Vestes Litúrgicas - Uma experiência muito bonita...
Pe. Luís Renato C. de Oliveira,SJ
Pe. José Raimundo de Melo, SJ
Nesses dias andei re-visitando meus
álbuns de fotografias, procurando fotos com vestes litúrgicas, e me deparei com
muitos momentos vividos e celebrados intensamente, que diversidade, que
maravilha a vida litúrgica por este Brasil afora, fiquei realmente muito grato
a Deus por tantas e tantas experiências muito fecundas pelo nosso país.
Pelo Batismo nos tornamos profetas,
reis e sacerdotes, a grandeza, a dignidade e a novidade trazidas pelo divino
Salvador. Os leigos são protagonistas da evangelização no mundo e no meio onde
estão. Cinco vezes se repete no documento da IV Assembléia Geral do Episcopado
Latino-Americano (Santo Domingo 1992) que os fiéis leigos devem ser
protagonistas na nova evangelização do continente. Citam o Sínodo dos Bispos de
1989 e a correspondente Exortação pós-sinodal Christi Fidélis Laici, insistindo
na importância de mostrar que os ministérios leigos têm sua raiz nos
sacramentos do batismo e da confirmação. Prometem continuar fomentando as
experiências que oferecem ampla margem de participação aos fiéis leigos e
respondem às necessidades de muitas comunidades que, sem essa valiosa
colaboração, ficariam privadas do acompanhamento na catequese, na oração e na
animação de seus compromissos sociais e caritativos. Na paróquia são as
indispensáveis e utilíssimas tarefas intra-eclesiais, nas quais, no entanto, os
fiéis leigos devem ser sinais de Cristo, comprometidos com a justiça e a
solidariedade, buscando uma vida melhor para o povo.
O Concilio Vaticano II conclama os
fieis leigos na paróquia a buscarem viver a proposta de trabalhar na defesa da
dignidade do homem e de seus inalienáveis direitos à vida, à segurança, ao
trabalho, à moradia, à educação, à religião, à participação em associações
livres, à posse da terra; Proteger os mais fracos e necessitados: crianças,
anciãos, marginalizados jovens, desempregados, encarcerados, operários;
Trabalhamos na construção da paz, da liberdade, da justiça. O leigo cristão é
“homem da Igreja no coração do mundo e homem do mundo no coração da Igreja”
(Puebla 787).
Nossa liturgia tem dado passos muito significativos e importantes na caminhada de Igreja, Povo de Deus, uma Igreja ministerial. Meu desejo aqui é buscar explicitar a relação do uso das vestes com esta ministerialidade em nossa Igreja. Existem na Igreja atualmente três tipos de ministérios litúrgicos:
- os ministros ordenados: bispo,
padre, diácono;
- os ministros instituídos: leitor
e acólito;
Uma infinidade de outros ministros
que vão surgindo de acordo com a vida e a necessidade de cada paróquia ou
comunidade: leitores, acólitos, comentaristas ou animadores, cantores e
instrumentistas, sacristãos, equipe de acolhimento, servidores da Eucaristia,
ministros do batismo, dirigente de celebração, dirigentes da via-sacra, da
novena de natal, etc...
Todos eles assumem um verdadeiro
ministério litúrgico, cada um na sua função. Quanto mais viva e participativa é
a comunidade, mais serviços e ministérios vão surgindo para acompanhar o
crescimento da comunidade e a diversificação de suas celebrações litúrgicas.
Quando falamos em assembléia
litúrgica, não devemos pensar só na Missa, mas também: na celebração de todos
os sacramentos (batismo, crisma, penitência, casamento, ordenação, unção dos
enfermos); na celebração dos sacramentais (encomendação de um defunto,
procissões, bênçãos...) nas inúmeras formas de celebração da palavra
(vias-sacras, novenas, círculos bíblicos etc); nas orações feitas no início ou
no final de uma reunião de grupo ou movimento, etc.
Encontrei uma pesquisa do Pe. José
Raimundo (MINISTÉRIOS E SERVIÇOS LITÚRGICOS NUMA IGREJA TODA MINISTERIAL - A
MINISTERIALIDADE EM DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO PÓS-CONCILIAR), que tinha por
finalidade principal pôr o leitor em contato com a concepção de ministérios que
se extraem dos documentos litúrgicos do magistério universal no pós-concílio. E
acreditamos termos adquirido uma visão bastante ampla, diversificada e matizada
da íntima relação entre carismas, ministérios e serviços no âmbito da liturgia
cristã. Deste modo, tendo por horizonte a pesquisa realizada, acreditamos poder
firmar aqui algumas conclusões:
1º) O ministério é precipuamente um
carisma, ou seja, um dom do alto, do Pai, pelo Filho, no Espírito,
que torna seu portador apto a desempenhar determinadas atividades, serviços e ministérios
em ordem à salvação (cf. 1Cor 12,4ss.). Sendo assim, a Igreja em sua gênese é
toda ministerial desde Pentecostes, e não pode se compreender de outro modo.
