quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Vestes Litúrgicas.III


Vestes Litúrgicas - Uma experiência muito bonita...

Pe. Luís Renato C. de Oliveira,SJ
Pe. José Raimundo de Melo, SJ

 


Nesses dias andei re-visitando meus álbuns de fotografias, procurando fotos com vestes litúrgicas, e me deparei com muitos momentos vividos e celebrados intensamente, que diversidade, que maravilha a vida litúrgica por este Brasil afora, fiquei realmente muito grato a Deus por tantas e tantas experiências muito fecundas pelo nosso país.

Pelo Batismo nos tornamos profetas, reis e sacerdotes, a grandeza, a dignidade e a novidade trazidas pelo divino Salvador. Os leigos são protagonistas da evangelização no mundo e no meio onde estão. Cinco vezes se repete no documento da IV Assembléia Geral do Episcopado Latino-Americano (Santo Domingo 1992) que os fiéis leigos devem ser protagonistas na nova evangelização do continente. Citam o Sínodo dos Bispos de 1989 e a correspondente Exortação pós-sinodal Christi Fidélis Laici, insistindo na importância de mostrar que os ministérios leigos têm sua raiz nos sacramentos do batismo e da confirmação. Prometem continuar fomentando as experiências que oferecem ampla margem de participação aos fiéis leigos e respondem às necessidades de muitas comunidades que, sem essa valiosa colaboração, ficariam privadas do acompanhamento na catequese, na oração e na animação de seus compromissos sociais e caritativos. Na paróquia são as indispensáveis e utilíssimas tarefas intra-eclesiais, nas quais, no entanto, os fiéis leigos devem ser sinais de Cristo, comprometidos com a justiça e a solidariedade, buscando uma vida melhor para o povo. 

O Concilio Vaticano II conclama os fieis leigos na paróquia a buscarem viver a proposta de trabalhar na defesa da dignidade do homem e de seus inalienáveis direitos à vida, à segurança, ao trabalho, à moradia, à educação, à religião, à participação em associações livres, à posse da terra; Proteger os mais fracos e necessitados: crianças, anciãos, marginalizados jovens, desempregados, encarcerados, operários; Trabalhamos na construção da paz, da liberdade, da justiça. O leigo cristão é “homem da Igreja no coração do mundo e homem do mundo no coração da Igreja” (Puebla 787).
 
Nossa liturgia tem dado passos muito significativos e importantes na caminhada de Igreja, Povo de Deus, uma Igreja ministerial. Meu desejo aqui é buscar explicitar a relação do uso das vestes com esta ministerialidade em nossa Igreja. Existem na Igreja atualmente três tipos de ministérios litúrgicos:

- os ministros ordenados: bispo, padre, diácono;
- os ministros instituídos: leitor e acólito;

Uma infinidade de outros ministros que vão surgindo de acordo com a vida e a necessidade de cada paróquia ou comunidade: leitores, acólitos, comentaristas ou animadores, cantores e instrumentistas, sacristãos, equipe de acolhimento, servidores da Eucaristia, ministros do batismo, dirigente de celebração, dirigentes da via-sacra, da novena de natal, etc...

Todos eles assumem um verdadeiro ministério litúrgico, cada um na sua função. Quanto mais viva e participativa é a comunidade, mais serviços e ministérios vão surgindo para acompanhar o crescimento da comunidade e a diversificação de suas celebrações litúrgicas.

Quando falamos em assembléia litúrgica, não devemos pensar só na Missa, mas também: na celebração de todos os sacramentos (batismo, crisma, penitência, casamento, ordenação, unção dos enfermos); na celebração dos sacramentais (encomendação de um defunto, procissões, bênçãos...) nas inúmeras formas de celebração da palavra (vias-sacras, novenas, círculos bíblicos etc); nas orações feitas no início ou no final de uma reunião de grupo ou movimento, etc.

Encontrei uma pesquisa do Pe. José Raimundo (MINISTÉRIOS E SERVIÇOS LITÚRGICOS NUMA IGREJA TODA MINISTERIAL - A MINISTERIALIDADE EM DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO PÓS-CONCILIAR), que tinha por finalidade principal pôr o leitor em contato com a concepção de ministérios que se extraem dos documentos litúrgicos do magistério universal no pós-concílio. E acreditamos termos adquirido uma visão bastante ampla, diversificada e matizada da íntima relação entre carismas, ministérios e serviços no âmbito da liturgia cristã. Deste modo, tendo por horizonte a pesquisa realizada, acreditamos poder firmar aqui algumas conclusões:

1º) O ministério é precipuamente um carisma, ou seja, um dom do alto, do Pai, pelo Filho, no Espírito, que torna seu portador apto a desempenhar determinadas atividades, serviços e ministérios em ordem à salvação (cf. 1Cor 12,4ss.). Sendo assim, a Igreja em sua gênese é toda ministerial desde Pentecostes, e não pode se compreender de outro modo. Ela exercita a ministerialidade «ad intra», em funções voltadas para a edificação, a coesão e a manutenção do corpo eclesial e, «ad extra», em funções concomitantes que visibilizam a sua atuação transformadora na sociedade. Embora didaticamente façamos esta distinção, a ministerialidade brota do único dinamismo trinitário, complexo e articulado, que inspira a ministerialidade do culto, da palavra e da coordenação eclesial. Deste modo, os ministérios nascem da contemplação da face do Pai e na diaconia de Jesus Cristo, Servo obediente ao Pai a serviço da humanidade, e se refletem na Igreja e para a Igreja, sacramento de salvação e de libertação da pessoa toda e de todos na única história salvífica (1Jo 1,1-3).

A Igreja apresenta-se toda ministerial desde os seus inícios neo-testamentários e só pode compreender-se deste modo. Ser “toda ministerial” significa que no corpo eclesial cada um é continuamente convidado a pôr em comum os seus dons, ofícios e carismas, para o bem de todos os irmãos e sempre em vista da construção do integral Corpo do Senhor. Desta importante tarefa nenhum cristão, ordenado ou não, pode ser dispensado.

2º) Os múltiplos ministérios e serviços litúrgicos, que tão ricamente constituem a Igreja e manifestam a pluralidade de carismas e funções no meio do povo de Deus, jamais podem expressar autoritarismo e manipulação das pessoas e grupos ou denotar honra e privilégio. Tais elementos, tão comuns no nosso mundo, se contrapõem decisivamente ao modus celebrandi, operandi e vivendi do corpo eclesial. Na Igreja, porém, estes serviços nada mais são do que a continuação no tempo e no espaço daquele amor pleno e total com o qual o Senhor Jesus – Servo sofredor – ofereceu a si mesmo, consumando a sua vida por todos. Isso, enquanto indica uma realidade já em fermento no seio da comunidade, não deixa de ser forte alerta no sentido de continuamente recordá-la que a vida à qual é chamada, amadurece num processo lento e contínuo, o que constitui, em definitivo, a sua própria vocação.

3º) Recebendo o impulso da experiência comunitária da Igreja, cada vez mais se firma uma nova terminologia quanto aos ministérios e à sua diversidade. A CNBB, no seu documento Missão e Ministérios dos cristãos leigos e leigas, com muita acuidade, assim apresenta uma nova sistematização da ministerialidade:

Na reflexão teológica e pastoral, têm-se distinguido os seguintes grupos de ministérios:

a) ministérios simplesmente “reconhecidos” (às vezes, impropriamente, chamados ministérios “de fato”), quando ligados a um serviço significativo para a comunidade, mas considerado não tão permanente, podendo vir a desaparecer, quando variarem as circunstâncias;

b) ministérios “confiados”, quando conferidos ao seu portador por algum gesto litúrgico simples ou alguma forma canônica;

c) ministérios “instituídos”, quando a função é conferida pela Igreja através de um rito litúrgico chamado “instituição”;

d) ministérios “ordenados” (também chamados apostólicos ou pastorais), quando o carisma é, ao mesmo tempo, reconhecido e conferido ao seu portador através de um sacramento específico, o sacramento da Ordem, que visa a constituir os ministros da unidade da Igreja na fé e na caridade, de modo que a Igreja se mantenha na tradição dos Apóstolos e, através deles, fiel a Jesus, ao seu Evangelho e à sua missão. O ministério ordenado, numa eclesiologia de totalidade e numa Igreja toda ministerial, não detém o monopólio da ministerialidade da Igreja. Não é, pode-se dizer, a “síntese dos ministérios”, mas o “ministério da síntese”.

Seu carisma específico é o da presidência da comunidade e, portanto, da animação, coordenação e – com a indispensável participação ativa e adulta de toda a comunidade – do discernimento final dos carismas (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Missão e ministério dos cristãos leigos e leigas, São Paulo: Paulinas, 1999, n. 87, pp. 69-70 - Documentos da CNBB, n. 62).

