Conversas
sobre o Ofício
Divino
das Comunidades - III
Uma
experiência em Belo Horizonte - MG
Continuando a
série «Conversas sobre o ODC”, entrevistamos para este número da nossa revista,
a agente de pastoral mineira, Sônia Rios. Ela foi coordenadora da Comunidade do
Divino Espírito Santo, membro da equipe de liturgia e participa da Rede
Celebra, em Belo Horizonte. Sônia nos relata a primeira experiência do ODC
naquela arquidiocese e seu testemunho ressoa o que muitas comunidades que
celebram o Oficio experimentam.
RL: Quando
foi que a Comunidade do Divino Espírito Santo começou a celebrar o ODC?
Sônia: Nossa
Comunidade pertencia à Paróquia São Francisco, mas a distância era longa e
tínhamos um obstáculo que era uma movimentada avenida de Belo Horizonte. Ela
nos separava do restante da paróquia. O povo sentia muita falta de se reunir
para celebrar a fé. De vez em quando, algum padre vinha celebrar conosco, mas
ainda assim buscávamos um caminho... O ODC começou a ser celebrado em nossa
comunidade no ano de 1992. Com a chegada das irmãzinhas de Jesus, de Foucault,
começamos a reunir para a reza do oficio. Ele foi fundamental para assegurarmos
nosso jeito próprio de celebrar e de viver a fé. O jeito de celebrar o Ofício
influenciava inclusive nossas celebrações da Palavra e da Eucaristia: os
cantos, a partilha, as preces, os serviços... Na época celebrávamos nas casas,
pois ainda não tínhamos igreja. Tudo era muito familiar e informal. As pessoas
pediam que fôssemos rezar em suas casas, tínhamos ensaios semanais para o
Oficio e para o Dia do Senhor. Por ocasião de alguma necessidade como enterros,
mutirões, bênçãos de casa e nas visitas aos doentes sempre fazíamos o oficio.
RL: Existe
algum acontecimento especial que marca esta experiência do ODC em sua
comunidade?
Sônia: Uma
coisa bonita foi quando fizemos a filmagem do vídeo da Rede Celebra. Naquela
ocasião descobrimos que mais gente rezava o oficio. Nos reunimos com o pessoal
da paróquia São Francisco das Chagas e dos Sagrados Corações de um outro
bairro. Preparamo-nos para os trabalhos de filmagem com ensaios e formação.
Muita gente animada e comprometida se empenhou bastante, pois sabiam que era
uma forma de ajudar outros a conhecer e a praticar a oração das horas. Uma
trazia o forro mais bonito que tinha em casa para enfeitar a mesa. Outra trazia
o antigo ferro à brasa para servir de braseiro do incenso. Tinha também quem
trazia as flores, o incenso e as velas. Era tudo muito participado. Foi também
um momento de parada para escutar o que o ODC significava na vida das pessoas:
a reza em família, o encontro com a fé celebrada de forma viva na própria
cultura, a força que brota da oração dos salmos nos momentos difíceis. A
Palavra de Deus estava sendo cantada nos salmos, do jeito que a Igreja ensina e
como a gente entende e gosta. Era a nossa música, os nossos gestos, os nossos
símbolos. Essas coisas vieram à tona quando nos reunimos para fazer aquela
gravação. O resultado foi aquele vídeo bonito que está espalhado pelo Brasil
afora.
RL: Houve
também dificuldades no percurso?
Sônia:
Muitas! Às vezes, depois que construímos nossa Igreja, o pessoal nem sempre a
encontrava aberta para a celebração. Na indecisão de saber para onde ir, por
causa das distâncias, do horário e outros inconvenientes, as pessoas se
assentavam no passeio e rezavam. Nada impedia a turma de fazer o oficio. Era ao
mesmo tempo um prazer e um compromisso. Era uma vez por semana, mas era feito
com gosto e com responsabilidade. Às vezes tinha só três pessoas. Mas elas não
deixavam de rezar por isso. Outra dificuldade era lidar com pessoas que
chegavam e não entendiam a importância de se rezar conforme o ODC nos propunha. Queriam inserir
outros cantos, escolher salmos à revelia, inventar gestos. O pessoal resistiu
muito a isso. Não por fechamento, mas por entender que o caminho era outro. Sem
saber formular, a gente intuía que a questão era rezar com a Igreja, conforme a
Tradição ensinou. Obedecer ao esquema do Oficio tinha o sentido de ouvir a voz
de Jesus, na voz da comunidade. Por isso, as nossas preferências importavam
menos. Eu interpreto assim... Quando faltava o violeiro, Sr. Jonas, o pessoal
também ficava meio desanimado. Mas um padre, amigo nosso, disse que não tinha
problema, pois ainda tínhamos o principal instrumento: a nossa voz. Tem também
dificuldades econômicas. O livro está caro para as pessoas mais pobres. Nos
aniversários a gente procura presentear com o Oficio, mas isso resolve pouco.
Para ser mais das comunidades, precisaria também ser mais barato.
RL: Você
disse que o ODC influenciou as celebrações da Comunidade do Divino? Como você
percebe isso?
Sônia: De
muitos modos. Primeiro, a gente passou a perceber que nem tudo precisa ser
missa. Todos gostam da missa e a gente sabe que não se pode viver sem ela. A
questão é que outras formas de celebrar da liturgia ficam obscurecidas e a
missa, que deveria ser o ponto alto das nossas ações, inclusive litúrgicas,
fica desvalorizada. Um exemplo são os tríduos da festa do Divino (Pentecostes).
A gente introduziu em algum dos dias o Oficio. Isso já foi uma mudança
significativa. Outra coisa importante que percebo é a valorização da Palavra de
Deus. As pessoas escutam mais, aprendem que Deus está falando com a gente,
mesmo na celebração da Palavra ou na missa dominical. Eu acho que isto é fruto
do Oficio! Tem também os símbolos e os ritos. As pessoas gostam do incenso, dos
gestos de se inclinar e levantar as mãos no “Glória ao Pai”, cumprimentar os
irmãos e irmãs no convite da abertura. Também a novena da Arquidiocese, já por
três anos, traz o esquema completo do Oficio da Novena de Natal. Já não é mais
uma coisa estranha para nós, mas uma confirmação de que estamos no caminho
certo.
RL: Existe
alguma dificuldade entre a oração pessoal e a reza do Oficio?
Sõnia:
Nenhuma dificuldade. No ofício a gente começa com oração pessoal, rezando em
silêncio, para se preparar para a celebração. Muitos membros da comunidade
rezam o oficio em casa, antes de dormir, ou no amanhecer. Dona Odete rezava com
suas netas. As crianças adoravam... Ela já faleceu, mas deixou a semente do
Oficio no coração da sua família. Tem também o momento das preces. Nelas
encontramos preces prontas que expressam o que a gente quer dizer, ou então o
pessoal faz as suas próprias preces no espaço dado às intenções particulares.
Além disso, é muito bom sermos socorridos com as palavras do salmo quando a
gente não sabe o que rezar. Eles ficam impregnados na gente. Sem querer a gente
acaba colocando isso para fora quando conversa com Deus. Num curso que fizemos
sobre o Oficio, isso foi falado a respeito de Jesus. Ele rezava os salmos como
um bom judeu. Por isso, respondia com salmos, na cruz rezou um salmo... Acho
que está acontecendo a mesma coisa com a gente. Entramos na escola de oração de
Jesus. Dona Odete costumava dizer: “O que mais gosto do oficio é o salmo, pois
aí, na mesma hora que a gente fala, Deus responde com as próprias palavras do
salmo”.
RL: O ofício
tem a ver com o sacerdócio dos cristãos?
Sônia:
Lembro-me que a gente canta no final da abertura: “povo de sacerdotes, a Deus
louvação”. Fico pensando que se trata do sacerdócio de Jesus do qual a gente
participa como fiel e batizado. O que se chama por aí de sacerdócio comum dos
fiéis. Não se trata do sacerdócio dos padres, mas de todo o povo. O nosso
louvor se torna serviço sacerdotal porque se une à oração de Jesus, o único
sacerdote. A gente se volta para o Pai na pessoa de Jesus, em louvor e
adoração, nos unindo a ele na ressurreição e no seu sacrifício, que entre nós
se faz louvor. O culto da vida não fica sem o amparo do culto da Comunidade. As
mães e os pais de família, os jovens e as crianças, vão entendendo que no seu
dia-a-dia tem de agradar a Deus como no Oficio rezado na Igreja. E na comunidade
reunida, a gente entende que a labuta da semana, as coisas da vida, precisam
ser oferecidas a Deus, para se tornarem santas, do jeito que Ele gosta. Eu
penso que o sacerdócio é assim...
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