sábado, 30 de julho de 2016

A contemplação dos Mistérios da vida de Cristo e a Jornada Inaciana na Segunda Semana dos EE


A contemplação dos Mistérios da vida de Cristo e a Jornada Inaciana na Segunda Semana dos EE
Pe. Emmanuel da Silva e Araujo SJ.


1.    Os frutos esperados na segunda semana

Na 2S dos EE, atraídos pelo chamado do Rei Eterno, contemplamos os mistérios da vida de Cristo, vistos dentro de uma unidade. Em todos eles voltamos ao espírito do Reino, pois este concentra o chamado que ajuda a contemplar a vida de Cristo [91]. Crescendo na intimidade com Cristo vamos eleger o modo de servir a Deus, que é o nosso fim [169].

Podemos expressar os frutos esperados em três blocos:

a)    Acentua o chamado do Senhor (entendido Trinitariamente) à radicalidade no seguimento de Jesus, pois a vida cristã de compromisso na fé é iniciativa do Senhor e acontece como vocação e missão.

Para Inácio, a vida de Jesus é chamado. O primeiro fruto é que nos abramos conscientemente a esse chamado, de maneira decidida e apaixonada: “que não sejamos surdos, mas prontos e diligentes [91]

b)   Esse chamado somente se verifica em uma experiência de fé que leva a conhecer íntima e internamente a Jesus, amá-lo e segui-lo na construção do Reino do Pai, entregando-lhe a vida com toda confiança. Esse é o fruto contínuo que buscamos na contemplação dos mistérios da vida de Cristo.
   
c)   Se os frutos anteriores foram alcançados pelo exercício e pelo dom do Espírito, então será possível saber o que fazer na vida e como: a pessoa pode eleger as mediações que mais a conduzem a realizar sua vocação-missão.

2.   Algumas observações a partir da Contemplação Inaciana

a)    Palavra vem do latim (cuntemplum) = lugar sagrado onde os sacerdotes pagãos interpretavam os presságios e proferiam os AUGURIOS è tem um forte sentido de RECEPTIVIDADE  è  

b)   è O processo de transformação interior na 2S implica:

Ä Em que ele deixe a presença de Deus em Jesus Cristo passar através de si mesmo

Ä Que ele vá deixando refletir em si a imagem de Deus

Ä Na contemplação o exercitante se detém em Cristo, imagem única de Deus, que está no centro de sua existência. Ele é a imagem visível do Deus invisível. Isso é muito importante ter presente. Vivemos na civilização da imagem, na cultura da imagem. A publicidade injeta em nós pela porta dos sentidos um mundo de imagens, que nos dominam e nos condicionam.

Pela contemplação vamos deixar que Cristo entre em nós pela porta dos sentidos, para sermos impregnados por sua imagem. Contemplado nos EE o Senhor nos unifica, se faz carne em nós, atua em nós (cf. dec 2 CG 35 n 26).
 
Ä A contemplação é contato, na fé e no amor, de uma pessoa concreta com o Verbo encarnado em seus mistérios vivificantes, que se convertem em acontecimento salvífico pra essa pessoa. É um diálogo amoroso no Espírito, no qual o exercitante recebe o conhecimento interno de Jesus Cristo (e por meio dele do Pai e de seu amor infinito), que vai transformando o seu ser.
 
Ä Padre Nadal: “O Verbo de Deus é, no Espírito, a vida eterna; senti-lo, saboreá-lo e abraçá-lo no coração é o principal fruto da oração” (Apontamentos Espirituais, sec. 9, n. 515)
 
c)    Trata-se aqui de perceber que a imagem visível do Deus Invisível, refletida no íntimo da pessoa, vai transformando-a nessa mesma imagem: já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (Gl 2,20).

Desse modo, refletir sobre mim mesmo para tirar algum proveito significa que o exercitante vai acolher os reflexos que a contemplação provocou em seu interior. Trata-se de uma ação para tomar consciência do que se passou na contemplação e para aplicar à própria vida.
  
Isso é de fundamental importância, pois garante que a contemplação não seja uma fuga a vôos da imaginação e faz com que o exercitante perceba e assuma as moções que o levam a mais amar e seguir o Senhor que por ele se fez homem. 

d)   Mais que isso: a contemplação não é um simples método de oração que tem como objeto cenas da vida pública de Jesus, mas um estado de receptividade em que, pela imaginação orante conduzida pelo Espírito, o exercitante vai entrando no Mistério.
 
e)    Mistério: Inácio chama as passagens Evangélicas contempladas de Mistérios da vida de Cristo Nosso Senhor. Assim, esses Exercícios querem introduzir o Exercitante no Mistério de Cristo

Mysterion: literalmente significa o que está oculto (cf. cultos mistéricos, gnosticismo, etc.). No NT testamento o termo aparece 27 vezes e se refere, na maioria das vezes, à Revelação de Cristo a todos os povos. A Igreja latina chamou de sacramentos os mistérios celebrados. Assim, na Tradição Cristã, o sacramento-mistério passa a significar uma realidade que se revela à medida em que se celebra.

Inácio experimentou, na medida em que ia se entregando ao Verbo Encarnado pela contemplação, que as passagens evangélicas se abriam a ele em significados novos, revelação de uma dimensão profunda delas só acessível pela ação do Espírito. Ele se sentia convocado a entrar mais profundamente no Mistério.

3.   Algumas consequências dessas considerações
  
a)    A contemplação é um exercício fundamental para o conhecimento interno do Senhor e todos podem fazê-la, pois é ação do Espírito:

Ä O exercitante que tem maior dificuldade de imaginar bloqueia-se. Fazer ver que a dimensão imaginativa está presente na vida de todos. Todos lemos um bom livro imaginando a história. Todos temos uma capacidade impressionante para imaginar besteiras... todos podemos imaginar, cada um a seu modo
Ä Os mais racionais e lógicos: abrirem-se à dimensão mais afetiva da oração
Ä Os de imaginação mais fértil: não se perderem nas suas viagens.

 
b)   A contemplação inaciana tem dois pólos:

Ä O Cristo pobre e humilde, Senhor que por nós se fez homem. A graça a ser pedida nas contemplações é o conhecimento interno do Senhor [104]. O exercitante deve pedir intensamente essa graça, pois só assim ela será alcançada.
 
Ä O exercitante. Na medida em que vai contemplando o seu Senhor, vai se configurando à sua imagem e esvaziando-se de si mesmo. Á medida em que contempla o Cristo pobre e humilde e o conhece internamente, vai assimilando o sim contínuo do Filho à Vontade do Pai.

O exercitante, desse modo, é atraído por esse sim, de modo que ele também virá a descobrir a vontade do Pai para si, para mais amá-lo e segui-lo. Assim, o conhecimento interno do Senhor abre ao exercitante os horizontes de outro conhecimento: a descoberta do chamado particular de Deus para si.   

Assim, o movimento interno do exercitante não pode ser a busca da passividade para se elevar às alturas da Divindade, mas é de descida: trata-se de pisar os solos ensangüentados da história dos seres humanos feridos em sua dignidade de filhos e filhas de Deus, encarnando-se com Cristo pobre e humilde nessa história, como fiel servidor de sua missão.

Portanto, a contemplação dos mistérios da vida de Cristo está orientada para a eleição. Mais que simples oração, contém e revela o critério para a descoberta do serviço particular ao reino que vai ser dado por Deus ao exercitante e acolhido pelo mesmo.     
 
c)    Atenção ao fato de que contemplar os Mistérios da vida de Cristo é ver, ouvir, participar, é entrar em contato íntimo com a pessoa e as ações de Cristo. Não é estudar nem fazer exegese de textos.
 
d)   Muitas vezes o exercitante não consegue tirar fruto da contemplação porque não recebeu uma sã cristologia. Saber cristologia é essencial para ajudar no processo dos EE.

e)    No processo interno do exercitante, a consolação [316] é a linguagem de Deus para crescimento no conhecimento interno do Senhor: aquele que contempla deve buscar e deter-se naquilo que lhe dá mais gosto e fruto espiritual [2]

f)     Mas ele não está livre das desolações [317], que o purificam no processo de indenficação pessoal com o Cristo pobre e humilde. Por isso aqui não deverá omitir nem diminuir a oração, mas entregar-se mais a ela [13,319]. E mais ainda: não deve omitir as repetições mas voltar sobre aqueles pontos em que experimentou desolação [62,118].

g)   A desolação diante de um mistério da vida de Cristo pode também indicar resistência [176].

4.   A progressão na identificação com Cristo e na descoberta de seu chamado 

Para alcançar o grau de receptividade e despojamento esperado no fruto da 2S, é necessário um caminho progressivo, que se consegue principalmente pela contemplação e sucessiva identificação com a própria vida de Cristo.

Para Inácio, a contemplação da vida de Cristo é a substância desse conhecimento interno que vai transformando a vida do exercitante até a identificação profunda com este que é o modelo de disponibilidade à vontade do Pai. Para que o exercitante chegue ao máximo de disponibilidade, Inácio intercala com as contemplações três exercícios muito originais, preparando-o para a Eleição. Assim como Jesus chega à entrada de Jerusalém com sua eleição feita consciente e decididamente, o exercitante ao chegar ao pórtico da 3S deverá ter feito sua eleição.

A Jornada Inaciana é composta de três exercícios, precedidas de um preâmbulo para se considerar os estados [135]: tendo visto como Jesus viveu, começaremos a ponderar como será o nosso modo de viver.  


5.   Os Exercícios da Jornada Inaciana 


a)   Breve caracterização do contexto atual

O sociólogo polonês Zygmund Bauman chama os tempos atuais de tempos líquidos. Ele fala que vivemos na modernidade líquida, onde, na falta da solidez de fundamentos para a vida, nos deparamos com a incerteza e a insegurança. Nesse contexto, nossas identidades sociais, culturais, profissionais, religiosas e sexuais sofrem um processo de transformação constante, que vai do perene ao transitório à velocidade da luz e nos gera constante angústia. Da confusão dos valores dos tempos modernos nada escapa. Bauman afirma que tudo é líquido e que nessa sociedade “estar em movimento não é mais uma escolha: agora se tornou um requisito indispensável” [1]

Na modernidade líquida somos afetados de várias formas. A propaganda de consumo de massa gera necessidades e desejos que são supérfluos e constantes. Nossas relações tornam-se cada vez mais flexíveis, gerando níveis cada vez maiores de insegurança. Uma vez que damos prioridade a relacionamentos em redes, que muitas vezes não propiciam nenhum contato além do virtual, esses surgem e desaparecem com facilidade e rapidez. Torna-se difícil e, para muitos impossível, manter laços a longo prazo. A esse fenômeno, Bauman chama amor líquido[2].

As promessas de compromisso se tornam irrelevantes a longo prazo. Compromisso é uma conseqüência aleatória de outras coisas: de nosso grau de satisfação com os relacionamentos, com a missão, com a comunidade, com a Congregação/Instituto, com a Igreja... Muitas vezes nosso julgamento se dá com base no critério do investimento: vale a pena investir meu tempo, minha juventude, minha saúde, minhas possibilidades...??? A força do compromisso tem altas e baixas conforme a liquidificação de meus sentimentos na busca da satisfação que tem que ser sempre imediata[3].

