A experiência da MISERICÓRDIA de Deus provoca o desejo de dar uma resposta
generosa e radical à pergunta: “que farei por Cristo?” Conversão - Missão: duas
etapas consecutivas e inseparáveis; Cristo nos liberta para o seguimento.
Exercício do REINO: o dia no qual S. Inácio propõe este “exercício” é um
dia de transição: passagem entre a 1ª e 2ª semana dos Exercícios. A vivência da
1ª Semana não significa que a passagem para a 2ª Semana seja automática. Antes de começar a “contemplar a vida do Rei Eterno” (EE. 91), é preciso
ser consciente de que existem condições humanas prévias para poder “escutar” o
chamamento ou “seguir” a Jesus.
O chamado de Cristo é dirigido ao ser humano. Não há experiência espiritual que se sustente
sem uma base humana consistente. Sem se abrir ao “magis” que habita o coração
humano não haverá “desejos” de Cristo.
Nenhuma dimensão da vida pode ficar de fora. Diante de Cristo a pessoa tem
que se sentir provocada, chamada a superar-se, desafiada a ser “mais”. Por isso
a estrutura humana da pessoa constitui a base para poder “ver” e “escutar” a
Cristo que chama. Em dois sentidos:
a) no sentido de uma solidez (humana, psicológica, etc.);
b) no sentido das condições ou pré-disposições sem as quais o chamamento de
Cristo ressoaria no vazio.
É preciso sonhar alto, ter ideais, ser uma pessoa de desejos e de esperança
para poder “escutar” o apelo de Cristo;
é preciso ser apaixonado, deixar-se empolgar, aceitar correr riscos na vida
para saber o que significa o “comigo” de Cristo; é indispensável uma enorme generosidade,
capaz de dedicar-se incondicionalmente a uma grande causa para descobrir que, entregar-se a Cristo sem
limites, não é algo insensato.
Se o “chamamento do rei temporal ajuda a contemplar a vida do Rei Eterno”
(EE.91) é porque na experiência humana fundamental ressoa, desde o início, a
marca ou o chamado de todo ser humano a transcender-se, a ir além de si mesmo.
Essa é a razão pela qual o “exercício do Reino” está construído sobre a
estrutura humana dos desejos profundos. O seguimento de Cristo pressupõe uma
pessoa capaz de sair de si mesma, de deixar-se des-centrar...
O Evangelho pode ser lido a partir de múltiplos pontos de vista. S. Inácio
destaca um ponto: a perspectiva do chamamento que Jesus dirige às pessoas,
junto com a resposta que tal chamamento exige: o seguimento. A pessoa e o chamado de Jesus centram todo o
entusiasmo do exercitante. Por isso
mesmo, S. Inácio faz uma seleção de passagens evangélicas, propondo aquelas que
mais ressaltam esta perspectiva do chamamento-seguimento.
Nos EE., o seguimento de Cristo pobre e humilde é uma dinâmica de desejos,
de afetar-se, de querer... Para S. Inácio, seguir é aderir incondicionalmente a
Jesus Cristo; é “entrar” no seu caminho, recriá-lo em cada momento e
percorrê-lo até o fim. Seguir é deixar-se configurar, isto é, movimento pelo
qual a pessoa vai sendo modelada à imagem de Cristo; é caminho de
“re-composição” pessoal em tôrno e em referência à vida e pessoa de Jesus. A
vida de Jesus Cristo se torna norma, uma maneira de proceder, um estilo próprio
de ser: “não sou eu mais que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). O seguimento
é tarefa aberta e sempre inacabada. Ele pode e deve encontrar encarnações
concretas. Neste sentido, estimula e dinamiza o crescimento interior.
A centralidade de Cristo não se capta fora do seguimento. Não é uma
doutrina que se ensina nem uma visão histórica que se assume, mas uma realidade
que se experimenta. Jesus teve de criar seu caminho. Não o recebeu já feito.
Sua vocação e missão era confrontada com a realidade. Desse confronto foi-lhe
resultando uma contínua interpretação do Projeto do Pai para si.
Somos convidados a refazer em nossa vida esse mesmo processo de Vida,
confrontando permanentemente a realidade com suas necessidades e desafios e as
percepções que vamos adquirindo do seguimento de Jesus. Imersos nos “mistérios”
de Jesus, vamos percebendo, no confronto com a nossa vida concreta, as exigências
do seguimento de Jesus. Como pano de fundo está a experiência de S. Inácio.
Ele retrata sua experiência mística nos Exercícios Espirituais como
seguimento de Jesus no sentido de
conhecê-Lo cada vez mais para
mais amá-Lo e assim seguí-Lo, na “Eleição de vida” ou na sua “Reforma”. Só o
objeto da Eleição pode chegar a concretizar o seguimento de Cristo. “Objeto de
Eleição” enquanto é reconhecido como modo, lugar, forma, fator e circunstâncias
nas quais se encarna a dinâmica do seguimento.
