quinta-feira, 5 de maio de 2016

A PRIMEIRA SEMANA NOS EE


 
A PRIMEIRA SEMANA NOS E.E.

 

Nesta  primeira etapa dos E.E. procura-se integrar o problema do mal na realidade salvífica da fé, ou na visão positiva da fé. A integração da pessoa inicia-se com o reconhecimento da própria não-integração profunda (a desordem das motivações).

                   

Nesta etapa insiste-se sobretudo nos sentimentos, pois se trata de um processo de educação da afetividade. Para que a verdade se torne a força decisiva da vida de uma pessoa é preciso que ela a ame, e não apenas que a penetre intelectualmente.

                   

Sendo assim, a conversão de uma pessoa é essencialmente uma re-orientação de sua afetividade, e a durabilidade da mesma decide-se principalmente pelo fato de ter, ou não, transformado a esfera afetiva. Conversão é “modificar-se afetivamente”, reorientando os afetos para a vida nova que nos é proporcionada em Cristo. Sem a conversão afetiva o perdão sacramental não se torna efetivo na vida de uma pessoa.

 

Na Escritura, a consciência do pecado aparece como um dom de Deus: é Ele que revela ao homem o pecado, para que este retome o caminho da Vida. O homem descobre que não pode por si mesmo sequer conhecer seu pecado, quanto mais libertar-se dele. Seu pecado tem de ser-lhe revelado por Outro. O Cristo Crucificado, denuncia o pecado da pessoa sem condená-la, mas colocando-a diante do abismo sem medida da misericórdia de Deus.

 

Quanto mais sentimos o Amor de Deus, mais sentimos a dor do pecado e vice-versa. Por isso, é necessário ver o pecado com os olhos de Deus (olhos de misericórdia), e não com os olhos do mundo. Ter consciência de que Deus está presente na fragilidade.

 

a) O pecado é o ato de uma liberdade que se fecha em si mesma, ou tarda a abrir-se; é a recusa consciente e livre à vida de comunhão com Deus e com os outros; é a separação do sentido da vida, a recusa de viver e amar.

b) O pecado é a auto-divinização do homem: este atribui a si mesmo as prerrogativas de Deus; é o “dar as costas” de um coração que põe seu bem fora do essencial; é a atitude que centraliza a pessoa e a faz ver as coisas somente em relação a si mesma.

c) O pecado arruína o projeto amoroso de Deus: o pecador não vive mais na relação filial com Deus.

d) Todo pecado é uma falta contra a consciência do homem, e frequentemente, um dano causado a outras pessoas.

e) O pecado é o refluxo sobre si mesmo, a incapacidade de sair de si (a pior prisão é a prisão de si mesmo.

 

Consequências do pecado: 

- despersonalização: a alienação do homem;

- negação da vida: o mundo torna-se um inferno.

 

Meditação sobre os pecados pessoais:

 

Nestes exercícios objetiva-se a conversão afetiva (que atinge as raízes mais profundas) do exercitante, e não tanto a confissão de seus pecados. O exercitante é estimulado a rememorar os sentimentos que marcaram suas experiências de pecado (memória afetiva); a finalidade deste procedimento é a re-orientação dos afetos, polarizando a força afetiva do exercitante para o Cristo Salvador e libertador.

         

Memória agradecida: memória como lugar santo do louvor reconhecido pelo amor curador de Deus, sustenta a consciência saudável e santa de sermos filhos no Filho. Uma pessoa doente em sua memória, ressentida em sua história pessoal, também será doente na mente, no coração.

                                            

A consciência se embola quando a memória se constitui em depósito de rancores, ressentimentos, amarguras; essas recordações, pela hostilidade que carregam, fecham a pessoa. Não há melhorias ou mudanças, ou conversão, que não seja melhoria, mudança ou conversão da memória. Por isso, o ato de repassar os próprios pecados deve ser feito à luz do Espírito Santo, isto é, numa atmosfera de   adoração, de reconhecimento, de estima profunda da vida da graça. Fazer uma leitura redentora do passado, rompendo com os laços neurotizantes, curando-se das imagens negativas de si mesmo.

 

O HORIZONTE POSITIVO DA 1ª. SEMANA

 

Fundamento:  Os EE. não começam com a consideração do pecado, mas com a Criação boa. O que interessa não é o pecado em si mesmo mas o pecado em oposição à “história da salvação”. Enquanto a História da Salvação tem seu começo, seu cume e sua consumação em Jesus Cristo, o pecado se dirige “contra a bondade infinita” (EE. 52) e contra Cristo que “morreu por meus pecados” (EE. 53).

           

O “verdadeiro fundamento da história” de cujo sentido o exercitante deve encontrar “alguma coisa” (EE. 2), não é de tipo dualista, ou seja, o conflito não está na origem. Antes de considerar sobre o conflito, o mal, a culpa, o pecado, é necessário narrar primeiramente a história de um Deus bom, criador do céu e da terra.

