Quase todo o
conteúdo do evangelho de Marcos pode ser encontrado no evangelho de Mateus, e
muitas partes tem similaridade em Lucas. Adicionalmente, Mateus e Lucas tem uma
grande quantidade de material em comum, que não são encontrados em Marcos.
Evangelhos
Sinópticos (português europeu) ou Evangelhos Sinóticos (português brasileiro) é
um termo que designa os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas por conterem uma
grande quantidade de histórias em comum, na mesma sequência, e algumas vezes,
utilizando exatamente a mesma estrutura de palavras. Tal grau de paralelismo
relativo ao conteúdo, narrativa, linguagem e estruturas das frases, somente
pode ocorrer em uma literatura interdependente. Muitos estudiosos acreditam que
esses evangelhos compartilham o mesmo ponto de vista e são claramente ligados
entre si.
Desde que a
exegese começou a ser aplicada à Bíblia ainda no século XVIII, os exegetas os
chamaram de "evangelhos sinópticos" uma vez que se aperceberam que,
dos quatro evangelhos, os três primeiros apresentavam grandes semelhanças entre
si, de tal forma que se colocados em três grelhas paralelas - donde vem o nome
sinóptico, do grego συν, "syn" («junto») oοψις, "opsis"
(«ver») -, os assuntos neles abordados correspondiam quase inteiramente. Ou
seja, são classificados assim, por fazerem parte em uma mesma visão, ou mesmo
ponto de vista.
Por parecer
que quase teriam ido beber as suas informações a uma mesma fonte, como os
primeiros grandes exegetas eram alemães, designaram essa fonte por Q,
abreviatura de Quelle, que significa precisamente «fonte» em alemão.
Adicionalmente, Mateus e Lucas também incluíram um material de duas outras
fontes designadas como Fonte M e Fonte L respectivamente.
Quanto ao
quarto Evangelho canônico, o Evangelho de João, relata a história de Jesus de
um modo substancialmente diferente, pelo que não se enquadra nos sinópticos.
Desta
maneira, temos 4 evangelhos canônicos, dos quais três são sinópticos.
Enquanto que
os evangelhos sinópticos apresentam Jesus como uma personagem humana
destacando-se dos comuns pelas suas acções milagrosas sendo a origem primária
para informações históricas sobre Jesus Cristo, já o Evangelho de João descreve
um Jesus como um Messias com um carácter divino, que traz a redenção absoluta
ao mundo. Aparentemente, o evangelho de João sugere que ele tinha conhecimento
dos Evangelhos Sinópticos, e que nos tais já existia informação suficiente
sobre a vida de Jesus como homem, se incumbindo João de mostrar em seu
Evangelho, os atributos de Jesus como Deus.
Estrutura
Parte do
conteúdo presente em todos os três evangelhos sinópticos é chamada de tripla
tradição. Isso inclui a maioria das narrativas sobre os eventos da vida de
Jesus, iniciando por seu batismo e terminando com a descoberta do túmulo vazio
após a crucificação. Também incluem algumas das parábolas (tais como a Parábola
do grão de mostarda). A tripla tradição é responsável por 76% do texto de
Marcos. Parte desse material está presente em quase todos os evangelhos, e
algumas vezes com pequenas variações, existem ainda alguns casos notáveis,
chamados "acordos menores", aonde Mateus e Lucas entram em acordo
entre si na estrutura de palavras diferindo de Marcos.
Por sua vez,
a dupla tradição explica o material (200 versos) compartilhado entre Mateus e
Lucas, porém ausentes em Marcos. Esse conteúdo consiste quase que inteiramente
nos discursos e ensinamentos de Jesus, e inclui a maior parte do Sermão da
Montanha e a maioria das parábolas. Adicionalmente, a dupla tradição inclui três
versos (Mateus 3:8-10) que são atribuídos à João Batista, (o último verso desse
grupo também aparece em Mateus 7:19, atribuído à Jesus), e por fim a história
do servo do centurião (Mateus 8:5-13).
O material
de Marcos-Mateus, compartilhado entre ambos, inclui a história da morte de João
Batista, diversos milagres (incluindo uma das duas ocorrências de alimentando
multidões, a versão expandida do texto sobre a proibição do divórcio (Mateus
19:1-8), e também a narração da morte de Jesus (Marcos 15:34-41).
O material
de Marcos-Lucas é limitado a um incidente isolado em Cafarnaum, envolvendo um
exorcismo. (Marcos 1:21-28).
O material
exclusivo de Marcos consiste em alguns versos (40), incluindo entre outros,
Marcos 3:20-21, a Parábola da Semente (Marcos 4:26-29), dois milagres (Marcos
7:31-37 - Curando o surdo-mudo da Decápolis - e Marcos 8:22-26 - Curando o cego
de Betsaida), dois fragmentos sem significação óbvia em Marcos 9:49 e Marcos
14:51-52, e o verso em Marcos 16:8 no qual há a declaração da mulher que
descobriu o túmulo vazio e não disse nada a ninguém.
