religiosas praticavam a
pintura, escultura, iluminura e artes menores, preservando as artes e as letras
trazidas dos séculos anteriores. Até o século XIII, a maioria dos pintores,
mosaístas e ilustradores eram religiosos.
O que a Bíblia nos fala sobre as
imagens?
Em se tratando do
texto bíblico, principalmente no Antigo Testamento, são apresentadas ao leitor
diferentes visões quando se trata das imagens, o que gerou, ao longo dos
séculos, divergentes opiniões sobre o assunto. Em alguns trechos, como em Êxodo
20, 4, por exemplo, Deus proíbe a fabricação de imagens para se evitar a
idolatria. Em outras passagens, ainda no Antigo Testamento, percebe-se a
utilização de imagens, como em Êxodo 25, 18-22, quando Deus ordena a Moisés que
faça dois querubins de ouro entre os quais Deus se encontraria e falaria com
ele. Em Números 21, 8, para punir seu povo, Deus envia contra eles serpentes
abrasadoras, e diz a Moisés: “Faz uma serpente de bronze e coloca-a numa haste;
aquele que for mordido e olhar para ela, viverá”.
Alguns historiadores sugerem que a reincidência com que o
Antigo Testamento proíbe a fabricação de imagens seria o indício de que haveria
tal prática entre os hebreus. Sabe-se que os judeus não eram uma sociedade
desprovida de imagens. Um exemplo é a sinagoga da antiga cidade Dura-Europos na
Síria, descoberta em 1921, aproximadamente do século III, que possuía em sua
sala de rezas pinturas, que ilustravam cenas bíblicas.
A posição da Igreja Católica com relação à utilização das
imagens foi praticamente definida no ano de 787, no II Concílio Ecumênico de
Nicéia. Nesse momento, no Oriente, iconoclastas enfurecidos destruíam imagens
do Cristo, da Virgem e dos santos, visando acabar, assim, com a idolatria. Se
os soberanos pontífices e padres dos diversos Concílios se mostraram, no
Ocidente, preocupados em deixar as artes religiosas se desenvolverem, no
Oriente o clero exerceu sobre elas uma severa vigilância. Entre aqueles que
consideram a pintura, o mosaico e a escultura como preciosos auxiliares da
evangelização, e os iconoclastas (destruidores de imagens), explode um grande
conflito no século VIII, no ano de 726, que só terminaria em 843. Esses
iconoclastas procuram acentuar o caráter particularista da Igreja de
Constantinopla em face da Igreja de Roma. Consideravam o culto das imagens uma
forma de idolatria e lutaram contra ele, inclusive pela destruição de imagens
sacras. Segundo a teologia católica, como é citado no Dicionário enciclopédico
das religiões, “a idolatria é o pecado que consiste em prestar a uma criatura
um culto que só a Deus é devido” .
Essa crise da mais rara violência, alastra-se de
Constantinopla para toda a cristandade. Imagens do Cristo, da Virgem e dos
Santos, mosaicos e esculturas reproduzindo essas figuras, tudo foi proscrito ou
destruído. Roma ergueu-se contra os iconoclastas já em 731, condenando-os
através de um Concílio romano. Mais tarde, Paulo (757-767) acolheu artistas
bizantinos expulsos pela fúria iconoclasta. Coube ao Papa Adriano presidir ao
II Concílio Ecumênico de Nicéia, em 787, o qual afirmava que “Quem venera uma
imagem, venera a pessoa que ela representa.” Esse Concílio sancionou também a
tradição segundo a qual “devem expor-se as venerandas imagens sacras,
manufaturadas com tintas, com mosaicos e com outras matérias idôneas, nas
igrejas consagradas a Deus, nos vasos e paramentos sagrados, nas paredes e nos
retábulos, nas casas e nas ruas; e isso aplica-se tanto à imagem do Nosso
Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo e à Nossa Senhora Imaculada, bem como às
imagens dos veneráveis anjos e de todos os homens santos e piedosos”.