 

As meditações inacianas do pecado não são uma finalidade em si, mas um momento dentro de um processo cujas etapas reproduzem a História da Salvação, positiva em sua origem e em sua finalidade. A experiência desta história, na relação pessoal “da criatura com seu Criador e Senhor” (EE. 15), faz perceber a maldade do pecado, e a experiência do perdão do pecado faz compreender melhor a bondade de Deus.

       

O pecado, por maior que seja, não é a última nem a única realidade da vida humana. A primeira e a última realidade é a graça abundante: “onde abundou o pecado superabundou a graça”. O Princípio e Fundamento dos Exercícios junto ao objetivo da superação do pecado, constituem o horizonte, no qual se desenvolvem as três configurações do pecado.

 

a) História do pecado: A 1ª configuração dos três pecados (EE. 45) destaca uma série de acontecimentos na Criação que impedem a história salvífica por parte das criaturas, seja o pecado para além do tempo (pecado dos anjos), o pecado no começo do tempo (pecado de Adão e Eva) e o pecado de cada um no tempo. Esta meditação apresenta o dinamismo pecador na história, inserido ao mesmo tempo no movimento da graça. O exercitante vai se convencendo de que ele mesmo intervém como ator na história da salvação e do  pecado.

 

b) Psicologia do pecado: Esta 2ª configuração contém a meditação dos pecados pessoais que se devem trazer afetivamente à memória para que o exercitante possa sentir internamente sua própria imersão na história pecadora oposta à salvífica. S. Inácio atribui à memória a função de adentrar-se na história, “como um humus vivente, uma atmosfera sem  a qual o processo se afoga em si mesmo”.

   

O exercitante deve contemplar-se  imerso na história da graça e do pecado e assumí-la como própria. Junto ao imaginativo (“composição vendo o lugar”)  e ao afetivo (“intensa dor e lágrimas”) o histórico  caracteriza a compreensão integral do pecado. Para poder “ponderar” o pecado que se realiza como “processo” (EE. 65) com uma dinâmica própria,

   

S. Inácio aconselha ao exercitante duas maneiras de posicionar-se: primeiro com o contexto terrenal (tempo, lugar, comunicação, profissão), logo com o contexto celestial, na confrontação e comparação do eu pecador com a criação e com o Criador mesmo. Comparando a sapiencia, a onipotência, a justiça e a bondade de Deus com sua própria ignorância, fraqueza, iniquidade e malícia (EE. 59), o exercitante está em condições de imaginar o fracasso de sua tentativa de realizar-se sem ou ainda contra Deus e os demais homens.

   

Esta meditação nos faz adentrar no coração da espiritualidade inaciana: nos leva à relação imediata do eu com Deus.  Dentro desta íntima relação pessoal brota uma transformação do Eu que é resultado da aceitação incondicional por parte de Deus e do agradecimento total por parte do homem. O agradecimento a Deus se articula na “exclamação admirativa” (EE. 60).

 

c) Escatologia do pecado:  A 3ª configuração do pecado é a “meditação do inferno” (EE. 65-71), ou seja, consequência definitiva do pecado. É muito próxima de nós a realidade infernal para poder imaginar a lógica definitiva do pecado que exige como contrafigura a descida de Cristo não só ao mundo, mas também ao inferno.

   

É a falta de fé e de amor que constituem a solidão ameaçante do pecado, ante a qual Cristo aparece como a única esperança e consolação. Sem a esperança em um Deus misericordioso, como S. Inácio nos põe diante dos olhos nos “colóquios” a memória dos pecados seria apenas um “desesperado desnudar-se”.

 

PRIMEIRA  SEMANA: CORAÇÃO UNIFICADO X CORAÇÃO DISPERSO

 

“Que sabeis vós de salvação, vós que nunca haveis pecado?” (Bernanos)

 

“Escola do coração” é uma expressão de procedência inaciana. Toda a obra escrita de Inácio (Autobiografia, Constituições, Cartas, Exercícios Espirituais, Diário Espiritual) é uma colossal escola dedicada toda ela à tarefa de unificar o coração. Uma “escola do coração” na qual aprendemos a nos acolher como dom totalmente gratuito de Deus e a entregar-nos totalmente ao seu Reino.

 

Quando, numa visão teologal de nós mesmos e do mundo, nos vemos como criaturas que surgem do amor de Deus, e quando essa visão é fruto de uma vivência interior e transbordante, começa brotar no coração humano um movimento de unificação para Deus. Esse movimento é feito de confiança, de canto, de amor, de entrega, de serviço...

 

Por ser imagem de Deus, e porque “Deus é Amor”, o coração do ser humano é capaz do melhor: tem, dada por Deus como dom da Criação, a potencialidade de amar aos outros com o mesmo amor com que Deus lhe ama, ou seja, com um amor gratuito e generoso. Mas, por ser uma imagem ofuscada pela limitação e pela fragilidade, o coração humano é também capaz do pior: de negar sua origem e sair ao encontro com a realidade a partir de suas potencialidades  necrófilas (forças de morte); de viver dando as costas a Deus e distorcendo a imagem essencial de seu Criador.

