sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Ofício Divino das Comunidades.6


 
Conversas sobre
O Ofício Divino das Comunidades - VI
Ação do Povo

Nossa conversa volta a atenção para o Pe Danilo César, da Arquidiocese de Belo Horizonte e membro da Rede Celebra. Pe. Danilo atualmente estuda liturgia no Pontificio Instituto Litúrgico Santo Anselmo, em Roma. Sua tese de mestrado, sobre o Oficio Divino das Comunidades, aborda a sacramentalidade e o caráter celebrativo dessa experiência inculturada do Brasil. Pe. Danilo compartilha conosco algumas de suas descobertas. Em outubro ele faz a defesa de sua tese: “A sacramentalidade e o caráter celebrativo do Oficio Divino das Comunidades no Brasil”. A previsão é de que continue seus estudos até completar o doutorado, provavelmente desenvolvendo outro aspecto do mesmo tema.

RL.: Como foi feita a escolha de pesquisar o tema: “A sacramentalidade e o caráter celebrativo do Oficio Divino das Comunidades (ODC) no Brasil”?

Danilo: Inicialmente, meu projeto de pesquisa era sobre a incidência eclesial da Liturgia sobre a eclesiologia, no sentido de demonstrar que as celebrações influenciam, e muito, o ser Igreja. A proposta foi discutida com o Professor Pe. José Manuel G. Cordeiro, junto com uma sugestão de investigar a sacramentalidade do ODC no Brasil. Em comum acordo, optamos pelo ODC. As razões são simples: o ODC desperta muito interesse e curiosidade fora do Brasil, porque ele realiza o que a reforma conciliar não alcançou: devolver ao povo de Deus essa forma de oração que nasceu com a Igreja e que conta com um mandamento expresso pelo Cristo: “Orai sem cessar”. Além disso, o ODC tem um forte caráter celebrativo que supera o que eu chamaria de “mentalidade recitativa” da Liturgia das Horas (LH). A tese visa demonstrar que essa experiência é legítima e capaz de expressar o mistério de Cristo.

RL.: A quais conclusões você chegou?

Danilo: O ODC goza de “força sacramental”, porque ele foi elaborado com a preocupação de ser uma versão inculturada da LH para o povo de Deus, mantendo a mesma teologia da oração oficial da Igreja. E conseguiu. Para isso foi necessário pesquisar historicamente o ODC: sua gênese em paralelo com o surgimento da nova LH. O texto oficial da Igreja, em seu percurso de elaboração e de tradução teve um público alvo: os clérigos e os religiosos. A linguagem escolhida foi a erudita e a estrutura levou em conta o estilo monástico. Um exemplo são as antífonas, tratadas como abertura e conclusão dos salmos. Muito embora a Instrução Geral da Liturgia das Horas dê bastante liberdade para o uso diversificado das antífonas, a prática reafirma a recitação direta. O ODC teve outro público alvo: os fiéis. Aproxima-se mais da antiga tradição dos ofícios de catedral, ou de paróquia, que se perdeu na Igreja do ocidente. Usando o mesmo exemplo, o ODC traz antífonas que se aproximam muito do “canto antifonal”, onde a alternância tinha um caráter popular, dramático e envolvente. No ODC, as antífonas são os refrãos de muitos salmos que mudam conforme o tempo litúrgico e a festa. Além disso, o ODC realizou o que a SC 13 nos propõe: uma aproximação fecunda entre a liturgia e a piedade popular. Grande exemplo disso temos nas aberturas que assimilam a mesma estrutura dos ofícios de Nossa Senhora. A linguagem poética dos salmos do ODC é muito próxima da linguagem do nosso povo. Os textos do ODC recuperam muitos elementos da antiga tradição cristã: hinos antiquíssimos e veneráveis, antífonas tiradas dos antifonários da Igreja. Trazem também novas composições, da tradição que se criou por aqui e que exprimem com exatidão e profundidade o mistério celebrado.

RL.: Em que sentido o ODC goza de força sacramental?