Ficava definido, assim, que de modo semelhante à sagrada
cruz, as santas imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo, da Santa Mãe de Deus, dos
santos homens e dos anjos, pintadas, em mosaico ou outra matéria conveniente,
deveriam ser expostas nas igrejas, nos vasos, em ornamentos, em quadros e
paredes. Definia ainda que a veneração prestada às imagens não deveria se
confundir com o culto de latria prestado unicamente à Deus. A homenagem (e não
adoração) prestada à essas imagens não constitui idolatria, porque através da
homenagem e da imagem, a adoração se dirige ao protótipo. Assim quem adora à
uma imagem, adora à pessoa que ela representa.
Aqueles que se atrevessem a ensinar de outra maneira, ou
inventassem alguma novidade com relação às coisas sagradas da Igreja, entre
elas as imagens e relíquias de santos, seriam punidos: se fossem bispos ou
clérigos, seriam depostos; caso fossem monges ou laicos, seriam submetidos à
excomunhão. A política da Igreja Católica, com relação às imagens, praticamente
se definiu nesse Concílio.
Essa decisão no II Concílio de Nicéia reafirma as palavras
do Papa Gregório, que no século VII disse que: “Uma coisa (...) é adorar uma
pintura, outra é apreender por uma cena representada o que se deve adorar. Pois
o que o escrito oferece às pessoas que lêem, a pintura o fornece aos
analfabetos que a olham, já que estes ignorantes vêem o que eles devem imitar;
as pinturas são a leitura daqueles que não conhecem as letras, de forma que
desempenham o papel de uma leitura, principalmente entre os pagãos”.
São Boaventura, segundo Bernadet, considera que a vista é o
mais convincente dos sentidos. Diz ainda que “o que vemos motiva mais nossos
afetos que o que ouvimos” .
Tentando opor um Concílio ocidental ao II Concílio de
Nicéia, o imperador Carlos Magno realizou o Concílio de Frankfurt, no ano de
794, com a participação de bispos da, França, Inglaterra e dois representantes
do Papa. Carlos Magno não queria reconhecer o caráter ecumênico do II Concílio
de Nicéia. Houveram falhas nas traduções dos textos originais, em grego, para a
cristandade ocidental. Principalmente no que se referia às imagens, a tradução
não foi clara, suscitando dúvidas e discussões. Esse foi um dos motivos que
levou Carlos Magno a realizar o Concílio de Frankfurt. Mas o Papa Adriano I
(772-795) reconheceu o II Concílio de Nicéia como o sétimo Concílio Ecumênico.
As representações
artísticas das fases da vida de Jesus tornaram-se, ao longo da história do
cristianismo, o recurso pelos quais os fiéis procuraram se aproximar do Filho
de Deus. As reproduções da história sagrada se tornaram o “catecismo dos
iletrados”, como afirmavam os escritores antigos. As gerações cristãs
procuravam, através dessas representações, subir ao Invisível, passando pelo
visível que Cristo nos apresentou.
O CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO
(1562)
Roma, assim, definia a utilidade e o papel da arte sacra,
fazendo uso inclusive de imagens esculturais, diferentemente da Igreja do
Oriente. No século XVI, o Concílio de Trento reafirmou os dados essenciais do
Concílio de Nicéia II com relação às imagens, subordinando a arte ao dogma,
voltando-a à propagação da fé católica. Afirmava esse Concílio que deveriam ser
conservadas nas igrejas, imagens de Cristo, da Virgem Maria e de santos, não
por se crer que haja nessas imagens alguma divindade, não para se fazer algum
pedido à elas, ou para prestar à elas um culto que só é devido Deus, mas sim
porque quando nos prostramos diante das imagens, nossa adoração se dirigeà
pessoa que ela representa,seja Jesus Cristo, a Virgem Maria ou algum dos
santos.
Definia também o
Concílio de Trento que as reproduções artísticas das histórias e dos mistérios
de nossa redenção serviriam à instrução do povo. Essas reproduções provocam no
povo a recordação dos benefícios e dons concedidos por Cristo, e também colocam
diante dos olhos dos fiéis a obra de Deus realizada através dos santos homens e
de seus exemplos. Mas o Concílio proibia exposição de qualquer imagem portadora
de falso dogma E mandava, ainda, que se ensinasse ao povo que a divindade não
pode ser percebida com os olhos ou o corpo, nem expressada através de cores ou
formas.
