domingo, 25 de setembro de 2016

A Quarta Semana nos EE - III

O SIGILO DO EVENTO PASCAL


“Secreta Ressurreição”; noite, solidão, ausência,  ninguém, nenhuma testemunha: é PÁSCOA!
Nenhum traço a não ser uma pedra removida, uma cova vazia;
Nenhum sinal, a não ser o silêncio, o silêncio eloquente dos grandes inícios,
luz virginal de uma aurora sempre nova: é madrugada pascal!
“Sigilosa Ressurreição”, transparente como fonte cristalina; transbordante gratuidade-graciosidade;
“discreta cáritas” do Amor que se aproxima sem jamais possuir;
logo, porém, que se deixa sentir à brasa que acende o coração, derruba as dúvidas, suscita esperança e aura de liberdade.
Luminosa e máxima pobreza: nada para ver, tudo para crer.
O Ressuscitado, aliás, não tem nada para mostrar senão suas chagas cicatrizadas como manifestação da glória de Deus.
As aparições de Jesus são tão discretas, destituídas de triunfo, imunes de revanche sobre a Cruz que ninguém o reconhece.
“Misteriosa Ressurreição” que apenas se deixa decifrar no íntimo de uma experiência de despojamento,
onde há lugar para uma nova visão dos acontecimentos e de sua interpretação.
“Secreta Ressurreição”  porque ela não se impõe a partir do exterior, como um acontecimento
que todos podem constatar. Ela é uma fonte de vida que nos atinge no interior.

Na 4ª Semana dos Exercícios, S. Inácio entra de cheio no assunto: “Recordarei...” (EE. 219).
Essa é a palavra que abre a 4ª Semana. Isso é significativo.
      “Recordarei...”, isto é, passarei de novo no meu coração a figura de Jesus morto na Cruz... e ressuscitado.
       Re-cor-dar: visitar de novo aquilo que o coração guardou.
Não se trata de uma composição de lugar como as das semanas precedentes para prender o imaginário, pois, na 4ª Semana, ele seria incapaz de criar uma imagem.
Somente um coração humilde, em exercício de recordação pode ser tocado pela presença do Ressuscitado, presença envolvente de uma infinita e doce ternura.
           Memória do coração, memória de comunhão que atua e atualiza a proximidade de Jesus vivo, vencedor da morte, tal como os apóstolos puderam sentí-la, tocá-la e nunca calá-la (At. 4,20).

Recordação, vibração, presença no orante de realidades que escapam às categorias de tempo e de espaço; realidades que ganham vida num coração desapropriado, amorosamente e alegremente pobre para acolher o Outro. Sem despojamento não há comunhão possível.
                      Neste sentido, o recordar recolhido visibiliza o Invisível.
                      E, quando a memória leva ao coração a pessoa de Jesus Ressuscitado, a lembrança torna-se participação, capacidade de amar e ser amado, a partir deste lugar em cada um de nós, onde o Ressusciado se faz logo Ressuscitante.
                      Engajar a nossa vida sobre a memória viva do Ressuscitado, de suas palavras, de seus gestos; entregar-nos à energia irreversível que inspira, ampara, consola, vence as lutas cotidianas é  acolher a Vida plena, alegria plena num caminho de chão.

O poder da Ressurreição dá realização plena ao “comigo” do Reino, que supõe o abandono de todos os outros “com”  que nos iludem, nos dividem e nos dispersam.
        Saborear os “santíssimos efeitos”  da “santíssima Ressurreição”  lançam o exercitante numa grande aventura que arranca suas posses e pertences inúteis.
        Precisa partir sem nada, a não ser a invencível esperança que, a cada manhã, se renova.
Viver a Ressurreição é “penetrar no coração do mundo até aquele ponto onde tudo é um e para onde tudo converge na diferença” (Teilhard de Chardin).

Na 4ª Semana, S. Inácio confere a Jesus Ressuscitado “o ofício de Consolador”: presença que envolve, que dilata o coração com uma alegria tranquila e profunda.

