segunda-feira, 4 de abril de 2016

Princípio e Fundamento dos EE


 
PRINCÍPIO E FUNDAMENTO: “a espiritualidade nos pés”

“Andando siempre a buscar lo que quiero” (EE. 76)

 

a) Exercícios Espirituais: “êxodo do “lugar estreito e dispersivo” ao lugar expansivo e unificador”

 

A Autobiografia de S. Inácio narra sua “experiência do Espírito” ao longo de sua peregrinação. Sem esta “experiência do Espírito” não teria havido nem “peregrinação” nem “peregrino”. A experiência pessoal do “Peregrino” deu lugar a outro livro: os Exercícios Espirituais.

Estes dificilmente seriam o que são, se não remetessem a algo que supõem: à “experiência do Espírito do peregrino”. No entanto, o livro dos Exercícios não contém a experiência do “Peregrino”, somente a “supõe”.

Assim, o livro dos Exercícios é um livro escrito “para algo que não se encontra nele”, para provocar uma nova “experiência do Espírito” que se dá “fora dele”. E isto acontece:

 

a) em forma de “diálogo” entre “aquele que faz os Exercícios” e “aquele que dá os Exercícios”;

b) em forma de “silenciosa história” (peregrinação) das relações entre Deus e o exercitante.

 

Portanto, os Exercícios Espirituais articulam algo que está fora dele, ou seja, nos oferecem um conjunto de regras e práticas que se referem às experiências (a de Inácio e a do exerciante) que não se encontram no texto. No entanto, isto que está fora dele é indispensável para entender o próprio texto.

 

Poderíamos, então, dizer que os Exercícios são uma “maneira de proceder”, um “método” (conjunto de regras e práticas) que ajuda o exercitante a alcançar o que pretende, ou seja, abrindo e transformando o “desejo” que o habita em “desejo do Outro”, através de sucessivas eleições.

Somos seres de desejo (peregrinos). As “vozes do desejo” são as que colocam o peregrino “mais além de si mesmo”, o alargam para o objeto de seu desejo. Os Exercícios supõem “as vozes do desejo”; o texto (regras e práticas) procura articular tais “vozes”.

 

Esta articulação das “vozes do desejo” desenha uma trajetória, um percurso que vai desde a posição inicial na qual se encontra o exercitante até uma posição final; o exercitante passa por uma série de “lugares” tornando efetiva a mudança de vida.

 

Em suma, os Exercícios supõem alguém que “deseja” e que, movido por este impulso, se ponha em marcha e inicie uma peregrinação em busca de uma decisão ou eleição a fazer. O método dos Exercícios implica uma experiência de contínuos “deslocamentos”.

 

Deste modo, o texto dos Exercícios vai conduzindo e guiando o exercitante, o “novo peregrino”, desde o “lugar” no qual se encontra, até o “outro lugar” mais verdadeiro; ao mesmo tempo, o texto vai oferecendo pontos de referência, mas de modo algum tais pontos substituem a peregrinação empreendida pelo exercitante, levado pelas “vozes de seu desejo”; o texto oferece ao exercitante um meio com o qual dar nome a seu desejo, decifrá-lo, articulá-lo e preparar-se para viver a partir dele.

 

Se a Autobiografia de Inácio é a história exterior e interior de sua itinerância, o livro dos Exercícios abre caminhos àquele que os faz, oferecendo alternativas a este “novo peregrino” (exercitante), e guiando-o em seus deslocamentos. De tudo isso – caminhos, alternativas e deslocamentos – deve o exercitante empenhar-se e fazer-se consciente.

Tendo em conta tudo isto, poderíamos afirmar que o livro dos Exercícios é um discurso sobre os “lugares” de uma peregrinação. Tais “lugares” são numerosos no texto dos Exercícios:

 

“composições de lugar” de todo tipo, trajetória articulada em “quatro semanas”, lugares tradicionais de oração (esquemas evangélicos), algumas “cenografias” convencionais (a meditação do “Rei temporal”, a das “Duas Bandeiras”, etc), atitudes corporais e gestuais (formas de orar), indicações sobre o “habitat humano imediato” de quem faz os Exercícios (luz ou obscuridade de acordo com a semana), indicações variantes na trajetória (repetições), práticas simuladas (proceder “como se” o exercitante se encontrasse em disposições ou situações diferentes daquelas nas quais se encontra), etc...

