segunda-feira, 25 de julho de 2016

Exercício do Reino nos EE


Exercício do Reino nos EE

A experiência da MISERICÓRDIA de Deus provoca o desejo de dar uma resposta generosa e radical à pergunta: “que farei por Cristo?” Conversão - Missão: duas etapas consecutivas e inseparáveis; Cristo nos liberta para o seguimento.

Exercício do REINO: o dia no qual S. Inácio propõe este “exercício” é um dia de transição: passagem entre a 1ª e 2ª semana dos Exercícios. A vivência da 1ª Semana não significa que a passagem para a 2ª Semana seja automática. Antes de começar a “contemplar a vida do Rei Eterno” (EE. 91), é preciso ser consciente de que existem condições humanas prévias para poder “escutar” o chamamento ou “seguir” a Jesus.

O chamado de Cristo é dirigido ao ser humano.  Não há experiência espiritual que se sustente sem uma base humana consistente. Sem se abrir ao “magis” que habita o coração humano não haverá “desejos” de Cristo.
Nenhuma dimensão da vida pode ficar de fora. Diante de Cristo a pessoa tem que se sentir provocada, chamada a superar-se, desafiada a ser “mais”. Por isso a estrutura humana da pessoa constitui a base para poder “ver” e “escutar” a Cristo que chama. Em dois sentidos:

a) no sentido de uma solidez (humana, psicológica, etc.);
b) no sentido das condições ou pré-disposições sem as quais o chamamento de Cristo ressoaria no vazio.

É preciso sonhar alto, ter ideais, ser uma pessoa de desejos e de esperança para poder “escutar” o apelo de  Cristo; é preciso ser apaixonado, deixar-se empolgar, aceitar correr riscos na vida para saber o que significa o “comigo” de Cristo;  é indispensável uma enorme generosidade, capaz de dedicar-se incondicionalmente a uma grande causa para  descobrir que, entregar-se a Cristo sem limites, não é algo insensato.

Se o “chamamento do rei temporal ajuda a contemplar a vida do Rei Eterno” (EE.91) é porque na experiência humana fundamental ressoa, desde o início, a marca ou o chamado de todo ser humano a transcender-se, a ir além de si mesmo. Essa é a razão pela qual o “exercício do Reino” está construído sobre a estrutura humana dos desejos profundos. O seguimento de Cristo pressupõe uma pessoa capaz de sair de si mesma, de deixar-se des-centrar...

O Evangelho pode ser lido a partir de múltiplos pontos de vista. S. Inácio destaca um ponto: a perspectiva do chamamento que Jesus dirige às pessoas, junto com a resposta que tal chamamento exige: o seguimento.  A pessoa e o chamado de Jesus centram todo o entusiasmo do exercitante.  Por isso mesmo, S. Inácio faz uma seleção de passagens evangélicas, propondo aquelas que mais ressaltam esta perspectiva do chamamento-seguimento.

Nos EE., o seguimento de Cristo pobre e humilde é uma dinâmica de desejos, de afetar-se, de querer... Para S. Inácio, seguir é aderir incondicionalmente a Jesus Cristo; é “entrar” no seu caminho, recriá-lo em cada momento e percorrê-lo até o fim. Seguir é deixar-se configurar, isto é, movimento pelo qual a pessoa vai sendo modelada à imagem de Cristo; é caminho de “re-composição” pessoal em tôrno e em referência à vida e pessoa de Jesus. A vida de Jesus Cristo se torna norma, uma maneira de proceder, um estilo próprio de ser: “não sou eu mais que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). O seguimento é tarefa aberta e sempre inacabada. Ele pode e deve encontrar encarnações concretas. Neste sentido, estimula e dinamiza o crescimento interior.

A centralidade de Cristo não se capta fora do seguimento. Não é uma doutrina que se ensina nem uma visão histórica que se assume, mas uma realidade que se experimenta. Jesus teve de criar seu caminho. Não o recebeu já feito. Sua vocação e missão era confrontada com a realidade. Desse confronto foi-lhe resultando uma contínua interpretação do Projeto do Pai para si.

Somos convidados a refazer em nossa vida esse mesmo processo de Vida, confrontando permanentemente a realidade com suas necessidades e desafios e as percepções que vamos adquirindo do seguimento de Jesus. Imersos nos “mistérios” de Jesus, vamos percebendo, no confronto com a nossa vida concreta, as exigências do seguimento de Jesus. Como pano de fundo está a experiência de S. Inácio.
Ele retrata sua experiência mística nos Exercícios Espirituais como seguimento de Jesus no sentido de  conhecê-Lo cada vez mais  para mais amá-Lo e assim seguí-Lo, na “Eleição de vida” ou na sua “Reforma”. Só o objeto da Eleição pode chegar a concretizar o seguimento de Cristo. “Objeto de Eleição” enquanto é reconhecido como modo, lugar, forma, fator e circunstâncias nas quais se encarna a dinâmica do seguimento.

O seguimento é um acontecimento pessoal. Não é uma simples adaptação ao modelo (imitação), mas uma autêntica “criação”, inspirada sim, por Aquele a quem se segue, mas de caráter autônomo e sob a plena responsabilidade do seguidor. Visto a esta luz, o seguimento é sempre fecundo.

Finalidade do exercício:

* despertar no interior da pessoa a capacidade de entusiasmo pela pessoa de Jesus Cristo e sua causa; sem esse entusiasmo por Cristo e sem este desejo de aprofundar no seu mistério, não tem sentido as contemplações da 2a. Semana, pois toda ela tende a mostrar-nos até onde nos pode levar o desejo de “estar com Ele”;
* ajudar o exercitante a mobilizar todas as suas energias, criatividade, riquezas interiores, desejos, aspirações... para o Reino;
* provocar uma garra, vibração... por uma empresa nobre. Para S. Inácio, a vida de uma pessoa vale pela causa à qual se entrega. Em Cristo, S.Inácio encontra a realização da empresa  mais nobre e a garantia de poder entregar-se a ela sem equivocar-se. Ninguém se engana seguindo Jesus. Tudo o que podia ser o ideal de sua vida, o que podia dar-lhe sentido, Inácio o centra agora na pessoa de Cristo.
* é preciso resgatar a experiência humana que está em jogo como condição necessária para a experiência espiritual que o exercitante está chamado a fazer.
* este exercício é uma prova de audácia, uma provocação à minha generosidade: a quê me animo gastar minha vida? Verificar se o desejo de “fazer algo por Cristo” tem raízes, tem consistência...
* se o chamamento de Cristo não faz estremecer a pessoa nos fundamentos da sua vida é muito provável que esse chamamento seja ilusório.

Mudança de ótica:

- deixar de “olhar” para si, para centrar a atenção em Cristo; o exercício está ordenado a uma busca, compromete a caminhar;
- doravante, o progresso da pessoa se fará em confronto com a vida de Cristo. Cada “mistério” contemplado constitui uma interpelação que espera e exige resposta;
- trata-se de “olhar, escutar, observar”, de deixar-se iluminar por essa maneira de ser, de descobrir a atualidade e a significação desse “mistério” para a própria vida;
- o próprio Cristo se apresenta todo o tempo como Alguém que “passa”, é peregrino é Aquele que convida a colocar-se em marcha com Ele: companheiro de estrada;
- aqui aparecem duas imagens queridas por S.Inácio na compreensão da missão de Cristo: peregrinação (Cristo passa por vilas e cidades) trabalho (todo tipo de obras).

E isso no mundo: “ir lá onde as pessoas vivem e trabalham”. Cristo nos chama a situar-nos no mais íntimo da experiência humana, quando o mundo recebe a promessa do Reino. Nessa meditação, portanto, aparecem duas características fundamentais e centrais na espiritualidade inaciana: profundo amor pessoal a Jesus Cristo (seguimento) busca permanente do “magis”.

Encontrar-se com Jesus é encontrar-se com o Reino de Deus. Jesus se põe totalmente a serviço da “causa” de Deus; Ele é inseparável de sua obra: o Reino que anuncia e que Ele faz presente. O Reino condensa e leva à plenitude todas as aspirações humanas. O tema do “rei e do Reino”, nos Evangelhos e nos Exercícios encerra, evidentemente uma utopia. Não perder de vista esta utopia é algo essencial em Inácio. Cada qual deverá dar nome à utopia que lhe move. Inácio pôs um nome, que obedecia a seu universo simbólico. Com ele viveu e marcou todos os passos de sua vida. Essa é a força da utopia que é capaz de abarcar o ideal maior, mas que chega a encarnar-se numa decisão muito precisa. A resposta do exercitante ao chamamento não é um sim dado a uma utopia simplesmente, mas à causa que em Jesus se realizou e, por Ele, pode realizar-se em quem decide seguí-lo.

A palavra Reino é um conceito dinâmico, é uma referência a algo que está acontecendo e que irrompe com força. As imagens que Jesus utiliza são imagens de crescimento: semente, fermento... O que acontece não é uma intervenção de Deus a mais; é a última, a definitiva. Jesus é consciente de que com Ele começou uma história nova.

A esperança se fez realidade. A consumação do mundo está começando. Jesus não define o que é o Reino. Ele o encarna em suas palavras e em sua vida; é algo que irrompe. Se queremos saber o que é o Reino, devemos colocar-nos a caminho com Jesus: Ele é o Reino. Ele o vive primeiro, vai adiante e convida a “vir comigo”.


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