quinta-feira, 28 de julho de 2016

Contemplação da Encarnação nos EE


CONTEMPLAÇÃO DA ENCARNAÇÃO  (EE 101-109)

O relacionamento das Pessoas Divinas entre si 
é tão vasto que o mundo inteiro nele cabe.

Contemplar:estar com Deus no Templo, no lugar de sua presença”. O ponto de partida de toda contemplação é o olhar contemplativo amoroso das Três Pessoas Divinas. A partir deste divino olhar contemplativo é que a pessoa é chamada a olhar, escutar, observar...
Contemplar a Trindade é contemplar sua obra criadora, redentora e santificadora e, concretamente, ser admitido a colaborar com essa obra.
É muito importante para Deus que sejamos mais gente, mais humanos; daí a Encarnação.
               
 “A glória do homem é Deus; porém o receptáculo de toda a ação de Deus, da sua sabedoria e do seu poder é o homem” (S. Irineu).

Para S. Inácio, a Encarnação começa com um “olhar”, com um modo de olhar que compromete o interior da realidade trinitária. O exercício da “contemplação da Encarnação” consistirá em acompanhar o olhar amoroso e compassivo de Deus sobre o mundo, em contemplar Deus que contempla o mundo, em ver a humanidade com os olhos de Deus, como Deus a vê.

Olhar o mundo em que vivemos com os olhos de ternura, de misericórdia e de compaixão de Deus.
Uma vez que Deus “se fez carne” e entrou nas coordenadas do nosso espaço e do nosso tempo, só podemos ouvir sua voz na nossa história.
A contemplação da “história da Encarnação”, longe de ser uma evasão da história, é o meio de encontrar a Vontade de Deus na história da própria vida.
Ali, na marginalidade, a “Palavra se faz história, contingência, solidariedade e fraqueza; mas podemos também acrescentar que por isso mesmo a história, a nossa história, se faz Palavra” (Diaz Mateos).

   Com espantosa audácia, S. Inácio nos apresenta um Deus contemplativo,  que olha e vê; um Deus comprometido com a vida e a salvação do gênero humano; um Deus compassivo que se deixa atingir e comover pela “cegueira”, a morte e a  condenação de “todos os homens”. Mais admirável que o Deus da Criação,  que disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gen. l,26), é o Deus da Redenção que, no seu diálogo intratrinitário, diz: “Façamos a redenção do gênero humano” (EE. 107).

A encarnação é a revelação de um Deus surpreendente: da Virgem Maria “... nascera o primeiro louco de Deus e, que surpresa!, era o próprio Deus” (M. Evdokimov)
        Deus responde ao espetáculo de devastação e de perdição da humanidade com a “determinação” da Encarnação, com um novo gênesis, uma re-criação da humanidade.
        Em virtude da Criação e da  Encarnação, nada é profano para quem sabe “olhar”. Tudo está grávido da presença amorosa de Deus.
                 “E o Vento se fez Evento, e o Afeto se fez Feto... a Palavra se fez Carne” (Rubem Alves)

Encarnação do Filho de Deus: lugar por excelência para aprendermos que Deus e o Homem não são adversários, mas diferenças que se amam.

      “A abreviação, a epítome de Deus é o homem... Quando Deus quer ser não-deus, surge o homem.  E se o próprio Deus é homem e o permanece eternamente, é coibido ao homem pensar pouco de si, pois ele pensaria, então, pouco de Deus,... então o homem é eternamente o proferido Mistério de Deus,  que participa eternamente do Mistério de seu fundamento” (K. Rahner).

Preâmbulos:

1. “Traer la historia”:  História como mensagem, enquanto Palavra de Deus dirigida a mim nesta situação concreta. História como verdadeiro lugar teológico da experiência, epifania, onde
     Deus se deixa encontrar e se faz entender pelo ser humano. Ao “trazer essa história” para o momento presente no exercício da contemplação, somos convidados a participar desse movimento, e a deixar-nos mover na mesma direção do desígnio salvífico de Deus.
        “História”: relatos de um acontecer que permite a identificação afetiva simples e espontânea;
: contemplação da Trindade  x  contemplação do Mundo – parece duas realidades distantes, separadas. O sim  de Maria é o elo de ligação.
: Encarnação – contraste entre a grandiosidade da visão da Trindade e a simplicidade da aceitação de Maria

2. Composição vendo o lugar:
    Há um ponto geográfico em nossa terra onde se unem o Mistério de Deus e a história dos homens. 
    A espiritualidade inaciana é descendente, luminosa. A luz vem de Deus e atinge tudo; tudo tem sentido.
    O “lugar” humano passa de um espaço indefinido, longínquo (“toda a terra”) a um “lugar” santo, definido, que se pode reconhecer e detalhar de forma imediata (a casa, os aposentos, as palavras de Maria...).
    Deus escolhe a simplicidade, a pequenez...
    Deus é MAIOR porque se faz o MENOR: integra tudo, nada escapa da ação salvadora de Deus.
    A Encarnação, embora seja um mistério de dimensões universais, só pode ser vista e  contemplada no particular, à medida que vai se concretizando na história.

