quinta-feira, 29 de setembro de 2016

1ª e 2ª Carta aos Tessalonicences


Carta aos Tessalonicenses

É a partir da sinagoga (Act 17,2) que Paulo inicia, com bons frutos, a evangelização de Tessalónica; mas a hostilidade judaica obriga-o a interrompê-la bruscamente (Act 17,5-9). Por isso, o Apóstolo deixa uma comunidade apenas constituída, sujeita às seduções do paganismo de que proveio, na sua maioria (1,9) e à perseguição. Daí a inquietação que manifesta pela sorte dos crentes (2,17; 3,1.5).

CONTEXTO

Com os seus companheiros, Paulo parte para Bereia; e depois, sozinho, para Atenas e Corinto, onde se lhe vêm juntar Silas, ou Silvano, e Timóteo (Act 18,5). Timóteo, entretanto, tinha sido enviado a Tessalónica (3,1) e traz boas notícias. É neste contexto que é escrita a 1.ª Carta aos Tessalonicenses, provavelmente de Corinto e entre os anos 50 e 52.

TEOLOGIA

A nível cronológico, esta carta é o primeiro escrito do Novo Testamento, facto que lhe confere uma particular importância. É uma carta colegial, quanto ao remetente e às características gerais (veja-se o uso do plural), e eclesial, nos seus destinatários e na sua função (5,27); prolonga a obra da evangelização, que não é de um só, mas colectiva.

A tonalidade dominante é pastoral: não há polémica, nem erros a corrigir. Com profundo reconhecimento a Deus por tudo o que Ele realiza, Paulo encoraja os cristãos a progredir. Revela uma grande intensidade afectiva, que é recíproca entre os missionários e os crentes. Nela sobressaem a gratidão, o entusiasmo, a confiança, a solicitude como de mãe e pai (2,7-8.11). E comunica ao leitor a generosidade e a grandeza de alma dos tempos iniciais, de fundação.

DIVISÃO E CONTEÚDO

I. Acção de graças (1,2-3,13), em 3 secções:
Saudação inicial (1,1)
Acção de graças pelo trabalho dos missionários e pela resposta dos tessalonicenses (1,2-2,16).
Missão de Timóteo, cujo êxito suscita reconhecimento a Deus (2,17-3,10).
Voto final (3,11-13).
II. Prática cristã «no Senhor Jesus Cristo» (4,1-5,24), em 4 secções:
Dois aspectos fundamentais da vida cristã: santificação e caridade (4,1-12).
Dois aspectos da expectativa escatológica: os mortos antes da parusia e o Dia do Senhor (4,13-5,11).
Outros conselhos úteis à vida cristã (5,12-22).
Voto final (5,23-24).
Saudação final (5,25-28).




Carta aos Tessalonicenses

A autenticidade da Segunda Carta aos Tessalonicenses é problemática. Por um lado, registam-se numerosas semelhanças literárias entre 1 Ts e 2 Ts; há versículos que quase se repetem: 1,2-3 e 1,3; 2,12 e 1,5; 3,13 e 1,7; 3,11-13 e 2,16-17; 2,9 e 3,8; 5,23 e 3,16; 5,28 e 3,18. Por outro lado, o tom da 2 Ts é menos apaixonado, mais solene e, sobre a vinda do Senhor (2,1-12), a perspectiva parece oposta: em 1 Ts seria considerada iminente, enquanto a 2 Ts se concentra nos sinais que devem precedê-la. Como estes ainda não aconteceram, o Dia do Senhor não estaria próximo. Estas diferenças, consideradas fundamentais por alguns, são por outros explicadas como complementares. Tratar-se-ia de dois aspectos coexistentes e não opostos na apocalíptica judaica.

