domingo, 31 de julho de 2016

Vida de Santo Inácio de Loyola


Vida de Santo Inácio de Loyola

I - Iñigo, o caçula

Iñigo Lopes de Loyola, o futuro Santo Inácio, nasceu em 1491, não se sabe o dia nem o mês; presume-se, porém, que tenha sido por volta de 1º de junho,festa de Santo Iñigo, Abade de Oña (Burgos) pelo fato de o terem batizado com esse nome.



Iñigo  era o filho de Beltrán lbánez de Oñaz e de Marina Sánchez de Licona, da linhagem Oñaz--Loyola, família nobre de Guipúzcoa ou da "Província", como se chamou este território até o século passado.  Os Loyolas viviam numa casa-castelo que era residência e fortaleza ao mesmo tempo, construída em pedra, como tantas outras do país basco.
O duplo aspecto de lar e castelo se explica pelas freqüentes guerras que enfrentaram as principais famílias bascas entre si e, logo depois, com a Irmandade das vilas, formada pelas cidades que iam nascendo do fim do feudalismo.

Os Loyolas tinham sido sempre bem belicosos e até mesmo ferozes nesses litígios. O avô de Iñigo foi desterrado pelo rei por causa de uma destas brigas e obrigado a destruir a parte superior da casa-castelo. Mais tarde, depois de perdoado pelo soberano, permitiram-lhe reconstruir o andar superior com tijolos.

Nesta casa-fortaleza nasceu Iñigo. Os tempos eram mais calmos, não, porém, sem algumas querelas, que levam séculos para desaparecer, sobretudo num vale pequeno e fechado como o que forma o rio Urola, em cujas margens se assentam as aldeias de Azpeitia e Azcoiria, a meio caminho entre ambas ergue-se o solar natal de Iñigo. Por volta dos seis anos, o menino perdeu a mãe, seu pai, que morreu quando ele tinha dezesseis anos, abdicou de todos os seus bens e títulos, ainda em vida, em favor do filho Martín, que passou a ser senhor de Oñaz e Loyola.  Martín não era o primogênito e sim Juan que, nesta altura, já tinha morrido na guerra milanesa.

O pai de Iñigo, seu irmão Martín e a esposa deste, Madalena de Araoz, foram os que cuidaram da educação do menino, que desde cedo deve ter entendido que, sendo o último de uma família tão prolífica, ia ter de construir o próprio futuro, assim o entenderam também seus outros irmãos que foram fazer fortuna na milícia (como Beltrán e Ochoa) ou na América (como Hernando) ou na Igreja (como Pedro, que era sacerdote).

A infância de Iñigo foi a de um menino da nobreza, talvez um tanto mimado por sua condição de caçula e por ser órfão de mãe. A educação religiosa que recebeu foi mais "piedosa" que sólida. O oratório familiar da casa-castelo era dominado por um entalhe flamengo representando a Anunciação, presente feito por Isabel, a Católica, a Madalena, esposa do seu irmão Martín.
Obra do artista plástico Alexandre Freire.

Dizia-se ser um quadro milagroso, Iñigo recebeu a tonsura quando ainda quase adolescente, tornando-se, então, clérigo de "ordens menores". Destarte. poderia receber um benefício" eclesiástico. de caráter econômico, vinculado a esta condição e título. Vê-se, entretanto, pelo processo aberto contra ele em Pamplona, que seu comportamento deixava muito a desejar.
Das atas desse processo se deduz que seus costumes, seu modo de vestir-se e seu penteado estavam longe de ser os de um "homem de Igreja".

Não se sabe qual foi o delito que Iñigo e seu irmão Pedro cometeram, num dia de carnaval; deve ter sido suficientemente grave para fazê-Io fugir e recorrer à sua condição clerical, a fim de escapar da acusação. A impressão que deixam estas primeiras notícias de sua vida é que Iñigo era um rapaz um tanto tresloucado, com inclinação para brigas e certamente muito cônscio dos privilégios que lhe vinham do seu nascimento e da sua condição de fidalgo.

II - O jovem cavaleiro

Com quinze ou dezesseis anos, Iñigo foi completar sua educação em Arévalo (hoje na Província de Ávila), na casa de Don Juan Velázquez, Contador-Mor do reino de Castela. Como era amigo do pai de Iñigo, ofereceu-se para acolher, como mais um filho seu, o  caçula dos Loyolas.

O adolescente deve ter se sentido ali como em sua própria casa, rodeado dos filhos de Velázquez, alguns dos quais teriam mais ou menos a mesma idade que ele, Com eles vivem em "grande estilo".

No palácio de Velázquez, veio a conhecer os reis e a corte, desfrutando de todos os privilégios de alta aristocracia da época e dedicando-se à "boa vida": caçadas, justas, torneios, saraus, bailes, jogos de azar (baralho e dados) e aventuras galantes. Anos mais tarde, já convertido em lnácio de Loyola, confessaria que era "dado a vaidades mundanas" e que, naquela fase, cometeu "aventuras de mancebo".

Gostava muito de música e de baile, tinha mão muito boa para a caligrafia e deve ter lido um bom número de romances de cavalaria, os "best-sellers" daquele tempo. Foram dez anos de alegria juvenil, sem pensar muito no futuro.

Prova disto é o fato de que a desgraça repentina que se abateu sobre os Velázquez pegou Desprevenidos tanto estes últimos como o próprio Iñigo. A morte de Fernando, o Católico, foi a ruína daquela família. As primeiras medidas tomadas por Carlos I contrariaram Don Juan Velázquez que viu, nessas decisões, um prejuízo para o patrimônio real. Por isso ele chegou a usar até a oposição das armas. Derrotado e sobrecarregado por dívidas, morreu em 1517.