Com relação a todos
esses pontos a Igreja Católica não mudou sua posição favorável às imagens,
sendo raras suas intervenções após o Concílio de Trento. Numa dessas
intervenções, segundo D. Menozzi, citado por Besançon, o Papa Urbano VIII
proibiu, através da carta Sacrossancta, que se vestissem as imagens dos santos
ou do Cristo “com o hábito particular de qualquer ordem regular que seja”,
impedindo, assim, uma apologia desonesta.
AS IMAGENS SAGRADAS NA IGREJA
CATÓLICA HOJE
Ainda hoje a Igreja Católica Apostólica Romana mantém o
costume de ornar as igrejas com imagens de Cristo, da Virgem Maria e dos
santos, como nos revela o Cânone 1188 do código do Direito Canônico:
“Mantenha-se a praxe de propor imagens sagradas nas igrejas,
para a veneração dos fiéis; entretanto, sejam expostas em número moderado e na
devida ordem, a fim de que não se desperte a admiração no povo cristão, nem se
dê motivo a uma admiração menos correta.”
A Igreja Católica considera um abuso guardar veladas algumas
imagens, pois essa atitude é temerária e contrária à sua utilidade, que é a de
fomentar a piedade dos fiéis. Nos últimos anos do século XX, após o Concílio
Ecumênico Vaticano II, cresceu muito o interesse da Igreja Católica, no
Ocidente, pelos ícones, que desde o início a Igreja Oriental tinha como “imagem
do Invisível, como imagem Condutriz, uma arte da liturgia, expressão viva da fé
de uma comunidade e não de um artista.” Aos poucos, a novidade foi
reevangelizando o Ocidente.
Segundo Emile Mâle,
citado por André Richard, a “Igreja romana utiliza a arte para opor suas
próprias teses (culto mariano, primazia da Igreja romana, valor da penitência e
das boas obras) às reivindicações dos adeptos da Reforma.”
Os Reformados (Calvinistas) defendem a opinião, tradicional
entre os protestantes, de que as imagens são contrárias à Escritura e acarretam
o perigo da idolatria. Já os Luteranos afirmam que, quando Cristo mandou os
apóstolos pregar o Evangelho em todas as línguas, incluía também a linguagem
figurada do artista (pintor ou escultor). Acrescentavam ainda que quem
reconhece na música o veículo apto da fé e do amor dos cristãos, não podem
deixar de reconhecer nas representações óticas um instrumento apto para
exprimir as verdades reveladas.
O CONTROLE DA IGREJA CATÓLICA SOBRE
A PRODUÇÃO DE IMAGENS
Todo o poder que as imagens possuem, remetem
inevitavelmente, segundo Jean-Claude Bernadet, ao poder da Igreja, que, ciosa
de não perdê-lo, tende a manter um monopólio sobre a produção de imagens. As
autoridades eclesiásticas têm exercido controle sobre os tipos de imagens
utilizadas no culto cristão. Estas não podem ser inspiradas unicamente pelo
esteticismo ou pela devoção popular exuberante, fantasista. Foi com esse
pensamento que o Papa Urbano VIII, em 1628, condenou a representação da
Santíssima Trindade sob forma de um tronco humano com três cabeças, e que, em
1745, Bento XIV rejeitou a cena de três pessoas sentadas uma ao lado da outra,
para representar a Santíssima Trindade. Isso porque nunca o Espírito Santo
apareceu sob forma humana.
Foi também proibido pelo Papa Pío VI que as sagradas
imagens, em particular as da Virgem Maria, recebessem outras denominações
diferentes daquelas que a Igreja aprova e recomenda. Essa denominações são
“temerárias, ofensivas aos ouvidos piedosos e injuriosa à veneração devida
especialmente à bem-aventurada Virgem.” Para a Igreja, a arte cristã deve
representar as Pessoas Divinas somente sob as formas pelas quais são citadas na
Sagrada Escritura.