“Nos compromissos duradouros, a líquida razão moderna enxerga a opressão; no engajamento permanente a dependência incapacitante. (...) Vínculos e liames tornam “impuras” as relações humanas, como fariam com qualquer ato de consumo que presuma a satisfação instantânea e, de modo semelhante, considerando obsoleto o objeto consumido”[4].
É interessante chamar a atenção às considerações recentes de Gilles Lipovetsky. Segundo ele, a expressão posmoderno era ambígua, desajeitada e vaga, por tratar-se de uma modernidade de novo gênero que tomava corpo, e que agora reaparece em primeiro plano ou com novos traços. O posmoderno já ganhou rugas e, atualmente, vive-se os tempos hipermodernos:

“hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperterrorismo, hiperindividualismo, hipermercado, hipertexto – o que mais não é hiper? O que mais não expõe uma modernidade elevada à potência superlativa? Ao clima de epílogo, segue-se uma sensação de fuga para adiante, de modernização desenfreada, feita de mercantilização proliferativa, de desregulamentação econômica, de ímpeto técnico-científico, cujos efeitos são tão carregados de perigos quanto de promessas” [5].

Tudo isso se verifica num cenário mundial globalizado. A política, a economia. a cultura, as instituições se redimensionam em escala mundial. Os meios de comunicação social alcançam cobertura planetária. Os referenciais já não são locais e particulares como no passado (a família, a comunidade, a cidade, nem sequer o país de origem), mas globais e universais. Busca-se construir uma cultura global, através da universalização de símbolos, representações, valores morais e estilos de vida hemisfério norte. Abre-se um fosso cada vez maior entre os ricos e os pobres.

Vivendo mergulhados nesse contexto, somos afetados pela realidade sócio-econômica e cultural. Sutilmente podemos fazer opções em que pensamos ser guiados pelo Espírito de Deus, mas na verdade estamos impregnados de valores que são contrários ao Reino de Deus e acabamos sendo movidos por nosso querer e interesse. Por isso temos que viver em constante discernimento. Os valores desse mundo vão se infiltrando sutilmente em nossos desejos, intenções e ações.

Em tempo de Exercícios, Inácio quer que estejamos livres e conscientes para fazer uma boa eleição e por isso tenhamos mais presentes as influências que o mundo exerce sobre nós. Nesse sentido, os exercícios da chamada Jornada Inaciana nos ajudam a preparar o coração para uma boa e sã eleição/reforma de vida: mesmo que estejamos mergulhando a fundo na contemplação dos mistérios da vida de Cristo, nossa liberdade é realmente livre para eleger?

Que amor realmente move meu coração: o que faço, o que vivo, o que decido, o que desejo é tudo puramente por amor de Deus ou estou sendo infiltrado pelos critérios de uma cultura individualista e narcisista que acabam me fazendo mover-me pelo meu próprio querer e interesse? Essa infiltração é descarada? Ou ela é muito sutil, discreta, encoberta, afetando pouco a pouco pequenas atitudes até que elas se tornem arraigadas e me afastem do fim para o qual eu fui criado?


b)  As Duas Bandeiras

“Na verdade, os desequilíbrios que atormentam o mundo moderno se vinculam com aquele desequilíbriio mais fundamental radicado no coração do homem. Com efeito, no próprio homem muiots elementos lutam entre si. Enquanto de uma parte, porque criatura, experimenta-se limitado de muitas maneiras, por outra parte, porém, sente-se ilimitado nos seus desejos e chamado a uma vida superior. Atraído por muitas solicitações, é ao mesmo tempo obrigado a escolher entre elas renunciando a algumas”. (GS 10)

O exercício apresenta dois projetos de vida que atrelam o sujeito à respectiva proposta, seja pelas amarras (Lúcifer) ou pelo convite (Cristo), de dois programas operativos – enquanto táticas e estratégias – e duas dinâmicas radicalmente antagônicas [143], com duas intenções contrárias [135-137]. O exercício é uma meditação que torna manifestos os valores reais que movem o exercitante no seguimento de Cristo [97-98]

Aqui encontramos uma polaridade radical: Jesus-Humildade e Lúcifer-Soberba. Cada um levanta sua Bandeira, ie, mostra seus valores, seu modo de proceder. Essa meditação se dirige principalmente ao conhecimento. Por isso é preciso pedir a Deus a lucidez para conhecer os enganos e a vida verdadeira. É disso que se trata no exercício das Duas Bandeiras.