Iñigo viu-se, então, sem protetor, não tinha nada, a viúva de Don Velázquez deu-lhe certa soma de dinheiro e cartas de recomendação para o duque de Nájera.
Don Antonio Manrique de Lara era um nobre em ascensão. O duque apostara no futuro imperador e era vice-rei de Nájera. Iñigo tornou-se homem de sua confiança, acompanhando-o em vários de seus empreendimentos e em visitas à corte. É possível que, então, sua atenção se fixasse na princesa Catarina de Áustria; os biógrafos do Santo pensam que ele faz alusão a ela quando diz, anos mais tarde, que tinha os olhos postos numa dama que era mais que condessa ou duquesa.

A serviço do duque de Nájera,  lutou contra os inimigos de Carlos I. Foi assim que esteve no assédio e conquista da própria cidade de Nájera, que se rebelara contra o rei, mas não quis participar do saque e pilhagem que se seguiram. O próprio duque o encarregou de "acalmar"; as aldeias guipuzcoanas que também se tinham sublevado. Deu mostras de ser bom diplomata, pois sua missão teve bom êxito.

Iñigo não era o que hoje chamamos de um militar, isto é, um soldado profissional. Era um nobre, um cavaleiro e, como tal, muito hábil no manejo das armas. A guerra, naquela época, tinha uma organização bem diversa das atuais. Assim quando o rei de França decidiu apoiar o exilado Henrique de Labrit, pretendente ao trono de Nájera, o vice-rei reuniu tropas para defender o território. Entre outros muitos convocados, encontravam-se Iñigo e seu irmão Martín, senhor de Loyola.

Na época destes acontecimentos, Iñigo estava com trinta anos. Não se casara nem tinha patrimônio, além do seu valor pessoal. Sem a inconsciência dos anos moços, continuava aspirando a um lugar de honra na sociedade do seu tempo.

III - A perna quebrada

Iñigo tinha uma tia freira que, ao saber das correrias e encrencas em que se metia o sobrinho, profetizou-lhe: "Enquanto não quebrares uma perna não muda de vida, pondo a cabeça no lugar". Mal sabia a boa religiosa que a profecia se havia de cumprir. Iñigo foi ferido por um obuz no cerco de Pamplona e este foi o princípio da mudança fundamental de sua vida.



As tropas francesas e navarras que desejavam  devolver o trono a Henrique de Labrit já estavam às portas da cidade, antes mesmo que os partidários de Carlos I tivessem podido reunir forças suficientes para enfrentá-los. A população entregou-se sem resistência, mas os homens do duque de Nájera, Iñigo entre eles, fecharam-se dentro das muralhas da fortaleza.

A maioria dos sitiados, incluindo o alcaide, ao ver a desproporção das forças, estavam inclinados a se renderem sem lutar. Era simples suicídio fazer frente a um exército muito superior em número e mais bem provido de artilharias. Iñigo, porém, não estava de acordo com essa postura, que lhe parecia desonrosa. Convenceu, pois, seus homens a não capitular.

Os canhões começaram a bombardear a fortaleza em 20 de maio de 1521. Foi nesse ataque de artilharia que uma bala de canhão atingiu Iñigo, quebrando-lhe uma perna e deixando a outra muito ferida. Dia 24 de maio, a fortaleza rendeu-se, depois de graves estragos e rombos nas muralhas e ao veres caídos o heróico defensor que jurara lutar até a morte.

Os inimigos reconheceram cavalheirescamente o valor do caçula dos Loyolas e se ocuparam da saúde desse adversário. Mas o estrago nas pernas fora grande; por isso, depois dos primeiros cuidados médicos, aconselharam-lhe que voltasse à sua casa, onde haveria mais facilidades do que numa praça de guerra.

De Pamplona o levaram a Loyola numa padiola. Imagine-se o que terá sido uma viagem dessas! Com os ossos quebrados e deslocados, cada passo ou movimento causavam ao ferido dores insuportáveis.

Foi dolorosa também sua chegada ao castelo, Iñigo regressava muito ferido, derrotado, ainda que mantendo intacta sua honra de cavaleiro. Provavelmente seu irmão Martín não terá deixado de lembrar-lhe que tinha sido uma “cabeça dura", ao ficar em Pamplona em vez de optar, como ele e o próprio duque de Nájera, por uma retirada estratégica.

O estado do enfermo piorou, os médicos aconselharam uma operação para pôr os ossos no lugar, uma vez que estavam deslocados talvez por causa das trancas da viagem ou porque os médicos de Pamplona não tinham feito bom serviço. Anos mais tarde, lnácio qualificou essa operação de carnificina. Entretanto, deu mostras de grande resistência, não proferiu um só grito, limitando-se a apertar os punhos.

A operação não deu resultado, Iñigo se viu às portas da morte, chegando a receber os últimos sacramentos. Pensava todos ser o fim, má estrela de alguns de seus irmãos mais velhos parecia pesar também sobre ele, morrer aos trinta anos! Como um fidalgo, sim, valente, e até ambicioso, mas sem realizar nada que salvasse seu nome do esquecimento! Alguns poderão ter pensado: "Bem feito! Ele não fez mais que divertir-se e gozar a vida. Na verdade, não se perde grande coisa!"

IV - A grande transformação

A morte não o levou.  Já fora de perigo, Iñigo notou que a perna quebrada ficara mais curta que a outra e com um caroço que sobressaía coxo para o resto da vida? Nem pensar! Como poderia montar a cavalo, realizar belas façanhas? Como poderia cortejar a dama dos seus sonhos, sendo um ridículo manquitola?

