I - Iñigo, o caçula
Iñigo Lopes de Loyola, o futuro Santo Inácio, nasceu em 1491, não se sabe o
dia nem o mês; presume-se, porém, que tenha sido por volta de 1º de junho,festa
de Santo Iñigo, Abade de Oña (Burgos) pelo fato de o terem batizado com esse
nome.
Iñigo era o filho de Beltrán lbánez
de Oñaz e de Marina Sánchez de Licona, da linhagem Oñaz--Loyola, família nobre
de Guipúzcoa ou da "Província", como se chamou este território até o
século passado. Os Loyolas viviam numa
casa-castelo que era residência e fortaleza ao mesmo tempo, construída em
pedra, como tantas outras do país basco.
O duplo aspecto de lar e castelo se explica pelas freqüentes guerras que
enfrentaram as principais famílias bascas entre si e, logo depois, com a
Irmandade das vilas, formada pelas cidades que iam nascendo do fim do
feudalismo.
Os Loyolas tinham sido sempre bem belicosos e até mesmo ferozes nesses
litígios. O avô de Iñigo foi desterrado pelo rei por causa de uma destas brigas
e obrigado a destruir a parte superior da casa-castelo. Mais tarde, depois de
perdoado pelo soberano, permitiram-lhe reconstruir o andar superior com
tijolos.
Nesta casa-fortaleza nasceu Iñigo. Os tempos eram mais calmos, não, porém,
sem algumas querelas, que levam séculos para desaparecer, sobretudo num vale
pequeno e fechado como o que forma o rio Urola, em cujas margens se assentam as
aldeias de Azpeitia e Azcoiria, a meio caminho entre ambas ergue-se o solar
natal de Iñigo. Por volta dos seis anos, o menino perdeu a mãe, seu pai, que
morreu quando ele tinha dezesseis anos, abdicou de todos os seus bens e
títulos, ainda em vida, em favor do filho Martín, que passou a ser senhor de
Oñaz e Loyola. Martín não era o
primogênito e sim Juan que, nesta altura, já tinha morrido na guerra milanesa.
O pai de Iñigo, seu irmão Martín e a esposa deste, Madalena de Araoz, foram
os que cuidaram da educação do menino, que desde cedo deve ter entendido que,
sendo o último de uma família tão prolífica, ia ter de construir o próprio
futuro, assim o entenderam também seus outros irmãos que foram fazer fortuna na
milícia (como Beltrán e Ochoa) ou na América (como Hernando) ou na Igreja (como
Pedro, que era sacerdote).
A infância de Iñigo foi a de um menino da nobreza, talvez um tanto mimado
por sua condição de caçula e por ser órfão de mãe. A educação religiosa que
recebeu foi mais "piedosa" que sólida. O oratório familiar da
casa-castelo era dominado por um entalhe flamengo representando a Anunciação,
presente feito por Isabel, a Católica, a Madalena, esposa do seu irmão Martín.
Obra do artista plástico Alexandre Freire.
Dizia-se ser um quadro milagroso, Iñigo recebeu a tonsura quando ainda
quase adolescente, tornando-se, então, clérigo de "ordens menores".
Destarte. poderia receber um benefício" eclesiástico. de caráter
econômico, vinculado a esta condição e título. Vê-se, entretanto, pelo processo
aberto contra ele em Pamplona, que seu comportamento deixava muito a desejar.
Das atas desse processo se deduz que seus costumes, seu modo de vestir-se e
seu penteado estavam longe de ser os de um "homem de Igreja".
Não se sabe qual foi o delito que Iñigo e seu irmão Pedro cometeram, num
dia de carnaval; deve ter sido suficientemente grave para fazê-Io fugir e
recorrer à sua condição clerical, a fim de escapar da acusação. A impressão que
deixam estas primeiras notícias de sua vida é que Iñigo era um rapaz um tanto
tresloucado, com inclinação para brigas e certamente muito cônscio dos
privilégios que lhe vinham do seu nascimento e da sua condição de fidalgo.
II - O jovem cavaleiro
Com quinze ou dezesseis anos, Iñigo foi completar sua educação em Arévalo
(hoje na Província de Ávila), na casa de Don Juan Velázquez, Contador-Mor do
reino de Castela. Como era amigo do pai de Iñigo, ofereceu-se para acolher,
como mais um filho seu, o caçula dos
Loyolas.
O adolescente deve ter se sentido ali como em sua própria casa, rodeado dos
filhos de Velázquez, alguns dos quais teriam mais ou menos a mesma idade que
ele, Com eles vivem em "grande estilo".
No palácio de Velázquez, veio a conhecer os reis e a corte, desfrutando de
todos os privilégios de alta aristocracia da época e dedicando-se à "boa
vida": caçadas, justas, torneios, saraus, bailes, jogos de azar (baralho e
dados) e aventuras galantes. Anos mais tarde, já convertido em lnácio de
Loyola, confessaria que era "dado a vaidades mundanas" e que, naquela
fase, cometeu "aventuras de mancebo".
Gostava muito de música e de baile, tinha mão muito boa para a caligrafia e
deve ter lido um bom número de romances de cavalaria, os
"best-sellers" daquele tempo. Foram dez anos de alegria juvenil, sem
pensar muito no futuro.
Prova disto é o fato de que a desgraça repentina que se abateu sobre os
Velázquez pegou Desprevenidos tanto estes últimos como o próprio Iñigo. A morte
de Fernando, o Católico, foi a ruína daquela família. As primeiras medidas
tomadas por Carlos I contrariaram Don Juan Velázquez que viu, nessas decisões,
um prejuízo para o patrimônio real. Por isso ele chegou a usar até a oposição
das armas. Derrotado e sobrecarregado por dívidas, morreu em 1517.
Iñigo viu-se, então, sem protetor, não tinha nada, a viúva de Don Velázquez
deu-lhe certa soma de dinheiro e cartas de recomendação para o duque de Nájera.
Don Antonio Manrique de Lara era um nobre em ascensão. O duque apostara no
futuro imperador e era vice-rei de Nájera. Iñigo tornou-se homem de sua
confiança, acompanhando-o em vários de seus empreendimentos e em visitas à
corte. É possível que, então, sua atenção se fixasse na princesa Catarina de
Áustria; os biógrafos do Santo pensam que ele faz alusão a ela quando diz, anos
mais tarde, que tinha os olhos postos numa dama que era mais que condessa ou
duquesa.
A serviço do duque de Nájera, lutou
contra os inimigos de Carlos I. Foi assim que esteve no assédio e conquista da
própria cidade de Nájera, que se rebelara contra o rei, mas não quis participar
do saque e pilhagem que se seguiram. O próprio duque o encarregou de
"acalmar"; as aldeias guipuzcoanas que também se tinham sublevado.
Deu mostras de ser bom diplomata, pois sua missão teve bom êxito.
Iñigo não era o que hoje chamamos de um militar, isto é, um soldado
profissional. Era um nobre, um cavaleiro e, como tal, muito hábil no manejo das
armas. A guerra, naquela época, tinha uma organização bem diversa das atuais.
Assim quando o rei de França decidiu apoiar o exilado Henrique de Labrit,
pretendente ao trono de Nájera, o vice-rei reuniu tropas para defender o
território. Entre outros muitos convocados, encontravam-se Iñigo e seu irmão
Martín, senhor de Loyola.
Na época destes acontecimentos, Iñigo estava com trinta anos. Não se casara
nem tinha patrimônio, além do seu valor pessoal. Sem a inconsciência dos anos
moços, continuava aspirando a um lugar de honra na sociedade do seu tempo.
III - A perna quebrada
Iñigo tinha uma tia freira que, ao saber das correrias e encrencas em que
se metia o sobrinho, profetizou-lhe: "Enquanto não quebrares uma perna não
muda de vida, pondo a cabeça no lugar". Mal sabia a boa religiosa que a
profecia se havia de cumprir. Iñigo foi ferido por um obuz no cerco de Pamplona
e este foi o princípio da mudança fundamental de sua vida.
As tropas francesas e navarras que desejavam devolver o trono a Henrique de Labrit já
estavam às portas da cidade, antes mesmo que os partidários de Carlos I
tivessem podido reunir forças suficientes para enfrentá-los. A população
entregou-se sem resistência, mas os homens do duque de Nájera, Iñigo entre
eles, fecharam-se dentro das muralhas da fortaleza.
A maioria dos sitiados, incluindo o alcaide, ao ver a desproporção das
forças, estavam inclinados a se renderem sem lutar. Era simples suicídio fazer
frente a um exército muito superior em número e mais bem provido de
artilharias. Iñigo, porém, não estava de acordo com essa postura, que lhe
parecia desonrosa. Convenceu, pois, seus homens a não capitular.
Os canhões começaram a bombardear a fortaleza em 20 de maio de 1521. Foi
nesse ataque de artilharia que uma bala de canhão atingiu Iñigo, quebrando-lhe
uma perna e deixando a outra muito ferida. Dia 24 de maio, a fortaleza
rendeu-se, depois de graves estragos e rombos nas muralhas e ao veres caídos o
heróico defensor que jurara lutar até a morte.
Os inimigos reconheceram cavalheirescamente o valor do caçula dos Loyolas e
se ocuparam da saúde desse adversário. Mas o estrago nas pernas fora grande; por
isso, depois dos primeiros cuidados médicos, aconselharam-lhe que voltasse à
sua casa, onde haveria mais facilidades do que numa praça de guerra.
De Pamplona o levaram a Loyola numa padiola. Imagine-se o que terá sido uma
viagem dessas! Com os ossos quebrados e deslocados, cada passo ou movimento
causavam ao ferido dores insuportáveis.
Foi dolorosa também sua chegada ao castelo, Iñigo regressava muito ferido,
derrotado, ainda que mantendo intacta sua honra de cavaleiro. Provavelmente seu
irmão Martín não terá deixado de lembrar-lhe que tinha sido uma “cabeça
dura", ao ficar em Pamplona em vez de optar, como ele e o próprio duque de
Nájera, por uma retirada estratégica.
O estado do enfermo piorou, os médicos aconselharam uma operação para pôr
os ossos no lugar, uma vez que estavam deslocados talvez por causa das trancas
da viagem ou porque os médicos de Pamplona não tinham feito bom serviço. Anos
mais tarde, lnácio qualificou essa operação de carnificina. Entretanto, deu
mostras de grande resistência, não proferiu um só grito, limitando-se a apertar
os punhos.
A operação não deu resultado, Iñigo se viu às portas da morte, chegando a
receber os últimos sacramentos. Pensava todos ser o fim, má estrela de alguns
de seus irmãos mais velhos parecia pesar também sobre ele, morrer aos trinta
anos! Como um fidalgo, sim, valente, e até ambicioso, mas sem realizar nada que
salvasse seu nome do esquecimento! Alguns poderão ter pensado: "Bem feito!
Ele não fez mais que divertir-se e gozar a vida. Na verdade, não se perde grande
coisa!"
IV - A grande transformação
A morte não o levou. Já fora de
perigo, Iñigo notou que a perna quebrada ficara mais curta que a outra e com um
caroço que sobressaía coxo para o resto da vida? Nem pensar! Como poderia
montar a cavalo, realizar belas façanhas? Como poderia cortejar a dama dos seus
sonhos, sendo um ridículo manquitola?
Para eliminar essa deformidade, Iñigo exigiu e suportou uma segunda
operação, não menos dolorosa que a outra. Depois passou meses deitado com
molestos curativos e tendo de suportar pesos e outros mecanismos para esticar a
perna.
Que faz um doente para passar o tempo de repouso forçado? Fazia todo tipo
de planos para o futuro como ele diz, pensando nas façanhas que realizaria a
serviço da sua dama, sonhava com os meios que usaria para aproximar-se dela, as
mesuras, as belas frases e proezas guerreiras que lhe dedicaria.
Mas Iñigo se entedia,toda a fantasia do mundo não basta, pede romances de
cavalaria para distrair-se; como não os houvesse no castelo, trazem-lhe uma
vida de Cristo e uma antologia de vida de santos.
Começou a leitura de má vontade, para matar o tempo e descobriu com
surpresa, que estava gostando. Notou também que sentia paz e alegria ao fechar
tais livros, ao contrário do que acontecia quando cultivava seus sonhos
cavalheirescos e guerreiros, que o deixavam triste e frustrado. Essa diferença
de humor o deixava perplexo.
Por outro lado, Iñigo tinha visto de perto a foice da morte, o que o fez
examinar sua vida passada, é o que sempre acontece com doentes graves, quanto
têm tempo para pensar.
O balanço não era positivo, na perspectiva de Deus, ele era um pecador e um
mau cristão. Ao calor de tais sentimentos, suscitado por aquelas leituras
piedoso põe-se a meditar: O que aconteceria se eu fizesse o que fez São
Francisco e São Domingos? ... “Não lhe falta audácia nem coragem: isto era
indiscutível! Destarte, fez promessa do que lhe parecia mais difícil de
realizar: ir a Jerusalém descalço, comer só verduras e submeter-se às mesmas
penitências feitas pelos santos, e até maiores.
Seu raciocínio estava cheio de um espírito ingenuamente competitivo:
"São Domingo: Fez isto? Pois eu
também farei!" Se um homem foi capaz daquilo, por que não o seria ele?
Também neste ponto queria entre os primeiros.
Passam os meses de verão e outono; chega o inverno, pouco a pouco o coração
se volta para Deus. Começa o trabalho de anotar certas passagens dos livros que
lia. Põe-sê então, a copiar episódios, da vida de Cristo, escrevendo as
palavras de Jesus com tinta vermelha, com azul as de Maria.
Copiar, imitar: o propósito que acalenta é assemelhar-se aos santos e com
isto, desponta já uma terna devoção à pessoa
de Cristo e à de' 'sua Mãe.
Os irmãos de Iñigo Martín e Pedro, bem como sua cunhada Madalena estão
preocupados: não o ouvem falar de proezas, amores e glória e às vezes
surpreendem-no chorando ou totalmente absorto, quando lhe perguntam o que tem
responde com evasivas.
Em princípios de 1522, Iñigo já está quase restabelecido e anuncia sua
partida. Diz que vaia Navarrete encontrar-se com o duque de Nájera para cobrar
uma dívida. A família o vê saindo e começa a
apreensão, o que estaria tramando o caçula dos Loyolas?...
V - O homem do saco
Cavalgando uma mula, com seu irmão Pedro e dois criados, deixou Loyola a
caminho do santuário mariano de Aránzazu, lá, depois de agradecer pela cura,
despediu-se de Pedro e tomou o rumo de Navarrete (Rioja), como dissera a sua
família. Com o dinheiro do soldo recebido, pagou algumas dívidas pendentes: em
seguida despediu os criados e, sozinho, encaminhou-se para Montserrat.
Iñigo estava decidido a pôr em prática o propósito concebido em Loyola.
Havia três peregrinações que um cristão podia empreender: Santiago, Roma e
Jerusalém: a última lhe parecia não só a mais custosa, pela distância, mas
também a mais perigosa. A Terra Santa estava nas mãos dos turcos infiéis; a
situação política era tensa, com perigo de guerra a qualquer momento. Em tais
circunstâncias, ir a Jerusalém era um risco certo.
Mas não iria como um nobre, protegido por seu dinheiro e posição social,
mas como um peregrino desconhecido. A partir desse momento, ele começa a
ocultar sua identidade. Não quer privilégios no trato, deseja começar uma vida
nova e, neste empenho, via um empecilho na sua linhagem.
Enquanto ia de Ribera para Aragão, houve o incidente com o mouro que
duvidava da virgindade de Maria, sua cavalgadura, mais sábia que ele, livra-o
de um lance mau. Antes de chegar a Montserrat, comprou pano de saco para fazer
uma roupa de peregrino, bem tosca e áspera, munindo-se também de um bordão e
uma cabaça.
Chegou aos pés da Virgem (Ia "Moreneta") por volta de 20 de
março. Aí levou três dias preparando uma confissão geral de toda a vida, sob a
hábil direção de um dos monges da abadia. “Nas vésperas da Anunciação (25 de
março), passou a noite inteira na igreja: foi sua vígilia de armas”, como
cavaleiro de Deus. Ofereceu a Virgem a espada e o punhal, doou a mula ao
mosteiro e suas vestes a um mendigo.
De madrugada, às escondidas, metido no seu saco de penitente, parte a pé,
dirigindo-se a Manresa, a fim de evitar o encontro com pessoas conhecidas que
estavam na comitiva do nomeado papa Adriano VI. Assim dá uma volta por Manresa.
Logo, porém, o alcançaram os guardas de Montserrat, com o mendigo que usava
suas roupas: ele salva o coitado dizendo que não roubara nada, que fora ele que
lhe dera as roupas. O incidente perturba Iñigo por ver que sua generosidade
pusera o pobre em perigo e também por descobrir que, apesar de sua aparência,
não pode ocultar sua origem e condição.