 

Quando nosso coração está centrado em Deus, ou seja, quando ele se percebe que vem d’Ele, vive para Ele e para Ele retorna, tudo está em seu lugar, tudo vai bem. As “coisas” não são obstáculos, e as pessoas muito menos. Nem sequer o nosso próprio e ambíguo eu é tentação. Até nossos instintos mais primários ficam integrados nessa corrente de amor recebido e amor entregue.

 

Mas quando se produz um descentramento do coração, dá-se um corte com a Fonte e, portanto, com seu destino; quando o coração é presa do “dia-ballo” (que significa separar), então tudo começa a desandar. Pessoas e coisas passam a ser puros objetos do desejo; o eu humano se converte num depredador; os instintos básicos se transformam em obsessões; a vida fica fragmentada e dispersa. Tudo se petrifica.

 

Então, é quando o instinto de viver se transforma em obsessão pela saúde e pela vida longa; o instinto de ter se transforma em cobiça de possuir; o instinto de valer, em obsessão pelo prestígio e pelo poder. É a deriva do coração humano, a inversão de sua vocação mais profunda. Coisas, pessoas e até o próprio eu se convertem em senhores de sua liberdade e de seu destino. Deste modo o vazio de Deus faz o coração humano ser  povoado de obsessões.  Em vez de dispor de sua vida, o ser humano se converte em vítima mortal de seus próprios equívocos.

 

* Qual é a saída dessa situação, ou seja, a superação do estado de alienação na qual a ignorância e a culpa afundam o ser humano?

 

* Em termos inacianos, a quê “exercícios” a pessoa deveria se submeter para re-orientar seu coração para Deus e re-unificar-se de novo?

 

A re-unificação do coração começa com a experiência da Graça, na experiência mesma do pecado. A 1ª lição que a pessoa aprende na escola dos Exercícios é que tudo tem seu fundamento em Deus, “pois n’Ele vivemos, nos movemos e existimos”(At. 17,28), “... é Ele que a todos dá vida, respiração e tudo o mais” (At. 17,25), e que, portanto, tudo há de voltar a Ele num movimento de amor recebido e de amor entregue.  “No começo era a Graça, essa Graça”.

 

Mas ao lançar um olhar ao mundo e a si mesmo, o exercitante descobre imediatamente que o que impera frequentemente nele e ao seu redor não é a Graça, mas o pecado; não a comunhão, mas a ruptura; não a paz com os outros e Deus, mas a discórdia dos corações; não a argila que se deixa modelar, mas a petrificação que fere. O pecado não é um problema de consciência que se reduz ao âmbito privado de nossa relação com Deus. É coisa pública, é coisa cósmica; tem efeitos concretos e visíveis no mundo, na Igreja, em si mesmo.

 

Na “escola do coração” o exercitante faz a experiência de sentir-se não só como criatura que nasce do Amor de Deus, mas também como pecador acolhido por Sua misericórdia. O drama de sua alienação (afastamento) de Deus se dá sempre no âmbito da Bondade de Deus, de seu chamado para voltar à comunhão com Ele.

 

Ao entrar nesta experiência, o coração humano se rompe; quebra sua estrutura petrificada.Tanta Bondade como resposta a tanto afastamento! Tanto Amor como resposta a tanto mal infligido (colóquio de Misericórdia). Só quem se sabe pecador sabe de salvação e reconhece o Crucificado como seu Salvador. Quem não se sabe ou não se sente pecador, não pode entender de salvação, carece dessa experiência.

 

O que rompe o coração humano ao chegar aqui e o coloca no caminho de volta para a comunhão com Deus, re-unificando todas as suas potencialidades, é o agradecimento. Para S. Inácio, a ingratidão é o maior pecado; é o ser humano petrificado em si mesmo que não se reconhece como “criatura” de Deus.
 

O agradecimento, portanto constitui o “eixo” antropológico da escola inaciana do coração. E que esse é o exercício que deve ser mais repetido e mais necessário para progredir em tal escola. Do agradecimento para a gratidão: movimento de um coração aberto à ação de Deus Quanto maior agradecimento, maior unificação do coração em Deus, e, maior gratuidade. Pouco agradecimento, pouco desejo de Deus, pouca unificação com Ele, e, pouca gratuidade. Mas, como não sentir-se agradecidos diante da dupla revelação que nos traz Cristo: a de ser criaturas amadas por Deus e a de ser, além disso, pecadores acolhidos por sua Misericórdia?

 

O coração moldado pelo misericórdia divina se concentra sobre si, se enche de agradecimento e alegria, se dispõe a devolver a Deus e aos outros o amor que recebeu; um coração de pedra que se transforma em “coração de carne”, capaz de crer e de amar. Um amor que sai de nós e é verdadeiramente nosso, mas que nos chega previamente de Outro. Um “amor satélite” do Amor de Deus.

 

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