Para eliminar essa deformidade, Iñigo exigiu e suportou uma segunda operação, não menos dolorosa que a outra. Depois passou meses deitado com molestos curativos e tendo de suportar pesos e outros mecanismos para esticar a perna.

Que faz um doente para passar o tempo de repouso forçado? Fazia todo tipo de planos para o futuro como ele diz, pensando nas façanhas que realizaria a serviço da sua dama, sonhava com os meios que usaria para aproximar-se dela, as mesuras, as belas frases e proezas guerreiras que lhe dedicaria.

Mas Iñigo se entedia,toda a fantasia do mundo não basta, pede romances de cavalaria para distrair-se; como não os houvesse no castelo, trazem-lhe uma vida de Cristo e uma antologia de vida de santos.

Começou a leitura de má vontade, para matar o tempo e descobriu com surpresa, que estava gostando. Notou também que sentia paz e alegria ao fechar tais livros, ao contrário do que acontecia quando cultivava seus sonhos cavalheirescos e guerreiros, que o deixavam triste e frustrado. Essa diferença de humor o deixava perplexo.

Por outro lado, Iñigo tinha visto de perto a foice da morte, o que o fez examinar sua vida passada, é o que sempre acontece com doentes graves, quanto têm tempo para pensar.

O balanço não era positivo, na perspectiva de Deus, ele era um pecador e um mau cristão. Ao calor de tais sentimentos, suscitado por aquelas leituras piedoso põe-se a meditar: O que aconteceria se eu fizesse o que fez São Francisco e São Domingos? ... “Não lhe falta audácia nem coragem: isto era indiscutível! Destarte, fez promessa do que lhe parecia mais difícil de realizar: ir a Jerusalém descalço, comer só verduras e submeter-se às mesmas penitências feitas pelos santos, e até maiores.

Seu raciocínio estava cheio de um espírito ingenuamente competitivo: "São Domingo:  Fez isto? Pois eu também farei!" Se um homem foi capaz daquilo, por que não o seria ele? Também neste ponto queria entre os primeiros.

Passam os meses de verão e outono; chega o inverno, pouco a pouco o coração se volta para Deus. Começa o trabalho de anotar certas passagens dos livros que lia. Põe-sê então, a copiar episódios, da vida de Cristo, escrevendo as palavras de Jesus com tinta vermelha, com azul as de Maria.

Copiar, imitar: o propósito que acalenta é assemelhar-se aos santos e com isto, desponta já uma terna devoção à pessoa  de Cristo e à de' 'sua Mãe.

Os irmãos de Iñigo Martín e Pedro, bem como sua cunhada Madalena estão preocupados: não o ouvem falar de proezas, amores e glória e às vezes surpreendem-no chorando ou totalmente absorto, quando lhe perguntam o que tem responde com evasivas.

Em princípios de 1522, Iñigo já está quase restabelecido e anuncia sua partida. Diz que vaia Navarrete encontrar-se com o duque de Nájera para cobrar uma dívida. A família o vê saindo e começa a  apreensão, o que estaria tramando o caçula dos Loyolas?...

V - O homem do saco

Cavalgando uma mula, com seu irmão Pedro e dois criados, deixou Loyola a caminho do santuário mariano de Aránzazu, lá, depois de agradecer pela cura, despediu-se de Pedro e tomou o rumo de Navarrete (Rioja), como dissera a sua família. Com o dinheiro do soldo recebido, pagou algumas dívidas pendentes: em seguida despediu os criados e, sozinho, encaminhou-se para Montserrat.



Iñigo estava decidido a pôr em prática o propósito concebido em Loyola. Havia três peregrinações que um cristão podia empreender: Santiago, Roma e Jerusalém: a última lhe parecia não só a mais custosa, pela distância, mas também a mais perigosa. A Terra Santa estava nas mãos dos turcos infiéis; a situação política era tensa, com perigo de guerra a qualquer momento. Em tais circunstâncias, ir a Jerusalém era um risco certo.

Mas não iria como um nobre, protegido por seu dinheiro e posição social, mas como um peregrino desconhecido. A partir desse momento, ele começa a ocultar sua identidade. Não quer privilégios no trato, deseja começar uma vida nova e, neste empenho, via um empecilho na sua linhagem.

Enquanto ia de Ribera para Aragão, houve o incidente com o mouro que duvidava da virgindade de Maria, sua cavalgadura, mais sábia que ele, livra-o de um lance mau. Antes de chegar a Montserrat, comprou pano de saco para fazer uma roupa de peregrino, bem tosca e áspera, munindo-se também de um bordão e uma cabaça.

Chegou aos pés da Virgem (Ia "Moreneta") por volta de 20 de março. Aí levou três dias preparando uma confissão geral de toda a vida, sob a hábil direção de um dos monges da abadia. “Nas vésperas da Anunciação (25 de março), passou a noite inteira na igreja: foi sua vígilia de armas”, como cavaleiro de Deus. Ofereceu a Virgem a espada e o punhal, doou a mula ao mosteiro e suas vestes a um mendigo.



De madrugada, às escondidas, metido no seu saco de penitente, parte a pé, dirigindo-se a Manresa, a fim de evitar o encontro com pessoas conhecidas que estavam na comitiva do nomeado papa Adriano VI. Assim dá uma volta por Manresa.

Logo, porém, o alcançaram os guardas de Montserrat, com o mendigo que usava suas roupas: ele salva o coitado dizendo que não roubara nada, que fora ele que lhe dera as roupas. O incidente perturba Iñigo por ver que sua generosidade pusera o pobre em perigo e também por descobrir que, apesar de sua aparência, não pode ocultar sua origem e condição.

Em Manresa aloja-se num albergue de mendigos, como mais um deles, vive de esmolas com grande austeridade, decidido a acabar com sua aparência de fidalgo disfarçado: descuida seu asseio pessoal e castiga o corpo com severos jejuns. O resultado não tardou e os garotos de Manresa o batizaram o loco de "o homem do saco", por seu aspecto desastrado. Mas não consegue ficar despercebido, porque logo lhe criam outro apelido: "O homem santo". Começam a correr rumores fantásticos sobre sua identidade, as riquezas que deixou e os pecados que o levou a tanta penitência...

Também não consegue fazer de Manresa apenas um lugar de passagem, porque seu espírito começa a ser assaltado por sentimentos contraditórios, o que o leva a dedicar longas horas, à oração e à leitura espiritual: além disso, castiga seu corpo com instrumentos de penitência, mas nem assim encontra  a paz, chegando a duvidar das suas forças e da misericórdia de Deus: "Poderás agüentar esta vida por muito tempo? ... Será que Deus já te perdoou?" ... Um dia, quando a angústia e a perplexidade atingiram o auge, chegou a pensar no suicídio, atirando-se por uma janela.

Parecia-lhe que ser santo era algo que dependia só da sua vontade e das suas forças. É aí que ele descobre: ninguém serve e agrada a Deus por sua própria conta, baseando-se apenas em seus próprios planos e decisões.

VI - Seja o que Deus quiser

Foi tempestuosa aquela primeira temporada em Manresa. Ele adquirira em Loyola o costume de anotar tudo quanto se passava em seu espírito; começou, então, a perceber, relendo suas notas, que as diversidades de estados de ânimo tinham um significado: Deus estava lhe mostrando, por meio deles, a sua vontade. Havia até certos bons desejos que camuflavam suas resistências a uma conversão sincera e profunda, outras vezes até os jejuns e penitências atrapalhavam sua oração em vez de ajudar.


Iñigo estava fazendo, sem o saber, os seus "Exercícios Espirituais". Mediante a oração e a contemplação dos Evangelhos, ia-se entusiasmando com a pessoa de Jesus, assimilando suas atitudes e conformando toda sua vida com a de Jesus. A experiência daqueles dias, cuidadosamente anotada em um caderno, será o germe dos seus "Exercícios", um dos livros que mais influíram na Igreja. Retificará alguns pontos, acrescentará aqui, cortará ali, mas, naquelas suas notas, já está o método inaciano para encontrar a vontade de Deus e entregar-se à pessoa de Jesus Cristo.

Em Manresa, diz Iñigo, Deus o tratou como um professor trata seu aluno: ensinava-o a servir-lhe como ele desejava. Um dia, passeando às margens do rio Cardoner, teve uma grande iluminação interior. Tudo lhe pareceu novo e diferente, como se estivesse vendo coisas pela primeira vez.

Copiar, imitar... Em Loyola acreditava que nisto consistia a vida cristã: ser como os santos, imitar Jesus. Agora descobre que cada homem tem uma vocação concreta e particular e que Deus nos mostra de muitos modos.  O cristão deve descobrir e realizar esta missão que Deus lhe confia.

E qual era a sua? .. Iñigo continua a pensar na viagem a Jerusalém, já não tanto para cumprir uma grande façanha, mas por tratar-se da terra de Jesus, se vive pobre, livre de compromissos materiais, já não é por penitência, mas porque Cristo viveu assim, e começa a ajudar os outros, a cuidar dos doentes e necessitados, inclusive em suas necessidades espirituais... Porque Jesus curou, pregou e nos livrou de nossos pecados.

O peregrino entrega-se a Deus, disposto a seguir suas inspirações a cada momento. Não sabe aonde estas o levarão. mas enquanto não estiver certo de que lhe pede outra coisa, irá a Jerusalém. Até sonha em morrer lá, como Cristo, anunciando aos infiéis o Evangelho.

Passou quase um ano em Manresa, hospedando-se em diversas casas e certo tempo nos convento dos dominicanos. Também se retirava a uma gruta para rezar e fazer penitência. Neste local ergue-se hoje uma igreja dos jesuítas, mais importante, porém é que começou, por meio de conversas, a ajudar espiritualmente as pessoas que desejavam ouvi-lo.

Em Barcelona embarcou para a Itália, depois de conseguir passagem gratuita num navio. O capitão, porém, exigiu que ele levasse provisão consigo. Isto causou um certo escrúpulo em Iñigo que preferia confiar-se cegamente às mãos de Deus , mas um bom confessor lhe deu a solução: Iria mendigar nas ruas o alimento para viagem.

Em março de 1523, um ano depois de sair do seu castelo, fez-se ao mar, só e pobre. Ninguém reconheceria naquele peregrino de aspecto macilento o elegante e aprumado fidalgo dos Loyola.

VII - O peregrino

Ajudados por um rijo vento de popa, chegaram a Itália em cinco dias. Como era necessária licença do Papa para poder viajar à Terra Santa, Iñigo meteu o pé na estrada, a caminho de Roma. Durante esse trajeto, juntaram-se a ele uma senhora e sua filha, que ela vestira de rapaz para evitar problemas. Mas o disfarce não funcionou, pararam em um albergue para o pernoite e um grupo de soldados tentou violentar mãe e filha. O sangue de Iñigo ferveu-lhe nas veias: voltou-lhe todo o fogo do seu brio e desbaratou o grupo.

Em Roma não foi difícil obter o visto do Papa, com ele, dirigiu-se a Veneza, de onde partiam os navios para a Terra Santa. A Itália estava assolada pela peste, o aspecto macilento de Iñigo não inspirava confiança; por isso passou muita fome e outros sofrimentos.

Em Veneza, com a mediação de um nobre espanhol. O Duce lhe concedeu passagem gratuita para julho daquele ano.  Entrementes, Iñigo vivia de esmolas, ao ar livre, sem mais abrigo do que a confiança em Deus.

A travessia para a Palestina foi lenta e difícil, devido à falta de vento, Iñigo repreendeu a tripulação por causa de certos excessos sexuais e, por isso, os marinheiros ameaçaram deixá-Io numa ilha.

Finalmente arribaram a Jafa, no dia 24 de agosto de 1523, os peregrinos beijaram a terra, cantaram o Te Deum e a salve-rainha. Em seguida, puseram-se a caminho,juntamente  com uns frades Franciscanos, sob a guarda de soldados turcos.

O contato direto com a terra de Jesus produziu emoções profundas em Iñigo. Com olhos bem abertos ia gravando todos os detalhes em sua imaginação, Anos mais tarde, quando puser por escrito as contemplações da vida de Cristo, verse-á, na exata descrição das cenas, que o escritor conhecia pessoalmente os lugares descritos.

Os peregrinos só puderam visitar Jerusalém e seus arredores, incluindo Belém. Jericó e o rio Jordão, por causa das circunstâncias políticas.Iñigo tencionava ficar lá e estava já munido de cartas de recomendação para o Pe, Guardião, superior dos Franciscanos, responsáveis pelos lugares Santos. De nada lhe valeram as cartas nem a comprovada eloqüência de Iñigo. O frade chegou a ameaçá-lo com excomunhão, se persistisse naquele propósito.

Só tinha mesmo de acatar esta ordem que lançava por terra sua determinação tão arraigada,na véspera da partida de Jerusalém, arranjou um jeito de sair escondido para rever o monte das Oliveiras. Tiveram de mandar buscá-lo e o criado que o fez lhe deu umas boas sacudidelas, de tão aborrecido que estava. Iñigo sentiu viva comoção, ao lembrar-se de que, naquele mesmo lugar, prenderam nosso Senhor.

Só passou vinte dias na Terra Santa! Ele que havia sonhado ficar ali para sempre... Na longa e azarada volta para a Itália. Teve tempo para perguntar a si mesmo: que vou fazer agora? Ou melhor, que deseja Deus que eu faça, já que sua vontade não me quer em Jerusalém?

Voltou a Veneza esperançoso de que a situação melhorasse e fosse anulada a proibição de se radicar na Terra Santa. Em janeiro de 1523, um rio intenso percorria a região, na cidade dos canais, as noticias eram também frias e o desanimaram: por muito tempo ainda. não haveria possibilidade ele voltar a Jerusalém.

VIII- Um estudante cheio de conflitos

Iñigo já notara que fazia um grande bem a todas as pessoas com quem tratava. Pensando em como empregar o tempo, até poder voltar à Terra Santa, decidiu estudar. A isto o aconselhavam os  que beneficiavam de suas conversas. A igreja estava cheia de “iluminados” e falsos pregadores. Iñigo podia ser confundido com um deles se não estudasse  teologia.

Decidido como era, nem curto de inteligência, nem preguiçoso, recomeçou a caminhar, indo de Veneza para Barcelona, aonde chegou em fevereiro de 1524. Lá, aos 33 anos, começou os estudos de gramática  e latim. No início tinha aulas particulares, depois freqüentou escolas, ao lado de jovens condiscípulos que não lhe pouparam risadinhas e zombarias. Iñigo nem parecia nota-las. Continua a viver de esmolas e a falar de assuntos espirituais a quem desejasse ouvi-lo.

Passou dois anos nestes estudos elementares, após os quais, seus professores o aconselharam a ir para a universidade de Alcalá de Henares, a fim de estudar Artes (que hoje chamamos de Filosofia e Letras). Aos 35 anos, como sempre a pé, La vai ele a caminho novamente, sem dinheiro, confiando unicamente em Deus. Sua estada de quinze meses em Alcalá foi muito agitada. Não progrediu muito nos estudos porque teve que enfrentar três processos. O que aconteceu foi que ele estava dando mais tempo ao apostolado que ao estudo e logo se viu rodeado de  um grupo de admiradores, sobre tudo mulheres, que seguiam suas orientações espirituais.

O primeiro problema surgiu por causa da sua idumentária. Três estudantes tinham vindo de Barcelona com iñigo e vestiam a mesma túnica de saco. Os inquisidores não gostaram disso, porque estavam usando ‘’ hábito’’ sem ser religiosos. De nada lhe valeu dizerem que queriam vestir-se como os apóstolos. Foram obrigados a mudar  as vestes.

O segundo conflito foi causado por algumas mulheres que se aconselhavam com Iñigo, mas não queriam que ninguém soubesse. Eram senhoras de boa posição e este sigilo causou suspeitas. Depois de uma intimação reservada, viu-se que não havia razão para processo.

O terceiro processo foi mais sério: levou Iñigo à cadeia! Não foi uma prisão rigorosa, porque permitiram-lhe que continuasse a tratar com as pessoas que o procuravam, mas esteve preso 42 dias. Os inquisidores perguntaram-lhe sobre seus ‘’ Exercícios Espirituais ‘’ que ele,  nesta época já tinha começado a pregar aos seus ouvintes, a fim de levá-los a uma vida de maior compromisso cristão.

