quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Espiritualidade Inaciana.5


 
ESPIRITUALIDADE: humanidade divinizada

“A espiritualidade vive da gratuidade e da disponibilidade, vive da capacidade de enterneci-mento e de compaixão, vive da honradez em face da realidade e da escuta da mensagem que vem permanentemente desta realidade. Quebra a relação de posse das coisas para estabelecer uma relação de comunhão com as coisas. Mais do que usar, contempla.

Há dentro de nós uma chama sagrada coberta pelas cinzas do consumismo, da busca de bens materiais, de uma vida distraída das coisas essenciais. É preciso remover tais cinzas e despertar a chama sagrada. E então irradiaremos. Seremos como um Sol”. (L.Boff)

Devemos situar a espiritualidade no contexto dramático, perigoso e esperançador em que se encontra atualmente a humanidade. Em momentos críticos, como estes nos quais vivemos, o ser humano mergulha na profundidade do Ser e se coloca questões básicas:

- o que estamos fazendo neste mundo? qual é o nosso lugar no conjunto da Criação?

- como agir para garantirmos um futuro que seja esperançador para todos os seres humanos e para nossa casa comum?

- o que podemos esperar para além desta vida?

É neste contexto que devemos colocar a questão da espiritualidade.

Quando no ser humano aparece a pergunta pelo sentido, quando o ser humano querendo conhecer a si mesmo começa a explorar aquilo que é nele interior, quando começa a observar o mundo, a escutar, a pensar, a meditar, a interpretar e, de conseqüência, a escolher, a decidir, então inicia nele a vida espiritual.

A espiritualidade é uma das fontes primordiais, de inspiração do novo, de esperança alvissareira, de geração de um sentido pleno e de capacidade de auto-transcendência do ser humano. Há uma demanda mundial por valores não-materiais, por uma redefinição do ser humano como um ser que busca um sentido plenificador, que está à procura de valores que inspirem profundamente sua vida.

Segundo Dalai-Lama “espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior”. O ser humano é um ser de mudanças, pois nunca está pronto, está sempre se fazendo. As mudanças interiores são capazes de dar um novo sentido à vida ou de abrir novos campos de experiência e de profundidade rumo ao próprio coração e ao mistério de todas as coisas.

A partir do interior, a espiritualidade desencadeia uma rede de transformações na comunidade, nas relações com a natureza e com o universo inteiro. Ela revela também o lado exterior como conjunto de relações que se referem ao outro como homem-mulher, a sociedade e a natureza, produzindo solidariedade, respeito às diferenças, reciprocidade e sentido de conplementação a partir dos outros.

Nesse sentido, espiritualidade significa viver segundo a dinâmica profunda da vida; é aquela atitude que  coloca a vida no centro, que defende e promove a vida, contra todos os mecanismos de morte.

Todo ser humano tem uma espiritualidade que acompanha e se faz visível no seu modo de ser, de sentir, de agir, de se relacionar... e que o sustenta diante dos desafios de sua vida. Espiritualidade tem a ver com o “sentido”  que as pessoas descobrem na vida, nos fatos, nas situações cotidianas com as quais elas lidam. É um modo de “ler” e interpretar a mensagem que cada experiência de vida pode nos comunicar.

Essa dimensão espiritual que cada um de nós tem se revela pela capacidade de diálogo consigo mesmo e com o próprio coração, se traduz pelo amor, pela sensibilidade, pela compaixão, pela escuta do outro, pela responsabilidade e pelo cuidado como atitude fundamental.

É próprio do ser humano mergulhar e experimentar sua profundidade. Auscultando a si mesmo, percebe que brotam de seu “eu profundo” apelos de compaixão, de amorização e de identificação com os outros e com o grande Outro (Deus). Dá-se conta de uma Presença que sempre o acompanha, de um Centro ao redor do qual se organiza a vida interior e a partir do qual se elaboram os grandes sonhos e as significações últimas da vida.

Essa espiritualidade é um modo de ser, uma atitude de base a ser vivida em cada momento e em todas as circunstâncias. A pessoa que criou espaço para a profundidade e para a espiritualidade mostra-se centrada, serena e cumulada de paz, caminhando junto com os outros na mesma direção que aponta para a Fonte de vida e de eternidade.

Sabe-se e sente-se habitada por um Maior que não é um juiz perseguidor, mas uma Fonte irradiante de ternura e de amor. Irradia vitalidade e entusiasmo, porque carrega Deus dentro de si.

Acolhe e interioriza experiencialmente esse Mistério sem nome e permite que Ele ilumine sua vida; dialoga e entra em comunhão com Ele, pois o detecta e o sente em cada detalhe da realidade.