Em Manresa aloja-se num albergue de mendigos, como mais um deles, vive de
esmolas com grande austeridade, decidido a acabar com sua aparência de fidalgo
disfarçado: descuida seu asseio pessoal e castiga o corpo com severos jejuns. O
resultado não tardou e os garotos de Manresa o batizaram o loco de "o
homem do saco", por seu aspecto desastrado. Mas não consegue ficar
despercebido, porque logo lhe criam outro apelido: "O homem santo".
Começam a correr rumores fantásticos sobre sua identidade, as riquezas que
deixou e os pecados que o levou a tanta penitência...
Também não consegue fazer de Manresa apenas um lugar de passagem, porque
seu espírito começa a ser assaltado por sentimentos contraditórios, o que o
leva a dedicar longas horas, à oração e à leitura espiritual: além disso,
castiga seu corpo com instrumentos de penitência, mas nem assim encontra a paz, chegando a duvidar das suas forças e
da misericórdia de Deus: "Poderás agüentar esta vida por muito tempo? ...
Será que Deus já te perdoou?" ... Um dia, quando a angústia e a
perplexidade atingiram o auge, chegou a pensar no suicídio, atirando-se por uma
janela.
Parecia-lhe que ser santo era algo que dependia só da sua vontade e das
suas forças. É aí que ele descobre: ninguém serve e agrada a Deus por sua
própria conta, baseando-se apenas em seus próprios planos e decisões.
VI - Seja o que Deus
quiser
Foi tempestuosa aquela primeira temporada em Manresa. Ele adquirira em
Loyola o costume de anotar tudo quanto se passava em seu espírito; começou,
então, a perceber, relendo suas notas, que as diversidades de estados de ânimo
tinham um significado: Deus estava lhe mostrando, por meio deles, a sua
vontade. Havia até certos bons desejos que camuflavam suas resistências a uma
conversão sincera e profunda, outras vezes até os jejuns e penitências
atrapalhavam sua oração em vez de ajudar.
Iñigo estava fazendo, sem o saber, os seus "Exercícios
Espirituais". Mediante a oração e a contemplação dos Evangelhos, ia-se
entusiasmando com a pessoa de Jesus, assimilando suas atitudes e conformando
toda sua vida com a de Jesus. A experiência daqueles dias, cuidadosamente
anotada em um caderno, será o germe dos seus "Exercícios", um dos
livros que mais influíram na Igreja. Retificará alguns pontos, acrescentará
aqui, cortará ali, mas, naquelas suas notas, já está o método inaciano para encontrar
a vontade de Deus e entregar-se à pessoa de Jesus Cristo.
Em Manresa, diz Iñigo, Deus o tratou como um professor trata seu aluno:
ensinava-o a servir-lhe como ele desejava. Um dia, passeando às margens do rio
Cardoner, teve uma grande iluminação interior. Tudo lhe pareceu novo e
diferente, como se estivesse vendo coisas pela primeira vez.
Copiar, imitar... Em Loyola acreditava que nisto consistia a vida cristã:
ser como os santos, imitar Jesus. Agora descobre que cada homem tem uma vocação
concreta e particular e que Deus nos mostra de muitos modos. O cristão deve descobrir e realizar esta
missão que Deus lhe confia.
E qual era a sua? .. Iñigo continua a pensar na viagem a Jerusalém, já não
tanto para cumprir uma grande façanha, mas por tratar-se da terra de Jesus, se
vive pobre, livre de compromissos materiais, já não é por penitência, mas
porque Cristo viveu assim, e começa a ajudar os outros, a cuidar dos doentes e
necessitados, inclusive em suas necessidades espirituais... Porque Jesus curou,
pregou e nos livrou de nossos pecados.
O peregrino entrega-se a Deus, disposto a seguir suas inspirações a cada
momento. Não sabe aonde estas o levarão. mas enquanto não estiver certo de que
lhe pede outra coisa, irá a Jerusalém. Até sonha em morrer lá, como Cristo,
anunciando aos infiéis o Evangelho.
Passou quase um ano em Manresa, hospedando-se em diversas casas e certo
tempo nos convento dos dominicanos. Também se retirava a uma gruta para rezar e
fazer penitência. Neste local ergue-se hoje uma igreja dos jesuítas, mais
importante, porém é que começou, por meio de conversas, a ajudar
espiritualmente as pessoas que desejavam ouvi-lo.
Em Barcelona embarcou para a Itália, depois de conseguir passagem gratuita
num navio. O capitão, porém, exigiu que ele levasse provisão consigo. Isto
causou um certo escrúpulo em Iñigo que preferia confiar-se cegamente às mãos de
Deus , mas um bom confessor lhe deu a solução: Iria mendigar nas ruas o
alimento para viagem.
Em março de 1523, um ano depois de sair do seu castelo, fez-se ao mar, só e
pobre. Ninguém reconheceria naquele peregrino de aspecto macilento o elegante e
aprumado fidalgo dos Loyola.
VII - O peregrino
Ajudados por um rijo vento de popa, chegaram a Itália em cinco dias. Como
era necessária licença do Papa para poder viajar à Terra Santa, Iñigo meteu o
pé na estrada, a caminho de Roma. Durante esse trajeto, juntaram-se a ele uma
senhora e sua filha, que ela vestira de rapaz para evitar problemas. Mas o
disfarce não funcionou, pararam em um albergue para o pernoite e um grupo de
soldados tentou violentar mãe e filha. O sangue de Iñigo ferveu-lhe nas veias:
voltou-lhe todo o fogo do seu brio e desbaratou o grupo.
Em Roma não foi difícil obter o visto do Papa, com ele, dirigiu-se a
Veneza, de onde partiam os navios para a Terra Santa. A Itália estava assolada
pela peste, o aspecto macilento de Iñigo não inspirava confiança; por isso
passou muita fome e outros sofrimentos.
Em Veneza, com a mediação de um nobre espanhol. O Duce lhe concedeu
passagem gratuita para julho daquele ano.
Entrementes, Iñigo vivia de esmolas, ao ar livre, sem mais abrigo do que
a confiança em Deus.
A travessia para a Palestina foi lenta e difícil, devido à falta de vento,
Iñigo repreendeu a tripulação por causa de certos excessos sexuais e, por isso,
os marinheiros ameaçaram deixá-Io numa ilha.
Finalmente arribaram a Jafa, no dia 24 de agosto de 1523, os peregrinos
beijaram a terra, cantaram o Te Deum e a salve-rainha. Em seguida, puseram-se a
caminho,juntamente com uns frades
Franciscanos, sob a guarda de soldados turcos.
O contato direto com a terra de Jesus produziu emoções profundas em Iñigo.
Com olhos bem abertos ia gravando todos os detalhes em sua imaginação, Anos
mais tarde, quando puser por escrito as contemplações da vida de Cristo,
verse-á, na exata descrição das cenas, que o escritor conhecia pessoalmente os
lugares descritos.
Os peregrinos só puderam visitar Jerusalém e seus arredores, incluindo
Belém. Jericó e o rio Jordão, por causa das circunstâncias políticas.Iñigo
tencionava ficar lá e estava já munido de cartas de recomendação para o Pe,
Guardião, superior dos Franciscanos, responsáveis pelos lugares Santos. De nada
lhe valeram as cartas nem a comprovada eloqüência de Iñigo. O frade chegou a
ameaçá-lo com excomunhão, se persistisse naquele propósito.
Só tinha mesmo de acatar esta ordem que lançava por terra sua determinação
tão arraigada,na véspera da partida de Jerusalém, arranjou um jeito de sair
escondido para rever o monte das Oliveiras. Tiveram de mandar buscá-lo e o
criado que o fez lhe deu umas boas sacudidelas, de tão aborrecido que estava.
Iñigo sentiu viva comoção, ao lembrar-se de que, naquele mesmo lugar, prenderam
nosso Senhor.
Só passou vinte dias na Terra Santa! Ele que havia sonhado ficar ali para
sempre... Na longa e azarada volta para a Itália. Teve tempo para perguntar a
si mesmo: que vou fazer agora? Ou melhor, que deseja Deus que eu faça, já que
sua vontade não me quer em Jerusalém?
Voltou a Veneza esperançoso de que a situação melhorasse e fosse anulada a
proibição de se radicar na Terra Santa. Em janeiro de 1523, um rio intenso
percorria a região, na cidade dos canais, as noticias eram também frias e o
desanimaram: por muito tempo ainda. não haveria possibilidade ele voltar a
Jerusalém.
VIII- Um estudante cheio
de conflitos
Iñigo já notara que fazia um grande bem a todas as pessoas com quem
tratava. Pensando em como empregar o tempo, até poder voltar à Terra Santa,
decidiu estudar. A isto o aconselhavam os
que beneficiavam de suas conversas. A igreja estava cheia de
“iluminados” e falsos pregadores. Iñigo podia ser confundido com um deles se
não estudasse teologia.
Decidido como era, nem curto de inteligência, nem preguiçoso, recomeçou a
caminhar, indo de Veneza para Barcelona, aonde chegou em fevereiro de 1524. Lá,
aos 33 anos, começou os estudos de gramática
e latim. No início tinha aulas particulares, depois freqüentou escolas,
ao lado de jovens condiscípulos que não lhe pouparam risadinhas e zombarias.
Iñigo nem parecia nota-las. Continua a viver de esmolas e a falar de assuntos
espirituais a quem desejasse ouvi-lo.
Passou dois anos nestes estudos elementares, após os quais, seus
professores o aconselharam a ir para a universidade de Alcalá de Henares, a fim
de estudar Artes (que hoje chamamos de Filosofia e Letras). Aos 35 anos, como
sempre a pé, La vai ele a caminho novamente, sem dinheiro, confiando unicamente
em Deus. Sua estada de quinze meses em Alcalá foi muito agitada. Não progrediu muito
nos estudos porque teve que enfrentar três processos. O que aconteceu foi que
ele estava dando mais tempo ao apostolado que ao estudo e logo se viu rodeado
de um grupo de admiradores, sobre tudo
mulheres, que seguiam suas orientações espirituais.
O primeiro problema surgiu por causa da sua idumentária. Três estudantes
tinham vindo de Barcelona com iñigo e vestiam a mesma túnica de saco. Os
inquisidores não gostaram disso, porque estavam usando ‘’ hábito’’ sem ser
religiosos. De nada lhe valeu dizerem que queriam vestir-se como os apóstolos.
Foram obrigados a mudar as vestes.
O segundo conflito foi causado por algumas mulheres que se aconselhavam com
Iñigo, mas não queriam que ninguém soubesse. Eram senhoras de boa posição e
este sigilo causou suspeitas. Depois de uma intimação reservada, viu-se que não
havia razão para processo.
O terceiro processo foi mais sério: levou Iñigo à cadeia! Não foi uma
prisão rigorosa, porque permitiram-lhe que continuasse a tratar com as pessoas
que o procuravam, mas esteve preso 42 dias. Os inquisidores perguntaram-lhe
sobre seus ‘’ Exercícios Espirituais ‘’ que ele, nesta época já tinha começado a pregar aos
seus ouvintes, a fim de levá-los a uma vida de maior compromisso cristão.