A sentença foi de absolvição, mas com a imposição de vestirem roupas comuns e de se absterem de doutrinar quem quer que fosse, pública ou privadamente. A razão era que os ‘’iñiguistas’’, como eram chamados em Alcalá, não tinham formação suficiente e podiam incorrer erros.

A questão da roupa era irrelevante; mas custou a Iñigo deixar seu apostolado já florescente... Por isso foi falar com o Arcebispo de Toledo em pessoa. Esse o aconselhou, prudentemente, que não continuasse seus estudos em Alcalá, mas que o fizesse em Salamanca.

Nessa famosa universidade, as coisas andaram mal desde o início. Logo ao chegar foi encarcerado e de novo submetido a processo, repetindo-se a sentença de Alcalá: ficava livre mas proibido de ‘’pregar  à maneira  dos apóstolos” . Iñigo não pensou duas vezes: decidiu mudar de ares e viajar para Paris e ali terminar seus estudos. Seus companheiros prometeram segui-lo, mas nunca fizeram. Iñigo descobriu que sua experiência espiritual ajudava os outros e não pretendia renunciar a ela por conta dos mal-entendidos.

IX - Amigos no senhor

Iñigo passou sete anos em Paris, todos eles decisivos. Chegou só em fevereiro de 1528. Sairia também só em abril de 1535, mas já como doutor em Filosofia e estudos avançados de Teologia. Atrás ficava um grupo de seguidores seus, fiéis ao seu estilo de vida e aos seus idéias.

Em paris continuou pedindo esmolas, mas logo notou que não podia estudar como devia se tivesse de mendigar sustento dia a dia. Conseguiu custear sua estada na Sorbona graças a donativos de pessoas amigas e umas ‘’coletas’’ que fazia, durante as férias, na Holanda e na Inglaterra.

Mais tarde, ao redigir a regra dos jesuítas, permitirá que, no período de formação, eles vivam de fundos criados para sustentá-los, numa pobreza menos rígida. Foi uma disposição que nasceu da sua própria experiência.

Pouco tempo depois de chegar a Paris, já arranjou uma boa encrenca. Três estudantes espanhóis fizeram os Exercícios com ele e, ao terminá-los, deram seus bens aos pobres e foram viver em uma pensão de peregrinos. Como esses três eram muito conhecidos criou-se um escarcéu na Universidade. Dizia-se que isso era corrupção de jovens! A pressão ambiental os fez desistir de sua evangélica decisão.


Inácio, porem, não desanima e continua recrutando estudantes, começando por seus companheiros de quarto, no Colégio Maior. Estes eram o saboiano  Fabro e o Navarro Francisco Xavier. Este último não foi fácil de conquistar,mas,depois de convencido, tornou-se o mais ardoroso seguidor de Inácio.  Pouco a pouco ajuntam-se ao grupo mais quatro: Laínes, o toledano Salmerón, o plaestino Bobadilha e o português  Simão Rodrigues.

Todos fazem os  Exercícios Espirituais com Iñigo e tem o mesmo anseio: ajudar o próximo e evangelizar os povos da Terra Santa. Eram ‘’amigos no Senhor’’ e queriam estar ‘’perto” de Jesus. Inclusive física ou geograficamente. Daí a idéia fixa de Jerusalém. Seu ideal era “pregar em pobreza”, constituindo uma espécie de “colégio apostólico”, isto é , vivendo como os apóstolos.

Outro traço que os distingue é a generosidade. Oferecem-se para o que seja de “maior” serviço de Deus e ao próximo: sempre para o mais difícil. Eis por que Inácio repete sempre: “A maior glória de Deus”. Não se pode ser um “amante tíbio” mas apaixonado,disposto a tudo.

Assim é o que os sete decidem selar seu compromisso, reunindo-se na igreja de Montmartre em  15 de agosto de 1534. O único padre do grupo, Pedro Fabre, celebrou a missa e, nela, todos fizeram voto de pobreza, castidade e peregrinação a Jerusalém. Caso tal peregrinação não fosse possível , o voto era de se porem às ordens do Papa. Aqui nascia a futura companhia de Jesus.

Naquela Paris agitada pelos ventos da Reforma Protestante, aquele grupinho de homens parecia estar à margem da controvérsia. Estavam preocupados com o viver como bons cristãos, isto é, pobres, simples e livres como Jesus. E sem saber, estavam começando a verdadeira reforma da Igreja.

Iñigo já latinizara seu nome para Inácio, não se sabe porque. Talvez o tenha feito ao matricular-se na universidade. Sua saúde não era boa, resultado claro dos excessos de sua vida de duríssima penitência e pobreza. Os companheiros e o médico forçaram-no a fazer uma visita à sua terra, para curar-se nos “ares natais”. Antes de partir, combinam que se encontrarão dois anos mais tarde, em Veneza, para tentar ir a Jerusalém.

Inácio se põe mais uma vez a caminho, mas desta vez a cavalo, forçado a isso pelos companheiros. Volta a Loyola, 13 anos depois de ter saído do Castelo. Já não lhe importa que os seus o reconheçam.

X - Evangelizar na pobreza

Inácio que chegou a Azpéitia em 1535 é muito diferente do Iñigo que seus conterrâneos conheciam. Seu irmão Martín preparou-lhe hospedagem e mandou uma comitiva esperá-lo: Iñigo, porém, mudou de caminho e despistou-os, entrando às escondidas na cidade e indo diretamente a uma pousada de pobres.