Ela exercita a ministerialidade «ad intra», em funções voltadas para a edificação,
a coesão e a manutenção do corpo eclesial e, «ad extra», em funções
concomitantes que visibilizam a sua atuação transformadora na sociedade. Embora
didaticamente façamos esta distinção, a ministerialidade brota do único
dinamismo trinitário, complexo e articulado, que inspira a ministerialidade do
culto, da palavra e da coordenação eclesial. Deste modo, os ministérios nascem
da contemplação da face do Pai e na diaconia de Jesus Cristo, Servo obediente
ao Pai a serviço da humanidade, e se refletem na Igreja e para a Igreja,
sacramento de salvação e de libertação da pessoa toda e de todos na única
história salvífica (1Jo 1,1-3).
A Igreja apresenta-se toda
ministerial desde os seus inícios neo-testamentários e só pode compreender-se
deste modo. Ser “toda ministerial” significa que no corpo eclesial cada um é
continuamente convidado a pôr em comum os seus dons, ofícios e carismas, para o
bem de todos os irmãos e sempre em vista da construção do integral Corpo do
Senhor. Desta importante tarefa nenhum cristão, ordenado ou não, pode ser
dispensado.
2º) Os múltiplos ministérios e
serviços litúrgicos, que tão ricamente constituem a Igreja e manifestam a pluralidade
de carismas e funções no meio do povo de Deus, jamais podem expressar
autoritarismo e manipulação das pessoas e grupos ou denotar honra e privilégio.
Tais elementos, tão comuns no nosso mundo, se contrapõem decisivamente ao modus
celebrandi, operandi e vivendi do corpo eclesial. Na Igreja, porém, estes serviços
nada mais são do que a continuação no tempo e no espaço daquele amor pleno e
total com o qual o Senhor Jesus – Servo sofredor – ofereceu a si mesmo,
consumando a sua vida por todos. Isso, enquanto indica uma realidade já em
fermento no seio da comunidade, não deixa de ser forte alerta no sentido de
continuamente recordá-la que a vida à qual é chamada, amadurece num processo
lento e contínuo, o que constitui, em definitivo, a sua própria vocação.
3º) Recebendo o impulso da
experiência comunitária da Igreja, cada vez mais se firma uma nova terminologia
quanto aos ministérios e à sua diversidade. A CNBB, no seu documento Missão e
Ministérios dos cristãos leigos e leigas, com muita acuidade, assim apresenta
uma nova sistematização da ministerialidade:
Na reflexão teológica e pastoral,
têm-se distinguido os seguintes grupos de ministérios:
a) ministérios simplesmente
“reconhecidos” (às vezes, impropriamente, chamados ministérios “de fato”),
quando ligados a um serviço significativo para a comunidade, mas considerado
não tão permanente, podendo vir a desaparecer, quando variarem as
circunstâncias;
b) ministérios “confiados”, quando
conferidos ao seu portador por algum gesto litúrgico simples ou alguma forma
canônica;
c) ministérios “instituídos”, quando
a função é conferida pela Igreja através de um rito litúrgico chamado “instituição”;
d) ministérios “ordenados” (também
chamados apostólicos ou pastorais), quando o carisma é, ao mesmo tempo,
reconhecido e conferido ao seu portador através de um sacramento específico, o
sacramento da Ordem, que visa a constituir os ministros da unidade da Igreja na
fé e na caridade, de modo que a Igreja se mantenha na tradição dos Apóstolos e,
através deles, fiel a Jesus, ao seu Evangelho e à sua missão. O ministério
ordenado, numa eclesiologia de totalidade e numa Igreja toda ministerial, não
detém o monopólio da ministerialidade da Igreja. Não é, pode-se dizer, a
“síntese dos ministérios”, mas o “ministério da síntese”.
Seu carisma específico é o da
presidência da comunidade e, portanto, da animação, coordenação e – com a
indispensável participação ativa e adulta de toda a comunidade – do discernimento
final dos carismas (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Missão e
ministério dos cristãos leigos e leigas, São Paulo: Paulinas, 1999, n. 87, pp.