O seguimento é um acontecimento pessoal. Não é uma simples adaptação ao
modelo (imitação), mas uma autêntica “criação”, inspirada sim, por Aquele a
quem se segue, mas de caráter autônomo e sob a plena responsabilidade do
seguidor. Visto a esta luz, o seguimento é sempre fecundo.
Finalidade do exercício:
* despertar no interior da pessoa a capacidade de entusiasmo pela pessoa de
Jesus Cristo e sua causa; sem esse entusiasmo por Cristo e sem este desejo de
aprofundar no seu mistério, não tem sentido as contemplações da 2a. Semana,
pois toda ela tende a mostrar-nos até onde nos pode levar o desejo de “estar com
Ele”;
* ajudar o exercitante a mobilizar todas as suas energias, criatividade,
riquezas interiores, desejos, aspirações... para o Reino;
* provocar uma garra, vibração... por uma empresa nobre. Para S. Inácio, a
vida de uma pessoa vale pela causa à qual se entrega. Em Cristo, S.Inácio
encontra a realização da empresa mais nobre
e a garantia de poder entregar-se a ela sem equivocar-se. Ninguém se engana
seguindo Jesus. Tudo o que podia ser o ideal de sua vida, o que podia dar-lhe sentido,
Inácio o centra agora na pessoa de Cristo.
* é preciso resgatar a experiência humana que está em jogo como condição
necessária para a experiência espiritual que o exercitante está chamado a
fazer.
* este exercício é uma prova de audácia, uma provocação à minha generosidade:
a quê me animo gastar minha vida? Verificar se o desejo de “fazer algo por
Cristo” tem raízes, tem consistência...
* se o chamamento de Cristo não faz estremecer a pessoa nos fundamentos da
sua vida é muito provável que esse chamamento seja ilusório.
Mudança de ótica:
- deixar de “olhar” para si, para centrar a atenção em Cristo; o exercício
está ordenado a uma busca, compromete a caminhar;
- doravante, o progresso da pessoa se fará em confronto com a vida de
Cristo. Cada “mistério” contemplado constitui uma interpelação que espera e
exige resposta;
- trata-se de “olhar, escutar, observar”, de deixar-se iluminar por essa
maneira de ser, de descobrir a atualidade e a significação desse “mistério”
para a própria vida;
- o próprio Cristo se apresenta todo o tempo como Alguém que “passa”, é
peregrino é Aquele que convida a colocar-se em marcha com Ele: companheiro de
estrada;
- aqui aparecem duas imagens queridas por S.Inácio na compreensão da missão
de Cristo: peregrinação (Cristo passa por vilas e cidades) trabalho (todo tipo
de obras).
E isso no mundo: “ir lá onde as pessoas vivem e trabalham”. Cristo nos chama
a situar-nos no mais íntimo da experiência humana, quando o mundo recebe a
promessa do Reino. Nessa meditação, portanto, aparecem duas características
fundamentais e centrais na espiritualidade inaciana: profundo amor pessoal a
Jesus Cristo (seguimento) busca permanente do “magis”.
Encontrar-se com Jesus é encontrar-se com o Reino de Deus. Jesus se põe
totalmente a serviço da “causa” de Deus; Ele é inseparável de sua obra: o Reino
que anuncia e que Ele faz presente. O Reino condensa e leva à plenitude todas
as aspirações humanas. O tema do “rei e do Reino”, nos Evangelhos e nos
Exercícios encerra, evidentemente uma utopia. Não perder de vista esta utopia é
algo essencial em Inácio. Cada qual deverá dar nome à utopia que lhe move. Inácio
pôs um nome, que obedecia a seu universo simbólico. Com ele viveu e marcou
todos os passos de sua vida. Essa é a força da utopia que é capaz de abarcar o
ideal maior, mas que chega a encarnar-se numa decisão muito precisa. A resposta
do exercitante ao chamamento não é um sim dado a uma utopia simplesmente, mas à
causa que em Jesus se realizou e, por Ele, pode realizar-se em quem decide
seguí-lo.
A palavra Reino é um conceito dinâmico, é uma referência a algo que está
acontecendo e que irrompe com força. As imagens que Jesus utiliza são imagens
de crescimento: semente, fermento... O que acontece não é uma intervenção de
Deus a mais; é a última, a definitiva. Jesus é consciente de que com Ele
começou uma história nova.
A esperança se fez realidade. A consumação do mundo está começando. Jesus
não define o que é o Reino. Ele o encarna em suas palavras e em sua vida; é
algo que irrompe. Se queremos saber o que é o Reino, devemos colocar-nos a
caminho com Jesus: Ele é o Reino. Ele o vive primeiro, vai adiante e convida a
“vir comigo”.
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