O pedido da graça desejada deixa clara essa polaridade:


Ä Conhecimento, sentido e eficaz, da vida enganosa e egoísta que Lúcifer propõe sob a aparência de bem (NB: o modo de agir é típico de 2S) e ajuda para guardar-se dela.

Ä Conhecimento, sentido e eficaz, da vida verdadeira que Cristo mostra com seus exemplos e palavras e graça para imitá-lo e segui-lo [135,145,164]

Fruto esperado: esse conhecimento, fundamental para uma eleição livre.

Inácio manda imaginarmos o caudilho assentado em um trono de fumo e fogo em Babilônia e Cristo, numa bela planície em Jerusalém. Babilônia representa toda a estratégia de ação do ME em minha vida. Jerusalém representa a estratégia do BE. O caudilho envia seus seguidores para nos atar com redes e correntes. Sua ação apresenta uma vida aparente que é escravidão. Cristo envia seus seguidores para convidar a segui-lo no caminho da vida verdadeira.


A Bandeira da Apropriação


Simbolismo de Babilônia

Babilônia, na Bíblia, refere-se sempre ao poder do mal. A partir do séc VII, aparece como a cidade do mal e como AZOTE de Deus para castigar os pecadores e criar neles disposição para a conversão. Para o pequeno resto de Israel, convertido, é um desterro intolerável e uma morada perigosa (LP 492).

O exercitante deve perceber que no mundo e no seu processo interno continua presente e atuante o mistério maléfico de Babilônia.

Assento: lugar de soberba e ostentação
Aspecto: asustador, de quem ataca, domina e prende, dissimulado ao tentar


Simbolismo dos enviados

Inumeráveis demônios: como instrumentos e cúmplices de Lúcifer, usarão das paixões desordenadas do exercitante e do ambiente do mundo egoísta e pecador. Ninguém está immune à tentação.


Tática/ estratégia

Tentações a assumir coisas e caminhos escravizantes e enganosos, sob a aparência de bem, que fomentam as tendências naturais à apropriação, posse, reconhecimento social e independência. Despertam o desejo da posse, da preservação da auto-imagem e boa aparência, da auto-suficência.

Destinatários: todas as pessoas

Percurso

Persuadir sutilmente as pessoas pela escala ascendente do orgulho, em três degraus, que leva ao auto-centramento e ao desejo de apropriação:
Ä apegarem-se às coisas, começando pelas mais necessárias até chegarem às supérfluas, para que se tornem dependentes delas e se esqueçam pouco a pouco de Deus;
Ä para que deste modo se tornem vaidosas, pensando que seu valor está nas coisas que possuem;
Ä finalmente se tornem soberbas, acreditando que na realidade não necessitam de Deus, e que as demais pessoas não precisam ser respeitadas em sua dignidade, mas podem ser manipuladas e utilizadas.

A cobiça por riquezas facilmente leva à ambição de poder, junto com uma busca insaciável de honras e prazeres e assim, em conseqüência, se chega a uma tremenda soberba. E a partir destes três degraus se chega a todo tipo de vícios e corrupção.

Para conseguir tal fim vão lançar redes e atar com correntes = coação, prendendo e tirando a liberdade


A Bandeira do Dom

Simbolismo de Jerusalém: a Cidade da Paz

Assento: lugar humilde
Aspecto: bonito e gracioso: simples, franco, atrativo, amoroso, afável e amável

Simbolismo dos enviados

Cristo escolhe tantas pessoas, apóstolos, discípulos, todos os seus servos e amigos


Tática/ estratégia

Envia a anunciar sua doutrina, a ajudar a trazer as pessoas, a convidá-las a se identificarem com Cristo na sua Kénosis, encarnando-se na história para salvar a humanidade.