Toda experiência espiritual significa um encontro com um rosto novo e desafiador de Deus, que emerge dos grandes desafios da realidade histórica.

A partir da espiritualidade, tudo se transfigura, tudo tem sentido, tudo vem carregado de veneração e sacralidade. Viver a espiritualidade é desenvolver a nossa capacidade de contemplação, de compaixão, de assombro, escuta das mensagens e dos valores presentes no mundo à nossa volta.

 

Portanto, temos a ver com a espiritualidade quando mergulhamos na profundidade de nós mesmos e experimentamos a realidade como um todo.

A espiritualidade  aparece precisamente como a experiência humana por excelência.

Trata-se do processo de despertar, de distanciamento, de interrogação e busca que permite à pessoa descobrir e construir sem cessar sua humanidade.

Colocar questões fundamentais e captar a profundidade do mundo, de si mesmo e de cada coisa constitui o que se chamou de “espiritualidade”. Ela vem de “espírito”, entendido como aquele momento pleno de nossa totalidade consciente, vivida e sentida dentro de outra totalidade maior que nos envolve e nos ultrapassa. Espiritualidade é justamente o nosso modo de perceber o “espírito” do que acontece à nossa volta; “espírito” é algo que não se vê, mas que faz as coisas serem o que são, terem importância e significado.

Espírito em seu sentido originário não constitui uma parte do ser humano, diferenciando-o do corpo. É uma expressão para designar a totalidade do ser humano enquanto energia, sentido e vitalidade.

O oposto do espírito, neste sentido, não é, pois, o corpo, mas a morte.

Espírito é aquele momento de nossa consciência que nos abre à percepção de que somos parte de um todo e de que pertencemos ao todo. Por isso, Espiritualidade é aquela atitude pela qual o ser humano se sente ligado ao Todo (fonte originante), percebe o fio condutor que liga e re-liga todas as coisas para formarem um cosmos.

A espiritualidade aponta para uma dimensão muito mais ampla da vida.

Ela “indica um conjunto de valores, de orientações de vida, de tradições religiosas ou humanistas que norteiam a vida de uma pessoa ou de um grupo” (Ivone Gebara).

A espiritualidade é, antes de tudo, uma dimensão do ser humano. “Toda pessoa humana é um ser fundamentalmente espiritual” (D. Pedro Casaldáliga),  cuja profundidade vai se construindo a partir das suas buscas, indagações, experiências e relações.

Mas, a profundidade espiritual não acontece simplesmente pelo fato da pessoa existir. Ela cresce, em cada pessoa, a partir da sua permanente busca de sentido para a vida, do assumir contínuo e paciente das dificuldades nas relações interpessoais, desenvolvendo uma postura terna e acolhedora para com todas as criaturas.

A profundidade espiritual nasce e cresce, sobretudo, através da entrega livre e incondicional para que todas as pessoas tenham direito a uma vida digna e feliz.

Em outras palavras, espiritualidade é a experiência de encarnação na nossa humanidade, na qual se revela progressivamente nossa divindade escondida.

Espiritualidade é a nossa dimensão divina em tudo que é humano.

É o que dá vida e calor ao que existe em nossa pessoa e nos dá mil razões para vivermos como humanos. É o que dá élan e sentido ao nosso existir. É o que alimenta uma vivência profunda de valores pelos quais vale sacrificar tempo, energia e, no limite, a própria vida.

A espiritualidade é o meio ambiente que nos permite ver, refletir, interpretar e, finalmente, responder às questões profundas de nossa existência. Ela dá cor à nossa visão, música à nossa audição, sentido à nossa fala, expressão ao nosso corpo... A partir da experiência espiritual não há só coisas e fatos. Começa a existir a irradiação das coisas e o sentido que vem dos fatos. É o despertar da dimensão espiritual, essa dimensão do profundo que ultrapassa nossos interesses imediatos de trabalho, de vida, de felicidade, dimensão que vai além da competição a que nossa sociedade capitalista nos obriga, que vai além da luta cotidiana para ganhar pão e beleza.

A espiritualidade expressa-se em tudo o que fazemos. É um estilo, único para a pessoa, que interpela todas as suas atitudes: na oração pessoal e comunitária, no comportamento, nas expressões corporais, nas escolhas da vida, naquilo que sustenta e afirma, naquilo que protesta e constrói...

Quando nos abrimos para acolher as mensagens que vem da realidade, para orientar nossa vida num sentido que produza leveza, irradiação, humanidade, aí deixamos aflorar a nossa dimensão espiritual.

A espiritualidade nos leva para além daquilo que detectamos com os sentidos (ver, ouvir, tocar...); ela nos faz perceber o que há de transcendente à nossa volta. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário