Oseias
Não se sabe quando e onde nasceu Oseias. O livro diz-nos o nome do seu
pai (Beeri) e da sua esposa (Gomer). Sobre este matrimônio (narrado nos cap.
1-3) não possuímos dados seguros. Alguns pensam que se trata de pura ficção
literária; outros admitem um matrimônio real, mas discutem se a mulher já era
prostituta antes do casamento ou se se prostituiu depois. O certo é que o
profeta se serve desta experiência, real ou simbólica, para descrever as
relações de Deus (marido) com o seu povo infiel (esposa).
Oseias era, com certeza, do reino do Norte, onde exerceu a sua atividade,
provavelmente na Samaria, Betel e Guilgal. Conhece bem a política do Reino de
Israel e está informado acerca das tradições históricas e religiosas ligadas ao
Norte; todas as cidades que menciona são do Norte e nunca se refere a
Jerusalém. Devia ser um homem culto, a avaliar pela variedade e riqueza de
imagens que utiliza.
ÉPOCA
Oseias deve ter começado a sua atividade logo a seguir a Amós, nos
últimos anos do reinado de Jeroboão II (752-753 a.C.). Ora, a seguir a este
rei, o Reino do Norte entrou num período de decadência e instabilidade
política: nos trinta anos seguintes haverá seis reis, quatro dos quais ocuparam
o trono pela força.
O perigo mais grave, porém, vinha da Assíria, um poderoso império que
estendia as suas fronteiras, aniquilando os outros reinos e deportando as suas
populações. Face a este poderio só havia duas soluções: submeter-se, pagando
pesados tributos para não sofrer as consequências da derrota; ou procurar manter
a independência, organizando a defesa em coligação com outros reinos,
normalmente com o Egito, que ainda mantinha certo prestígio mas que, na
prática, se revelava ineficaz.
Parece ter sido neste contexto de alianças contra a Assíria que Pecá, rei
de Israel, em união com Damasco, declarou guerra a Judá. O rei de Judá pediu o
auxílio da Assíria, que derrotou Damasco e destronou o rei de Israel. Esta
guerra, chamada siro-efraimita (734-732 a.C.), foi uma catástrofe para Israel.
O reino ainda se manteve, numa situação extremamente debilitada, sob o reinado
de Oseias (último rei de Israel e homônimo do profeta); mas desapareceu em 722
a.C., quando Salmanasar V, rei da Assíria, conquistou a Samaria, depois de o
rei Oseias se ter negado a pagar tributo.
A par da difícil situação política interna e externa, é necessário ter em
conta a situação religiosa para compreender as intervenções deste profeta. As
alianças com outros povos tinham sempre implicações religiosas: a religião
desses povos entrava em Israel. Além disso, neste período, a religião de Israel
parece ter sofrido muitas influências cananeias, pela atração que os cultos de
Baal (divindade cananeia) exerciam nos sacerdotes e no povo. Era a Baal que se
atribuía a fertilidade do solo, as chuvas e as colheitas. Quando a terra
produzia, agradecia-se a Baal praticando o seu culto; quando havia carestia,
realizavam-se ritos para implorar de Baal a fecundidade do solo.
Oseias é implacável na crítica a esta manipulação religiosa por parte dos
sacerdotes: o Deus de Israel não admite concorrência de qualquer gênero, e não
é Deus apenas para algumas ocasiões; Ele é o Deus da História, que acompanhou o
seu povo, com quem fez uma aliança; é preciso voltar a essas experiências
fundadoras do povo e eliminar de vez todos os ídolos. Oseias exprime tudo isto
com a riqueza das suas imagens.
Não sabemos até quando o profeta exerceu a sua atividade. Há quem date os
seus últimos oráculos por volta de 725 a.C. e pense que foi para Judá alguns
anos antes ou a seguir à queda da Samaria. Se não há certezas acerca disto, o
certo é que a sua pregação foi conhecida no Sul e ali se terá realizado a redação
final do livro.
DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro de Oseias apresenta algumas dificuldades de compreensão, ou
porque o texto hebraico está mal conservado, ou porque se contrapõem oráculos
de condenação e de salvação sem uma evidente relação entre si. No seu conjunto,
o livro pode dividir-se em duas partes distintas:
I. Simbolismo do matrimónio e da família (1,2-3,5); contém um relato
biográfico (1,2-9), um outro autobiográfico (3,1-5), alguns oráculos de
salvação (2,1-3.18-25) e o poema da relação entre o esposo e a esposa (2,4-17).
II. Crimes e castigos de Israel (4,1-14,9); costuma ainda subdividir-se
em duas secções: cap. 4-11, uma série de oráculos centrados especialmente na
denúncia do culto e da política; e cap. 12-14, algumas reflexões históricas
sobre o pecado de Israel, que terminam com um oráculo de salvação (14,2-9).
Epílogo sapiencial (14,10).
TEOLOGIA
A mensagem de Oseias coincide, em grande parte, com a de Amós: denúncia
das injustiças e da corrupção religiosa. Oseias insiste, particularmente, na
corrupção do culto e da política: no culto, condena toda a idolatria, a
adoração de Baal, os cultos de fertilidade e a falsidade do culto ao Deus de
Israel, que serve apenas para encobrir as injustiças de todo o tipo; na
política, condena as alianças com a Assíria ou com o Egito, porque levam a
esquecer o poder salvador de Deus.
Oseias desmistifica a História, adotando uma posição crítica quanto ao
passado de Israel. É a partir desta visão da História que desenvolve a teologia
do amor nupcial de Deus pelo seu povo: Deus ama com um amor fiel; ao contrário,
o povo responde com infidelidades.
Só o castigo, a ruína e a invasão poderiam fazer ver ao povo o seu
pecado. Mas, ainda assim, depois da dureza de todas as críticas e do anúncio da
desgraça, o castigo não é a última palavra deste profeta. Mesmo que o povo não
esteja totalmente arrependido, Deus acolhe-o e ensina-o como esposo e como pai,
e o seu amor gratuito acaba por triunfar.
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