ÉPOCA E AUTOR

Para os defensores da sua autenticidade paulina, a 2 Ts teria sido escrita pouco tempo depois da 1 Ts e propor-se-ia corrigir interpretações erradas que a 1 Ts teria suscitado na comunidade. Para os que a consideram não autêntica, 2 Ts seria bem posterior (anos 70) e teria um autor desconhecido, o qual, servindo-se da 1 Ts, procuraria afrontar e corrigir o clima de euforia e de psicose apocalíptica, provocado talvez pela guerra judaico-romana de 66-70.

A questão da autenticidade não retira, porém, importância a este escrito, que é uma advertência à Igreja de todos os tempos contra a tentação de aguardar o futuro sem se empenhar em construí-lo no presente.

DIVISÃO E CONTEÚDO

A Carta tem as partes seguintes:
Saudação inicial: 1,1-2;
I. Deus, conforto na tribulação: 1,3-12;
II. A vinda do Senhor: 2,1-3,5;
III. Vida desordenada e inactiva: 3,6-15;
Saudação final: 3,16-18.



quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Carta aos Colossenses




Carta aos Colossenses

Colossos era uma pequena cidade da Ásia Menor situada junto de Hierápoles, entre Éfeso e Laodiceia. Parece que nunca foi visitada por Paulo. O fundador desta igreja foi Epafras (4,12), discípulo de Paulo. A ela pertenciam Filémon, destinatário de uma Carta-bilhete a propósito do escravo Onésimo (Flm), e Arquipo (4,17).

O problema dos anjos, a que se alude na introdução da Carta aos Efésios, também era aqui muito vivo. Esta Carta segundo parece, cronologicamente anterior à dos Efésios dá uma primeira resposta paulina a esse problema. As qualidades, os poderes e as funções que os judeo-gnósticos atribuíam aos anjos, atribui-os Paulo ao Cristo-Cósmico, que tem a primazia em toda a criação e é Filho de Deus por natureza.

DESTINATÁRIO

A Carta foi dirigida aos cristãos de Colossos durante o primeiro cativeiro de Paulo (4,3.10.18), na última parte do seu ministério (61 a 63). A comunidade de Colossos tinha saído do paganismo e não era conhecida pessoalmente pelo Apóstolo, embora fosse fundada por um discípulo seu. A novidade do vocabulário e dos temas desta Carta manifestam a sua originalidade em relação às outras Cartas paulinas, o que se pode explicar pela novidade do meio ambiente da comunidade de Colossos, ou por a Carta não ter sido escrita directamente por Paulo.

DIVISÃO E CONTEÚDO

O conteúdo da Carta é o seguinte:
Introdução: 1,1-23;
I. O Evangelho de Paulo: 1,24-2,5;
II. Fidelidade ao Evangelho: 2,6-23;
III. Viver segundo o Evangelho: 3,1-4,6;
Conclusão: 4,7-18.

TEOLOGIA

Os cristãos de Colossos viam-se tentados a seguir as crenças esotéricas, um misto de elementos pagãos, judaicos e cristãos. Estas crenças atribuíam muita importância às forças cósmicas, ao poder dos anjos e de outros seres que se entrepunham entre Deus e os seres humanos e influenciavam o destino de cada pessoa.

Tais doutrinas e o recurso a práticas supersticiosas (2,16-23), preconizadas por mestres “heréticos”, levaram Paulo a proclamar Jesus Cristo como único e universal mediador entre Deus e o mundo criado. Nele se celebrou a vitória sobre esses poderes, à qual os cristãos se associam pelo baptismo (2,6-15), que é fundamento da liberdade cristã face a toda a sujeição (2,16-3,4).

