ADVENTO, DEIXA-TE
SURPREENDER
“...levantai-vos e erguei a cabeça, porque a
vossa libertação está próxima” (Lc 21,28)
Mais uma vez o Advento vem ao nosso encontro, e com ele o convite para
continuar ampliando espaços para Deus em nossas vidas. Uma oportunidade para
escutar de novo sua promessa: promessa de nova vida, de um novo ânimo, uma nova
esperança.
Podemos acolher este tempo com a marca da rotina (mais um ano, repetir
as mesmas palavras, a espera, o “vem, Senhor”...); ou mobilizando-nos e
abrindo-nos à surpresa de Deus, que virá a nós como chamado, como
possibilidade, como grito para despertar-nos... Que nos abramos ao novo!
O melhor do Deus que vem é que Ele se manifesta de maneiras
inesperadas: desfaz certezas, rompe convenções, renova sonhos, não busca
brilhos ou ornamentos, aplausos ou adesões forçadas. Sua chegada não exige
cobranças nem condiciona com exigências desmedidas. A esperança abre passagem
por onde menos esperamos. E Deus continua aparecendo onde e quando ninguém
espera.
Para “conhecer” a realidade e a verdade do Advento precisamos de olhos
novos e de um coração novo.
É necessário despertar aquela “sensibilidade” escondida e abafada pelo
ativismo e pelo ritmo estressante de nossa vida. No Advento, toda a humanidade
é atingida como que por um raio, é tomada de surpresa.
A sua noite, o seu silêncio, o seu sono, a sua rotina diária... é
quebrada por uma novidade absoluta.
O Advento é, por sua própria natureza, uma surpresa que quebra a
solidão das pessoas abandonadas a si mesmas, que irrompe no meio de uma vida
sem sentido e sem direção, que traz luz para os ambientes fechados e frios.
A “sensibilidade” despertada pelo Advento recupera em nós o sentido da
surpresa, recobra a atitude da
expectativa, da novidade, do assombro... diante da vida. Porque é no traçado
das horas e dos dias que Deus prepara sempre a sua novidade, a sua surpresa, o
seu dom natalício. Tal surpresa faz brotar o entusiasmo para enfrentarmos os
desafios da vida, despertando projetos arquivados, suscitando dinamismo novo no
cotidiano pesado, fazendo-nos levantar de novo e retomar o caminho...
Precisamos conservar límpidos os olhos do espírito, prontos para perceber
a maravilha que está germinando na nossa vida. O Advento quer reafirmar a
possibilidade de uma alternativa, da chegada de um hóspede inesperado, porque é
“boa nova”, é evangelho.
Por isso, o cristão não deve jamais cair na resignação, mas permanecer
em vigília, na expectativa; ele deve ser também uma surpresa para os outros,
com seu gesto de amor imprevisto, com sua palavra que reanima, com sua visita
que consola, com sua atenção para com todos os que levam uma vida obscura e
monótona. Ele olha o mundo com inteligência, sim, mas também com a simplicidade
das pombas; sabe intuir o bem secreto, também sabe apreciar a poesia da vida e
da natureza.
No evangelho de hoje, Jesus dá por suposto a existência de situações
desastrosas que nos sacodem, enchendo-nos de ansiedade e preocupação; mas, onde
nós só vemos catástrofes, Jesus vê “sinais”. E a condição para descobri-los é
erguer a cabeça, levantar os olhos, ir mais além do imediato que nos cega e nos
prende em redes de desejos insatisfeitos, em obsessões por conservar modos de
vida que considerávamos definitivos, em temores que embotam nosso coração
impedindo o fluir da vida.
Curvados sobre nós mesmos, sem horizonte, sem poder olhar de frente,
nem entrar em relação de reciprocidade, carregando durante longo tempo um peso
excessivamente grande (culpa, ressentimento, vergonha), bloqueados, privados de
nosso próprio potencial: este é o drama que nos desumaniza. Nossos corpos
encurvados se fazem texto, linguagem, grito, petição... para serem
endireitados.
Nesse contexto ressoa com força o apelo de Jesus: “levantai-vos e
erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”.
Nosso corpo fala mais e com mais veracidade que nossas palavras, o que
irradiamos revela algo sobre nós. E há corpos que em silêncio clamam por cura e
cuidado. É preciso interrogar nossos corpos para que eles nos contem suas
histórias guardadas: seus segredos, suas dores, suas vivências. Devemos ser
capazes de lê-los e respeitá-los, para poder devolver-lhes sua harmonia e sua
beleza originais.
É nosso próprio corpo posto de pé, é nossa própria vida circulando
sem ataduras, é a libertação de nossas
forças afetivas, a possibilidade de olhar outros olhos sem temor e de entrar em
comunicação... que nos faz experimentar uma relação nova com a vida.
Aspiração, sede, ansiedade, expectativa, estar de pé: isso é o que nos
invade quando sentimos que se aproxima algo que desejamos de verdade. Pois isso
é o Advento: tempo para os grandes sonhos.
Só os medíocres ou os desesperados renunciam a sonhar.
Pois bem, se o desânimo nos assalta, é tempo novo para levantar a
cabeça, olhar ao longe, bem para fora, bem para dentro. Deixar que ressoe como
uma promessa a Voz de um Deus que atravessa o tempo para dizer-nos:
“aproxima-se vossa libertação”.
Mergulhados naquilo que é margem, passageiro, na superfície das
coisas, perdemos de vista o essencial e caímos na resignação. Perdida a
capacidade de maravilhar-nos, o Advento esvazia-se e torna-se mais um tempo
litúrgico rotineiro.
Poderíamos dizer que o Advento nos apresenta uma “espiritualidade do
despertar”. Se estamos adormecidos ou anestesiados, sem nos encantar com a
maravilha e o desafio de estarmos vivos, precisamos despertar. Despertar para a
gratuidade da vida, para o chamado à convivência e comunhão, despertar para uma
presença misericordiosa. Jesus vem despertar-nos e ativar nossa esperança.
É preciso saber olhar, abrir os olhos, ler a vida e despertar-nos para
aquilo que acontece à nossa volta.
Se há uma palavra que perpassa todas as tradições religiosas, essa
palavra é “despertar”, não no sentido individualista e moralizante, ou seja,
manter um adequado comportamento moral para, desse modo, alcançar a salvação.
O chamado original a “despertar” reveste-se de uma profundidade muito
maior, que conecta com aquela palavra com a qual Jesus inicia sua atividade
pública: “convertei-vos”. Na realidade, trata-se de um novo modo de olhar ou de
conhecer, de um “conhecer mais além da aparência”.
Quê significa “despertar”? Em quê sonhos estamos mergulhados? Como
dar-nos conta de que estamos “adormecidos”? Há algo que possamos fazer?...
Todas estas questões são evocadas pelo convite que aparece na boca da Jesus:
“Estai sempre despertos”.
A pessoa desperta é aquela que experimentou intensamente a vida e,
graças a isso, vive ancorada, enraizada e conectada com a sua verdadeira
identidade, ao seu eu original e universal.
Texto bíblico: Lc 21,25-28.34-36
Na oração: Quando foi Deus,
para você, o Deus inesperado?”
Em quê se concretiza para você a promessa de Deus? Quê espera ou
deseja de verdade? Qual é a boa notícia na qual você acredita? Como vive você
este Advento? Quê há, em sua vida, de busca, sonho, aspiração, desejo... em
sintonia com Deus?
Pe Adroaldo Palaoro, SJ
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