4º) A Igreja, portanto, não pode existir sem ministros, pois eles definem a sua própria identidade, desenhando em definitivo a sua fisionomia. Quanto mais profunda for a participação de todo o povo de Deus numa assembléia celebrativa, tanto mais ministérios se farão aí necessários, manifestando assim a Igreja como comunidade verdadeiramente participativa, onde cada um é chamado a dar a sua contribuição, na construção do Reino de Cristo, para o bem de todo o povo de Deus.

Além do mais, os ministérios litúrgicos sempre se desdobram nos ministérios da caridade, da justiça, que visam a construção de um mundo mais justo e mais fraterno. E, por isso mesmo, a Igreja sempre criou múltiplas estruturas de serviço caritativo segundo os contextos sócioeclesiais e suas exigências.

5º) Assistimos atualmente a uma nova consciência sobre o papel do laicato na Igreja, elemento que recebeu forte promoção da Constituição Gaudium et Spes, e que também levou a uma eclosão da presença do leigo nos ministérios e serviços eclesiais (evangelização, serviços da caridade, teologia, catequese, diversas pastorais) e, particularmente, nos ministérios litúrgicos. Nas muitas Igrejas da Ásia, África e América Latina, constatasse cada vez mais a emergência de ministérios espontâneos com uma abrangência litúrgica e sempre protagonizados por mulheres e homens que com dedicação, afinco e perseverança levam adiante a edificação das comunidades cristãs, vivenciando o ano litúrgico em momentos de profunda espiritualidade.

Esses serviços novos, embora não sejam continuação direta daqueles que existiram na Igreja em tempos mais antigos, como os sacristães, zeladores e tantos outros, também não deixam de guardar uma certa continuidade com eles.

Constatamos assim que, para além dos ministérios oficialmente confirmados pela Igreja, o Espírito Santo de Deus continua suscitando serviços e carismas para o bem das inúmeras comunidades eclesiais. São exemplos destas novas funções levadas a efeito por dedicados leigos a coordenação das novenas de Natal, Pentecostes, Padroeiros, círculos bíblicos em estilo bem orante, as celebrações exequiais, a distribuição da comunhão para doentes, idosos e sob a forma de viático, as celebrações nas peregrinações, celebrações penitenciais em santuários, a presidência da Liturgia das Horas nas paróquias, comunidades e CEBs, diversos tipos de bênçãos, celebrações na quarta-feira de Cinzas, no domingo de Ramos e no Tríduo Pascal, a Via Sacra etc.

Vê-se que a maior parte de tais celebrações são realizadas por mulheres, e isso pode ser lido como um sinal profético de que é sempre o Espírito do Senhor quem valoriza e continuamente conduz e renova a Igreja de Deus em direção a formas expressivas e eloqüentes de ministérios. Tais ministérios, embora chamados de “supletivos”, porque feitos na ausência dos ministros ordenados e, por isso mesmo, tidos por “temporários”, na verdade não o são, porque diferem, enriquecem e complementam a função própria do sacerdote na Igreja.

 

Os documentos analisados nos oferecem uma visão ampla e diversificada dos ministérios tal como os compreende a Igreja a partir do Concílio Vaticano II. Mas a prática eclesial das últimas décadas também nos sugere um grande número de outros ministérios e serviços, espontaneamente brotados no seio da comunidade, e que igualmente contribuem para delinear cada vez mais o rosto da Igreja como Igreja toda ministerial. Tudo isso enriquece, anima e confirma a mesma Igreja, convocando-a a deixar-se guiar sempre pelo Espírito. Que a reflexão aqui realizada concorra não só para uma visão aprofundada sobre os ministérios litúrgicos hoje, como também nos abra, na força do Espírito Santo, para acolhermos com interesse, disponibilidade e alegria os diversos ministérios que a voz do mesmo Espírito não deixa de sugerir à sua Santa Igreja.

 

José Raimundo de Melo, SJ, é mestre (1987) e doutor (1993) em Sagrada Liturgia pelo

Pontifício Ateneu Santo Anselmo (Roma). É professor de Liturgia na Pontifícia Faculdade

de Teologia N. S. da Assunção (São Paulo) e no Pontifício Instituto Oriental (Roma). É

autor de vários artigos, publicados em revistas e em obras coletivas.

 

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