A fé em Cristo morto e ressuscitado é o único caminho que conduz à sabedoria e à liberdade. Os cristãos, despojados do homem velho e revestidos de Cristo, pelo baptismo, nasceram para novas relações humanas baseadas na fraternidade (3,5-15).



segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Carta aos Filipenses


Carta aos Filipenses

Filipos era uma cidade situada ao norte da Grécia, que Filipe II da Macedónia, pai de Alexandre Magno, agregou ao seu reino, dando-lhe o seu próprio nome. Antes, chamava-se Krénides (ver Act 16,12). Paulo chegou a Filipos nos anos 49 ou 50, com Timóteo, Silvano e Lucas. O mesmo Lucas, nos Actos (Act 16,1-40), faz a narração do facto na primeira pessoa do plural, como um dos intervenientes nele.

COMUNIDADE

Foi em Filipos que começou a evangelização da Europa. Os judeus, sendo poucos, não possuíam aí uma sinagoga, mas apenas um lugar de oração. Lídia, que Paulo baptizou, fazia parte deste grupo. Formou-se aí uma pequena comunidade, sobretudo de origem pagã (Act 16,11-40; 1 Ts 2,2).
Esta comunidade sentia-se particularmente unida a Paulo; dela recebera o Apóstolo dons (4,15; 2 Cor 11,8-9), não obstante insistir no trabalho gratuito (1 Cor 4,12; 9,15; 2 Cor 11,7-9; 1 Ts 2,9; 2 Ts 3,7-9). Quando soube que ele fora preso, em Éfeso ou em Roma, organizou uma colecta e enviou-lhe Epafrodito para a entregar a Paulo. Epafrodito, porém, caiu doente, o que causou preocupações em Filipos. Paulo, logo que a doença o permitiu, reenviou-o a Filipos, com esta Carta (2,25-30).

DATA E LOCAL

Esta é, pois, com Cl e Flm, uma das Cartas do Cativeiro. Parece ter sido escrita em Roma (Act 28,16.30-31); no entanto, poderá ter sido escrita num outro qualquer cativeiro (2 Cor 11,23; ver 1 Cor 15,32; 2 Cor 1,8). «O pretório», de 1,13, não prova que Paulo tenha escrito a Carta em Roma, pois esse termo designava também a residência dos governadores romanos (Mt 27,27 nota; Mc 15,16; Jo 18,28-31 nota). O mesmo se diga da «casa de César» (4,22). O cativeiro pode, pois, ter sido em Éfeso, onde passou dois anos (Act 19,8-10). Se foi escrita nesta cidade, a Carta seria dos anos 56-57; se foi escrita na prisão de Roma, teria sido nos primeiros meses de 63.

DIVISÃO E CONTEÚDO

O conteúdo da Carta é o seguinte:
Introdução: 1,1-11;
I. Prisão de Paulo: 1,12-26;
II. Deveres da comunidade: 1,27-2,18;
III. Solicitude pela comunidade: 2,19-3,1;
IV. O Apóstolo, modelo da comunidade: 3,2-4,1;
Conclusão: 4,2-23.

TEOLOGIA

Esta Carta não tem um pensamento teológico organizado. No entanto, sobressaem algumas doutrinas: a comunhão fraterna entre a comunidade e o Apóstolo. Apesar de estar preso, Paulo vê nestes acontecimentos dramáticos uma fonte de esperança para o anúncio do Evangelho.
Por seu lado, os Filipenses deverão ser fiéis a Cristo perante os falsos mestres, imitando Paulo (3,2-11). Para exortar os cristãos, o Apóstolo cita-lhes um hino a Cristo, servo sofredor (Is 53), mas que Deus fez Senhor de toda a Criação (2,6-11). Uma característica fundamental desta Carta é o tom afectuoso, que perpassa todo o texto.