3.  Petição: CONHECIMENTO-AMOR-SEGUIMENTO

Conhecimento interno: entendendo como interno a Jesus (não ficar no aspecto externo de sua vida; graça de conhecer o mais íntimo de sua pessoa, de sua vida e de sua missão, de seus pensamentos e sentimentos...) e interno a nós (conhecimento que chega ao mais profundo de nosso ser e nos transforma).
      Buscando o “conhecimento do Senhor”,  o ser humano caminha também para o “conhecimento  de si próprio”. O conhecimento do Senhor e o conhecimento de si próprio, ambos da ordem da  graça,porque revelam ao homem, ao mesmo tempo, como ele “conhece” o Senhor e como é por Ele “conhecido”.  Conhecimento de coração, de afeto, de entrega...
      Relação existencial, um encontro com a Pessoa de Jesus.
      Não se trata de um conhecimento intelectual, especulativo, psicológico... mas de um conhecimento vital: conhecimento que penetra em Jesus Cristo e penetra em nós; permite conhecer a raiz profunda de sua Vida interior; sintonizar-se dom seus critérios, atitudes e atos ( “hábitos do coração”).
      Conhecimento dinâmico e transformante que nos leva à identificação com Cristo.
      Conhecimento que penetra até o coração e se traduz na vida real em gestos próprios de Cristo.
      Conhecimento-Amor-Seguimento: como um círculo; somente aquele que segue, pode chegar a  conhecê-lo e amá-lo (Apóstolos).

Pontos: OLHAR-ESCUTAR-OBSERVAR

* Enfatizando os contrastes que formam a diversidade de composição do gênero humano (brancos, negros...) S. Inácio abre o olhar do exercitante para a universalidade contrastada da história; toda ela vai ser enriquecida pela Encarnação que começa a partir da iniciativa trinitária e da resposta fiel de Maria.
* A Encarnação do Verbo se dá neste mundo de miséria, de dor, de contrastes. A Encarnação não é um acontecimento isolado, mas atinge a todos. Muda-se a situação de todos e da História (Nova Criação); abre-se para todos os homens um novo “Kairós”,  uma nova possibilidade de Salvação.
   “Deus fez-se homem”: entra na história dolorosa dos homens para intervir nela, salvando-a. Na Encarnação, Deus se revela como Deus próximo, de comunhão e de solidariedade com o ser humano.
* Há uma inversão radical de toda a realidade: o divino faz-se humano e o humano faz-se divino.
   O Filho “entra” num mundo de conflito, num mundo que lhe é hostil. A História na qual Cristo “entra”   adquire também um valor definitivo: passa a ser História da Salvação.
   Pela Encarnação de Cristo mudou-se a situação de perdição e de morte na qual todos os homens estavam presos. Ele traz Vida nova: “Eu vim para que todos tenham VIDA” (Jo l0,l0)
* Assim como a Encarnação do Verbo foi determinada a partir de um “olhar” que saiu do coração de Deus, que pousou sobre o mundo e que voltou ao seu coração,  estremecendo-O de compaixão e movendo-O à ação, assim toda decisão-ação apostólica, para que dê frutos de salvação, tem de ter sua origem num olhar misericordioso, comovido; um olhar que move a querer participar do sofrimento dos que sofrem...

Reflectir para sacar provecho...”:  “Reflectir: reflejar-se la luz en un cuerpo opaco” (Dicion. Nobles)
“Reflectir” não é reflexionar, senão projetar sobre minha própria vida o Mistério contemplado, para deixar-me iluminar e mover pelo Espírito; pôr-se diante de Deus como um espelho para deixar-se orientar e “ordenar” por Ele.
Na contemplação inaciana há também um tempo para a reflexão, mas a partir da atividade contemplativa. A Luz do mistério contemplado deve “refletir-se”, ter reflexos, na pessoa que contempla, na sua inteligência, na sua vontade e no seu comportamento (cf. 2Cor 3,18).



Textos bíblicos: 

Lc 1, 26-38: Anunciação.

Outros: Rom 1,18-32; Is 59; EE. 101-109; Jo 1,1-14; Lc 1,39-56; Fil. 2,5-11.

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