PRINCÍPIO E
FUNDAMENTO: “a espiritualidade nos pés”
“Andando siempre a buscar lo que quiero” (EE. 76)
a)
Exercícios Espirituais: “êxodo do “lugar estreito e dispersivo” ao lugar
expansivo e unificador”
A Autobiografia de S. Inácio narra sua “experiência do
Espírito” ao longo de sua peregrinação. Sem esta “experiência do Espírito” não
teria havido nem “peregrinação” nem “peregrino”. A experiência pessoal do
“Peregrino” deu lugar a outro livro: os Exercícios Espirituais.
Estes dificilmente seriam o que são, se não remetessem
a algo que supõem: à “experiência do Espírito do peregrino”. No entanto, o
livro dos Exercícios não contém a experiência do “Peregrino”, somente a
“supõe”.
Assim, o livro dos Exercícios é um livro escrito “para
algo que não se encontra nele”, para provocar uma nova “experiência do
Espírito” que se dá “fora dele”. E isto acontece:
a) em forma de “diálogo” entre “aquele que faz os
Exercícios” e “aquele que dá os Exercícios”;
b) em forma de “silenciosa história” (peregrinação)
das relações entre Deus e o exercitante.
Portanto, os Exercícios Espirituais articulam algo que
está fora dele, ou seja, nos oferecem um conjunto de regras e práticas que se
referem às experiências (a de Inácio e a do exerciante) que não se encontram no
texto. No entanto, isto que está fora dele é indispensável para entender o
próprio texto.
Poderíamos, então, dizer que os Exercícios são uma
“maneira de proceder”, um “método” (conjunto de regras e práticas) que ajuda o
exercitante a alcançar o que pretende, ou seja, abrindo e transformando o
“desejo” que o habita em “desejo do Outro”, através de sucessivas eleições.
Somos seres de desejo (peregrinos). As “vozes do
desejo” são as que colocam o peregrino “mais além de si mesmo”, o alargam para
o objeto de seu desejo. Os Exercícios supõem “as vozes do desejo”; o texto
(regras e práticas) procura articular tais “vozes”.
Esta articulação das “vozes do desejo” desenha uma
trajetória, um percurso que vai desde a posição inicial na qual se encontra o
exercitante até uma posição final; o exercitante passa por uma série de
“lugares” tornando efetiva a mudança de vida.
Em suma, os Exercícios supõem alguém que “deseja” e
que, movido por este impulso, se ponha em marcha e inicie uma peregrinação em
busca de uma decisão ou eleição a fazer. O método dos Exercícios implica uma
experiência de contínuos “deslocamentos”.
Deste modo, o texto dos Exercícios vai conduzindo e
guiando o exercitante, o “novo peregrino”, desde o “lugar” no qual se encontra,
até o “outro lugar” mais verdadeiro; ao mesmo tempo, o texto vai oferecendo
pontos de referência, mas de modo algum tais pontos substituem a peregrinação
empreendida pelo exercitante, levado pelas “vozes de seu desejo”; o texto
oferece ao exercitante um meio com o qual dar nome a seu desejo, decifrá-lo,
articulá-lo e preparar-se para viver a partir dele.
Se a Autobiografia de Inácio é a história exterior e
interior de sua itinerância, o livro dos Exercícios abre caminhos àquele que os
faz, oferecendo alternativas a este “novo peregrino” (exercitante), e guiando-o
em seus deslocamentos. De tudo isso – caminhos, alternativas e deslocamentos –
deve o exercitante empenhar-se e fazer-se consciente.
Tendo em conta tudo isto, poderíamos afirmar que o livro
dos Exercícios é um discurso sobre os “lugares” de uma peregrinação. Tais
“lugares” são numerosos no texto dos Exercícios:
“composições de lugar” de todo tipo, trajetória
articulada em “quatro semanas”, lugares tradicionais de oração (esquemas
evangélicos), algumas “cenografias” convencionais (a meditação do “Rei
temporal”, a das “Duas Bandeiras”, etc), atitudes corporais e gestuais (formas
de orar), indicações sobre o “habitat humano imediato” de quem faz os
Exercícios (luz ou obscuridade de acordo com a semana), indicações variantes na
trajetória (repetições), práticas simuladas (proceder “como se” o exercitante
se encontrasse em disposições ou situações diferentes daquelas nas quais se
encontra), etc...
Os “lugares” sucessivos e distintos de que fala o
livro dos Exercícios não constituem todos juntos uma doutrina. Muito mais do
que isso, eles marcam separações entre uma situação no qual está, e está
abandonando, e outra – desconhecida – à qual se dirige o exercitante, levado
pelo desejo.
O importante, por conseguinte, não é tanto a verdade
de cada lugar, como se tratasse de um artigo do credo ou de um ponto do
catecismo, mas a relação entre um lugar e outro lugar, a relação entre um
“lugar vivido” e outro lugar – “desconhecido”-
por viver e para onde caminhar. A peregrinação é feita de práticas, cujo
resultado é um progressivo distanciamento a respeito da situação na qual o
exercitante se encontrava.
O que no livro dos Exercícios se oferece (meditações,
contemplações, repetições...) indica, no fundo, o “trabalho” (peregrinação) a
fazer. Não se trata tanto de verdades que crer, como de operações (atividades)
que fazer.
“Meditar”, “contemplar”, “considerar”... são palavras
que S. Inácio utiliza, com muita frequência, no livro dos Exercícios: ações e
operações do exercitante que sempre o remetem a determinados “lugares”.
“Lugares” que, neste caso, não são outra coisa que “texto”
que abre – mais e mais – sua itinerância.
Sem tais “lugares” o itinerário do exercitante
careceria de “indicadores”.
Tais “lugares” contém “verdades”, mas sobretudo
conferem sentido à itinerância do peregrino.
No conjunto, estes “lugares” não são outra coisa que
“textos” pelos quais se faz presente ao peregrino a itinerância de Outro
Peregrino, Jesus Cristo.
No livro dos Exercícios, a separação entre lugares se
refere à experiência da qual não fala mas à qual remete. A única experiência
real é a do exercitante, e o que o texto faz é tão somente organizar sua
explicitação. No texto não há narração nem descrição de experiência real
alguma; unicamente encontramos “interstícios”
que nos indicam o espaço que “pode” preencher Aquele que não é contido
pelo texto.
O peregrino percorre um caminho aparentemente
descontínuo, mas na realidade todo ele em torno a um fio condutor, que oferece
um sentido global à sua itinerância. Aqui nos encontramos frente àquele sentido
que procede do “desejo do Outro” (Vontade de Deus).
Todo este “discurso topológico” (de lugares) se
fundamenta num princípio que é a condição básica sem a qual não funciona tudo o
que os Exercícios oferecem: o movimento para a plenitude, que poderíamos
denominá-lo “não-lugar”.
“Non coerceri a maximo, contineri tamen mínimo, hoc
divinum este”. Ser universal e viver no singular é coisa divina. A itinerância
do peregrino é a permanente passagem do universal ao particular.
Por um lado, a abertura ao “mais universal” é o
resultado da irrupção daquele “não-lugar” no itinerário do peregrino. Por outro
lado, a itinerância para o Absoluto “passa” por “lugares” concretos que vão
orientando e preparando o peregrino em seu caminho para o “horizonte sempre
maior”.
Este princípio é um “não-lugar”, algo que está mais
além não só dos lugares concretos descritos e articulados pelo livro dos
Exercícios, senão de “qualquer lugar” e que no livro é designado como
“Princípio e Fundamento”. Viemos de Deus e caminhamos para Deus. Deus não é
“lugar”, embora esteja presente em todos os lugares.
“Acredita-me, mulher, vem a hora em que nem neste
monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Mas vem a hora – e é agora – em que os
verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade; pois tais são os
adoradores que o Pai procura” (Jo. 4,21-23).
A trajetória de quem faz os Exercícios consistirá em
assumir dito “não-lugar” na voz de seu desejo; “não-lugar” enquanto horizonte
aberto e direção da própria peregrinação. Este movimento de subida, que pode
ser lenta ou rápida, fácil ou difícil, suave ou dura, esperada ou inesperada,
tranquila ou perturbada, se consegue através do “modo de proceder” que os
Exercícios propõem. Este “não-lugar” que se manifesta na “voz do desejo” se
encarna e se cristaliza numa eleição.
Resumindo: Os Exercícios Espirituais, com suas quatro
semanas, supõem um desejo ou vontade que procede de “outro lugar”, um desejo ou
uma vontade que se exercita (se prepara) e se manifesta em relação com uma
série de regras e práticas que o texto oferece. O texto, pois, “espera o Outro”
e não produz Sua presença. “Outro” que é Aquele em busca do qual o exercitante
se põe em marcha. O texto marca com rupturas, lugares, silêncios... aquele
lugar aberto que ele não preenche.