 

Os “lugares” sucessivos e distintos de que fala o livro dos Exercícios não constituem todos juntos uma doutrina. Muito mais do que isso, eles marcam separações entre uma situação no qual está, e está abandonando, e outra – desconhecida – à qual se dirige o exercitante, levado pelo desejo.

 

O importante, por conseguinte, não é tanto a verdade de cada lugar, como se tratasse de um artigo do credo ou de um ponto do catecismo, mas a relação entre um lugar e outro lugar, a relação entre um “lugar vivido” e outro lugar – “desconhecido”-  por viver e para onde caminhar. A peregrinação é feita de práticas, cujo resultado é um progressivo distanciamento a respeito da situação na qual o exercitante se encontrava.

 

O que no livro dos Exercícios se oferece (meditações, contemplações, repetições...) indica, no fundo, o “trabalho” (peregrinação) a fazer. Não se trata tanto de verdades que crer, como de operações (atividades) que fazer.

 

“Meditar”, “contemplar”, “considerar”... são palavras que S. Inácio utiliza, com muita frequência, no livro dos Exercícios: ações e operações do exercitante que sempre o remetem a determinados “lugares”.

“Lugares” que, neste caso, não são outra coisa que “texto” que abre – mais e mais – sua itinerância.

 

Sem tais “lugares” o itinerário do exercitante careceria de “indicadores”.

Tais “lugares” contém “verdades”, mas sobretudo conferem sentido à itinerância do peregrino.

No conjunto, estes “lugares” não são outra coisa que “textos” pelos quais se faz presente ao peregrino a itinerância de Outro Peregrino, Jesus Cristo.

 

No livro dos Exercícios, a separação entre lugares se refere à experiência da qual não fala mas à qual remete. A única experiência real é a do exercitante, e o que o texto faz é tão somente organizar sua explicitação. No texto não há narração nem descrição de experiência real alguma; unicamente encontramos “interstícios”  que nos indicam o espaço que “pode” preencher Aquele que não é contido pelo texto.

 

O peregrino percorre um caminho aparentemente descontínuo, mas na realidade todo ele em torno a um fio condutor, que oferece um sentido global à sua itinerância. Aqui nos encontramos frente àquele sentido que procede do “desejo do Outro” (Vontade de Deus).

 

Todo este “discurso topológico” (de lugares) se fundamenta num princípio que é a condição básica sem a qual não funciona tudo o que os Exercícios oferecem: o movimento para a plenitude, que poderíamos denominá-lo “não-lugar”. 

 

“Non coerceri a maximo, contineri tamen mínimo, hoc divinum este”. Ser universal e viver no singular é coisa divina. A itinerância do peregrino é a permanente passagem do universal ao particular.

 

Por um lado, a abertura ao “mais universal” é o resultado da irrupção daquele “não-lugar” no itinerário do peregrino. Por outro lado, a itinerância para o Absoluto “passa” por “lugares” concretos que vão orientando e preparando o peregrino em seu caminho para o “horizonte sempre maior”.

 

Este princípio é um “não-lugar”, algo que está mais além não só dos lugares concretos descritos e articulados pelo livro dos Exercícios, senão de “qualquer lugar” e que no livro é designado como “Princípio e Fundamento”. Viemos de Deus e caminhamos para Deus. Deus não é “lugar”, embora esteja presente em todos os lugares.

“Acredita-me, mulher, vem a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade; pois tais são os adoradores que o Pai procura” (Jo. 4,21-23).

 

A trajetória de quem faz os Exercícios consistirá em assumir dito “não-lugar” na voz de seu desejo; “não-lugar” enquanto horizonte aberto e direção da própria peregrinação. Este movimento de subida, que pode ser lenta ou rápida, fácil ou difícil, suave ou dura, esperada ou inesperada, tranquila ou perturbada, se consegue através do “modo de proceder” que os Exercícios propõem. Este “não-lugar” que se manifesta na “voz do desejo” se encarna e se cristaliza numa eleição.

 

Resumindo: Os Exercícios Espirituais, com suas quatro semanas, supõem um desejo ou vontade que procede de “outro lugar”, um desejo ou uma vontade que se exercita (se prepara) e se manifesta em relação com uma série de regras e práticas que o texto oferece. O texto, pois, “espera o Outro” e não produz Sua presença. “Outro” que é Aquele em busca do qual o exercitante se põe em marcha. O texto marca com rupturas, lugares, silêncios... aquele lugar aberto que ele não preenche.

