“Pois nele
vivemos, nos movemos e existimos”,
como
disseram alguns dos poetas de vocês:
“Também
somos descendência dele”. Atos 17:28
Novo
Testamento é uma expressão que vem do latim: indica os livros da Bíblia
escritos depois de Cristo e contrapõe-se a Antigo Testamento, ou seja, aos
livros da Bíblia escritos antes de Cristo. Para designar os dois “Testamentos”,
melhor seria a expressão “Antiga Aliança” e “Nova Aliança” (berîth, em
hebraico, e diatheke, em grego). De facto, a ideia teológica de aliança é
fundamental na dinâmica interna da Bíblia, como Palavra de Deus para todos os
crentes, e percorre-a do primeiro livro ao último. O Antigo Testamento resume-a
nesta expressão: «Vós sereis o meu povo e Eu serei o vosso Deus.» (Lv 26,12; Jr
7,23; Ez 37,27)
Mas esta
Aliança era provisória, apontava para a Nova Aliança (Jr 31,31-34) que foi
selada com o sangue de Jesus Cristo (Mt 26,27; Mc 14,24; Lc 22,20). A este
respeito, diz o Concílio Vaticano II: “A Palavra de Deus, que é poder de Deus
para a salvação de todos os crentes, apresenta-se e manifesta a sua virtude de
um modo eminente nos escritos do Novo Testamento. Pois, quando chegou a
plenitude dos tempos, Cristo estabeleceu o Reino de Deus na terra, manifestou o
seu Pai e a sua própria Pessoa com obras e palavras e completou a sua obra
mediante a sua morte, ressurreição e gloriosa ascensão e com a missão do
Espírito Santo (...). De todas estas coisas são testemunho perene e divino os
escritos do Novo Testamento.” (DV, 17)
O NOVO TESTAMENTO E A HISTÓRIA
Escritos
entre os séc. I-II d.C., em plena civilização greco-romana, os livros do Novo
Testamento aparecem-nos na língua “comum” dessa civilização (o grego da koiné)
e giram em torno da mensagem de Jesus. Por isso, os Evangelhos são a base de
todos os outros livros do Novo Testamento, que, por sua vez, os explicitam e
aplicam à vida prática. Mas não podemos compreender suficientemente a mensagem
de Jesus nem os escritos que a explicitam, sem conhecermos as circunstâncias
históricas em que nasceram.
Jesus
anunciou a Boa Notícia da salvação apenas oralmente, em aramaico, a língua
falada então na Palestina. Os seus discípulos também não escreveram.
Preocupava-os mais o anúncio oral porque urgente do Evangelho. A atitude de
Jesus e dos seus discípulos faz do Cristianismo, não uma “Religião do Livro”,
mas a religião que se centra numa Pessoa Jesus Cristo. Depois de terem ouvido a
mensagem oral, durante a “primeira geração” cristã, é que os discípulos da
“segunda geração” registaram por escrito as palavras e os factos da vida de
Jesus para incutir nos cristãos maior fidelidade à mensagem e os conduzir à fé
e à salvação em Cristo (Lc 1,1-4; Jo 20,30-31). Os Evangelhos não são
unicamente a “História de Jesus”; são sobretudo a narração escrita das palavras
e dos factos de Jesus de Nazaré, mas já iluminados pelo Cristo ressuscitado,
presente na sua Igreja ao longo de muitos anos.
A Constituição
Dei Verbum (n.° 19) diz que os Evangelhos não são História escrita à maneira do
nosso tempo. Os evangelistas fazem uma História em função da fé, da teologia:
resumem, interpretam, explicam e redigem factos da vida de Jesus para
apresentar uma determinada ideia teológica a uma determinada classe de
ouvintes.
AMBIENTE POLÍTICO-RELIGIOSO DO NOVO
TESTAMENTO
Genericamente
falando, o ambiente histórico-geográfico do Novo Testamento é greco-romano. A
Palestina cai sob o domínio dos Césares de Roma em 63 a.C. e, com o Império,
entra no povo da Bíblia a cultura helenista, que se tornara a cultura mais
importante do Império Romano (ver Lc 3,1-2). De facto, um Império
geograficamente enorme e com uns cinquenta milhões de habitantes albergava no
seu seio multidões de povos, religiões e culturas diferentes. No entanto, este
pluralismo cultural e religioso facilitou, de certo modo, a expansão do
Cristianismo, que não tardou em adaptar as suas origens semitas à cultura
dominante. Neste campo, deve ser concedido um especial relevo a Paulo (ver Act
15). A Palestina, sobretudo pela mão de Herodes, o Grande (que reinou entre 40
a.C. e 4 a.C.), entrou também no caminho da civilização helenista, pelas
grandes obras, jogos e espectáculos copiados dos helenistas.