Martín não gostou dessa atitude do irmão, pois não ficava bem que um Loyola vivesse sob o mesmo teto com mendigos; mas Iñigo não cedeu. Desde o início, dedicou-se a ensinar catecismo às crianças e a acabar com certos abusos morais, notórios na cidade; entre elas, havia o caso de seu próprio irmão, que tinha uma amante.

Quando tantos se afanavam por reformar e purificar a Igreja, Inácio escolheu um método direto e simples: conseguir a conversão pessoal de cada um. Foi assim que agiu com seus primeiros companheiros de Paris e é assim também agora. Ataca os pontos mais vulneráveis da Igreja de então: a busca desmedida de riquezas, de poder e de dignidades eclesiásticas, bem como a vida dissoluta dos clérigos e seu descuido e desatenção pela formação religiosa do povo.

Não se trata de desmascarar hereges e levá-los à fogueira, mas de convidá-los amorosamente a abandonar o erro. Ele quer reformar a vida dos cristãos que não honravam seu batismo. Não se interessa pelas “teorias” de Erasmo ou de Lutero. Seu ponto fundamental era a “prática” do evangelho.

Inácio prega e ensina o catecismo às crianças e às pessoas incultas, sem pedir nada em recompensa. Vive pobre, de esmolas. Atende os marginalizados do seu tempo: mendigos, enfermos, empesteados, prostitutas e menores abandonados. Em tudo respeita a liberdade.

Diziam que era “hábil em comprar vontades” . Ao longo de sua vida solucionou acertadamente numerosos conflitos. Em sua própria cidade usou bem esse dom e reconciliou inimigos ferrenhos.

A breve estada (três meses) de Inácio em sua aldeia resume seus anos de apostolado em Roma. Nunca mudará seu modo de agir. Em Roma atenderá judeus perseguidos, jovens em perigo, crianças, enfermos e vítimas da grande fome que se abateu sobre a cidade. Pregará nas ruas e porá em ação seu talento para resolver conflitos e desavenças.

De Azpéitia saiu a visitar diversos lugares da Espanha, a fim de visitar familiares de seus companheiros de Paris e resolver algumas questões. Em outubro de 1535, embarcou para Gênova e daí para Veneza, aonde chegou no fim daquele ano. Enquanto esperava a chegada de seus companheiros, fixada para 1537, dedicou-se a completar seus estudos de teologia e, como sempre, a fazer o bem a quantos encontrasse.

Aí teve conhecimento de diversos movimentos religiosos, desde alguns quase heréticos até outros, bons, como os teatinos,  fundados  pelo bispo Caraffa. Este tentou conquistá-lo para a sua congregação, mas Iñigo não aprovava o estilo de vida de Caraffa nem o fechamento dos seus discípulos.

Entrementes, ia dando os Exercícios a várias pessoas como a malaguenho Diogo de Hoces, que decidiu seguir o caminho de Inácio. Destarte, quando os companheiros de Paris chegaram a Veneza, em janeiro de 1537, descobriram que o grupo tinha aumentado, não só com Hoces, mas também com Jayo, Coduri e Broet, que se tinham unido aos seis primeiros na cidade do Sena. Inácio tinha também consigo alguns outros simpatizantes já dispostos a aderir ao grupo.


Agora que estavam juntos, era hora de retornar os planos da esperada viagem a Jerusalém, conforme o voto feito.

XI - Companheiros de Jesus

Era preciso conseguir a licença do Papa para peregrinar à Terra Santa. Antes deir pedi-la, Inácio resolve testar os seus doutores parisienses, que acabavam de chegar com brilhantes títulos universitários. Manda-os, pois, alojarem-se em diveros hospitais para cuidar e aliviar os enfermos, fazendo-os descer da sublime teologia a prosaica realidade de atender a leprosos, sifilíticos, vítimas da peste e agonizantes.

Depois de dois meses passados em hospitais, Inácio os manda para Roma para pedirem a bênção do Papa, o que constituiu quatro meses de duras caminhadas na maior pobreza. É que Iñigo deseja companheiros treinados na renúncia, sem outra segurança além da que vem das mãos de Deus.

Inesperadamente, todas as portas de Roma se abriram para eles. Obtêm a desejada licença e também a autorização para ser ordenados sacerdotes. Depois disso, voltaram felizes a Veneza onde, entretanto, os esperava Inácio com uma notícia má: nenhum navio de peregrinos zarparia para a Terra Santa naquele ano.
Consolaram-se, então, fazendo os votos públicos de pobreza e castidade e repartindo-se, em grupos de três, pelas cidades vizinhas para pregar a doutrina cristã e dedicar-se à oração.

No outono de 1537, todos se ordenaram e celebraram a primeira missa, com exceção de Inácio que ainda esperava poder celebrá-la na terra de Jesus...

Como Veneza estava em guerra com os turcos e eram escassas as possibilidades de uma paz a curto prazo, eles pararam para pensar que resolução tomariam... Decidiram-se pôr-se à disposição do Papa, conforme o que prometeram em Montmartre, Inácio, Fabro e Laínez iriam a Roma para se oferecer ao Vigário de Cristo. Enquanto isso, os demais se dispersariam pelas cidades da Itália, indo dois a dois, como Jesus enviou os 72 discípulos do evangelho.

Antes de se depararem combinaram que, se alguém lhes perguntasse quem eram eles, responderiam: “Companheiros de Jesus”, por ser esse o nome mais apropriado à sua situação e ao seu espírito. Seu  ideal continuava a ser imitar os apóstolos e discípulos de Cristo, “a gente de Jesus”, vivendo juntos em desprendimento, liberdade e fraternidade. Era outro modo de expressar aquele “amigos no Senhor”, fórmula que usavam em Paris.

