A contemplação dos Mistérios da vida de Cristo e a
Jornada Inaciana na Segunda Semana dos EE
Pe. Emmanuel da Silva e Araujo SJ.
1.
Os
frutos esperados na segunda semana
Na
2S dos EE, atraídos pelo chamado do Rei Eterno, contemplamos os mistérios da
vida de Cristo, vistos dentro de uma unidade. Em todos eles voltamos ao
espírito do Reino, pois este concentra o chamado que ajuda a contemplar a vida de Cristo [91]. Crescendo na intimidade
com Cristo vamos eleger o modo de servir a Deus, que é o nosso fim [169].
Podemos
expressar os frutos esperados em três blocos:
a)
Acentua o chamado do Senhor
(entendido Trinitariamente) à radicalidade no seguimento de Jesus, pois a vida
cristã de compromisso na fé é iniciativa do Senhor e acontece como vocação e
missão.
Para Inácio, a vida de Jesus é chamado. O primeiro fruto é que nos abramos conscientemente a esse chamado,
de maneira decidida e apaixonada: “que
não sejamos surdos, mas prontos e diligentes [91]
b)
Esse chamado somente se
verifica em uma experiência de fé que leva a conhecer íntima e internamente a Jesus, amá-lo e segui-lo na
construção do Reino do Pai, entregando-lhe a vida com toda confiança. Esse é o
fruto contínuo que buscamos na contemplação dos mistérios da vida de Cristo.
c)
Se os frutos anteriores foram
alcançados pelo exercício e pelo dom do Espírito, então será possível saber o
que fazer na vida e como: a pessoa pode eleger
as mediações que mais a conduzem a realizar sua vocação-missão.
2.
Algumas
observações a partir da Contemplação Inaciana
a)
Palavra vem do latim (cuntemplum) = lugar sagrado onde os
sacerdotes pagãos interpretavam os presságios e proferiam os AUGURIOS è tem um forte sentido de RECEPTIVIDADE è
b)
è O
processo de transformação interior na 2S implica:
Ä Em que ele deixe a presença
de Deus em Jesus Cristo
passar através de si mesmo
Ä Que ele vá deixando refletir
em si a imagem de Deus
Ä
Na contemplação o
exercitante se detém em Cristo, imagem
única de Deus, que está no centro de
sua existência. Ele é a imagem visível
do Deus invisível. Isso é muito importante ter presente. Vivemos na civilização da imagem, na cultura da imagem.
A publicidade injeta em nós pela porta dos sentidos um mundo de imagens, que
nos dominam e nos condicionam.
Pela contemplação vamos deixar
que Cristo entre em nós pela porta dos sentidos, para sermos impregnados
por sua imagem. Contemplado nos EE o Senhor nos unifica, se faz carne em
nós, atua em nós (cf. dec 2 CG 35 n 26).
Ä
A contemplação é contato, na
fé e no amor, de uma pessoa concreta com o Verbo encarnado em seus mistérios
vivificantes, que se convertem em acontecimento
salvífico pra essa pessoa. É um diálogo
amoroso no Espírito, no qual o exercitante recebe o conhecimento interno de Jesus
Cristo (e por meio dele do Pai e de seu amor infinito), que vai
transformando o seu ser.
Ä
Padre Nadal: “O Verbo de
Deus é, no Espírito, a vida eterna; senti-lo, saboreá-lo e abraçá-lo no coração
é o principal fruto da oração” (Apontamentos Espirituais, sec. 9, n. 515)
c)
Trata-se aqui de perceber
que a imagem visível do Deus Invisível,
refletida no íntimo da pessoa,
vai transformando-a nessa mesma imagem: já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim (Gl 2,20).
Desse modo, refletir sobre mim mesmo para tirar algum proveito significa
que o exercitante vai acolher os reflexos
que a contemplação provocou em seu interior. Trata-se de uma ação para tomar consciência do que se passou na
contemplação e para aplicar à própria
vida.
Isso é de fundamental importância, pois garante que a contemplação não
seja uma fuga a vôos da imaginação e faz com que o exercitante perceba e assuma
as moções que o levam a mais amar e
seguir o Senhor que por ele se fez homem.
d)
Mais que isso: a contemplação não é um
simples método de oração que tem como objeto cenas da vida pública de Jesus,
mas um
estado de receptividade em que, pela imaginação orante conduzida pelo
Espírito, o exercitante vai entrando
no Mistério.
e)
Mistério: Inácio chama as passagens Evangélicas
contempladas de Mistérios da vida de
Cristo Nosso Senhor. Assim, esses Exercícios querem introduzir o Exercitante no Mistério de Cristo.
Mysterion: literalmente significa o que está oculto (cf. cultos
mistéricos, gnosticismo, etc.). No NT testamento o termo aparece 27 vezes e se
refere, na maioria das vezes, à Revelação de Cristo a todos os povos. A Igreja
latina chamou de sacramentos os
mistérios celebrados. Assim, na Tradição Cristã, o sacramento-mistério passa
a significar uma realidade que se revela à medida em que se celebra.
Inácio experimentou, na medida em que ia se entregando ao Verbo
Encarnado pela contemplação, que as passagens evangélicas se abriam a ele em
significados novos, revelação de uma dimensão profunda delas só acessível pela
ação do Espírito. Ele se sentia convocado
a entrar mais profundamente no Mistério.
3.
Algumas
consequências dessas considerações
a)
A contemplação é um
exercício fundamental para o conhecimento interno do Senhor e todos podem
fazê-la, pois é ação do Espírito:
Ä
O exercitante que tem maior
dificuldade de imaginar bloqueia-se. Fazer ver que a dimensão imaginativa está
presente na vida de todos. Todos lemos um bom livro imaginando a história.
Todos temos uma capacidade impressionante para imaginar besteiras... todos
podemos imaginar, cada um a seu modo
Ä
Os mais racionais e lógicos:
abrirem-se à dimensão mais afetiva da oração
Ä
Os de imaginação mais
fértil: não se perderem nas suas viagens.
b)
A contemplação inaciana tem
dois pólos:
Ä
O Cristo pobre e humilde, Senhor que por nós se fez homem. A graça
a ser pedida nas contemplações é o conhecimento
interno do Senhor [104]. O exercitante deve pedir intensamente essa graça,
pois só assim ela será alcançada.
Ä
O exercitante. Na medida em que vai
contemplando o seu Senhor, vai se configurando à sua imagem e esvaziando-se de
si mesmo. Á medida em que contempla o Cristo pobre e humilde e o conhece internamente, vai assimilando o sim contínuo do Filho à Vontade do Pai.
O exercitante, desse modo, é atraído por esse sim, de modo que ele também virá a descobrir a vontade do Pai para
si, para mais amá-lo e segui-lo.
Assim, o conhecimento interno do Senhor
abre ao exercitante os horizontes de outro conhecimento: a descoberta do
chamado particular de Deus para si.
Assim, o movimento interno do exercitante não pode ser a busca da
passividade para se elevar às alturas da Divindade, mas é de descida: trata-se
de pisar os solos ensangüentados da história dos seres humanos feridos em sua
dignidade de filhos e filhas de Deus, encarnando-se com Cristo pobre e humilde
nessa história, como fiel servidor de sua missão.
Portanto, a contemplação dos mistérios da vida de Cristo está orientada
para a eleição. Mais que simples oração, contém e revela o critério para a
descoberta do serviço particular ao reino que vai ser dado por Deus ao
exercitante e acolhido pelo mesmo.
c)
Atenção ao fato de que
contemplar os Mistérios da vida de Cristo
é ver, ouvir, participar, é entrar em contato íntimo com a pessoa e as
ações de Cristo. Não é estudar nem
fazer exegese de textos.
d)
Muitas vezes o exercitante
não consegue tirar fruto da contemplação porque não recebeu uma sã cristologia. Saber cristologia é
essencial para ajudar no processo dos EE.
e)
No processo interno do
exercitante, a consolação [316] é a linguagem de Deus para crescimento no
conhecimento interno do Senhor: aquele que contempla deve buscar e deter-se
naquilo que lhe dá mais gosto e fruto espiritual [2]
f)
Mas ele não está livre das
desolações [317], que o purificam no processo de indenficação pessoal com o
Cristo pobre e humilde. Por isso aqui não deverá omitir nem diminuir a oração,
mas entregar-se mais a ela [13,319]. E mais ainda: não deve omitir as
repetições mas voltar sobre aqueles pontos em que experimentou desolação
[62,118].
g)
A desolação diante de um
mistério da vida de Cristo pode também indicar resistência [176].