domingo, 25 de setembro de 2016

A Quarta Semana nos EE - III

O SIGILO DO EVENTO PASCAL


“Secreta Ressurreição”; noite, solidão, ausência,  ninguém, nenhuma testemunha: é PÁSCOA!
Nenhum traço a não ser uma pedra removida, uma cova vazia;
Nenhum sinal, a não ser o silêncio, o silêncio eloquente dos grandes inícios,
luz virginal de uma aurora sempre nova: é madrugada pascal!
“Sigilosa Ressurreição”, transparente como fonte cristalina; transbordante gratuidade-graciosidade;
“discreta cáritas” do Amor que se aproxima sem jamais possuir;
logo, porém, que se deixa sentir à brasa que acende o coração, derruba as dúvidas, suscita esperança e aura de liberdade.
Luminosa e máxima pobreza: nada para ver, tudo para crer.
O Ressuscitado, aliás, não tem nada para mostrar senão suas chagas cicatrizadas como manifestação da glória de Deus.
As aparições de Jesus são tão discretas, destituídas de triunfo, imunes de revanche sobre a Cruz que ninguém o reconhece.
“Misteriosa Ressurreição” que apenas se deixa decifrar no íntimo de uma experiência de despojamento,
onde há lugar para uma nova visão dos acontecimentos e de sua interpretação.
“Secreta Ressurreição”  porque ela não se impõe a partir do exterior, como um acontecimento
que todos podem constatar. Ela é uma fonte de vida que nos atinge no interior.

Na 4ª Semana dos Exercícios, S. Inácio entra de cheio no assunto: “Recordarei...” (EE. 219).
Essa é a palavra que abre a 4ª Semana. Isso é significativo.
      “Recordarei...”, isto é, passarei de novo no meu coração a figura de Jesus morto na Cruz... e ressuscitado.
       Re-cor-dar: visitar de novo aquilo que o coração guardou.
Não se trata de uma composição de lugar como as das semanas precedentes para prender o imaginário, pois, na 4ª Semana, ele seria incapaz de criar uma imagem.
Somente um coração humilde, em exercício de recordação pode ser tocado pela presença do Ressuscitado, presença envolvente de uma infinita e doce ternura.
           Memória do coração, memória de comunhão que atua e atualiza a proximidade de Jesus vivo, vencedor da morte, tal como os apóstolos puderam sentí-la, tocá-la e nunca calá-la (At. 4,20).

Recordação, vibração, presença no orante de realidades que escapam às categorias de tempo e de espaço; realidades que ganham vida num coração desapropriado, amorosamente e alegremente pobre para acolher o Outro. Sem despojamento não há comunhão possível.
                      Neste sentido, o recordar recolhido visibiliza o Invisível.
                      E, quando a memória leva ao coração a pessoa de Jesus Ressuscitado, a lembrança torna-se participação, capacidade de amar e ser amado, a partir deste lugar em cada um de nós, onde o Ressusciado se faz logo Ressuscitante.
                      Engajar a nossa vida sobre a memória viva do Ressuscitado, de suas palavras, de seus gestos; entregar-nos à energia irreversível que inspira, ampara, consola, vence as lutas cotidianas é  acolher a Vida plena, alegria plena num caminho de chão.

O poder da Ressurreição dá realização plena ao “comigo” do Reino, que supõe o abandono de todos os outros “com”  que nos iludem, nos dividem e nos dispersam.
        Saborear os “santíssimos efeitos”  da “santíssima Ressurreição”  lançam o exercitante numa grande aventura que arranca suas posses e pertences inúteis.
        Precisa partir sem nada, a não ser a invencível esperança que, a cada manhã, se renova.
Viver a Ressurreição é “penetrar no coração do mundo até aquele ponto onde tudo é um e para onde tudo converge na diferença” (Teilhard de Chardin).

Na 4ª Semana, S. Inácio confere a Jesus Ressuscitado “o ofício de Consolador”: presença que envolve, que dilata o coração com uma alegria tranquila e profunda.

A consolação é movimento que abrasa o coração no amor do Senhor, aumenta a esperança, a e a caridade, produz a alegria e fascina pelas coisas celestes (EE. 316). Pode-se notar que se trata de movimento, isto é, de uma realidade dinâmica, de  um impulso interior visando começos novos.

