quarta-feira, 20 de julho de 2016

Introdução ao Novo Testamento




Introdução ao Novo Testamento

“Pois nele vivemos, nos movemos e existimos”,
como disseram alguns dos poetas de vocês:
“Também somos descendência dele”. Atos 17:28

Novo Testamento é uma expressão que vem do latim: indica os livros da Bíblia escritos depois de Cristo e contrapõe-se a Antigo Testamento, ou seja, aos livros da Bíblia escritos antes de Cristo. Para designar os dois “Testamentos”, melhor seria a expressão “Antiga Aliança” e “Nova Aliança” (berîth, em hebraico, e diatheke, em grego). De facto, a ideia teológica de aliança é fundamental na dinâmica interna da Bíblia, como Palavra de Deus para todos os crentes, e percorre-a do primeiro livro ao último. O Antigo Testamento resume-a nesta expressão: «Vós sereis o meu povo e Eu serei o vosso Deus.» (Lv 26,12; Jr 7,23; Ez 37,27)

Mas esta Aliança era provisória, apontava para a Nova Aliança (Jr 31,31-34) que foi selada com o sangue de Jesus Cristo (Mt 26,27; Mc 14,24; Lc 22,20). A este respeito, diz o Concílio Vaticano II: “A Palavra de Deus, que é poder de Deus para a salvação de todos os crentes, apresenta-se e manifesta a sua virtude de um modo eminente nos escritos do Novo Testamento. Pois, quando chegou a plenitude dos tempos, Cristo estabeleceu o Reino de Deus na terra, manifestou o seu Pai e a sua própria Pessoa com obras e palavras e completou a sua obra mediante a sua morte, ressurreição e gloriosa ascensão e com a missão do Espírito Santo (...). De todas estas coisas são testemunho perene e divino os escritos do Novo Testamento.” (DV, 17)

O NOVO TESTAMENTO E A HISTÓRIA

Escritos entre os séc. I-II d.C., em plena civilização greco-romana, os livros do Novo Testamento aparecem-nos na língua “comum” dessa civilização (o grego da koiné) e giram em torno da mensagem de Jesus. Por isso, os Evangelhos são a base de todos os outros livros do Novo Testamento, que, por sua vez, os explicitam e aplicam à vida prática. Mas não podemos compreender suficientemente a mensagem de Jesus nem os escritos que a explicitam, sem conhecermos as circunstâncias históricas em que nasceram.

Jesus anunciou a Boa Notícia da salvação apenas oralmente, em aramaico, a língua falada então na Palestina. Os seus discípulos também não escreveram. Preocupava-os mais o anúncio oral porque urgente do Evangelho. A atitude de Jesus e dos seus discípulos faz do Cristianismo, não uma “Religião do Livro”, mas a religião que se centra numa Pessoa Jesus Cristo. Depois de terem ouvido a mensagem oral, durante a “primeira geração” cristã, é que os discípulos da “segunda geração” registaram por escrito as palavras e os factos da vida de Jesus para incutir nos cristãos maior fidelidade à mensagem e os conduzir à fé e à salvação em Cristo (Lc 1,1-4; Jo 20,30-31). Os Evangelhos não são unicamente a “História de Jesus”; são sobretudo a narração escrita das palavras e dos factos de Jesus de Nazaré, mas já iluminados pelo Cristo ressuscitado, presente na sua Igreja ao longo de muitos anos.

A Constituição Dei Verbum (n.° 19) diz que os Evangelhos não são História escrita à maneira do nosso tempo. Os evangelistas fazem uma História em função da fé, da teologia: resumem, interpretam, explicam e redigem factos da vida de Jesus para apresentar uma determinada ideia teológica a uma determinada classe de ouvintes.

AMBIENTE POLÍTICO-RELIGIOSO DO NOVO TESTAMENTO

Genericamente falando, o ambiente histórico-geográfico do Novo Testamento é greco-romano. A Palestina cai sob o domínio dos Césares de Roma em 63 a.C. e, com o Império, entra no povo da Bíblia a cultura helenista, que se tornara a cultura mais importante do Império Romano (ver Lc 3,1-2). De facto, um Império geograficamente enorme e com uns cinquenta milhões de habitantes albergava no seu seio multidões de povos, religiões e culturas diferentes. No entanto, este pluralismo cultural e religioso facilitou, de certo modo, a expansão do Cristianismo, que não tardou em adaptar as suas origens semitas à cultura dominante. Neste campo, deve ser concedido um especial relevo a Paulo (ver Act 15). A Palestina, sobretudo pela mão de Herodes, o Grande (que reinou entre 40 a.C. e 4 a.C.), entrou também no caminho da civilização helenista, pelas grandes obras, jogos e espectáculos copiados dos helenistas.