O livro dos Exercícios é um texto estruturado por algo
que não diz, pela experiência do exercitante à qual tem lugar mediante práticas
e regras. É um texto que dá lugar a uma peregrinação. É um texto que se
inscreve no processo aberto pela ruptura da qual o Princípio e Fundamento é
expressão. Ele abre um espaço para a transformação do próprio desejo em “desejo
do Outro”.
b)
Princípio e Fundamento
O “modo de proceder”
que vai articulando a peregrinação de quem faz os Exercícios – seus
deslocamentos - , começa com o texto chamado Princípio e Fundamento. O
Princípio e Fundamento não é a exposição de uma verdade universal, nem é um
discurso geral do qual tirar conclusões particulares. Também não se trata de
“verdades para crer”. Saber tais verdades não tem tanta importância para S.
Inácio. Trata-se muito mais de “saborear e sentir as coisas internamente”.
Essencialmente, o Princípio e Fundamento consiste em
“abrir espaços” para que as “vozes do desejo”
possam se manifestar ou deixar falar ao exercitante. Trata-se do esquema
de um movimento, de um desprendimento, de uma peregrinação. O ponto de partida
do texto dos Exercícios Espirituais não é nem uma meditação, nem uma
contemplação; talvez uma consideração. Trata-se de “um lugar” que não é lugar e
que não tem nome.
É a proposta de “um começo”, que não está dentro do
“modo de proceder”, e não faz parte de seus dias, de suas horas..., mas que irá
guiando as jornadas caminhantes daquele que faz os Exercícios. É a expressão de
uma situação na qual o exercitante sempre se encontra; é uma “emergência” que
lhe abre espaços a preencher com seu crescimento, seu serviço e sua recordação;
espaços em cuja travessia vai compreendendo que Deus é a medida de seu desejo. É
um “princípio”, um “fundamento” que –
como “não-lugar”- escapa à fragmentação do tempo e não pertence à articulação
de lugares.
Podemos dizer que o Princípio e Fundamento é um
“postulado”. Um postulado que como princípio permanente pode ser explicitado em
qualquer momento, e de fato o é, segundo as necessidades, e nas formas que
estas sugerem, ao longo da itinerância de quem faz os Exercícios, para que “recorde”
o “não-lugar” ao qual se dirige, ou ao qual seu desejo o conduz. Ao peregrino
lhe toca manter sempre aberto tal espaço ou “preenchê-lo” com sua peregrinação,
“fazer a verdade”.
1)
Princípio e Fundamento: lugar da 1ª ruptura
O Princípio e Fundamento introduz uma ruptura na ordem
ou na série de idealizações ou nas práticas de vida nas quais o exercitante se
encontra, quando inicia sua peregrinação levado pelo desejo.
O Princípio e Fundamento tem, portanto, efeitos
dissuasivos: conduz o exercitante desde um modo de vida insatisfatório à
necessidade de sentir outro melhor; conduz o peregrino de um estado de vida na
dispersão a um lugar unificador em sua vida.
O esquema do movimento, como ruptura, faz o
exercitante separar (descolar) o desejo das aderências às quais se incrusta.
Estas aderências podem ser um objeto, um ideal, uma pessoa, um modo fechado de
viver, uma idéia fixa, a busca de poder e status...
O que o Princípio e Fundamento pretende é criar uma
distância afetiva de tudo isso. Ao criar
tal distância o texto propõe um “novo nascimento”; as “coisas” desaparecem, o
silêncio envolve tudo. Estas são as condições para que o exercitante possa
empreender uma peregrinação “como quem vê o Invisível”.
Assim pois, o dinamismo do Princípio e Fundamento
busca realizar uma ruptura inicial, e a partir dela, vem todo o desenvolvimento
posterior. Através da permanente referência ao Princípio e Fundamento, o
exercitante é uma e outra vez “descolado” de suas preocupações relativas, de
seus pontos de apoio, de seu fazer ou de seu dizer concretos, de seu viver (do
passado) e de seu esperar (do futuro) concretos.
A ruptura faz com que o desejo, talvez anônimo ou
reprimido, pervertido ou perdido, fique inicialmente liberado ou aberto,
encontre sua formulação e vai se soltando das aderências. O desenvolvimento que
segue pretende a progressiva concretização de tal desejo.
O movimento que o Princípio e Fundamento sugere –
conduzir a Deus como “ao fim para o qual somos criados” – é a forma de passar
da particularidade de conhecimentos, atitudes e práticas de vida a seu
“princípio e fim” inalcançáveis; é passar do seu limitado mundo a espaços mais
amplos e significativos. Enfim, trata-se de uma tática tendo em vista favorecer
a “indiferença”, para revisar os meios empregados e assim alcançar o fim
desejado.