O “aumento de esperança” precede o da e da caridade.
Esperança é, ao mesmo tempo, premissa e conteúdo da consolação: faz surgir um desejo, fortalece um passo hesitante, abre um caminho, alarga o horizonte; nela tudo renasce, se dilata e emerge em direção à  luz; incandescência súbita na noite; chave encontrada para a porta fechada... todo esse borbulhar  no coração do exercitante traduz o movimento esperançoso a produzir a consolação.

A consolação que Jesus Ressuscitado oferece cria aquilo que promove. Ele confirma no progresso e comunica alegria e gozo espiritual àqueles que  se comprometem a seguí-lo e serví-lo.
       Consolar”: sua raíz bíblica significa “respirar com o outro”.
                            Isso evoca logo a proximidade, a identificação com o Jesus Ressuscitado; fazer-se próximo, “como amigo”, de quem é consolado, comungando do seu sopro vital, no silêncio atento que dispensa toda palavra.
                            Ela supõe também uma kénosis do Consolador para eliminar a distancia a fim de viver o comum respiro.  No ponto tangente dos dois sopros conjugados, passa o único sopro consolador, o Espírito  que Jesus entregou à sua Igreja.
                            O sopro de Jesus simboliza o Espírito (em hebraico “ruah”, vento, sopro) que Ele envia, princípio da Nova Criação.
                            O “comigo” do convite do rei adquire aí seu ponto culminante no dom supremo do Espírito de Consolação.

Graça a ser pedida: que se realize em nós, como o itinerário da fé pascal dos discípulos, a passagem da ausência para a presença, da incredulidade para a fé, da desolação e da tristeza pela ausência de Jesus para a alegria do reencontro com
                                    Ele, agora ressuscitado;
                                  - a graça de conhecer e acolher a novidade do Ressuscitado e da nossa relação pessoal com Ele;
                                  - a graça de receber o dom da “vida eterna” e a graça de realizar a missão de anunciá-lo aos que ainda não o viram e não creram.

As aparições: “Jesus aparece como quer ser visto”.
O propósito das aparições não é insistir em um fato nem demonstrá-lo. É curar, reconciliar.
Cada uma das aparições de Jesus é para restabelecer uma relação, confirmar um elo de confiança, tocar e curar um coração partido.
O modo e a maneira das aparições de Jesus conformam-se às necessidades dos que vêm a reconhecer quem Ele é. “Jesus aparece como precisa ser visto”.
Seu modo de aparição adapta-se em cada caso à angústia individual nos corações e nas mentes daqueles(as) a quem Ele aparece.
Maria de Mágdala está inconsolável pela perda do corpo de Jesus. O túmulo já não é local para prantear,  mas se tornou local de amarga ausência. Jesus elimina essa ausência com um senso bastante físico de presença.
Os dois discípulos na estrada para Emaús tinham perdido a esperança e estavam fugindo de Jerusalém. Jesus inflama-lhes os corações, e eles voltam correndo para a cidade santa a fim de contar aos onze discípulos. O próprio Jesus aparece e traz paz e perdão para os discípulos atribulados e compungidos na sala do andar superior. Tomé é conquistado pela ternura e pela clemência de Jesus, ao convidá-lo para que tocasse suas chagas.

As aparições de Jesus não foram meras oportunidades de provar que Ele ressuscitara dos mortos nem de manifestar sua divindade. Elas guardam dentro de si os esforços de Jesus para operar a reconciliação na vida de seus desalentados discípulos que ficaram traumatizados com sua morte. Pelo poder da Ressurreição, Ele se deixou “ver” como cada um dos discípulos precisava vê-lo.

Textos bíblicos:  

1) Jo 20,19-29           
2) Ez. 37,7-14            
3) Ez. 36,22-29        
4) Jo. 1,31-34
5) Jd. l6,13-18           
6) Gen. 1,2 e 2,7        
7) Jo. 19,28-30

sábado, 24 de setembro de 2016

A Quarta Semana nos EE - II


APARIÇÕES DO RESSUSCITADO


1. A iniciativa é do Senhor. É Ele que vem.
                                                                            
É Jesus que aparece e, ao exercer o “ofício de consolador” (EE. 224), vai vencendo as resistências, temores, dúvidas... dos discípulos. Todos eles passaram por uma crise profunda (grande desolação e tristeza). É nesta situação que Jesus se revela e os discípulos experimentam de maneira mais patente a força da Ressurreição.
Jesus leva-os a compreender o sentido da morte; tudo tem sentido, tudo é plenificado. Lentamente vai se  realizando uma Ressurreição no coração de cada um deles.

2. Jesus escolhe seus amigos como testemunhas da Ressurreição.
                                                                                               
É a fidelidade de Jesus a seus amigos. Aqueles(as) que se encontram com Jesus ressuscitado pertencem todos a seu círculo. De alguma maneira esta experiência implica o discipulado, o seguimento.
Ser testemunha: não é só aquele que viu alguma coisa e que dá fé que viu, mas é aquele que se empe-
                            nha pessoalmente por aquilo que viu e compreendeu.
Testemunhas de quê? O testemunho dos discípulos refere-se à pessoa de Jesus (sua vida, prática...)
                                      antes de serem testemunhas de um projeto, de uma idéia, de algo a construir.
                                      Para testemunhar é preciso antes ter convivido com Jesus.

3. Modo da aparição
                                
Nada de apocalíptico ou extraordinário. Jesus revela-se na vida de cada um; entra na história de cada um e vai transformando-a.
Revela-se a cada um segundo o que cada um é: diálogo com Maria Madalena, discípulos de Emaús...
Ele está “no meio deles”.

4. É esta a presença de Cristo em nós, na nossa história pessoal.
                                                                                                                     
É Ele que vivifica, trans-forma e dá sentido à nossa vida; comunica-nos seu Espírito que nos leva à prática do amor e do compromisso. A Ressurreição é horizonte que plenifica nosso cotidiano, os pequenos atos e gestos...

O Ressuscitado é o “centro” da experiência dos Exercícios.
Esta presença só pode ser compreendida, experimentada e vivida a partir da :
                       * que nos faz reconhecer Sua presença nova na ausência física.
                       * que nos faz compreender plenamente que Cristo e sua Missão é uma mesma reali-
                               dade que se faz presente no mais profundo de nós mesmos e nos compromete
                               num novo estilo de vida.

Trata-se de uma Presença que ultrapassa o espaço e o tempo.
- Presença que se faz próxima de todo e qualquer ser humano.
- Presença que nos faz ser uma presença transformante.
- Presença que se faz atuante onde se vive as atitudes do mesmo Jesus.
- Presença viva naquele que Ele envia como seu representante.

Presença que se manifesta em 3 níveis:

a) Pessoal: Jesus sai ao encontro da história pessoal de cada um, para iluminá-lo, interpelá-lo, transformá-lo;
                    : invade todo nosso ser e todo nosso futuro (nossos projetos, sonhos...);
                    : torna-se interior àqueles que n’Ele crêem (“Cristo vive em nós e nós no Espírito” ).

b) Comunitário: Cristo é gerador e centro da comunidade de “irmãos” (Igreja);
                               : é Ele que leva a termo a obra que começou: reunir os filhos de Israel dispersos...
                               : cria um grupo com um estilo de vida diferente: comunhão de bens, de oração, doutrina...

c) Cósmico: a Ressurreição não é um fato isolado; todos estão implicados;
                       : o mundo se faz transparência de Deus; Cristo recapitulou todo o mundo n’Ele;
                       : n’Ele tudo tem sua consistência;
                       : já não há judeu, pagão, homem, mulher... senão Cristo em tudo;

                       : onde há transformação, luta, serviço... aí há Ressurreição;  

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A Quarta Semana nos EE - I



QUARTA SEMANA NOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS.