A posição da Igreja
Católica favorável às imagens não autoriza a representação direta de Deus, como
uma das figuras da Santíssima Trindade. Em 1745, o Papa Bento XIV já afirmava
através da Sollicitudini nostrae, citada por Denziger, que as imagens da Santíssima
Trindade são temerárias e contrárias ao costume da Igreja, pois não existem
imagens da Santíssima Trindade comumente aprovadas e que possam ser permitidas
com segurança. A impossibilidade dessa representação será mantida pela Igreja
por séculos. Durante todo o primeiro milênio as representações de Deus são
extremamente raras na cristandade latina. Somente a partir do século XIII elas
se tornam mais freqüentes e explodem no maneirismo e no barroco. Tanto para
Kant quanto para Hegel, citados por Alain Besançon, “todas as magens que se
referem à Deus são justificáveis, mas nenhuma é verdadeira; só são verdadeiras
em relação ao artista, não em relação a Deus”
CONCLUSÃO
Originada das representações artísticas de imperadores do
Baixo Império, a devoção das imagens na história do cristianismo se iniciou por
volta do século V, ganhando grande impulso no século seguinte.
Dos primórdios até
nossos dias, a arte cristã sofreu grandes modificações. A arte sacra, arte de
culto que existia durante os primeiros séculos como parte integrante da
liturgia, pouco a pouco foi dando seu lugar na iconografia cristã do Ocidente à
arte religiosa um tipo de arte em que a personalidade individual de um homem,
sua expressão de fé, suas lutas internas se fazem presente.
Na história do
cristianismo, e em particular no desenvolvimento da iconografia cristã, as
autoridades da Igreja Católica, no Ocidente, não estabeleceram limites
intransponíveis à arte, que se transformava, rejuvenescia e progredia ao longo
dos séculos. Isso, porém, não significa que a Igreja não interferiu em momentos
de conflitos e debates a respeito do assunto.
Logo nos primeiros
séculos, a Igreja de Roma tratou de estabelecer as bases da iconografia cristã,
sem no entanto tirar a liberdade de criação dos cristãos. No século IV surgiram
alguns problemas levantados pela arte sacra, relacionados á representação da
fisionomia de Cristo. A mesma questão foi levantada em relação á iconografia
marial e à incipiente iconografia dos santos.
Desde o nascimento da
arte cristã, a Igreja Romana havia estabelecido uma relação entre palavra e
imagem. Mesmo se debatendo com opiniões contrárias, a Igreja Católica no
Ocidente se manteve, de um modo geral, favorável ao uso das imagens,
considerando-as um instrumento episcopal de instrução. Essa posição gerou
alguns conflitos ao longo dos séculos. Por volta do ano 600, numa atitude
iconoclasta, o bispo Serenus, de Marselha, mandou destruir as imagens de sua
cidade. Essa atitude resultou no afastamento de fiéis. O bispo Serenus foi
repreendido através de uma carta envidada pelo Papa Gregório, que representava
a postura adotada pela alta hierarquia eclesiástica durante séculos, que
considerava a pintura “a leitura daqueles que não conhecem as letras”. No
século VIII estoura uma crise iconoclasta da mais rara violência em
Constantinopla, que durou até o ano de 843. Nesse período foi realizado o II
Concílio Ecumênico de Nicéia (787), que praticamente definiu a posição da
Igreja Católica com relação às imagens. No século XVI, a Igreja precisou
intervir novamente na questão através do Concílio de Trento, que reafirmou o
que se havia decidido no II Concílio Niceno.
“A imagem é um livro portador de linguagem” (Gregório de
Nissa). Foi pensando dessa maneira que a Igreja utilizou as imagens na
transmissão de sua doutrina àqueles que não tinham contato com as letras. Era
através das representações de cenas tomadas da Bíblia que o povo simples
apreendia aquilo que deveria seguir e imitar. E para responder ao argumento
comum entre os protestantes calvinistas, de que a utilização das imagens
levaria o povo à idolatria, as autoridades eclesiais fizeram questão de
ressaltar a diferença existente entre adoração, culto prestado unicamente a
Deus, e veneração, que é uma homenagem prestada à imagem, que remete a fé do
cristão ao protótipo representado.
muito bom, excelente, precisamos sempre de materiais capazes de auxiliar na compreensão dos mistérios santos.
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