A sentença foi de absolvição, mas com a imposição de vestirem roupas comuns
e de se absterem de doutrinar quem quer que fosse, pública ou privadamente. A
razão era que os ‘’iñiguistas’’, como eram chamados em Alcalá, não tinham
formação suficiente e podiam incorrer erros.
A questão da roupa era irrelevante; mas custou a Iñigo deixar seu
apostolado já florescente... Por isso foi falar com o Arcebispo de Toledo em
pessoa. Esse o aconselhou, prudentemente, que não continuasse seus estudos em
Alcalá, mas que o fizesse em Salamanca.
Nessa famosa universidade, as coisas andaram mal desde o início. Logo ao
chegar foi encarcerado e de novo submetido a processo, repetindo-se a sentença
de Alcalá: ficava livre mas proibido de ‘’pregar à maneira
dos apóstolos” . Iñigo não pensou duas vezes: decidiu mudar de ares e
viajar para Paris e ali terminar seus estudos. Seus companheiros prometeram
segui-lo, mas nunca fizeram. Iñigo descobriu que sua experiência espiritual
ajudava os outros e não pretendia renunciar a ela por conta dos mal-entendidos.
IX - Amigos no senhor
Iñigo passou sete anos em Paris, todos eles decisivos. Chegou só em
fevereiro de 1528. Sairia também só em abril de 1535, mas já como doutor em
Filosofia e estudos avançados de Teologia. Atrás ficava um grupo de seguidores
seus, fiéis ao seu estilo de vida e aos seus idéias.
Em paris continuou pedindo esmolas, mas logo notou que não podia estudar
como devia se tivesse de mendigar sustento dia a dia. Conseguiu custear sua
estada na Sorbona graças a donativos de pessoas amigas e umas ‘’coletas’’ que
fazia, durante as férias, na Holanda e na Inglaterra.
Mais tarde, ao redigir a regra dos jesuítas, permitirá que, no período de
formação, eles vivam de fundos criados para sustentá-los, numa pobreza menos
rígida. Foi uma disposição que nasceu da sua própria experiência.
Pouco tempo depois de chegar a Paris, já arranjou uma boa encrenca. Três
estudantes espanhóis fizeram os Exercícios com ele e, ao terminá-los, deram
seus bens aos pobres e foram viver em uma pensão de peregrinos. Como esses três
eram muito conhecidos criou-se um escarcéu na Universidade. Dizia-se que isso
era corrupção de jovens! A pressão ambiental os fez desistir de sua evangélica
decisão.
Inácio, porem, não desanima e continua recrutando estudantes, começando por
seus companheiros de quarto, no Colégio Maior. Estes eram o saboiano Fabro e o Navarro Francisco Xavier. Este
último não foi fácil de conquistar,mas,depois de convencido, tornou-se o mais
ardoroso seguidor de Inácio. Pouco a
pouco ajuntam-se ao grupo mais quatro: Laínes, o toledano Salmerón, o plaestino
Bobadilha e o português Simão Rodrigues.
Todos fazem os Exercícios
Espirituais com Iñigo e tem o mesmo anseio: ajudar o próximo e evangelizar os
povos da Terra Santa. Eram ‘’amigos no Senhor’’ e queriam estar ‘’perto” de
Jesus. Inclusive física ou geograficamente. Daí a idéia fixa de Jerusalém. Seu
ideal era “pregar em pobreza”, constituindo uma espécie de “colégio
apostólico”, isto é , vivendo como os apóstolos.
Outro traço que os distingue é a generosidade. Oferecem-se para o que seja
de “maior” serviço de Deus e ao próximo: sempre para o mais difícil. Eis por
que Inácio repete sempre: “A maior glória de Deus”. Não se pode ser um “amante
tíbio” mas apaixonado,disposto a tudo.
Assim é o que os sete decidem selar seu compromisso, reunindo-se na igreja
de Montmartre em 15 de agosto de 1534. O
único padre do grupo, Pedro Fabre, celebrou a missa e, nela, todos fizeram voto
de pobreza, castidade e peregrinação a Jerusalém. Caso tal peregrinação não
fosse possível , o voto era de se porem às ordens do Papa. Aqui nascia a futura
companhia de Jesus.
Naquela Paris agitada pelos ventos da Reforma Protestante, aquele grupinho
de homens parecia estar à margem da controvérsia. Estavam preocupados com o
viver como bons cristãos, isto é, pobres, simples e livres como Jesus. E sem
saber, estavam começando a verdadeira reforma da Igreja.
Iñigo já latinizara seu nome para Inácio, não se sabe porque. Talvez o
tenha feito ao matricular-se na universidade. Sua saúde não era boa, resultado
claro dos excessos de sua vida de duríssima penitência e pobreza. Os
companheiros e o médico forçaram-no a fazer uma visita à sua terra, para
curar-se nos “ares natais”. Antes de partir, combinam que se encontrarão dois
anos mais tarde, em Veneza, para tentar ir a Jerusalém.
Inácio se põe mais uma vez a caminho, mas desta vez a cavalo, forçado a
isso pelos companheiros. Volta a Loyola, 13 anos depois de ter saído do
Castelo. Já não lhe importa que os seus o reconheçam.
X - Evangelizar na
pobreza
Inácio que chegou a Azpéitia em 1535 é muito diferente do Iñigo que seus
conterrâneos conheciam. Seu irmão Martín preparou-lhe hospedagem e mandou uma
comitiva esperá-lo: Iñigo, porém, mudou de caminho e despistou-os, entrando às
escondidas na cidade e indo diretamente a uma pousada de pobres.
