Conversas sobre o Ofício
Divino das Comunidades - I
No itinerário da vida consagrada
e presbiteral - PE. MÁRCI0 PIMENTEL
Iniciamos, nesta edição, uma
série de entrevistas: “Conversas sobre o Oficio Divino das Comunidades “. Em
cada número, uma pessoa ligada à elaboração do Oficio ou à Pastoral nos dará um
testemunho ou uma reflexão em torno deste assunto. A intenção é trazer à tona a
experiência da Liturgia das Horas na forma do Oficio Divino das Comunidades,
cuja prática oferece importantes elementos para a teologia e espiritualidade da
Liturgia das Horas e para a sua inculturação.
Nosso primeiro entrevistado é o
Pe. Márcio Pimentel, religioso saletino, membro da Rede Celebra, atuando na
pastoral litúrgica da Arquidiocese de Belo Horizonte. Responsável pela formação
dos seminaristas aspirantes e postulantes de sua congregação, ele relata nesta
entrevista a experiência do ODC em sua comunidade religiosa, no período da
formação religiosa e presbiteral. Considerando a Liturgia das Horas um elemento
essencial da vida religiosa, mostra como concilia o carisma de sua congregação
com a espiritualidade litúrgica. O Oficio Divino das Comunidades encontra cada
vez mais espaço nas comunidades religiosas, aproximando a antiga tradição da
Oração dos Salmos às demandas do tempo presente e da missão dos religiosos na
Igreja e no mundo.
1. Como se deu a introdução e a
opção pela Liturgia das Horas na forma do ODC na etapa em que você atua como
formador?
A opção pelo Oficio Divino das
Comunidades (ODC) tinha como objetivo eleger um estilo de Liturgia das Horas
(LH) que fomentasse nos estudantes o gosto pelo canto dos salmos. Isto
possibilitaria a descoberta de sua inigualável riqueza para a espiritualidade
cristã e, em especial, para a própria construção do perfil religioso e
presbiteral. Mediante a celebração do ODC, eu mesmo pude redescobrir a beleza
da Oração cristã e descortinar seu sentido para o meu itinerário vocacional e
missionário. Dei-me conta de que a oração dos salmos permitia escapar das
armadilhas que nosso ego fabrica em nossas práticas religiosas. Sem perceber,
corremos o risco de caminhar rumo a desfiguração de nosso perfil de discípulo,
missionário e, sobretudo, humano. Entende mos que o ODC era um caminho que
valia a pena compartilhar com aqueles que fazem sua iniciação à vida religiosa
e presbiteral saletina no período do aspirantado e postulantado, quando eles
cursam a filosofia.
2. Como o ODC figura no conjunto
de celebrações do seminário?
Eu diria que ocupa lugar
privilegiado. Costumava referir-me a estes momentos como “significadores” do
cotidiano ou, como mais recentemente gosto de dizer, oportunidades para ajustar
nossos passos aos ritmos do Evangelho de Jesus. Rezamos o ODC pela manhã, à
tarde e à noite: laudes, vésperas e completas. Esta última fazemos segundo a
estrutura da versão oficial da LH. As horas maiores seguem a estrutura do ODC,
embora utilizemos com freqüência alguns hinos e salmos da versão oficial, pois
não vemos oposição entre o ODC e a LH. Temos a oportunidade, portanto de rezar
cotidianamente a Oração das Horas segundo o estilo e a forma do ODC. Cada vez
fica mais clara a importância e o ganho em optar por ele como eixo da oração
cotidiana de nossa comunidade.
3. Como você vê a recepção do ODC
por parte dos formandos?
Certamente há frutos que já
colhemos, sobretudo nos quesitos ritualidade e sacra- mentalidade que o ODC
recupera. Isto é muito louvável. Ainda reside certo conflito com a mentalidade
contemporânea, herdeira da lógica moderna e também pós-modera. Destaco dois
aspectos:
a) a racionalização da oração.
Achamos que temos de entender tudo, que deve haver um beneficio mensurável
naquilo que fazemos. Praticamente preenchemos, ou tentamos preencher todos os
“vazios” para que o Mistério se manifeste e nos recrie. Talvez por isso
tenhamos tanta dificuldade com o silêncio... Queremos dominar e submeter aquilo
que é maior do que nós. Perdemos na oração a noção de criaturas, O que seria um
espaço para a gratuidade, para o deleite da presença de Deus, se torna ocasião
para um palavrório sem limites, conscientizações, ideologizações exageradas...
b) a confusão entre objetividade
e subjetividade da espiritualidade cristã. Aqui a questão é mais grave: os
jovens que chegam às nossas casas, além de, na sua maioria, não terem sido
iniciados à fé de modo substancial e consistente, trazem consigo uma
espiritualidade movida pela lógica devocional. Nesta prevalece o gosto
individual e a fé subjetiva em detrimento da objetividade da fé da Igreja,
recebida no batismo, entregue por uma comunidade à qual se adere. Notamos o
desconhecimento da bimilenar tradição orante da Igreja e sucumbimos diante da
falsa criatividade ou do criativismo exacerbado. A compreensão de liturgia, por
exemplo, em ambos os casos não é boa. Ela não é considerada como a nossa
resposta ao amor de Deus por nós, no seu trabalho carinhoso em governar e
cuidar da humanidade, da história, do cosmos.
4. Sendo formador de religiosos
saletinos, como você avalia as celebrações do ODC no conjunto da formação para
a vida religiosa e para o presbiterato?
Urge uma volta à compreensão mais
mística da liturgia para que venha à tona a sua importância para a formação
religiosa e presbiteral. Algo disso já se processa atualmente, mas temos que
caminhar muito. A Liturgia, e aqui enfoco o ODC, é um microcosmo. Ele reflete o
mundo e a história que se traça cotidianamente sob outro ângulo, que é a lógica
de Deus. Gosto de falar de um “ensaio existencial”. Tudo e todos somos
submetidos ao modo do ser de Deus revelado em Jesus. A forma de nos relacionarmos
como pessoas humanas e cristãs, a nossa consagração batismal, vinculada e
radicalizada num instituto de vida consagrada, e o ministério pastoral que
prestamos à Igreja são vividos e antecipados na celebração do trabalho de Deus,
a Liturgia. Percebo que falta-nos hoje transparência sacramental e com isso me
refiro ao fato de numa celebração, em que “presidimos”, por exemplo,
sobrepor-se o sinal, pobre e insuficiente, ao Mistério que este deveria
comunicar. Tudo gira em torno do padre. É ele quem aparece, quem é escutado,
visto e ovacionado não poucas vezes. Ele é o centro e para ele tudo converge.
Como um microcosmo e um ensaio, a celebração sinaliza que algo está errado e
fora de lugar: na vida cotidiana, no modo de proceder, na vocação, missão, pastoral,
ou mesmo no âmbito celebrativo. Esquecemos de que Deus é Deus. A casa de
formação é um lugar privilegiado para redescobrir o lugar do Mistério na
condução de nossa vida, sem o quê nos tornarmos ídolos!
5. O ODC é um caminho mistagógico
para a formação?
O ODC é uma porta para o
Mistério. Creio nisto, sobretudo porque o único Mistério que celebramos é a
Páscoa de Cristo Jesus. O ODC nos possibilita entrar em comunhão profunda com o
Espírito de Cristo. Se quisermos estar ligados a ele devemos beber da fonte que
ele bebeu, rezar como ele rezou, orar aquilo que ele orou. Sabemos que a base
da oração de Jesus são os salmos. Não dá para entrarmos em relação com Jesus
sem estarmos imbuídos de seu Espírito.
No fato-fundante do Instituto dos
Missionários Saletinos, existe um forte princípio sobre a oração baseado na
pergunta da Virgem na sua aparição em Salete, França:
“Fazei bem as suas orações, meus
filhos?”, O cuidado com o “fazer bem as orações” aqui se expressa em nosso zelo
para com o ODC, que é uma conquista de cada dia. O carisma do Instituto é a
reconciliação. Não dá para ser embaixadores da reconciliação, conforme o
Apóstolo (2Cor 5,20), se nos esquecemos de nosso mergulho na morte e
ressurreição do Senhor.
Não dá para viver e proclamar “a
nova criatura” se não estamos suficientemente vinculados ao Novo Adão. Somente
cantando sua Palavra, permitindo que ela se torne nossa palavra na meditação de
cada versículo sálmico, que ressoem e dialoguem com aquilo que recordamos da
vida e a re-signifiquem; somente silenciando para que o nosso vazio seja
preenchido pela novidade do Evangelho, é que nossa existência ganhará o tom e a
cor do Reinado de Deus. Assim como os salmos no ODC ganham vida e beleza
advindas da métrica poética que nos é peculiar, dos ritmos regionais que os
embalam, das sutilezas melódicas do modalismo redescoberto em nossas
composições, nossa vida é embelezada pela voz do Verbo que através deles
ressoa.
Fonte: Revista de Liturgia – 216 – Novembro/Dezembro.2009.
Amei Pe. Renato. Vai nos ajudar muito, principalmente na divulgação e prática do ODC a importancia das vestes e zelo para com elas e a espiritualidade... nossa! muito bom. Obrigado.
ResponderExcluirJoana - Porto Velho/RO