A consolação é movimento que abrasa o coração no amor do Senhor, aumenta a esperança, a e a caridade, produz a alegria e fascina pelas coisas celestes (EE. 316). Pode-se notar que se trata de movimento, isto é, de uma realidade dinâmica, de  um impulso interior visando começos novos.

O “aumento de esperança” precede o da e da caridade.
Esperança é, ao mesmo tempo, premissa e conteúdo da consolação: faz surgir um desejo, fortalece um passo hesitante, abre um caminho, alarga o horizonte; nela tudo renasce, se dilata e emerge em direção à  luz; incandescência súbita na noite; chave encontrada para a porta fechada... todo esse borbulhar  no coração do exercitante traduz o movimento esperançoso a produzir a consolação.

A consolação que Jesus Ressuscitado oferece cria aquilo que promove. Ele confirma no progresso e comunica alegria e gozo espiritual àqueles que  se comprometem a seguí-lo e serví-lo.
       Consolar”: sua raíz bíblica significa “respirar com o outro”.
                            Isso evoca logo a proximidade, a identificação com o Jesus Ressuscitado; fazer-se próximo, “como amigo”, de quem é consolado, comungando do seu sopro vital, no silêncio atento que dispensa toda palavra.
                            Ela supõe também uma kénosis do Consolador para eliminar a distancia a fim de viver o comum respiro.  No ponto tangente dos dois sopros conjugados, passa o único sopro consolador, o Espírito  que Jesus entregou à sua Igreja.
                            O sopro de Jesus simboliza o Espírito (em hebraico “ruah”, vento, sopro) que Ele envia, princípio da Nova Criação.
                            O “comigo” do convite do rei adquire aí seu ponto culminante no dom supremo do Espírito de Consolação.

Graça a ser pedida: que se realize em nós, como o itinerário da fé pascal dos discípulos, a passagem da ausência para a presença, da incredulidade para a fé, da desolação e da tristeza pela ausência de Jesus para a alegria do reencontro com
                                    Ele, agora ressuscitado;
                                  - a graça de conhecer e acolher a novidade do Ressuscitado e da nossa relação pessoal com Ele;
                                  - a graça de receber o dom da “vida eterna” e a graça de realizar a missão de anunciá-lo aos que ainda não o viram e não creram.

As aparições: “Jesus aparece como quer ser visto”.
O propósito das aparições não é insistir em um fato nem demonstrá-lo. É curar, reconciliar.
Cada uma das aparições de Jesus é para restabelecer uma relação, confirmar um elo de confiança, tocar e curar um coração partido.
O modo e a maneira das aparições de Jesus conformam-se às necessidades dos que vêm a reconhecer quem Ele é. “Jesus aparece como precisa ser visto”.
Seu modo de aparição adapta-se em cada caso à angústia individual nos corações e nas mentes daqueles(as) a quem Ele aparece.
Maria de Mágdala está inconsolável pela perda do corpo de Jesus. O túmulo já não é local para prantear,  mas se tornou local de amarga ausência. Jesus elimina essa ausência com um senso bastante físico de presença.
Os dois discípulos na estrada para Emaús tinham perdido a esperança e estavam fugindo de Jerusalém. Jesus inflama-lhes os corações, e eles voltam correndo para a cidade santa a fim de contar aos onze discípulos. O próprio Jesus aparece e traz paz e perdão para os discípulos atribulados e compungidos na sala do andar superior. Tomé é conquistado pela ternura e pela clemência de Jesus, ao convidá-lo para que tocasse suas chagas.

As aparições de Jesus não foram meras oportunidades de provar que Ele ressuscitara dos mortos nem de manifestar sua divindade. Elas guardam dentro de si os esforços de Jesus para operar a reconciliação na vida de seus desalentados discípulos que ficaram traumatizados com sua morte. Pelo poder da Ressurreição, Ele se deixou “ver” como cada um dos discípulos precisava vê-lo.

Textos bíblicos:  

1) Jo 20,19-29           
2) Ez. 37,7-14            
3) Ez. 36,22-29        
4) Jo. 1,31-34
5) Jd. l6,13-18           
6) Gen. 1,2 e 2,7        
7) Jo. 19,28-30

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