Martín não gostou dessa atitude do irmão, pois não ficava bem que um Loyola
vivesse sob o mesmo teto com mendigos; mas Iñigo não cedeu. Desde o início,
dedicou-se a ensinar catecismo às crianças e a acabar com certos abusos morais,
notórios na cidade; entre elas, havia o caso de seu próprio irmão, que tinha
uma amante.
Quando tantos se afanavam por reformar e purificar a Igreja, Inácio
escolheu um método direto e simples: conseguir a conversão pessoal de cada um.
Foi assim que agiu com seus primeiros companheiros de Paris e é assim também
agora. Ataca os pontos mais vulneráveis da Igreja de então: a busca desmedida
de riquezas, de poder e de dignidades eclesiásticas, bem como a vida dissoluta
dos clérigos e seu descuido e desatenção pela formação religiosa do povo.
Não se trata de desmascarar hereges e levá-los à fogueira, mas de
convidá-los amorosamente a abandonar o erro. Ele quer reformar a vida dos
cristãos que não honravam seu batismo. Não se interessa pelas “teorias” de
Erasmo ou de Lutero. Seu ponto fundamental era a “prática” do evangelho.
Inácio prega e ensina o catecismo às crianças e às pessoas incultas, sem
pedir nada em recompensa. Vive pobre, de esmolas. Atende os marginalizados do
seu tempo: mendigos, enfermos, empesteados, prostitutas e menores abandonados.
Em tudo respeita a liberdade.
Diziam que era “hábil em comprar vontades” . Ao longo de sua vida
solucionou acertadamente numerosos conflitos. Em sua própria cidade usou bem
esse dom e reconciliou inimigos ferrenhos.
A breve estada (três meses) de Inácio em sua aldeia resume seus anos de
apostolado em Roma. Nunca mudará seu modo de agir. Em Roma atenderá judeus
perseguidos, jovens em perigo, crianças, enfermos e vítimas da grande fome que
se abateu sobre a cidade. Pregará nas ruas e porá em ação seu talento para
resolver conflitos e desavenças.
De Azpéitia saiu a visitar diversos lugares da Espanha, a fim de visitar
familiares de seus companheiros de Paris e resolver algumas questões. Em
outubro de 1535, embarcou para Gênova e daí para Veneza, aonde chegou no fim
daquele ano. Enquanto esperava a chegada de seus companheiros, fixada para
1537, dedicou-se a completar seus estudos de teologia e, como sempre, a fazer o
bem a quantos encontrasse.
Aí teve conhecimento de diversos movimentos religiosos, desde alguns quase
heréticos até outros, bons, como os teatinos,
fundados pelo bispo Caraffa. Este
tentou conquistá-lo para a sua congregação, mas Iñigo não aprovava o estilo de
vida de Caraffa nem o fechamento dos seus discípulos.
Entrementes, ia dando os Exercícios a várias pessoas como a malaguenho
Diogo de Hoces, que decidiu seguir o caminho de Inácio. Destarte, quando os
companheiros de Paris chegaram a Veneza, em janeiro de 1537, descobriram que o grupo
tinha aumentado, não só com Hoces, mas também com Jayo, Coduri e Broet, que se
tinham unido aos seis primeiros na cidade do Sena. Inácio tinha também consigo
alguns outros simpatizantes já dispostos a aderir ao grupo.
Agora que estavam juntos, era hora de retornar os planos da esperada viagem
a Jerusalém, conforme o voto feito.
XI - Companheiros de
Jesus
Era preciso conseguir a licença do Papa para peregrinar à Terra Santa.
Antes deir pedi-la, Inácio resolve testar os seus doutores parisienses, que
acabavam de chegar com brilhantes títulos universitários. Manda-os, pois,
alojarem-se em diveros hospitais para cuidar e aliviar os enfermos, fazendo-os descer
da sublime teologia a prosaica realidade de atender a leprosos, sifilíticos,
vítimas da peste e agonizantes.
Depois de dois meses passados em hospitais, Inácio os manda para Roma para
pedirem a bênção do Papa, o que constituiu quatro meses de duras caminhadas na
maior pobreza. É que Iñigo deseja companheiros treinados na renúncia, sem outra
segurança além da que vem das mãos de Deus.
Inesperadamente, todas as portas de Roma se abriram para eles. Obtêm a
desejada licença e também a autorização para ser ordenados sacerdotes. Depois
disso, voltaram felizes a Veneza onde, entretanto, os esperava Inácio com uma
notícia má: nenhum navio de peregrinos zarparia para a Terra Santa naquele ano.
Consolaram-se, então, fazendo os votos públicos de pobreza e castidade e
repartindo-se, em grupos de três, pelas cidades vizinhas para pregar a doutrina
cristã e dedicar-se à oração.
No outono de 1537, todos se ordenaram e celebraram a primeira missa, com
exceção de Inácio que ainda esperava poder celebrá-la na terra de Jesus...
Como Veneza estava em guerra com os turcos e eram escassas as
possibilidades de uma paz a curto prazo, eles pararam para pensar que resolução
tomariam... Decidiram-se pôr-se à disposição do Papa, conforme o que prometeram
em Montmartre, Inácio, Fabro e Laínez iriam a Roma para se oferecer ao Vigário
de Cristo. Enquanto isso, os demais se dispersariam pelas cidades da Itália,
indo dois a dois, como Jesus enviou os 72 discípulos do evangelho.
Antes de se depararem combinaram que, se alguém lhes perguntasse quem eram
eles, responderiam: “Companheiros de Jesus”, por ser esse o nome mais
apropriado à sua situação e ao seu espírito. Seu ideal continuava a ser imitar os apóstolos e
discípulos de Cristo, “a gente de Jesus”, vivendo juntos em desprendimento, liberdade
e fraternidade. Era outro modo de expressar aquele “amigos no Senhor”, fórmula
que usavam em Paris.