69-70 - Documentos da CNBB, n. 62).
4º) A Igreja, portanto, não pode
existir sem ministros, pois eles definem a sua própria identidade, desenhando em
definitivo a sua fisionomia. Quanto mais profunda for a participação de todo o
povo de Deus numa assembléia celebrativa, tanto mais ministérios se farão aí
necessários, manifestando assim a Igreja como comunidade verdadeiramente participativa,
onde cada um é chamado a dar a sua contribuição, na construção do Reino de
Cristo, para o bem de todo o povo de Deus.
Além do mais, os ministérios
litúrgicos sempre se desdobram nos ministérios da caridade, da justiça, que
visam a construção de um mundo mais justo e mais fraterno. E, por isso mesmo, a
Igreja sempre criou múltiplas estruturas de serviço caritativo segundo os contextos
sócioeclesiais e suas exigências.
5º) Assistimos atualmente a uma nova consciência sobre o papel do laicato na Igreja, elemento que recebeu forte promoção da Constituição Gaudium et Spes, e que também levou a uma eclosão da presença do leigo nos ministérios e serviços eclesiais (evangelização, serviços da caridade, teologia, catequese, diversas pastorais) e, particularmente, nos ministérios litúrgicos. Nas muitas Igrejas da Ásia, África e América Latina, constatasse cada vez mais a emergência de ministérios espontâneos com uma abrangência litúrgica e sempre protagonizados por mulheres e homens que com dedicação, afinco e perseverança levam adiante a edificação das comunidades cristãs, vivenciando o ano litúrgico em momentos de profunda espiritualidade.
Esses serviços novos, embora não
sejam continuação direta daqueles que existiram na Igreja em tempos mais
antigos, como os sacristães, zeladores e tantos outros, também não deixam de guardar
uma certa continuidade com eles.
Constatamos assim que, para além
dos ministérios oficialmente confirmados pela Igreja, o Espírito Santo de Deus
continua suscitando serviços e carismas para o bem das inúmeras comunidades
eclesiais. São exemplos destas novas funções levadas a efeito por dedicados
leigos a coordenação das novenas de Natal, Pentecostes, Padroeiros, círculos
bíblicos em estilo bem orante, as celebrações exequiais, a distribuição da
comunhão para doentes, idosos e sob a forma de viático, as celebrações nas
peregrinações, celebrações penitenciais em santuários, a presidência da
Liturgia das Horas nas paróquias, comunidades e CEBs, diversos tipos de
bênçãos, celebrações na quarta-feira de Cinzas, no domingo de Ramos e no Tríduo
Pascal, a Via Sacra etc.
Vê-se que a maior parte de tais
celebrações são realizadas por mulheres, e isso pode ser lido como um sinal
profético de que é sempre o Espírito do Senhor quem valoriza e continuamente conduz
e renova a Igreja de Deus em direção a formas expressivas e eloqüentes de
ministérios. Tais ministérios, embora chamados de “supletivos”, porque feitos
na ausência dos ministros ordenados e, por isso mesmo, tidos por “temporários”,
na verdade não o são, porque diferem, enriquecem e complementam a função própria
do sacerdote na Igreja.
Os documentos analisados nos oferecem
uma visão ampla e diversificada dos ministérios tal como os compreende a Igreja
a partir do Concílio Vaticano II. Mas a prática eclesial das últimas décadas
também nos sugere um grande número de outros ministérios e serviços,
espontaneamente brotados no seio da comunidade, e que igualmente contribuem
para delinear cada vez mais o rosto da Igreja como Igreja toda ministerial.
Tudo isso enriquece, anima e confirma a mesma Igreja, convocando-a a deixar-se
guiar sempre pelo Espírito. Que a reflexão aqui realizada concorra não só para
uma visão aprofundada sobre os ministérios litúrgicos hoje, como também nos
abra, na força do Espírito Santo, para acolhermos com interesse,
disponibilidade e alegria os diversos ministérios que a voz do mesmo Espírito
não deixa de sugerir à sua Santa Igreja.
José Raimundo de Melo, SJ, é
mestre (1987) e doutor (1993) em Sagrada Liturgia pelo
Pontifício Ateneu Santo
Anselmo (Roma). É professor de Liturgia na Pontifícia Faculdade
de Teologia N. S. da
Assunção (São Paulo) e no Pontifício Instituto Oriental (Roma). É
autor de vários artigos,
publicados em revistas e em obras coletivas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário