CONTEMPLAÇÃO DA ENCARNAÇÃO (EE
101-109)
O relacionamento das Pessoas
Divinas entre si
é tão vasto que o mundo inteiro nele cabe.
Contemplar: “estar com Deus no Templo, no lugar de sua presença”. O ponto de
partida de toda contemplação é o olhar contemplativo
amoroso das Três Pessoas Divinas. A partir deste divino olhar contemplativo
é que a pessoa é chamada a olhar, escutar, observar...
Contemplar a Trindade é
contemplar sua obra criadora, redentora e santificadora e, concretamente, ser
admitido a colaborar com essa obra.
É muito importante para Deus que
sejamos mais gente, mais humanos; daí a Encarnação.
“A glória do homem é Deus; porém o receptáculo
de toda a ação de Deus, da sua sabedoria e do seu poder é o homem” (S. Irineu).
Para S. Inácio, a Encarnação
começa com um “olhar”, com um modo de
olhar que compromete o interior da realidade trinitária. O exercício da “contemplação da Encarnação” consistirá
em acompanhar o olhar amoroso e compassivo de Deus sobre o mundo, em contemplar
Deus que contempla o mundo, em ver a humanidade com os olhos de Deus, como Deus
a vê.
Olhar o mundo em que vivemos com
os olhos de ternura, de misericórdia e de compaixão de Deus.
Uma vez que Deus “se fez carne” e entrou nas coordenadas
do nosso espaço e do nosso tempo, só podemos ouvir sua voz na nossa história.
A contemplação da “história da Encarnação”, longe de ser
uma evasão da história, é o meio de encontrar a Vontade de Deus na história da própria vida.
Ali, na marginalidade, a “Palavra se faz história, contingência,
solidariedade e fraqueza; mas podemos também acrescentar que por isso mesmo a
história, a nossa história, se faz Palavra” (Diaz Mateos).
Com espantosa audácia, S. Inácio
nos apresenta um Deus contemplativo, que olha e vê; um Deus comprometido com a vida e a salvação do gênero humano; um Deus compassivo que se deixa atingir e
comover pela “cegueira”, a morte e
a condenação de “todos os homens”. Mais admirável que o Deus da Criação, que disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gen. l,26), é o Deus
da Redenção que, no seu diálogo intratrinitário, diz: “Façamos a redenção do gênero humano” (EE. 107).
A encarnação é a revelação de um
Deus surpreendente: da Virgem Maria “... nascera o primeiro louco de Deus e,
que surpresa!, era o próprio Deus” (M. Evdokimov)
Deus responde ao espetáculo de
devastação e de perdição da humanidade com a “determinação” da Encarnação, com um novo gênesis, uma re-criação
da humanidade.
Em virtude da Criação e da Encarnação, nada é profano para quem sabe “olhar”. Tudo está grávido da presença amorosa de Deus.
“E o Vento se fez Evento, e o
Afeto se fez Feto... a Palavra se fez Carne” (Rubem Alves)
Encarnação do Filho de Deus: lugar por excelência para aprendermos
que Deus e o Homem não são adversários, mas diferenças
que se amam.
“A abreviação, a epítome de Deus é o
homem... Quando Deus quer ser não-deus, surge o homem. E se o próprio Deus é homem e o permanece
eternamente, é coibido ao homem pensar pouco de si, pois ele pensaria, então,
pouco de Deus,... então o homem é eternamente o proferido Mistério de
Deus, que participa eternamente do
Mistério de seu fundamento” (K. Rahner).
Preâmbulos:
1. “Traer la historia”:
História como mensagem, enquanto Palavra de Deus dirigida a mim nesta
situação concreta. História como verdadeiro lugar
teológico da experiência, epifania, onde
Deus se deixa encontrar e se faz entender
pelo ser humano. Ao “trazer essa
história” para o momento presente no exercício da contemplação, somos
convidados a participar desse movimento, e a deixar-nos mover na mesma direção
do desígnio salvífico de Deus.
“História”: relatos de um acontecer que
permite a identificação afetiva simples e espontânea;
: contemplação da Trindade x
contemplação do Mundo – parece duas realidades distantes, separadas. O
sim de Maria é o elo de ligação.
: Encarnação – contraste entre a
grandiosidade da visão da Trindade e a simplicidade da aceitação de Maria
2. Composição
vendo o lugar:
Há um ponto geográfico em nossa terra onde
se unem o Mistério de Deus e a história dos homens.
A espiritualidade inaciana é descendente,
luminosa. A luz vem de Deus e atinge tudo; tudo tem sentido.
O “lugar”
humano passa de um espaço indefinido, longínquo (“toda a terra”) a um “lugar”
santo, definido, que se pode reconhecer e detalhar de forma imediata (a casa,
os aposentos, as palavras de Maria...).
Deus escolhe a simplicidade, a pequenez...
Deus é MAIOR porque se faz o MENOR: integra
tudo, nada escapa da ação salvadora de Deus.
A Encarnação, embora seja um mistério de
dimensões universais, só pode ser
vista e contemplada no particular, à medida que vai se
concretizando na história.
3. Petição: CONHECIMENTO-AMOR-SEGUIMENTO
Conhecimento interno: entendendo
como interno a Jesus (não ficar no
aspecto externo de sua vida; graça de conhecer o mais íntimo de sua pessoa, de
sua vida e de sua missão, de seus pensamentos e sentimentos...) e interno a nós (conhecimento que chega ao
mais profundo de nosso ser e nos transforma).
Buscando o “conhecimento do Senhor”, o
ser humano caminha também para o “conhecimento
de si próprio”. O conhecimento do
Senhor e o conhecimento de si próprio, ambos da ordem da graça,porque revelam ao
homem, ao mesmo tempo, como ele “conhece”
o Senhor e como é por Ele “conhecido”. Conhecimento de coração, de afeto, de
entrega...
Relação existencial, um encontro com a
Pessoa de Jesus.
Não se trata de um conhecimento
intelectual, especulativo, psicológico... mas de um conhecimento vital: conhecimento
que penetra em Jesus Cristo e penetra em nós; permite conhecer a raiz profunda
de sua Vida interior; sintonizar-se dom seus critérios, atitudes e atos ( “hábitos do coração”).
Conhecimento dinâmico e transformante que
nos leva à identificação com Cristo.
Conhecimento que penetra até o coração e se traduz na vida real em
gestos próprios de Cristo.
Conhecimento-Amor-Seguimento: como um
círculo; somente aquele que segue, pode chegar a conhecê-lo e amá-lo (Apóstolos).
Pontos:
OLHAR-ESCUTAR-OBSERVAR
* Enfatizando os contrastes que
formam a diversidade de composição do gênero humano (brancos, negros...) S.
Inácio abre o olhar do exercitante para a universalidade contrastada da
história; toda ela vai ser enriquecida pela Encarnação que começa a partir da
iniciativa trinitária e da resposta fiel de Maria.
* A Encarnação do Verbo se dá
neste mundo de miséria, de dor, de contrastes. A Encarnação não é um
acontecimento isolado, mas atinge a todos. Muda-se a situação de todos e da História (Nova Criação); abre-se para todos
os homens um novo “Kairós”, uma nova possibilidade de Salvação.
“Deus fez-se homem”: entra na
história dolorosa dos homens para intervir nela, salvando-a. Na Encarnação,
Deus se revela como Deus próximo, de comunhão e de solidariedade com o ser
humano.
* Há uma inversão radical de toda
a realidade: o divino faz-se humano e o humano faz-se divino.
O Filho “entra” num mundo de
conflito, num mundo que lhe é hostil. A História na qual Cristo “entra”
adquire também um valor definitivo: passa a ser História da
Salvação.
Pela Encarnação de Cristo mudou-se a situação de perdição e de morte na
qual todos os homens estavam presos. Ele traz Vida nova: “Eu vim para que todos tenham VIDA” (Jo l0,l0)
* Assim como a Encarnação do
Verbo foi determinada a partir de um “olhar”
que saiu do coração de Deus, que pousou sobre o mundo e que voltou ao seu
coração, estremecendo-O de compaixão e
movendo-O à ação, assim toda decisão-ação
apostólica, para que dê frutos de salvação, tem de ter sua origem num olhar
misericordioso, comovido; um olhar que move a querer participar do sofrimento
dos que sofrem...
“Reflectir para sacar provecho...”: “Reflectir:
reflejar-se la luz en un cuerpo opaco” (Dicion. Nobles)
“Reflectir” não é reflexionar, senão
projetar sobre minha própria vida o Mistério contemplado, para deixar-me
iluminar e mover pelo Espírito; pôr-se diante de Deus como um espelho para
deixar-se orientar e “ordenar” por
Ele.
Na contemplação inaciana há
também um tempo para a reflexão, mas a partir da atividade contemplativa. A Luz
do mistério contemplado deve “refletir-se”,
ter reflexos, na pessoa que contempla, na sua inteligência, na sua vontade
e no seu comportamento (cf. 2Cor 3,18).
Textos bíblicos:
Lc 1, 26-38:
Anunciação.
Outros: Rom 1,18-32; Is 59; EE. 101-109; Jo
1,1-14; Lc 1,39-56; Fil. 2,5-11.
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