A tática que o Princípio e Fundamento põe em prática
ao longo dos Exercícios é a de “manter sempre aberta a ruptura inicial”,
quebrando posições fechadas,
conhecimentos rígidos, afirmações absolutas, pressentimentos... nos quais o exercitante
possa se encontrar. Uma e outra vez a
função do Princípio e Fundamento é a de “deixar falar o desejo”, a de liberar
“algo” mais radical, mais transcendental que a ordem das eleições concretas.
2)
Princípio e Fundamento: do “lugar-comum” ao “lugar-desafiante”
O Princípio e Fundamento é um “não-lugar” em relação
com todos aqueles outros lugares da vida que podem ser objeto de exame, de
análise, de melhora, etc... O Princípio e Fundamento remete a um “fim” que não
tem nome adequado, a um “fim” pelo qual o exercitante nunca poderá
apropriar-se; remete a um “princípio”
cuja “pegada” está latente no desejo de quem peregrina e que é muito mais
radical que todos os sinais que possam orientá-lo, que todos os objetos que
possam ser-lhe apresentados e que todos os lugares pelos quais possa
atravessar.
Tendo em conta tudo isso, poderíamos afirmar que a
função do Princípio e Fundamento (não-lugar) é a de des-regionalizar o desejo,
de fato sempre encarnado em tal ou qual lugar de vida, em tal ou qual lugar de
comportamento, em tal ou qual aspiração de felicidade.
A função do Princípio e Fundamento é, portanto, a de
“universalizar” o máximo possível o desejo. Não se trata de uma generalização
despersonalizadora, mas de situar o próprio desejo num “lugar” muito mais amplo
e de dar sentido e horizonte novo às forças que habitam o coração do exercitante.
É como se o Princípio e Fundamento (não-lugar) dissesse:
“Teu desejo não tem nem este nem o outro nome. Não tem
nome. É um desejo que não é possível circunscrever e limitar. É um desejo
estranho às regiões de que falas ou imaginas. É um desejo que procede do mais
além de ti mesmo e se dirige para além de toda determinação. Deus é “maior” que
tuas esperanças ou que teus pressentimentos”.
Deixar-se “romper” pelo Princípio e Fundamento
(não-lugar) é deixar-se mover por um “desejo estranho”, diferente do desejo de
qualquer ideal, de qualquer projeto, de qualquer caminho que o exercitante
possa imaginar. Deixar-se encher por tal desejo é soltar as amarras do barco e
lançar-se à aventura do grande mar.
3)
Princípio e Fundamento: “lugar” que conduz ao “desejo do Outro”
O texto do Princípio e Fundamento nos remete a um
Outro Peregrino, nos faz mergulhar na dimensão de um outro Alguém
incognoscível, ao lugar de sua incognoscibilidade, de sua liberdade e de sua
vontade. O próprio texto dos Exercícios nos dá a entender, por exemplo, quando
fala das “moções”.
Estas são “irrupções daquela Vontade livre e absoluta”
que, mesmo irrompendo no terreno de nosso “sentir”, continuam permanecendo
“totalmente Outra” em relação a nossos projetos, pressentimentos ou desejos.
Com a irrupção desta Vontade Livre começa no
exercitante um novo falar, um novo andar, uma nova direção, algo que brota da
irrupção d’Aquele que é absolutamente livre mas também incognoscível. Com esta
irrupção, o “rosto do já conhecido” é transformado e o “coração do novo peregrino”
é aquecido (aceso). Tal irrupção é a
origem de uma nova ordem de vida, de um “antes de” e um “depois de”, de uma
peregrinação inesperada e cheia de surpresas.
O Princípio e Fundamento ultrapassa as
particularidades da vida cristã e eleva o exercitante para o último, para
Aquele que está para além do mundo no qual este novo peregrino vive. O
Princípio e Fundamento revela ao exercitante o princípio efetivo daquilo que
busca, ou seja, o desejo de pôr em ordem a vida. Ao mesmo tempo, revela ao
exercitante que ele nunca poderá chegar a pôr em ordem sua vida plenamente, de
maneira que chegue a identificar-se com Aquele que é Liberdade absoluta e
soberana.
O Princípio e Fundamento explica ao novo peregrino que
“sempre vai ter que seguir caminhando”, lhe anuncia que sua itinerância será ir
de “eleição em eleição”, de “lugar em lugar”, tomando consciência da distância
que há entre “qualquer lugar” no qual se encontre e o “não-lugar” que é Aquele
cuja Vontade e Liberdade absolutas o atraem O Princípio e Fundamento, portanto,
não faz mais que atiçar – como brasas sob cinzas – o desejo latente, mas que
tende a apagar-se nos limites de qualquer ordem estabelecida ou de qualquer
lugar limitado.
