NASCIMENTO DE JESUS (EE. 110-117)
Uma antiga tradição religiosa afirma que a maior seriedade de Deus
aconteceu quando Ele virou menino.
Olhando, escutando e observando o que faz Jesus Cristo nos diversos
“passos” de sua vida, a pessoa vai sendo transformada e configurada a partir de
dentro, pelo mesmo Espírito de Jesus.
A contemplação vai conformando a
pessoa a Jesus, cristificando seu olhar, escutar, observar… sua pessoa, enfim.
Trata-se de impregnar o visual, o auditivo e o prático humano do olhar, do
escutar, do falar e do agir de Cristo.
Cristo é o centro de toda a experiência dos Exercícios Espirituais.
Composição vendo o
lugar: compor-nos, situar-nos, fazer-nos presentes
à contemplação para que esta não seja recordação de algo distante na história,
mas a experiência de um mistério que se nos faz novamente presente.
Preâmbulo topográfico: consiste em introduzir-se no interior da realidade da cena, usando a imaginação.
S. Inácio deseja intensamente que a pessoa, ao fazer os Exercícios, se introduza tão plenamente quanto lhe for possível
no exercício, com todas as energias e
habilidades, com todas as forças e criatividade...
A “composição vendo o lugar” é o lugar da oração, o lugar da experiência e
da práxis de Jesus, que se deverá tornar, durante o tempo da experiência, o
lugar da experiência e da práxis do ser humano.
Recuperar o papel da imaginação como lugar onde se elabora a sensibilidade
mais profunda. A imaginação é uma força poderosa e complexa: toca o mais
profundo de nosso ser. A imaginação é capaz de visualizar possibilidades e
alternativas ilimitadas. Cada dia nos oferece novas oportunidades, novas
experiências.
“A imaginação é o começo da criação. Imaginamos o que desejamos; desejamos
o que imaginamos e finalmente criamos o que desejamos” (George B. Shaw)
A função da imaginação inaciana está mais dirigida a centrar nossa
afetividade que a fabricar interiormente uma imagem determinada a qualquer
preço.
Por que será que Jesus nasceu
pequenino e pobre? É que nada é digno de Deus, nada está à sua altura para poder
acolhê-lo. Nenhum tipo de ornamento, nenhum palácio, nenhuma forma de sabedoria
humana. Por isso, Deus resolveu escolher um lugar onde não houvesse nada, onde
não houvesse concorrências ridículas.
Deus só se manifesta onde Ele é tudo.
Na manjedoura, na verdadeira pobreza. Em Maria, na pobreza do coração. Se
meu coração se transformar em
manjedoura, Deus se fará pequenino para nele vir nascer de novo.
Jesus nasce na periferia do mundo, na periferia do poder político (Roma), do poder religioso
(Jerusalém), do poder intelectual (Grécia). Jesus nasce, vive e começa a falar
a partir da margem geográfica, cultural, religiosa e econômica. O próprio Jesus
é margem: Belém e o Calvário são os dois extremos periféricos – início e fim-
de toda uma vida desinteressada e pobre.
Todos tinham os olhos voltados para o centro. Jesus, no entanto,
movimenta-se em direção contrária: sobe, a partir da mais baixa periferia para
o centro. Jesus des-centraliza o mundo a partir da periferia e torna-se o
centro da história.
A vida de Jesus é ex-cêntrica, porque não combina nem se ajusta com a construção
social de todos aqueles que controlam o mundo a partir do centro. A ação de
Deus provoca um deslocamento geográfico, social e religioso.
Todo aquele que pretende encontrar-se com Jesus terá de voltar a cabeça e
peregrinar em direreção à margem. Cada passo na direção das periferias do mundo
também é um passo contemplativo em busca do encontro com o Senhor da História,
que nos chama de baixo e de fora.
Louca aventura amorosa de Deus: loucura que tem no velho adágio dos
primeiros padres da Igreja a expressão desconcertante: “Deus se fez homem para
que o homem pudesse ser feito Deus”. Deus se encarnou porque se enchera de
simpatia para com Sua Criação (Ele não disse que tudo era bom?) e se apaixonara
pelo próprio ser humano a ponto de querer ser também um deles.
Assim, embelezaria muito mais o inteiro universo e divinizaria o ser
humano, homem e mulher. Em função disso se deu a Encarnação e o Nascimento de
Jesus, e não por causa do pecado. Deus não se fez “carne” para, em primeiro
lugar, redimir os seres humanos decaídos. Encarnou-se fascinado pela humana
natureza, para glorificar a Criação e enriquecer o teatro da glória cósmica.
Só a partir daí, apiedou-se de Seus irmãos e irmãs pecadores e os salvou
com Seu amor, com Sua vida, com Sua luta, com Sua Cruz, com Seu Sangue e principalmente
com Sua Ressurreição. Deus preferiu nascer como corpo, apesar de todos os riscos,
inclusive o de morrer. Porque as
alegrias compensavam. E nasceu, declarando que o corpo está eternamente
destinado a uma dignidade divina. Curioso que os homens prefiram os céus,
quando Deus prefere a Terra.
Jesus é, ao mesmo tempo, o esvaziamento do divino e a sublimidade do
humano. Olhando para a Criança de Belém, o poeta português Fernando Pessoa nos
sintetiza esse paradoxo de Jesus.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro
E a criança tão humana que é divina.
Foi descobrindo a infância eterna de Deus que o poeta francês Paul Claudel
converteu-se ao cristianismo em uma noite de Natal. Na criança, na manjedoura,
no recém-nascido de Belém, ele descobriu com espanto e admiração a mais
perfeita expressão da própria existência de Deus e, em consequência disso, toda
a sua vida se transformou.
O Natal é o momento preciso em que a eterna juventude de Deus, a eterna
infância de Deus, invade nosso mundo e ali se estabelece para sempre. Em Jesus,
a eternidade penetrou no coração do tempo, no coração da história e no coração
humano.
Textos bíblicos: Is. 9,1-6 Lc. 2,1-8 Lc. 2.9-20 Mt. 2,1-12
Gal.
4,4-7 Lc. 2,21-32 Lc. 2,33-40
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