Não muito longe de Roma ( a uns 15 quilômetros), Inácio teve uma experiência espiritual muito profunda. Tinha saído da estrada e se afastado de Fabro e Laínez para rezar numa capela chamada La Storta. Ali sentiu que Deus lhe dizia: ”Em Roma lhes serei propício”. Inácio entendeu o sentido destas palavras: Deus não queria que fossem a Jerusalém mas que o servissem em Roma. Naquele mesmo instante, desistiu do propósito de ir viver e trabalhar na Terra Santa, sonho seu muito antigo, desde os dias de sua conversão em Loyola. Assim, ele comprava, mais uma vez, o que já aprendera em Manresa, isto é, que Deus tem uma missão concreta para todos os homens e que Ele nos vai mostrando essa missão em cada circunstância da nossa vida. Deus fala de muitas maneiras; ao homem só lhe toca reconhecer e aceitar a divina vontade. Umas vezes a voz de Deus chega, como em La Storta, de maneira extraordinária: na maioria das vezes, porém,  ela se manifesta através de fatos e acontecimentos que nós devemos “discernir”.

Outras vezes esta voz nos vem através da Igreja, dos bispos e da comunidade cristã. Inácio vai, então, usar uma destas vias privilegiadas de encontrar a vontade de Deus: o Papa. Pôr-se-á aos seus pés para lhe dizer: “ A que missão quereis que se dediquem os companheiros de Jesus?”

XII - O tronco e os ramos

A primeira coisa que fizeram Inácio e seus companheiros, em Roma, foi se colocar à disposição do Papa Paulo III. Este deve ter ficado surpreendido ao vê-los pedir trabalho sem nenhuma recompensa, porque o que todos lhe pediam eram cargos honoríficos e lucrativos na Igreja. O Papa confiou-lhes tarefas pastorais em Roma.



O inverno de 1538-39 foi tremendamente frio e abateu-se a fome sobre a cidade. Os companheiros de Jesus se desdobraram no serviço aos necessitados e, com essa entrega generosa e desinteressada, granjearam a estima de todos. Foi naquele Natal que Inácio celebrou sua primeira missa.

O Papa pede a Broet e a Simão Rodrigues que vão a Sena. As missões que o Pontífice lhes vai confiando suscita uma questão: deverão permanecer unidos, fundando uma ordem religiosa, ou serão mais livres, sem vínculo estável entre si?
Todos eles dedicaram vários meses de oração e reflexão a esse tema e, no fim, chegaram à conclusão de que se fundasse uma ordem Religiosa, a Companhia de Jesus. Acertaram também outro ponto: não teriam hábito especial, oração litúrgica comum, nem penitências estabelecidas por regra. O Papa aprovou verbalmente a idéia, e mais tarde em 27 de setembro de 1540, confirmou-se por escrito. Deviam agora eleger um superior e redigir regras mais concretas.

A eleição caiu sobre Inácio, que resistiu aceitá-la, mas acabou cedendo ao voto unânime de seus companheiros. Dedicou-se, então, a redigir as Constituições da Ordem e a dirigir seus primeiros passos, porque o grupo cresceria de maneira espetacular e os Papas começaram a dar-lhes missões cada vez maiores e mais complexas.


Inácio bem que se ofereceu para algumas delas, mas não o deixaram partir: vê, então, como seus primeiros companheiros partem para diversos lugares e países: Fabro para a Alemanha, Bobadilla para Nápoles, Simão Rodrigues para Portugal, Xavier para a Índia, Laínez e Salmerón para o Concílio de Trento...

Os ramos se estendem por todo o mundo conhecido e... desconhecido:um grupo foi mandado até para a Etiópia. A Companhia abre casas na Alemanha, França, Portugal, Espanha e Japão. Inácio, o andarilho de outrora,  agora ancorado em Roma, dá conselhos, anima e escreve. Escreve muito. Cartas e instruções para os que partem e estão longe. E conclui a redação das Constituições. Nada disso o impede, porém, de continuar atendendo as necessidades dos pobres, doentes, perseguidos nem de solucionar pleitos e conciliar inimigos.

A Companhia de Jesus vai-se configurando como um grupo de sacerdotes pobres, livres e disponíveis para se ocupar daquilo que for “mais” necessário à Igreja em cada lugar e em qualquer tempo: devem estar prontos para quaisquer tarefas que lhes confie o Vigário de Cristo. Por isso se ligam um voto de obediência ao Papa no que diz respeito a esses encargos. Eis por que, já em vida de Inácio, a Companhia se dedica ao ensino, à evangelização em terras de missões, ao trabalho intelectual, à pastoral direta e à atenção aos marginalizados.

Todos os Jesuítas (assim passarão a ser chamados) fazem os Exercícios Espirituais durante um mês e neles adquirem a “marca” do apóstolo Jesus, pobre e livre para encontrar e servir a Deus em todas as circunstâncias da vida, mas voltados, especialmente, para a necessidade dos homens. Essa é a maior glória de Deus.


No fim da sua vida, Inácio tem um problema sério de vesícula e foi disso que morreu na manhã de 31 de julho de 1556. A Companhia de Jesus, nesta data, já tinha mais de mil membros. Nestes quinhentos anos, chegou a ser extinta por um Papa: mas, restabelecida por outro,  anos mais tarde, nunca deixou de servir ao seu único Senhor Jesus Cristo e à sua esposa, a Igreja. Os jesuítas de hoje desejam continuar servindo esta mesma Igreja com espírito idêntico ao daquele fidalgo que nasceu Iñigo de Loyola, mas acabou se tornando Santo Inácio.