O material
exclusivo de Mateus ou Lucas é bastante extenso. Este inclui dois distintos,
porém similares fatos sobre a genealogia de Jesus, duas narrativas distintas de
nascimento, e duas narrativas sobre a ressurreição. Mateus adiciona diversas
declarações ao Sermão da Montanha, várias parábolas (incluindo "a Parábola
do Credor Incompassivo", a "Parábola das Ervas Daninhas" e
"a Parábola dos Trabalhadores da Vinha"), a profecia do julgamento
final (Mateus 25:31-46), e descreve o suicídio de Judas Iscariotes. Lucas
também traz múltiplos milagres e parábolas exclusivas (exemplo: A parábola do
Bom Samaritano). Muitos detalhes dos últimos dias de Jesus somente podem ser
encontrados em Mateus e Lucas. Por exemplo, Mateus é o único evangelho que
declara que Jesus entrou em Jerusalém sobre dois animais (Mateus 21:2-7). Mateus
é o único evangelho que declara que o túmulo de Jesus foi guardado por
soldados. Lucas é o único evangelho que relata que um dos ladrões crucificados
próximo à Jesus se arrependeu e recebeu de Jesus a promessa do Paraíso. (Lucas
23:40-43).
Composição
Existe um
debate contínuo entre os críticos bíblicos a respeito da composição dos
Evangelhos Sinópticos.
Visão Tradicional
Tradicionalmente,
o evangelho de Mateus é entendido como o primeiro Evangelho escrito. O
evangelho de Marcos foi escrito depois de Mateus, utilizando-se de partes
deste, e finalmente Lucas foi escrito baseado nos outros dois anteriores,
também baseados em outras testemunhas oculares. Esta visão é comumente chamada
de Hipótese Agostiniana. Diferente de outras hipóteses, esta não se baseia na
existência de nenhum documento que não fora explicitamente mencionado por
testemunhos históricos. Adeptos da Hipótese Agostiniana a veem como uma visão
simples, e coerente para o entendimento dos Evangelhos Sinópticos. Entretanto,
a Crítica textual tem mostrado várias falhas na visão tradicional, a qual tem
sido amplamente desconsiderada pela comunidade acadêmica, estudos modernos, dão
ênfase à hipoteses que consideram de 2 ou 4 fontes distintas na composição
desses evangelhos.
Um retorno à
visão tradicional foi encontrado na hipótese de Eta Linnemann, que sustenta que
Mateus e Marcos foram escritos juntos, observando o requerimento de "duas
testemunhas" definido na Lei Mosaica.
Visão Histórica - Visão Crítica - Prioridade
de Marcos
O
entendimento de que Marcos foi o primeiro dos evangelhos canônicos e que serviu
de fonte para Mateus e Lucas é baseado na escola de crítica bíblica moderna.
A Prioridade
de Marcos (também conhecida como primazia de Marcos, primazia Marcana ou ainda
prioridade Marcana) é a hipótese de que o Evangelho de Marcos foi o primeiro
evangelho a ser escrito entre os três Evangelhos sinópticos. Ela afirma também
que os outros dois evangelistas sinóticos, Mateus e Lucas, usaram o Evangelho
de Marcos como uma de suas fontes. A teoria da primazia de Marcos é hoje aceita
pela maioria dos estudiosos do Novo Testamento, que também sustentam que Mateus
e Lucas usaram uma fonte perdida de ditos de Jesus, identificada como Q. Essa
conclusão é em grande parte baseada em uma análise da linguagem e da relação de
conteúdo entre os evangelhos. O entendimento de que Marcos foi o primeiro dos
evangelhos canônicos e que serviu como fonte para Mateus e Lucas é fundamental
para os estudos da crítica moderna do Novo Testamento.
Uma minoria
de estudiosos aceitam a prioridade de Marcos, mas rejeitam a fonte Q. A
hipótese de Farrer, cujos principais proponentes são Michael Goulder e Mark
Goodacre, é a teoria mais conhecida nesse sentido. Alguns estudiosos judeus e
cristãos, como Robert Lindsey, David Flusser, Shmuel Safrai e David Bivin,
propuseram que uma versão em hebraico do Evangelho antes de ter sido transcrito
para o grego; e que isso exigiria a prioridade Lucas.
A hipótese
agostiniana defende a primazia de Mateus. Um ex-aluno de Bultmann, Eta Linnemann,
seguido por David Farnell, é o mais conhecido proponente de uma prioridade
simultânea entre Mateus e Marcos, remetendo a exigência Mosaica que "no
depoimento de duas ou três testemunhas é que uma questão deverá ser
confirmada" (Deuteronômio 19:5).