I – Entrar na Quarta Semana

1. A Quarta Semana está intimamente ligada à Terceira dando destaque à unidade e continuidade do mistério Pascal. “O Ressuscitado é o Crucificado”. A contemplação da Paixão ajuda a experimentar mais profundamente a alegria da Ressurreição. É delicada a passagem da Terceira para a Quarta Semana. O exercitante contemplou longamente a paixão de Cristo e a paixão da humanidade e muitos criam um clima interior que não facilita dar o passo seguinte: abrir-se para a vida, a alegria, a esperança.

2. No livro dos EE nos surpreendemos com a brevidade do texto. Doze números são indicados por Inácio nos quais desenvolve a primeira e única contemplação. (EE 218-225). A seguir indica quatro notas a serem tidas em conta na Quarta Semana. As demais contemplações, até a Ascensão inclusive, as encontramos na parte dos “Mistérios da vida de Cristo” (EE 299-312).

3. A sobriedade do texto revela que a Quarta Semana é o ponto de convergência de toda a dinâmica dos EE porque é o aperfeiçoamento do caminho percorrido nas semanas anteriores fortalecendo as virtudes, intensificando a oração sem perder de vista o afeto do júbilo de Cristo Ressuscitado. O Senhor morto e ressuscitado torna-se o centro em torno ao qual se articula nosso modo de desejar, pensar e querer, ou seja, nosso sentir, decidir e agir.

II – Graça a ser pedida.

4. “Pedir o que quero: graça de sentir intensa e profunda alegria por tanta glória e gozo de Cristo Nosso Senhor” (EE 221).

5. Graça de um amor puro, desinteressado, gratuito. Alegrar-me e regozijar-me intensamente por causa da grande alegria de Cristo. “Seria normal sentir pena de alguém que está sofrendo, mas alegrar-se simplesmente quando outra pessoa está contente, mesmo que não tenha outra alegria além desta, só se experimenta quando se ama profundamente a esta pessoa”. (Futrell)

6. Não é uma alegria fictícia, prêmio da dor, mas uma alegria que nasce da própria dor. “Era necessário que o Cristo sofresse para assim entrar na sua glória.”.
           
III – Objetivos (frutos) da Quarta Semana.
           
7. Nela culmina a etapa de união e confirmação. O fruto próprio da Quarta Semana é alargar a união com Cristo na alegria e gozo da Ressurreição e confirmar a eleição ou reforma de vida.

8. Como Paulo, Inácio descobre a riqueza do fruto da Ressurreição: a consolação espiritual. Uma alegria profunda centrada em Cristo; aumento de fé, esperança e amor.
           
9. Experimentar vida plena em e como Jesus Ressuscitado concretizada na eleição, fonte de vida e esperança para a libertação dos irmãos, especialmente dos mais necessitados. O futuro da vida do exercitante assim como o caminhar da história estão vinculados indissoluvelmente à vitória de Jesus sobre o pecado e sobre a morte.

10. Na percepção dos “efeitos” da presença e da ação do Ressuscitado, hoje, no nosso meio, abrir espaço para uma vida nova, e para o testemunho da esperança e da libertação de Jesus Ressuscitado na missão. Também a nível cósmico tudo se recapitula nele (Rom. 8,22-25). Em Cristo Ressuscitado tudo tem consistência e o mundo se faz transparência de Deus.

11. Viver a experiência do Ressuscitado como os apóstolos, numa dialética de ausência e encontro. São características as idas e vindas do Ressuscitado e o exercitante vai aprendendo a se acostumar com elas. Em meio às obscuridades que possa prever a esperança do exercitante se firma na vitória de Jesus. “Estarei convosco todos os dias”. É o Espírito de Jesus Ressuscitado que conduz, hoje, a Igreja, inspira o discernimento e confere a missão.