Só podemos falar de “autêntica peregrinação teologal”
– por parte do exercitante – no caso de que sua eleição seja tal que articule e
ordene sua vida a partir desta Vontade Livre e Absoluta. Ou dito de outro modo,
quando – mediante sua eleição – ordene seu “lugar na vida” a partir daquela
Fonte de vida que é um “não-lugar”. Unicamente então podemos dizer que os
“Exercícios” são autenticamente “espirituais”;
unicamente então podemos afirmar que o novo peregrino “não se
perdeu”; unicamente então podemos
reconhecer na eleição que o exercitante fez a Eleição que sobre ele fez Aquela
Vontade Livre, Absoluta e Atraente, e que logo foi acolhida livremente por ele.
4)
Princípio e Fundamento: estado de permanente êxodo
A itinerância do exercitante é profundamente pessoal;
mobiliza-se cada vez mais inteiramente a si mesmo. Não é estranho, portanto,
que S. Inácio, no “modo de proceder” que nos oferece, tenha deixado indicações
de uma certa idéia de potencialidades e capacidades que o exercitante deve
apresentar para mobilizar-se no momento de iniciar a peregrinação.
O método dos Exercícios visa pôr em jogo as diferentes
capacidades do exercitante a partir de sua “liberdade para eleger”, que torna-se um princípio interior e efetivo.
Trata-se de mobilizar-se por inteiro para entrar em relação com Aquele que não
deixa de atrair para si o exercitante, mediante o “chamado à sua liberdade em
êxodo”.
O Princípio e Fundamento abre um tipo de discurso e
inicia uma peregrinação imprevisível, aparentemente sem uma “lógica” que nos
permita prever etapas posteriores. Não se pode antecipar o caminho a percorrer,
e menos ainda pensar que as situações às quais chegue o exercitante estão
previamente ordenadas. Há um espaço vazio entre a situação concreta na qual se
encontra o exercitante e a nova situação, tão somente delineada pelo texto do livro
dos Exercícios mediante “regras e práticas”. Este espaço vazio é um umbral,
para passar de uma situação a outra. Um umbral imprevisível, em suas
consequências, por parte do exercitante (novo peregrino).
Nesse sentido, o Princípio e Fundamento não só é o
“início” mas também a “fronteira” entre
o lugar que o peregrino deixa e o lugar ao qual o peregrino é dirigido
(conduzido), ainda sem saber. O Princípio e Fundamento é, ao mesmo tempo, uma
“ruptura” e um “inter-lúdio”. Um “não-lugar” que abre e um “não-lugar” que
discerne. Por isso, o Princípio e Fundamento é retomado repetidas vezes ao
longo do texto dos Exercícios, cada vez que se trata de “passar”. Por outro
lado, o Princípio e Fundamento mantém sempre sua função de ruptura.
Sua repetição – de diferentes formas – ao longo do
texto do livro não tem outra função que reconduzir o exercitante, uma e outra
vez, ao “ponto zero”, àquele ponto desde o qual o peregrino descobre e torna a
descobrir a “sempre maior” verdade da Palavra que irrompeu em sua vida; àquele ponto no qual dita Palavra está mais
despossuída “das coisas que fazer”; àquele
ponto no qual a Palavra não “tem lugar neste mundo”; àquele ponto no qual a Palavra não lhe
pertence e portanto não pode ser domesticada;
àquele ponto que no fundo não é outro que “ir sempre peregrinando”; àquele ponto no qual eleger não tem nenhum lugar em que viver ou
apoiar-se ou não tem mais lugar a não ser a Palavra mesma que irrompeu no
coração do novo peregrino.
Esta experiência pode ter diferentes momentos: pode
acontecer no umbral, no princípio da peregrinação do exercitante; pode dar-se
também ao longo da peregrinação. As “recordações” desta variabilidade de
momentos de tal experiência são frequentes no livro dos Exercícios: no “chamado
do Rei Temporal”, na meditação da “Encarnação”, na meditação das “Duas
Bandeiras”, etc...
(cf. Ferran Manresa, sj – “Andando siempre a buscar lo que quiero” (Colección Ignaciana 10)
ResponderExcluirEu gostaria de saber sobre os Eclesiásticos.O Sr. poderia me ajudar?
meu email: emiliangelica.71@gmail.com
Muito obrigada.