Politicamente,
as autoridades da Palestina reis ou procuradores romanos dependem do Imperador
de Roma. Pilatos foi o procurador mais famoso (entre 27 e 37 d.C.), por ter
participado activamente no processo e na morte de Jesus. A partir de 66 d.C.,
começou a revolta contra o poder romano, que foi severamente punida com a
destruição de Jerusalém e do Templo, inaugurado poucos anos antes. Com a
destruição do Templo, desaparece a classe politicamente mais forte, a classe
sacerdotal ou dos Saduceus. Na fuga geral, também a pequena comunidade cristã
de Jerusalém, segundo algumas tradições, se refugiou em Péla, na Decápole e
noutros locais próximos. A partir de 70 d.C. desaparecem todos os principados
da Palestina e o território é governado por administração directa de Roma.
Economicamente,
a Palestina, pequeno território junto do deserto, contava pouco na economia do
Império. Interessa, no entanto, saber como nela se vivia para compreender a
linguagem utilizada por Jesus nos Evangelhos, sobretudo nas parábolas. Trata-se
de um território de agricultura mediterrânica (trigo, cevada, figueira,
oliveira, videira) e de pastoreio de gado miúdo (ovelhas e cabras). A pequena
indústria e o comércio também ocupam um lugar de destaque na vida quotidiana do
povo.
Religiosamente,
fervilhavam pelo império muitas religiões e cultos pagãos, que gozavam de uma
relativa liberdade de culto e de proselitismo. Na Palestina, o templo de
Jerusalém concentrava as principais instituições judaicas. Era o centro
religioso, o lugar de Deus, do sacerdócio, das festas nacionais; mas também
onde as pessoas ligadas ao culto exerciam o poder político. Todo o varão judeu
adulto pagava uma didracma por ano de imposto ao Templo. Isso transformava o
Templo no centro econômico do povo de Deus.
O primeiro
Templo tinha sido construído por Salomão no séc. X e destruído pelos Babilônios
em 587 a.C.. O segundo, mais modesto, foi construído em 515, depois do exílio
da Babilônia. Um terceiro Templo foi construído por Herodes, o Grande;
inaugurado no ano 60 d.C., foi destruído pelos Romanos no ano 70. Em forma de
cubo de uns cinquenta metros e rodeado de vários átrios e portas, era uma obra
digna da admiração de qualquer visitante (ver Mt 24,1; Mc 13,1; Jo 2,20). No
tempo de Jesus estava na fase de acabamento.
A Sinagoga
era a instituição religiosa mais importante depois do Templo, aonde todo o bom
judeu acudia, cada sábado. O próprio Jesus frequentava a Sinagoga (Lc 4,16-38).
Era o lugar onde se proclamava e comentava a Palavra de Deus e se fazia a oração
da comunidade; também servia de escola e centro de cultura. Teve especial
importância sobretudo na Diáspora. Era chefiada pelos Doutores da Lei e
fariseus; e, como não havia sacrifícios, os sacerdotes não tinham nela
importância de maior.
Interessa
aqui referir, com particular relevo, os grupos religiosos de então:
Os Fariseus. Pessoas da
classe média e baixa, eram especialmente devotos e cumpridores de todas as
normas da Lei de Moisés. A sua origem, sendo embora duvidosa, deve remontar à
revolução de Judas Macabeu (séc. II a.C.: 1 Mac 2,42). Considerando Deus como o
único Rei de Israel, opunham-se ao poder político instalado: os Romanos e a
dinastia de Herodes. Como dominavam na Sinagoga, mediante a sua pregação,
levavam o povo a pensar do mesmo modo. Por isso, constituíam o grupo mais
numeroso de todos. Jesus denunciou muitas vezes a sua rigidez legalista, que
não respeitava o mais importante o amor e juntava muitas outras tradições a
chamada Lei oral ou “tradição dos antigos” às prescrições escritas na Bíblia.
Admitiam como canônicos todos os livros da actual Bíblia Hebraica, ou seja, a
Lei, os Profetas e outros Escritos (os do AT que estão nas Bíblias católicas,
excepto os Dêutero-canônicos). Sendo rígidos na observância da Lei, eram
progressistas nas ideias religiosas, pois admitiam, ao contrário dos Saduceus,
a ressurreição final e a existência de anjos. Destruído o Templo, no ano 70,
com ele desapareceu também a sua organização cultual: os sacerdotes e os
sacrifícios. Restava a Lei, a Palavra de Deus que estava na mão dos Fariseus da
Sinagoga. E foi a Sinagoga que perpetuou o judaísmo até aos nossos dias.
Os Doutores da Lei ou Escribas. Eram o
grupo mais ligado ao dos Fariseus. O Novo Testamento refere frequentemente
estes rabinos copistas que se tornaram também intérpretes da Lei. Eram os
“teólogos” do farisaísmo, embora também houvesse Doutores da Lei entre os
Saduceus.
Os Saduceus (nome que deriva do Sumo
Sacerdote Sadoc) existiam, como partido político, desde o séc. II a.C.. Eram a
classe mais ligada ao Templo, por constituírem a classe sacerdotal. Além do
sacerdócio, detinham ainda grande parte do poder político, pois, ao contrário
dos fariseus, presidiam ao Sinédrio, mediante o Sumo Sacerdote. Politicamente
abertos à autoridade romana, eram conservadores em religião, pois, ao contrário
dos fariseus, admitiam como canônicos apenas os cinco primeiros livros da
Bíblia (Pentateuco) e negavam a existência dos anjos e a ressurreição. Esta
classe sacerdotal, no exercício das suas funções, era assistida pelos Levitas,
que tinham especial missão no canto litúrgico e nos sacrifícios.
Os Samaritanos. Como o
nome indica, eram os habitantes da Samaria, descendentes da população mista
israelita e pagã que ocupou aquele território depois do exílio dos Samaritanos
para Nínive (711 a.C.). Como livros canônicos, só admitiam o Pentateuco (tal
como os Saduceus) e tinham um templo no monte Garizim (2 Rs 17,24-28; Esd
4,1-4). Por este motivo, os Judeus (habitantes da Judeia, ao sul)
rejeitavam-nos, como se fossem pagãos (Lc 10,25-37; Jo 4,19-22).
Os Zelotas. Como o próprio nome indica,
zelavam pela independência nacional de Israel contra o poder político
estrangeiro. Mas a sua luta era violenta, provocando sucessivos confrontos e
atentados contra o exército ocupante.
Os Herodianos. Eram os
partidários da dinastia de Herodes, o Grande, que governou os diversos
territórios da Palestina a partir do ano 37 a.C. sob a suprema autoridade dos
Imperadores de Roma (ver Lc 13,31-32).
ESCRITOS E COLECÇÕES DO NOVO TESTAMENTO
O Novo
Testamento está integrado por 27 livros, divididos em vários grupos ou
colecções de escritos: Quatro Evangelhos e Actos dos Apóstolos, Cartas de
Paulo, Carta aos Hebreus, Cartas Católicas (Tiago, 1 e 2 de Pedro, 1, 2 e 3 de
João, Judas) e Apocalipse de João. Trata-se de uma grande quantidade de livros,
e de diferentes gêneros literários, o que torna mais difícil a sua compreensão.
Por isso é feita uma breve Introdução a cada uma destas colecções.
A ordem
acima referida é temática e pouco tem a ver com a cronologia. De facto, o
escrito mais antigo do Novo Testamento é a Primeira Carta de Paulo aos
Tessalonicenses; e o Evangelho de João foi um dos últimos escritos a aparecer.
Tais colecções, portanto, estão organizadas segundo a temática e o gênero literário.
COMO E QUANDO SE FORMARAM ESTAS COLECÇÕES?
Como
dissemos, os discípulos de Jesus só bastante tarde resolveram escrever a sua
mensagem. Primeiro, porque o Mestre não lhes apareceu como um escritor, mas
como um mensageiro de Deus (Mt 28,16-20). Além disso, a primeira geração cristã
vivia num ambiente escatológico, pensando que Jesus estava para vir, glorioso,
«sobre as nuvens do céu», conforme a profecia de Daniel (Dn 7,13; Mt 26,64; Mc
14,62; 1 Cor 16,22; 1 Ts 4,17; Ap 22,20). Não admira, pois, que os primeiros
escritos do Cristianismo sejam Cartas, destinadas a resolver problemas
concretos de um determinado momento histórico das comunidades (1 Ts 4,13-18).
A
necessidade de escrever a mensagem de Jesus veio do afastamento cada vez maior
da sua fonte o próprio Jesus de Nazaré (Lc 1,1-4; Jo 20,30-31). A meados da
década de 70, já não viveria a quase totalidade das «testemunhas oculares» que
tinham visto o Senhor ressuscitado (Lc 1,2; 1 Cor 15,3-8). Esse distanciamento
cronológico entre Jesus e as comunidades só poderia ser vencido pela palavra
escrita. E assim se formaram as duas grandes colecções ou “corpus” das Cartas
de São Paulo e dos Evangelhos.
Para a
escrita da mensagem de Jesus e para a formação destas colecções muito
contribuiu a autoridade dos Apóstolos, em nome dos quais esses textos foram escritos.
Grande parte dos livros da Bíblia são pseudônimos, isto é, atribuídos a um
personagem importante, para terem melhor aceitação perante o público. Nesse
tempo não existia o direito de autor. Sobressai o caso do Apocalipse, de um
profeta chamado João, que foi associado ao Apóstolo João. De outro modo, este
livro teria tido ainda maiores dificuldades em entrar no Cânon dos livros
inspirados.
Não podemos
esquecer a relação entre o Antigo e o Novo Testamento, pois “Deus, inspirador e
autor dos livros de ambos os Testamentos, dispôs sabiamente que o Novo
Testamento estivesse escondido no Antigo, e o Antigo se tornasse claro no Novo
(…). Os livros do Antigo Testamento, integralmente assumidos na pregação
evangélica, adquirem e manifestam a sua significação completa no Novo
Testamento, ao mesmo tempo que o iluminam e explicam” (DV 16).
Excelente e esclarecedor! Vale à pena ser estudado e debatido em grupos de estudo.
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