Danilo: Toda a Liturgia goza de sacramentalidade, isto é, a natureza e o “funcionamento” de uma celebração da Palavra, ou do ano litúrgico, ou do Oficio Divino são análogos aos sacramentos da Igreja: uma realidade sensível que revela uma invisível (expressão significativa), o mistério da Páscoa de Cristo, acessível pelos gestos e sinais (fato valorizado) e uma comunidade de fé, incorporada ao seu Senhor, que continua as suas ações como corpo animado pelo Espírito e como presença de Cristo no mundo (inter-comunhão solidária). No caso do ODC, que assimilou a mesma teologia da LH, a oração é ação de Cristo em seu corpo, a Igreja. Parafraseando Agostinho, nas celebrações do oficio, Cristo continua a orar na voz da Igreja, como sua cabeça. Ele apresenta essas preces ao Pai como nosso Sacerdote. Ele escuta essas mesmas preces como nosso Deus. A comunidade, rezando o salmo no oficio, continua a oração de seu Senhor.

RL.: O ODC tem algum ponto a ser revisto? A pesquisa aponta alguma fragilidade?

Danilo: Não foi esse o foco da investigação. Não obstante encontramos elementos que precisam ser revistos, como por exemplo a adaptação dos salmos que encontramos no ODC. Não apenas no sentido de rever essa adaptação, mas também no sentido de compreender bem o que foi feito. Diga-se de passagem, algo de muito valor. Traduzir, é bem mais que verter fielmente um texto para outra língua segundo seus originais. Também não é trair. É, segundo os antigos textos rabinos, deixar que a vitalidade da Palavra, sempre viva e atuante, opere a revelação hoje. Isso acontece no ODC. Mas esse aspecto precisa ser mais aprofundado. Quem sabe numa outra tese, ou num mutirão de reflexão que ajude a entender o que se processou... Outros aspectos, mais litúrgicos, seriam aqueles de configurar mais e mais o ODC com os Ofícios de Catedral (ou de paróquia), para que seja mais das Comunidades, do povo de Deus e ao mesmo tempo fiel às fontes da Liturgia. Por exemplo: a execução direta dos salmos já começa a acontecer no ODC. Isso o distancia do modo antifonal de execução e consequentemente dos ofícios de catedral. Devemos insistir no valor dos refrãos, da execução dialogada e antifonal no sentido mais antigo, nas expressões da piedade popular e na inculturação. É esse o diferencial do ODC.

RL.: Como pensar a relação do ODC com a LH: oposição ou mútua fecundação?

Danilo: Mútua fecundação, sem dúvida. O ODC tem a LH como uma de suas fontes e isso vai sempre ajudar o ODC a aprofundar o caminho. Mas quem reza a LH já percebe a necessidade de celebrá-la, por ver isso acontecer com o ODC. Alguns grupos fazem intercâmbio de elementos do ODC com a LH e vice-versa. A linguagem dos textos na LH é notoriamente erudita, isso já causa certa dificuldade também entre clérigos e religiosos. Precisa ser revista. Outro aspecto: um religioso, clérigo que passa o dia inteiro lendo, estudando, ou em trabalhos que exigem esforço mental, na hora de rezar ele vai deparar-se de novo com um livro, um texto, uma leitura... Isso cansa e não ajuda a oração. Nesta hora falta o elemento celebrativo. Cantar, acender uma vela, oferecer um incenso pode transportar para uma outra dimensão menos mental, mais lúdica, afetiva, profunda e integral do ser. O oficio me ensinou isso, mesmo quando rezo a LH esses elementos me ajudam a entrar na dinâmica do Reino (cf. Mc 10,13-16). Quem pensa em oposição entre o ODC e a LH perde a grande oportunidade de ver as duas formas, que são irmãs, se enriquecerem e serem um caminho seguro de oração e fonte para a espiritualidade de todos os cristãos.

Fonte: Revista de Liturgia – 221 – Ano 37/2010.

 

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