4.
A
progressão na identificação com Cristo e na descoberta de seu chamado
Para alcançar o grau de receptividade e despojamento esperado no fruto
da 2S, é necessário um caminho progressivo, que se consegue principalmente pela
contemplação e sucessiva identificação com a própria vida de Cristo.
Para Inácio, a contemplação da vida de Cristo é a substância desse
conhecimento interno que vai transformando a vida do exercitante até a
identificação profunda com este que é o modelo de disponibilidade à vontade do
Pai. Para que o exercitante chegue ao máximo de disponibilidade, Inácio
intercala com as contemplações três exercícios muito originais, preparando-o
para a Eleição. Assim como Jesus chega à entrada de Jerusalém com sua eleição
feita consciente e decididamente, o exercitante ao chegar ao pórtico da 3S
deverá ter feito sua eleição.
A Jornada Inaciana é composta
de três exercícios, precedidas de um preâmbulo
para se considerar os estados [135]: tendo visto como Jesus viveu,
começaremos a ponderar como será o nosso modo de viver.
5.
Os
Exercícios da Jornada Inaciana
a)
Breve caracterização do contexto atual
O sociólogo polonês Zygmund Bauman chama os tempos atuais de tempos líquidos. Ele fala que vivemos na
modernidade líquida, onde, na falta
da solidez de fundamentos para a vida, nos deparamos com a incerteza e a
insegurança. Nesse contexto, nossas identidades sociais, culturais,
profissionais, religiosas e sexuais sofrem um processo de transformação
constante, que vai do perene ao transitório à velocidade da luz e nos gera
constante angústia. Da confusão dos valores dos tempos modernos nada escapa.
Bauman afirma que tudo é líquido e
que nessa sociedade “estar em movimento não é mais uma escolha: agora se tornou
um requisito indispensável” [1]
Na modernidade líquida somos
afetados de várias formas. A propaganda de consumo de massa gera necessidades e
desejos que são supérfluos e constantes. Nossas relações tornam-se cada vez mais flexíveis, gerando níveis cada vez
maiores de insegurança. Uma vez que damos prioridade a relacionamentos em redes, que muitas vezes não propiciam
nenhum contato além do virtual, esses surgem e desaparecem com facilidade e
rapidez. Torna-se difícil e, para muitos impossível, manter laços a longo
prazo. A esse fenômeno, Bauman chama amor
líquido[2].
As promessas de compromisso se tornam irrelevantes a longo prazo.
Compromisso é uma conseqüência aleatória de outras coisas: de nosso grau de
satisfação com os relacionamentos, com a missão, com a comunidade, com a
Congregação/Instituto, com a Igreja... Muitas vezes nosso julgamento se dá com
base no critério do investimento: vale a pena investir meu tempo, minha
juventude, minha saúde, minhas possibilidades...??? A força do compromisso tem
altas e baixas conforme a liquidificação de meus sentimentos na busca da
satisfação que tem que ser sempre imediata[3].
“Nos compromissos duradouros, a líquida razão moderna enxerga a
opressão; no engajamento permanente a dependência incapacitante. (...) Vínculos
e liames tornam “impuras” as relações humanas, como fariam com qualquer ato de
consumo que presuma a satisfação instantânea e, de modo semelhante,
considerando obsoleto o objeto consumido”[4].
É interessante chamar a atenção às considerações recentes de Gilles
Lipovetsky. Segundo ele, a expressão posmoderno era ambígua, desajeitada
e vaga, por tratar-se de uma modernidade de novo gênero que tomava corpo, e que
agora reaparece em primeiro plano ou com novos traços. O posmoderno já ganhou
rugas e, atualmente, vive-se os tempos hipermodernos:
“hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperterrorismo,
hiperindividualismo, hipermercado, hipertexto – o que mais não é hiper?
O que mais não expõe uma modernidade elevada à potência superlativa? Ao clima
de epílogo, segue-se uma sensação de fuga para adiante, de modernização
desenfreada, feita de mercantilização proliferativa, de desregulamentação
econômica, de ímpeto técnico-científico, cujos efeitos são tão carregados de
perigos quanto de promessas” [5].
Tudo isso se verifica num cenário mundial globalizado. A política, a economia. a cultura, as instituições se
redimensionam em escala mundial. Os meios de comunicação social alcançam
cobertura planetária. Os referenciais já não são locais e particulares como no
passado (a família, a comunidade, a cidade, nem sequer o país de origem), mas
globais e universais. Busca-se construir uma cultura global, através da
universalização de símbolos, representações, valores morais e estilos de vida
hemisfério norte. Abre-se um fosso cada vez maior entre os ricos e os pobres.
Vivendo mergulhados nesse contexto, somos afetados pela realidade sócio-econômica
e cultural. Sutilmente podemos fazer opções em que pensamos ser guiados pelo
Espírito de Deus, mas na verdade estamos impregnados de valores que são contrários
ao Reino de Deus e acabamos sendo movidos por nosso querer e interesse. Por
isso temos que viver em constante discernimento. Os valores desse mundo vão se
infiltrando sutilmente em nossos desejos, intenções e ações.
Em tempo de Exercícios, Inácio quer que estejamos livres e conscientes
para fazer uma boa eleição e por isso tenhamos mais presentes as influências
que o mundo exerce sobre nós. Nesse
sentido, os exercícios da chamada Jornada Inaciana nos ajudam a preparar o
coração para uma boa e sã eleição/reforma de vida: mesmo que estejamos
mergulhando a fundo na contemplação dos mistérios da vida de Cristo, nossa
liberdade é realmente livre para eleger?
Que amor realmente move meu coração: o que faço, o que vivo, o que
decido, o que desejo é tudo puramente por amor de Deus ou estou sendo
infiltrado pelos critérios de uma cultura individualista e narcisista que
acabam me fazendo mover-me pelo meu próprio querer e interesse? Essa
infiltração é descarada? Ou ela é muito sutil, discreta, encoberta, afetando
pouco a pouco pequenas atitudes até que elas se tornem arraigadas e me afastem
do fim para o qual eu fui criado?
b)
As Duas Bandeiras
“Na verdade, os desequilíbrios que atormentam o mundo
moderno se vinculam com aquele desequilíbriio mais fundamental radicado no
coração do homem. Com efeito, no próprio homem muiots elementos lutam entre si.
Enquanto de uma parte, porque criatura, experimenta-se limitado de muitas
maneiras, por outra parte, porém, sente-se ilimitado nos seus desejos e chamado
a uma vida superior. Atraído por muitas solicitações, é ao mesmo tempo obrigado
a escolher entre elas renunciando a algumas”. (GS 10)
O exercício apresenta dois projetos de vida que atrelam o sujeito à
respectiva proposta, seja pelas amarras (Lúcifer) ou pelo convite (Cristo), de
dois programas operativos – enquanto táticas e estratégias – e duas dinâmicas
radicalmente antagônicas [143], com duas
intenções contrárias [135-137]. O exercício é uma meditação que torna manifestos os valores reais que movem o exercitante no seguimento de Cristo
[97-98]
Aqui encontramos uma polaridade radical: Jesus-Humildade e Lúcifer-Soberba.
Cada um levanta sua Bandeira, ie, mostra seus valores, seu modo de proceder. Essa meditação se dirige principalmente ao
conhecimento. Por isso é preciso pedir a Deus a lucidez para conhecer
os enganos e a vida verdadeira. É disso que se trata no exercício das Duas
Bandeiras.
O pedido da graça desejada
deixa clara essa polaridade:
Ä
Conhecimento, sentido e eficaz, da vida
enganosa e egoísta que Lúcifer propõe sob
a aparência de bem (NB: o modo
de agir é típico de 2S) e ajuda para
guardar-se dela.
Ä
Conhecimento, sentido e eficaz, da vida
verdadeira que Cristo mostra com seus exemplos e palavras
e graça para imitá-lo e segui-lo
[135,145,164]
Fruto esperado: esse conhecimento, fundamental para uma eleição livre.
Inácio manda imaginarmos o caudilho assentado em um trono de fumo
e fogo em Babilônia e Cristo, numa bela planície em Jerusalém. Babilônia
representa toda a estratégia de ação do ME em minha vida. Jerusalém representa
a estratégia do BE. O caudilho envia seus seguidores para nos atar com redes
e correntes. Sua ação apresenta uma vida aparente que é escravidão.
Cristo envia seus seguidores para convidar a segui-lo no caminho da vida
verdadeira.
A Bandeira da Apropriação
Simbolismo de Babilônia
Babilônia, na Bíblia, refere-se sempre ao poder do mal. A partir do séc
VII, aparece como a cidade do mal e como AZOTE de Deus para castigar os
pecadores e criar neles disposição para a conversão. Para o pequeno resto de
Israel, convertido, é um desterro intolerável e uma morada perigosa (LP 492).
O exercitante deve perceber que no mundo e no seu processo interno continua
presente e atuante o mistério maléfico de Babilônia.
Assento: lugar de soberba e ostentação
Aspecto: asustador, de quem ataca, domina e prende, dissimulado ao tentar
Simbolismo dos enviados
Inumeráveis demônios: como instrumentos e cúmplices de Lúcifer, usarão das paixões
desordenadas do exercitante e do ambiente do mundo egoísta e pecador. Ninguém está immune à
tentação.
Tática/ estratégia
Tentações a assumir coisas e caminhos escravizantes e enganosos, sob a
aparência de bem, que fomentam as tendências naturais à apropriação, posse,
reconhecimento social e independência. Despertam o desejo da posse, da
preservação da auto-imagem e boa aparência, da auto-suficência.
Destinatários: todas as pessoas
Percurso
Persuadir sutilmente as
pessoas pela escala ascendente do
orgulho, em três degraus, que leva ao
auto-centramento e ao desejo de
apropriação:
Ä apegarem-se às
coisas, começando pelas mais necessárias até chegarem às supérfluas, para que
se tornem dependentes delas e se esqueçam pouco a pouco de Deus;
Ä
para que deste modo se
tornem vaidosas, pensando que seu valor está nas coisas que possuem;
Ä
finalmente se tornem
soberbas, acreditando que na realidade não necessitam de Deus, e que as demais
pessoas não precisam ser respeitadas em sua dignidade, mas podem ser
manipuladas e utilizadas.
A cobiça por riquezas facilmente leva à ambição de poder, junto com uma
busca insaciável de honras e prazeres e assim, em conseqüência, se chega a uma
tremenda soberba. E a partir destes três degraus se chega a todo tipo de vícios
e corrupção.
Para conseguir tal fim vão lançar
redes e atar com correntes = coação, prendendo e tirando a liberdade
A Bandeira do Dom
Simbolismo de Jerusalém: a Cidade da Paz
Assento: lugar humilde
Aspecto: bonito e gracioso: simples, franco, atrativo, amoroso, afável e amável
Simbolismo dos enviados
Cristo escolhe tantas pessoas,
apóstolos, discípulos, todos os seus servos e amigos
Tática/ estratégia
Envia a anunciar sua doutrina, a ajudar
a trazer as pessoas, a convidá-las a se identificarem com Cristo na sua Kénosis, encarnando-se na história para
salvar a humanidade.
Destinatários: Todo o mundo, todos os estados de vida e condições de pessoas [146]
Todos aqueles que queriam militar para Deus sob o estandarte da Cruz
(...) e servir somente ao Senhor e a sua esposa a Igreja (Fórmula do Instituto)
Percurso
Os três grandes marcos do projeto de Jesus são apresentados na escala descendente da humildade, que conduz
ao máximo de despojamento e descentramento, agindo contra a pulsão de posse e
configurando a vida na perspectiva do dom. São eles:
Ä
desapego das coisas diante
da ânsia por riquezas, amando mais a simplicidade e a pobreza, compartilhando o
que sou e tenho em lugar de acumular;
Ä
disposição para sofrer
incompreensões, injúrias, desprezos e perseguições, diante do desejo desmedido
de honra e prazer presentes neste mundo; ser muito livre diante de tudo;
Ä
dependência e confiança
absolutas em Deus, humildade, diante da soberba deste mundo.
Destas três atitudes nascem todas as virtudes, que levam a trilhar os
caminhos do Reino de Deus no serviço e no amor. Assim, com Jesus, será possível
construir neste mundo uma comunidade de irmãos e irmãs.
Cristo recomenda a seus
servos e amigos que queriam ajudar a
todas as pessoas trazendo-as à sua Bandeira. Ele não coage ninguém, mas
respeita a liberdade. Atua abertamente, respeitando a decisão de cada pessoa.
Algumas perguntas que podem ajudar o exercitante a se
situar
1.
O
coração é um campo de luta entre o bem e o mal. São duas forças presentes e
atuantes. Quais são minhas motivações mais profundas para fazer uma opção: é para o dom ou para a apropriação?
2.
Quais
são minhas Jerusaléns (relações, espaços, lugares, bens...) onde
cresço? Como normalmente se apresentam em mim as moções? Quais as mais fortes
no passado? E neste retiro? Como tocam minhas feridas para curá-las? Qual a tática do BE em mim? Por onde começa, onde me leva? Qual o caminho/estratégia do BE em mim?
3.
Quais
são minhas Babilônias (lugares, relações, espaços, coisas...) onde
o mau espírito se assenta e muitas vezes eu não percebo ou não acredito? Os
enganos e artifícios mais fortes no passado? E neste retiro? Como se impõe
sobre mim? A que estou sutilmente ou descaradamente atado (pessoas, coisas,
situações, idéias...). Por onde entra o ME em minha vida, por onde segue, onde
termina? Como reajo? Compactuo? Qual o caminho/estratégia do ME em mim?
c)
Os Três Binários (Três
classes de pessoas)
Nas Duas Bandeiras procuramos conhecer esta teia de condicionamentos. Santo
Inácio fala que o inimigo da natureza humana envia seus seguidores a lançar
redes e correntes para imobilizar as pessoas, obrigando-as a marchar
sob sua bandeira. Nós já conhecemos esta bandeira e como ela se manifesta.
Agora vamos descobrir quais são estas
redes e correntes, que podem ser identificadas com os nossos apegos, nossas ataduras internas, nossos auto-enganos, nossas
resistências.
Inácio percebe que não basta
conhecer os condicionamentos, se o
coração estiver atado por apegos.
Antes de fazer a eleição é preciso verificar se estou livre para renunciar àquilo que sei me afasta de Deus e de seu
Reino e acolher o que me aproxima desta meta. Este é um exercício para
sentir estas tensões entre o bem e o mal que percebi estarem presentes na
história e na minha própria vida.
Se nas 2 Bandeiras procuramos conhecer as influências do mundo exterior
sobre nós que condicionam afetam nossa liberdade interior, aqui trata-se de
descobrir como essas amarras interiores
condicionam nossa liberdade em relação às coisas exteriores. São propostos três
dinamismos de vida que revelam três atitudes possíveis diante da decisão de
desprender-se de algo. Com qual personagem me identifico mais?
Finalidade: Criar no exercitante um estado de liberdade ou indiferença ativa e apaixonada, para que Deus possa manifestar sua
vontade, fazendo-o sentir e conhecer sua
Vontade [175-177], a fim de que seu motivo último de decisão seja
exclusivamente o maior serviço de Deus. O que este exercício quer dizer é: se eu não tenho uma relação de liberdade
afetiva com aquilo que não é Deus, livrando-me da necessidade de colocar minha
segurança emocional em outros objetos de desejo, não chegarei a pôr em prática
e a viver aquilo que compreendi.
Acontece que posso até saber
que algo não é Deus em minha vida, mas esse não-deus
me oferece algum tipo de segurança ou ganho que não permite que a vontade seja mobilizada para eu me
desatrelar dele. Assim, o que está em questão aqui são três classes de vontade ou três graus de liberdade diante da
tendência natural à segurança proporcionada pela apropriação. Essa é a
característica do movimento interior do exercitante nesse momento.
Graça Pedida [152]: Trata-se de pedir que minha vontade
queira
ver-se livre de todo apego e
se decida a eleger somente o que mais conduz ao fim para o qual fui criado.
A parábola
Diante de um objeto, 3 tipos de pessoas:
1o Tipo - Vontade inconsistente, que
sempre adia ilusoriamente a tomada de posição: quereria tirar o afeto do objeto, mas morre sem concretizar o
querer. Adia sempre a solução e nunca coloca os meios. Ele já sabe do apego (já fez a meditação das 2
bandeiras), mas não quer abrir mão
dele. O exercitante manifesta um desejo
de seguir o Caminho, mas não abre mão
de nada para isso. É uma posição interior que revela de maneira evidente que o sujeito não é livre.
Ä
Jovem Rico, o paralítico de
Betesda (Jô 5), o filho mais novo da parábola: eu vou senhor... (MT, 21-30)
2o Tipo – Vontade mediatizada, que
sempre busca tomar posição regateando com Deus: quer tirar
o afeto desordenado, mas sem abrir mão do objeto. Se Deus lhe aponta um caminho
a seguir ele se dispõe, mas dará um jeito de levar junto o objeto de afeto. Seu
seguimento nunca é pleno, mas cheio de reservas. Não será capaz de assumir
todas as conseqüências de seguir o Caminho.
Esse tipo é mais sutil e exige muita atenção para ser ajudado. O exercitante
esta disposto a colocar qualquer meio, desde que não se toque na questão da
renuncia efetiva daquele determinado objeto de apego.
Ele estará sempre se esforçando por unir dois extremos irreconciliáveis: a segurança de possuir seu objeto e
a paz que nasce do abandono total a Deus. Evidentemente nunca terá paz total,
porque estará sempre em alerta na defesa contra qualquer coisa que sinta como
ameaça a seu apego.
Ajudar esse tipo é um grande desafio e exige muita atenção. Trata-se de
um auto-engano em que ele acredita que é livre, mas na prática
acomoda e manipula a vontade de Deus em função de sua própria vontade. A força
afetiva da dependência do objeto deforma
a percepção da realidade.
A defesa do objeto possuído se dá por mecanismos de racionalização:
a pessoa constrói uma argumentação sólida desde o ponto de vista lógico que é
capaz de convencer a muita gente da necessidade de ela possuir esse objeto
consigo para o bom desempenho da missão pedida por Deus. Ela acredita que está se deixando conduzir
por Deus, mas na verdade é ela que se conduz a si mesma.
Ä
Permita-me enterrar meu pai... (Lc
9, 59-62), Pedro, que seguia Jesus de
longe (Mc 14)
3o Tipo - Vontade disponível, sincera,
livre e pronta: de tal modo tira o afeto do objeto possuído que é livre e
está de prontidão para querer o que Deus quer (indiferença).
Ä
Abraão, Maria, Zaqueu,
Estevão
d)
Os três graus de humildade
Esse exercício é uma consideração,
feito em vários momentos do dia, com os três
colóquios. Os Diretórios o
apresentam como preparação para a eleição, que deve ser feita com o exercitante
tendo o coração marcado pelo fruto desse exercício.
Se o exercício das 2 Bandeiras pretende iluminar a inteligência e o dos
3 binários pretendem estimular o afeto, esse articula inteligência e vontade num impulso cada vez maior para a
identificação com Cristo, máxima Revelação do ser de Deus. Cristo se dá por
amor a nós, a tal ponto que sua humildade extrema se converte em humilhação. Para Inácio ,
a união de inteligência e vontade dá forma ao amor, que implica necessariamente na reciprocidade entre aqueles
que se amam na efetividade dos atos [230-231].