Não muito longe de Roma ( a uns 15 quilômetros), Inácio teve uma
experiência espiritual muito profunda. Tinha saído da estrada e se afastado de
Fabro e Laínez para rezar numa capela chamada La Storta. Ali sentiu que Deus
lhe dizia: ”Em Roma lhes serei propício”. Inácio entendeu o sentido destas
palavras: Deus não queria que fossem a Jerusalém mas que o servissem em Roma.
Naquele mesmo instante, desistiu do propósito de ir viver e trabalhar na Terra
Santa, sonho seu muito antigo, desde os dias de sua conversão em Loyola. Assim,
ele comprava, mais uma vez, o que já aprendera em Manresa, isto é, que Deus tem
uma missão concreta para todos os homens e que Ele nos vai mostrando essa
missão em cada circunstância da nossa vida. Deus fala de muitas maneiras; ao
homem só lhe toca reconhecer e aceitar a divina vontade. Umas vezes a voz de
Deus chega, como em La Storta, de maneira extraordinária: na maioria das vezes,
porém, ela se manifesta através de fatos
e acontecimentos que nós devemos “discernir”.
Outras vezes esta voz nos vem através da Igreja, dos bispos e da comunidade
cristã. Inácio vai, então, usar uma destas vias privilegiadas de encontrar a
vontade de Deus: o Papa. Pôr-se-á aos seus pés para lhe dizer: “ A que missão
quereis que se dediquem os companheiros de Jesus?”
XII - O tronco e os
ramos
A primeira coisa que fizeram Inácio e seus companheiros, em Roma, foi se
colocar à disposição do Papa Paulo III. Este deve ter ficado surpreendido ao
vê-los pedir trabalho sem nenhuma recompensa, porque o que todos lhe pediam
eram cargos honoríficos e lucrativos na Igreja. O Papa confiou-lhes tarefas
pastorais em Roma.
O inverno de 1538-39 foi tremendamente frio e abateu-se a fome sobre a
cidade. Os companheiros de Jesus se desdobraram no serviço aos necessitados e,
com essa entrega generosa e desinteressada, granjearam a estima de todos. Foi
naquele Natal que Inácio celebrou sua primeira missa.
O Papa pede a Broet e a Simão Rodrigues que vão a Sena. As missões que o
Pontífice lhes vai confiando suscita uma questão: deverão permanecer unidos,
fundando uma ordem religiosa, ou serão mais livres, sem vínculo estável entre
si?
Todos eles dedicaram vários meses de oração e reflexão a esse tema e, no
fim, chegaram à conclusão de que se fundasse uma ordem Religiosa, a Companhia
de Jesus. Acertaram também outro ponto: não teriam hábito especial, oração
litúrgica comum, nem penitências estabelecidas por regra. O Papa aprovou
verbalmente a idéia, e mais tarde em 27 de setembro de 1540, confirmou-se por
escrito. Deviam agora eleger um superior e redigir regras mais concretas.
A eleição caiu sobre Inácio, que resistiu aceitá-la, mas acabou cedendo ao
voto unânime de seus companheiros. Dedicou-se, então, a redigir as
Constituições da Ordem e a dirigir seus primeiros passos, porque o grupo
cresceria de maneira espetacular e os Papas começaram a dar-lhes missões cada
vez maiores e mais complexas.
Inácio bem que se ofereceu para algumas delas, mas não o deixaram partir:
vê, então, como seus primeiros companheiros partem para diversos lugares e
países: Fabro para a Alemanha, Bobadilla para Nápoles, Simão Rodrigues para
Portugal, Xavier para a Índia, Laínez e Salmerón para o Concílio de Trento...
Os ramos se estendem por todo o mundo conhecido e... desconhecido:um grupo
foi mandado até para a Etiópia. A Companhia abre casas na Alemanha, França,
Portugal, Espanha e Japão. Inácio, o andarilho de outrora, agora ancorado em Roma, dá conselhos, anima e
escreve. Escreve muito. Cartas e instruções para os que partem e estão longe. E
conclui a redação das Constituições. Nada disso o impede, porém, de continuar
atendendo as necessidades dos pobres, doentes, perseguidos nem de solucionar
pleitos e conciliar inimigos.
A Companhia de Jesus vai-se configurando como um grupo de sacerdotes
pobres, livres e disponíveis para se ocupar daquilo que for “mais” necessário à
Igreja em cada lugar e em qualquer tempo: devem estar prontos para quaisquer
tarefas que lhes confie o Vigário de Cristo. Por isso se ligam um voto de
obediência ao Papa no que diz respeito a esses encargos. Eis por que, já em
vida de Inácio, a Companhia se dedica ao ensino, à evangelização em terras de
missões, ao trabalho intelectual, à pastoral direta e à atenção aos
marginalizados.
Todos os Jesuítas (assim passarão a ser chamados) fazem os Exercícios
Espirituais durante um mês e neles adquirem a “marca” do apóstolo Jesus, pobre
e livre para encontrar e servir a Deus em todas as circunstâncias da vida, mas
voltados, especialmente, para a necessidade dos homens. Essa é a maior glória
de Deus.
No fim da sua vida, Inácio tem um problema sério de vesícula e foi disso
que morreu na manhã de 31 de julho de 1556. A Companhia de Jesus, nesta data,
já tinha mais de mil membros. Nestes quinhentos anos, chegou a ser extinta por
um Papa: mas, restabelecida por outro,
anos mais tarde, nunca deixou de servir ao seu único Senhor Jesus Cristo
e à sua esposa, a Igreja. Os jesuítas de hoje desejam continuar servindo esta
mesma Igreja com espírito idêntico ao daquele fidalgo que nasceu Iñigo de
Loyola, mas acabou se tornando Santo Inácio.