Fonte Q
A hipótese
Agostiniana sugere que o Evangelho de Mateus foi escrito primeiro. O Evangelho
de Marcos foi escrito utilizando o de Mateus como fonte. Então o Evangelho de
Lucas foi escrito utilizando os dois anteriores como fonte.
Outro
fundamento dos estudos Bíblicos modernos, é a pressuposição da existência da
Fonte Q, uma fonte escrita, e atualmente perdida, hipoteticamente utilizada por
ambos, Mateus e Lucas.
Os
evangelhos sinópticos estão relacionados um com o outro segundo o seguinte
esquema: se o conteúdo de cada evangelho é indexado em 100, então quando se
compara esse resultado se obtém: Marcos tem 7 peculiaridades e 93
coincidências. Mateus tem 42 peculiaridades e 58 coincidências. Lucas tem 59
peculiaridades e 41 coincidências. Isso é, 13/14 (treze quatorze avos) de
Marcos, 4/7 de Mateus e 2/5 de Lucas descrevem os mesmos eventos em linguagem
similar.
O estilo de
Lucas é mais polido do que o de Mateus e Marcos, com menos hebraísmos. Lucas
utiliza algumas palavras latinas (q.v. Lucas 7,41; 8,30; 11,33; 12,6 e 19,20),
mas nada de termos em aramaico ou hebraico, exceto sikera, uma bebida
estimulante da natureza do vinho, mas não processada de uvas (do hebraico
shakar, "ele está intoxicado", Levítico 10,9), provavelmente vinho de
palmeira. Esse Evangelho contém 28 referências distintas ao Antigo Testamento.
Algo mais sobre a Fonte Q…
A maioria
dos estudiosos modernos concordam que Lucas e Mateus utilizaram o Evangelho de
Marcos e uma hipotética fonte conhecida como Q.
A fonte Q
(também conhecida como documento Q ou apenas Q, sendo que a letra "Q"
é uma abreviatura da palavra quelle que, em língua alemã, significa
"fonte") é uma hipotética fonte usada na redação do Evangelho de
Mateus e no Evangelho de Lucas. A fonte "Q" é definida como o
material "comum" encontrado em Mateus e Lucas, mas não no Evangelho
de Marcos. Este texto antigo supostamente continha a logia ou várias palavras e
sermões de Jesus.
Seu conteúdo
abrange 225 versículos encontrados nos Evangelhos de Mateus e de Lucas, mas,
admite-se que parte de seu texto não foi aproveitado naqueles Evangelhos
Canônicos, sendo portanto desconhecida. Os textos narrativos são quase que
inexistentes, há apenas três referências a milagres: Cura do Servo do
Centurião, aos Sinais Messiânicos Lucas 7:22 e a Exorcismo do Demônio no Mudo.
Além disso merecem destaque o fato dessa Fonte não conter a narração da
paixão/morte e da ressurreição de Jesus e as fortes semelhanças com o Evangelho
de Tomé.
Podendo ser
definida também,como o conjunto das sentenças ou de sapiências originais de
Jesus, que foram as primeiras anotações dos discípulos e apóstolos mais
antigas, que hoje, representa uma fonte de estudos diretamente relacionada à
concepção popular das origens cristãs. L. Palhano Jr., em Teologia Espírita, 1ª
Ad., 2001.
Junto com a
prioridade de Marcos, a fonte "Q" foi uma hipótese pensada a partir
1900, sendo a partir daí um dos fundamentos de conhecimento do evangelho
moderno. O erudito bíblico britânico Burnett Hillman Streeter formulou uma
visão amplamente aceita de "Q": era um documento escrito (não uma
tradição oral) composto em grego; quase todo o seu conteúdo aparecem em Mateus,
em Lucas ou em ambos; e que Lucas preservou, mais do que Mateus, a ordem
original do texto. Na hipótese das duas fontes, tanto Mateus quanto Lucas
teriam usado o Evangelho de Marcos e o documento "Q" como fontes.
Alguns estudiosos têm postulado que "Q" é na verdade uma pluralidade
de fontes, alguns escritos e alguns provenientes da tradição oral. Outros têm
tentado determinar as fases em que "Q" foi composto.
A existência
de "Q" por vezes tem sido contestada. Isso porque os estudiosos se
perguntam como um documento que deveria ser altamente estimado no cristianismo
primitivo, que teria servido de fonte para dois dos Evangelhos canônicos, foi
omitido por todos os catálogos da Igreja primitiva, além de não ter sido
mencionado por nenhum dos Pais da Igreja. Esta questão continua sendo um dos
grandes enigmas da moderna erudição bíblica do Novo Testamento. Apesar dos
desafios, a hipótese das duas fontes mantém um amplo apoio.
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