Desse modo, pela conmsideração e pedido da graça, o exercitante vai
dinamizar sua liberdade deixando absorver por uma nova paixão: o seguimento de
Jesus até a identificação máxima com ele.
Aqui um grande risco é o exercitante ver esse exercício como a
apresentação de um grau mais elevado de virtude
ou perfeição a ser vivido por amor a Deus e assumir uma atitude moralista e
voluntarista que leva ao narcisismo, à soberba, à auto-suficiência, mas não a
uma sã eleição.
Ser livre não é fruto de um esforço voluntarista, mas descentralizar-se
por um novo amor. Inácio, grande conhecedor do ser humano, é consciente de
que não se muda um objeto de amor se um
novo objeto de amor não entra para possibilitar o redirecionamento das energias
afetivas. No esquema inaciano, este objeto que canaliza os afetos é Jesus. A paixão por Deus e seu Reino
é que vai unificar nossos afetos.
Assim, o que deve brotar no interior do exercitante nesse exercício é
uma disposição afetiva ardente para a eleição daquilo que mais o identifica e configura com o Cristo pobre, humilde e humilhado.
Por isso atenção: não se
trata de assumir o texto ao pé da letra, elegendo o pior na vida para sofrer
por Cristo. Eleger algo ruim seria moralmente mal e insano,
seria doentio e pecaminoso. As coisas depreciáveis não podem ser eleitas por si
mesmas. Trata-se de eleger o melhor:
estar com Cristo e identificar-se com ele. E se para isso eu tenho que passar
pela cruz, passarei com amor e por amor.
O cristão não elege
complicações na vida. Ele elege Jesus e o Reino. Mas seguir a Jesus nos
caminhos do Reino é andar na contra-mão da história. Por isso tem Cruz no
caminho do discípulo: quem anda com Jesus na contra-mão complica sua vida; é
conseqüência do seguimento, anunciada pelo próprio Jesus. A cruz não tem
sentido por si mesma, mas somente como conseqüência do seguimento de Cristo, da
opção pelo melhor.
6.
Bibliografia
do texto
Esse texto se baseia em notas pessoais, na bibliografia em algumas notas
de rodapé que não será repetida aqui e na que se segue. Dos autores que seguem
são feitas citações no corpo do texto sem preocupação de indicar a fonte.
ARZUBIALDE, SANTIAGO. Ejercicios Espirituales de S. Ignácio –
Historia y Análisis. Bilbao-Santander: Mensajero-Sal Terrae, 1991, pp 217-416
BARREIRO, ÁLVARO. Contemplar a vida de Jesus – Prática e
frutos. São Paulo: Loyola, 2002.
CODINA, V. Estructura inciática de los Ejercícios,
in Manresa, 49 (1977) 291-307.
DOMÍNGUEZ MORANO, CARLOS. Psicodinámica de los Ejercicios Ignacianos.
Bilbao-Santander: Mensajero-Sal Terrae, ????, pp 181-199.
FIORITTO, M. Buscar y hallar La voluntad de Dios –
Comentário práctico a los Ejercicios Espirituales de San Ignácio de Loyola –
Tomo II. Buenos Aires: Ediciones Diego Torres, 1988, pp. 9-36; 155-268.
LEWIS, JAQUES. Conocimiento interno de los Ejercicios
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MELLONI, J. La mistagogia de los Ejercicios. Bilbao-Santander:
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TEJADA, D. LÓPEZ. Los Ejercicios Espirituales de San Ignácio
de Loyola – Comentário y textos afines. Madrid: EDIBESA, 1998, pp. 382-609.
[1] Cf. BAUMAN, ZYGMUND. Identidade.
Rio de Janeiro: Zahar, 2005, capa.
[2] Cf. id. Amor líquido
- sobre
a fragilidade dos laços humanos. Zahar: Rio de Janeiro, 2003.
[3] Cf. id. Amor Líquido, pp.
28-29
[4] Ibid p. 65
[5] LIPOVETSKY, G. Os tempos hipermodernos. São Paulo:
Barcarolla, 2004, pp. 52-53.
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