Politicamente, as autoridades da Palestina reis ou procuradores romanos dependem do Imperador de Roma. Pilatos foi o procurador mais famoso (entre 27 e 37 d.C.), por ter participado activamente no processo e na morte de Jesus. A partir de 66 d.C., começou a revolta contra o poder romano, que foi severamente punida com a destruição de Jerusalém e do Templo, inaugurado poucos anos antes. Com a destruição do Templo, desaparece a classe politicamente mais forte, a classe sacerdotal ou dos Saduceus. Na fuga geral, também a pequena comunidade cristã de Jerusalém, segundo algumas tradições, se refugiou em Péla, na Decápole e noutros locais próximos. A partir de 70 d.C. desaparecem todos os principados da Palestina e o território é governado por administração directa de Roma.

Economicamente, a Palestina, pequeno território junto do deserto, contava pouco na economia do Império. Interessa, no entanto, saber como nela se vivia para compreender a linguagem utilizada por Jesus nos Evangelhos, sobretudo nas parábolas. Trata-se de um território de agricultura mediterrânica (trigo, cevada, figueira, oliveira, videira) e de pastoreio de gado miúdo (ovelhas e cabras). A pequena indústria e o comércio também ocupam um lugar de destaque na vida quotidiana do povo.

Religiosamente, fervilhavam pelo império muitas religiões e cultos pagãos, que gozavam de uma relativa liberdade de culto e de proselitismo. Na Palestina, o templo de Jerusalém concentrava as principais instituições judaicas. Era o centro religioso, o lugar de Deus, do sacerdócio, das festas nacionais; mas também onde as pessoas ligadas ao culto exerciam o poder político. Todo o varão judeu adulto pagava uma didracma por ano de imposto ao Templo. Isso transformava o Templo no centro econômico do povo de Deus.

O primeiro Templo tinha sido construído por Salomão no séc. X e destruído pelos Babilônios em 587 a.C.. O segundo, mais modesto, foi construído em 515, depois do exílio da Babilônia. Um terceiro Templo foi construído por Herodes, o Grande; inaugurado no ano 60 d.C., foi destruído pelos Romanos no ano 70. Em forma de cubo de uns cinquenta metros e rodeado de vários átrios e portas, era uma obra digna da admiração de qualquer visitante (ver Mt 24,1; Mc 13,1; Jo 2,20). No tempo de Jesus estava na fase de acabamento.

A Sinagoga era a instituição religiosa mais importante depois do Templo, aonde todo o bom judeu acudia, cada sábado. O próprio Jesus frequentava a Sinagoga (Lc 4,16-38). Era o lugar onde se proclamava e comentava a Palavra de Deus e se fazia a oração da comunidade; também servia de escola e centro de cultura. Teve especial importância sobretudo na Diáspora. Era chefiada pelos Doutores da Lei e fariseus; e, como não havia sacrifícios, os sacerdotes não tinham nela importância de maior.

Interessa aqui referir, com particular relevo, os grupos religiosos de então:

Os Fariseus. Pessoas da classe média e baixa, eram especialmente devotos e cumpridores de todas as normas da Lei de Moisés. A sua origem, sendo embora duvidosa, deve remontar à revolução de Judas Macabeu (séc. II a.C.: 1 Mac 2,42). Considerando Deus como o único Rei de Israel, opunham-se ao poder político instalado: os Romanos e a dinastia de Herodes. Como dominavam na Sinagoga, mediante a sua pregação, levavam o povo a pensar do mesmo modo. Por isso, constituíam o grupo mais numeroso de todos. Jesus denunciou muitas vezes a sua rigidez legalista, que não respeitava o mais importante o amor e juntava muitas outras tradições a chamada Lei oral ou “tradição dos antigos” às prescrições escritas na Bíblia. Admitiam como canônicos todos os livros da actual Bíblia Hebraica, ou seja, a Lei, os Profetas e outros Escritos (os do AT que estão nas Bíblias católicas, excepto os Dêutero-canônicos). Sendo rígidos na observância da Lei, eram progressistas nas ideias religiosas, pois admitiam, ao contrário dos Saduceus, a ressurreição final e a existência de anjos. Destruído o Templo, no ano 70, com ele desapareceu também a sua organização cultual: os sacerdotes e os sacrifícios. Restava a Lei, a Palavra de Deus que estava na mão dos Fariseus da Sinagoga. E foi a Sinagoga que perpetuou o judaísmo até aos nossos dias.

Os Doutores da Lei ou Escribas. Eram o grupo mais ligado ao dos Fariseus. O Novo Testamento refere frequentemente estes rabinos copistas que se tornaram também intérpretes da Lei. Eram os “teólogos” do farisaísmo, embora também houvesse Doutores da Lei entre os Saduceus.

Os Saduceus (nome que deriva do Sumo Sacerdote Sadoc) existiam, como partido político, desde o séc. II a.C.. Eram a classe mais ligada ao Templo, por constituírem a classe sacerdotal. Além do sacerdócio, detinham ainda grande parte do poder político, pois, ao contrário dos fariseus, presidiam ao Sinédrio, mediante o Sumo Sacerdote. Politicamente abertos à autoridade romana, eram conservadores em religião, pois, ao contrário dos fariseus, admitiam como canônicos apenas os cinco primeiros livros da Bíblia (Pentateuco) e negavam a existência dos anjos e a ressurreição. Esta classe sacerdotal, no exercício das suas funções, era assistida pelos Levitas, que tinham especial missão no canto litúrgico e nos sacrifícios.

Os Samaritanos. Como o nome indica, eram os habitantes da Samaria, descendentes da população mista israelita e pagã que ocupou aquele território depois do exílio dos Samaritanos para Nínive (711 a.C.). Como livros canônicos, só admitiam o Pentateuco (tal como os Saduceus) e tinham um templo no monte Garizim (2 Rs 17,24-28; Esd 4,1-4). Por este motivo, os Judeus (habitantes da Judeia, ao sul) rejeitavam-nos, como se fossem pagãos (Lc 10,25-37; Jo 4,19-22).

Os Zelotas. Como o próprio nome indica, zelavam pela independência nacional de Israel contra o poder político estrangeiro. Mas a sua luta era violenta, provocando sucessivos confrontos e atentados contra o exército ocupante.

Os Herodianos. Eram os partidários da dinastia de Herodes, o Grande, que governou os diversos territórios da Palestina a partir do ano 37 a.C. sob a suprema autoridade dos Imperadores de Roma (ver Lc 13,31-32).

ESCRITOS E COLECÇÕES DO NOVO TESTAMENTO

O Novo Testamento está integrado por 27 livros, divididos em vários grupos ou colecções de escritos: Quatro Evangelhos e Actos dos Apóstolos, Cartas de Paulo, Carta aos Hebreus, Cartas Católicas (Tiago, 1 e 2 de Pedro, 1, 2 e 3 de João, Judas) e Apocalipse de João. Trata-se de uma grande quantidade de livros, e de diferentes gêneros literários, o que torna mais difícil a sua compreensão. Por isso é feita uma breve Introdução a cada uma destas colecções.

A ordem acima referida é temática e pouco tem a ver com a cronologia. De facto, o escrito mais antigo do Novo Testamento é a Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses; e o Evangelho de João foi um dos últimos escritos a aparecer. Tais colecções, portanto, estão organizadas segundo a temática e o gênero literário.


COMO E QUANDO SE FORMARAM ESTAS COLECÇÕES?

Como dissemos, os discípulos de Jesus só bastante tarde resolveram escrever a sua mensagem. Primeiro, porque o Mestre não lhes apareceu como um escritor, mas como um mensageiro de Deus (Mt 28,16-20). Além disso, a primeira geração cristã vivia num ambiente escatológico, pensando que Jesus estava para vir, glorioso, «sobre as nuvens do céu», conforme a profecia de Daniel (Dn 7,13; Mt 26,64; Mc 14,62; 1 Cor 16,22; 1 Ts 4,17; Ap 22,20). Não admira, pois, que os primeiros escritos do Cristianismo sejam Cartas, destinadas a resolver problemas concretos de um determinado momento histórico das comunidades (1 Ts 4,13-18).

A necessidade de escrever a mensagem de Jesus veio do afastamento cada vez maior da sua fonte o próprio Jesus de Nazaré (Lc 1,1-4; Jo 20,30-31). A meados da década de 70, já não viveria a quase totalidade das «testemunhas oculares» que tinham visto o Senhor ressuscitado (Lc 1,2; 1 Cor 15,3-8). Esse distanciamento cronológico entre Jesus e as comunidades só poderia ser vencido pela palavra escrita. E assim se formaram as duas grandes colecções ou “corpus” das Cartas de São Paulo e dos Evangelhos.

Para a escrita da mensagem de Jesus e para a formação destas colecções muito contribuiu a autoridade dos Apóstolos, em nome dos quais esses textos foram escritos. Grande parte dos livros da Bíblia são pseudônimos, isto é, atribuídos a um personagem importante, para terem melhor aceitação perante o público. Nesse tempo não existia o direito de autor. Sobressai o caso do Apocalipse, de um profeta chamado João, que foi associado ao Apóstolo João. De outro modo, este livro teria tido ainda maiores dificuldades em entrar no Cânon dos livros inspirados.

Não podemos esquecer a relação entre o Antigo e o Novo Testamento, pois “Deus, inspirador e autor dos livros de ambos os Testamentos, dispôs sabiamente que o Novo Testamento estivesse escondido no Antigo, e o Antigo se tornasse claro no Novo (…). Os livros do Antigo Testamento, integralmente assumidos na pregação evangélica, adquirem e manifestam a sua significação completa no Novo Testamento, ao mesmo tempo que o iluminam e explicam” (DV 16).


Um comentário:

  1. Excelente e esclarecedor! Vale à pena ser estudado e debatido em grupos de estudo.

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