Destinatários: Todo o mundo, todos os estados de vida e condições de pessoas [146]

Todos aqueles que queriam militar para Deus sob o estandarte da Cruz (...) e servir somente ao Senhor e a sua esposa a Igreja (Fórmula do Instituto)

Percurso

Os três grandes marcos do projeto de Jesus são apresentados na escala descendente da humildade, que conduz ao máximo de despojamento e descentramento, agindo contra a pulsão de posse e configurando a vida na perspectiva do dom.  São eles:

Ä desapego das coisas diante da ânsia por riquezas, amando mais a simplicidade e a pobreza, compartilhando o que sou e tenho em lugar de acumular;
Ä disposição para sofrer incompreensões, injúrias, desprezos e perseguições, diante do desejo desmedido de honra e prazer presentes neste mundo; ser muito livre diante de tudo;
Ä dependência e confiança absolutas em Deus, humildade, diante da soberba deste mundo.

Destas três atitudes nascem todas as virtudes, que levam a trilhar os caminhos do Reino de Deus no serviço e no amor. Assim, com Jesus, será possível construir neste mundo uma comunidade de irmãos e irmãs.
Cristo recomenda a seus servos e amigos que queriam ajudar a todas as pessoas trazendo-as à sua Bandeira. Ele não coage ninguém, mas respeita a liberdade. Atua abertamente, respeitando a decisão de cada pessoa.


Algumas perguntas que podem ajudar o exercitante a se situar


1.    O coração é um campo de luta entre o bem e o mal. São duas forças presentes e atuantes. Quais são minhas motivações mais profundas para fazer uma opção: é para o dom ou para a apropriação?

2.    Quais são minhas Jerusaléns (relações, espaços, lugares, bens...) onde cresço? Como normalmente se apresentam em mim as moções? Quais as mais fortes no passado? E neste retiro? Como tocam minhas feridas para curá-las? Qual a tática do BE em mim? Por onde começa, onde me leva? Qual o caminho/estratégia do BE em mim?

3.    Quais são minhas Babilônias (lugares, relações, espaços, coisas...) onde o mau espírito se assenta e muitas vezes eu não percebo ou não acredito? Os enganos e artifícios mais fortes no passado? E neste retiro? Como se impõe sobre mim? A que estou sutilmente ou descaradamente atado (pessoas, coisas, situações, idéias...). Por onde entra o ME em minha vida, por onde segue, onde termina? Como reajo? Compactuo? Qual o caminho/estratégia do ME em mim?



c)   Os Três Binários (Três classes de pessoas)  

Nas Duas Bandeiras procuramos conhecer esta teia de condicionamentos. Santo Inácio fala que o inimigo da natureza humana envia seus seguidores a lançar redes e correntes para imobilizar as pessoas, obrigando-as a marchar sob sua bandeira. Nós já conhecemos esta bandeira e como ela se manifesta. Agora vamos descobrir quais são estas redes e correntes, que podem ser identificadas com os nossos apegos, nossas ataduras internas, nossos auto-enganos, nossas resistências.

Inácio percebe que não basta conhecer os condicionamentos, se o coração estiver atado por apegos. Antes de fazer a eleição é preciso verificar se estou livre para renunciar àquilo que sei me afasta de Deus e de seu Reino e acolher o que me aproxima desta meta. Este é um exercício para sentir estas tensões entre o bem e o mal que percebi estarem presentes na história e na minha própria vida.

Se nas 2 Bandeiras procuramos conhecer as influências do mundo exterior sobre nós que condicionam afetam nossa liberdade interior, aqui trata-se de descobrir como essas  amarras interiores condicionam nossa liberdade em relação às coisas exteriores. São propostos três dinamismos de vida que revelam três atitudes possíveis diante da decisão de desprender-se de algo. Com qual personagem me identifico mais?  

Finalidade: Criar no exercitante um estado de liberdade ou indiferença ativa e apaixonada, para que Deus possa manifestar sua vontade, fazendo-o sentir e conhecer sua Vontade [175-177], a fim de que seu motivo último de decisão seja exclusivamente o maior serviço de Deus. O que este exercício quer dizer é: se eu não tenho uma relação de liberdade afetiva com aquilo que não é Deus, livrando-me da necessidade de colocar minha segurança emocional em outros objetos de desejo, não chegarei a pôr em prática e a viver aquilo que compreendi.