12. Em Jesus Ressuscitado, vencedor da morte, temos a realização plena do projeto do Pai indicado no PF e a confirmação da caminhada no seu seguimento: “Quem me seguir nos trabalhos, há de seguir-me na glória” (EE 95).

IV – Dinâmica da oração na Quarta Semana.

13. O modo de orar é a contemplação. Aos três pontos comuns às contemplações Inácio acrescenta outros dois específicos para o mistério da ressurreição: como a divindade se manifesta e o “ofício de consolar” que Jesus exerce (EE 222-224).

14. Apenas acena-se ao colóquio (EE 225) porque a comunicação dialogal com Cristo já se tornou familiar e Ele, Ressuscitado, é apresentado como um amigo que consola.

15. O ritmo da oração é mais suave. São sugeridos quatro exercícios por dia ao invés de cinco (EE 227). Na “aplicação dos sentidos” o exercitante deverá demorar-se mais “onde tenha sentido maiores moções e gostos espirituais” (EE 227,3).

16. Como de costume o exercitante deve ajudar-se das “adições”. A última nota da Quarta Semana (EE 229) adapta as adições às características desta Semana.

17. O Pe. José Netto de Oliveira observa que a oração da Quarta Semana tende à união e a uma permanente “aplicação de sentidos”, ou seja, uma oração não discursiva, de comunhão, tomando consciência de uma presença, saboreando intimamente uma imagem, percebendo um atrativo profundo. Oração gratuita, desinteressada, que sai de si para o Outro não buscando mais do que simplesmente estar com Ele na sua glória, unindo-se a Ele numa atitude de empatia. Alguns experimentam a oração de quietude da qual fala S. Teresa.

V – MANIFESTAÇÕES OU O “DEIXAR-SE VER” DE JESUS NA QUARTA SEMANA.

18. Inácio as denomina aparições. Termina a Terceira Semana com Maria e inicia a Quarta Semana com ela. A primeira “aparição” de Jesus é a Maria, sua mãe.

1)      A Nossa Senhora. (EE 219 e 299)
2)      A Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé. Mc 16,1-11. (EE 300)
3)      Novamente a estas Marias. Mt 28,8-10. (EE 301)
4)      A Pedro. Lc 24,9-12. (EE 302)
5)      Aos discípulos que iam a Emaús. Lc 24,13-35. (EE 303)
6)      Aos discípulos sem a presença de Tomé. Jo 20,19-23 (EE 304)
7)      A Tomé. Jo 20,24-29. (EE 305)
8)      A sete de seus discípulos que estavam pescando. Jo 21, 1-17. (EE 306)
9)      Aos discípulos no Tabor. Mt 28, 16-20. (EE 307).
10)  A mais de quinhentos irmãos reunidos. I Cor 15,6. (EE 308)
11)  A Tiago. I Cor 15,7. (EE 309)
12)  A José de Arimatéia. (EE 310)
13)  A São Paulo. I Cor 15,8. (EE 311).
14)  Ascensão. At 1, 1-12. (EE 312)

BIBLIOGRAFIA

CEI – Itaici, A força da metodologia nos Exercícios Espirituais, (Coleção “Leituras e Releituras” 11). São Paulo: Loyola 2002, números 94-100.

Orientações para realizar os Exercícios Espirituais na América latina. Um diretório a partir da e para a América latina. (Coleção. “Experiência Inaciana”, 14). São Paulo: Loyola, 1991, págs. 80-82.

OLIVEIRA NETTO S.J. José A., Quarta Semana dos Exercícios para um ambiente latino-americano, em Itaici – Revista de espiritualidade inaciana Especial 01/1990 Especial, págs. 67-74.


GONZÁLEZ - QUEVEDO S. J, Luiz, Ele ressuscitou. Nós ressuscitaremos: uma introdução à Quarta Semana dos Exercícios espirituais, em Itaici - Revista de espiritualidade inaciana, n. 64 /2006, págs. 21-39.