Acontece que posso até saber que algo não é Deus em minha vida, mas esse não-deus me oferece algum tipo de segurança ou ganho que não permite que a vontade seja mobilizada para eu me desatrelar dele. Assim, o que está em questão aqui são três classes de vontade ou três graus de liberdade diante da tendência natural à segurança proporcionada pela apropriação. Essa é a característica do movimento interior do exercitante nesse momento.

Graça Pedida [152]: Trata-se de pedir que minha vontade queira ver-se livre de todo apego e se decida a eleger somente o que mais conduz ao fim para o qual fui criado.

A parábola

Diante de um objeto, 3 tipos de pessoas:


1o Tipo - Vontade inconsistente, que sempre adia ilusoriamente a tomada de posição: quereria tirar o afeto do objeto, mas morre sem concretizar o querer. Adia sempre a solução e nunca coloca os meios. Ele já sabe do apego (já fez a meditação das 2 bandeiras), mas não quer abrir mão dele. O exercitante manifesta um desejo de seguir o Caminho, mas não abre mão de nada para isso. É uma posição interior que revela de maneira evidente que o sujeito não é livre.

Ä Jovem Rico, o paralítico de Betesda (Jô 5), o filho mais novo da parábola: eu vou senhor... (MT, 21-30)

2o TipoVontade mediatizada, que sempre busca tomar posição regateando com Deusquer tirar o afeto desordenado, mas sem abrir mão do objeto. Se Deus lhe aponta um caminho a seguir ele se dispõe, mas dará um jeito de levar junto o objeto de afeto. Seu seguimento nunca é pleno, mas cheio de reservas. Não será capaz de assumir todas as conseqüências de seguir o Caminho.

Esse tipo é mais sutil e exige muita atenção para ser ajudado. O exercitante esta disposto a colocar qualquer meio, desde que não se toque na questão da renuncia efetiva daquele determinado objeto de apego.

Ele estará sempre se esforçando por unir dois extremos irreconciliáveis: a segurança de possuir seu objeto e a paz que nasce do abandono total a Deus. Evidentemente nunca terá paz total, porque estará sempre em alerta na defesa contra qualquer coisa que sinta como ameaça a seu apego.

Ajudar esse tipo é um grande desafio e exige muita atenção. Trata-se de um auto-engano em que ele acredita que é livre, mas na prática acomoda e manipula a vontade de Deus em função de sua própria vontade. A força afetiva da dependência do objeto deforma a percepção da realidade.

A defesa do objeto possuído se dá por mecanismos de racionalização: a pessoa constrói uma argumentação sólida desde o ponto de vista lógico que é capaz de convencer a muita gente da necessidade de ela possuir esse objeto consigo para o bom desempenho da missão pedida por Deus. Ela acredita que está se deixando conduzir por Deus, mas na verdade é ela que se conduz a si mesma.

Ä Permita-me enterrar meu pai... (Lc 9, 59-62), Pedro, que seguia Jesus de longe (Mc 14)


3o Tipo - Vontade disponível, sincera, livre e pronta: de tal modo tira o afeto do objeto possuído que é livre e está de prontidão para querer o que Deus quer (indiferença).   
        
Ä Abraão, Maria, Zaqueu, Estevão


d)  Os três graus de humildade

Esse exercício é uma consideração, feito em vários momentos do dia, com os três colóquios. Os Diretórios o apresentam como preparação para a eleição, que deve ser feita com o exercitante tendo o coração marcado pelo fruto desse exercício.

Se o exercício das 2 Bandeiras pretende iluminar a inteligência e o dos 3 binários pretendem estimular o afeto, esse articula inteligência e vontade num impulso cada vez maior para a identificação com Cristo, máxima Revelação do ser de Deus. Cristo se dá por amor a nós, a tal ponto que sua humildade extrema se converte em humilhação. Para Inácio, a união de inteligência e vontade dá forma ao amor, que implica necessariamente na reciprocidade entre aqueles que se amam na efetividade dos atos [230-231].  

Desse modo, pela conmsideração e pedido da graça, o exercitante vai dinamizar sua liberdade deixando absorver por uma nova paixão: o seguimento de Jesus até a identificação máxima com ele.

Aqui um grande risco é o exercitante ver esse exercício como a apresentação de um grau mais elevado de virtude ou perfeição a ser vivido por amor a Deus e assumir uma atitude moralista e voluntarista que leva ao narcisismo, à soberba, à auto-suficiência, mas não a uma sã eleição.

Ser livre não é fruto de um esforço voluntarista, mas descentralizar-se por um novo amor. Inácio, grande conhecedor do ser humano, é consciente de que não se muda um objeto de amor se um novo objeto de amor não entra para possibilitar o redirecionamento das energias afetivas. No esquema inaciano, este objeto que canaliza os afetos é Jesus. A paixão por Deus e seu Reino é que vai unificar nossos afetos.

Assim, o que deve brotar no interior do exercitante nesse exercício é uma disposição afetiva ardente para a eleição daquilo que mais o identifica e configura com o Cristo pobre, humilde e humilhado.   

Por isso atenção: não se trata de assumir o texto ao pé da letra, elegendo o pior na vida para sofrer por Cristo. Eleger algo ruim seria moralmente mal e insano, seria doentio e pecaminoso. As coisas depreciáveis não podem ser eleitas por si mesmas. Trata-se de eleger o melhor: estar com Cristo e identificar-se com ele. E se para isso eu tenho que passar pela cruz, passarei com amor e por amor.

O cristão não elege complicações na vida. Ele elege Jesus e o Reino. Mas seguir a Jesus nos caminhos do Reino é andar na contra-mão da história. Por isso tem Cruz no caminho do discípulo: quem anda com Jesus na contra-mão complica sua vida; é conseqüência do seguimento, anunciada pelo próprio Jesus. A cruz não tem sentido por si mesma, mas somente como conseqüência do seguimento de Cristo, da opção pelo melhor. 


6.   Bibliografia do texto

Esse texto se baseia em notas pessoais, na bibliografia em algumas notas de rodapé que não será repetida aqui e na que se segue. Dos autores que seguem são feitas citações no corpo do texto sem preocupação de indicar a fonte.

ARZUBIALDE, SANTIAGO. Ejercicios Espirituales de S. Ignácio – Historia y Análisis. Bilbao-Santander: Mensajero-Sal Terrae, 1991, pp 217-416
BARREIRO, ÁLVARO. Contemplar a vida de Jesus – Prática e frutos. São Paulo: Loyola, 2002.
CODINA, V. Estructura inciática de los Ejercícios, in Manresa, 49 (1977) 291-307.
DOMÍNGUEZ MORANO, CARLOS. Psicodinámica de los Ejercicios Ignacianos. Bilbao-Santander: Mensajero-Sal Terrae, ????, pp 181-199.
FIORITTO, M. Buscar y hallar La voluntad de Dios – Comentário práctico a los Ejercicios Espirituales de San Ignácio de Loyola – Tomo II. Buenos Aires: Ediciones Diego Torres, 1988, pp. 9-36; 155-268.
LEWIS, JAQUES. Conocimiento interno de los Ejercicios Espirituales de San Ignacio. Santander: Sal Terrae, 1987, pp. 167-187; 216-227.
MELLONI, J. La mistagogia de los Ejercicios. Bilbao-Santander: Mensajero-Sal Terrae, ????, pp 161-196.
TEJADA, D. LÓPEZ. Los Ejercicios Espirituales de San Ignácio de Loyola – Comentário y textos afines. Madrid: EDIBESA, 1998, pp. 382-609.









[1] Cf. BAUMAN, ZYGMUND. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, capa.
[2] Cf. id. Amor líquidosobre a fragilidade dos laços humanos. Zahar: Rio de Janeiro, 2003.
[3] Cf. id. Amor Líquido, pp. 28-29
[4] Ibid p. 65
[5] LIPOVETSKY, G. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004, pp. 52-53.

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