 

O livro dos Exercícios é um texto estruturado por algo que não diz, pela experiência do exercitante à qual tem lugar mediante práticas e regras. É um texto que dá lugar a uma peregrinação. É um texto que se inscreve no processo aberto pela ruptura da qual o Princípio e Fundamento é expressão. Ele abre um espaço para a transformação do próprio desejo em “desejo do Outro”.

 

b) Princípio e Fundamento

                                                               

O “modo de proceder”  que vai articulando a peregrinação de quem faz os Exercícios – seus deslocamentos - , começa com o texto chamado Princípio e Fundamento. O Princípio e Fundamento não é a exposição de uma verdade universal, nem é um discurso geral do qual tirar conclusões particulares. Também não se trata de “verdades para crer”. Saber tais verdades não tem tanta importância para S. Inácio. Trata-se muito mais de “saborear e sentir as coisas internamente”.

 

Essencialmente, o Princípio e Fundamento consiste em “abrir espaços” para que as “vozes do desejo”  possam se manifestar ou deixar falar ao exercitante. Trata-se do esquema de um movimento, de um desprendimento, de uma peregrinação. O ponto de partida do texto dos Exercícios Espirituais não é nem uma meditação, nem uma contemplação; talvez uma consideração. Trata-se de “um lugar” que não é lugar e que não tem nome.

 

É a proposta de “um começo”, que não está dentro do “modo de proceder”, e não faz parte de seus dias, de suas horas..., mas que irá guiando as jornadas caminhantes daquele que faz os Exercícios. É a expressão de uma situação na qual o exercitante sempre se encontra; é uma “emergência” que lhe abre espaços a preencher com seu crescimento, seu serviço e sua recordação; espaços em cuja travessia vai compreendendo que Deus é a medida de seu desejo. É um “princípio”,  um “fundamento” que – como “não-lugar”- escapa à fragmentação do tempo e não pertence à articulação de lugares.

 

Podemos dizer que o Princípio e Fundamento é um “postulado”. Um postulado que como princípio permanente pode ser explicitado em qualquer momento, e de fato o é, segundo as necessidades, e nas formas que estas sugerem, ao longo da itinerância de quem faz os Exercícios, para que “recorde” o “não-lugar” ao qual se dirige, ou ao qual seu desejo o conduz. Ao peregrino lhe toca manter sempre aberto tal espaço ou “preenchê-lo” com sua peregrinação, “fazer a verdade”.

 

1) Princípio e Fundamento: lugar da 1ª ruptura

 

O Princípio e Fundamento introduz uma ruptura na ordem ou na série de idealizações ou nas práticas de vida nas quais o exercitante se encontra, quando inicia sua peregrinação levado pelo desejo.

O Princípio e Fundamento tem, portanto, efeitos dissuasivos: conduz o exercitante desde um modo de vida insatisfatório à necessidade de sentir outro melhor; conduz o peregrino de um estado de vida na dispersão a um lugar unificador em sua vida.

 

O esquema do movimento, como ruptura, faz o exercitante separar (descolar) o desejo das aderências às quais se incrusta. Estas aderências podem ser um objeto, um ideal, uma pessoa, um modo fechado de viver, uma idéia fixa, a busca de poder e status...

 

O que o Princípio e Fundamento pretende é criar uma distância afetiva de tudo isso.  Ao criar tal distância o texto propõe um “novo nascimento”; as “coisas” desaparecem, o silêncio envolve tudo. Estas são as condições para que o exercitante possa empreender uma peregrinação “como quem vê o Invisível”.

 

Assim pois, o dinamismo do Princípio e Fundamento busca realizar uma ruptura inicial, e a partir dela, vem todo o desenvolvimento posterior. Através da permanente referência ao Princípio e Fundamento, o exercitante é uma e outra vez “descolado” de suas preocupações relativas, de seus pontos de apoio, de seu fazer ou de seu dizer concretos, de seu viver (do passado) e de seu esperar (do futuro) concretos.

 

A ruptura faz com que o desejo, talvez anônimo ou reprimido, pervertido ou perdido, fique inicialmente liberado ou aberto, encontre sua formulação e vai se soltando das aderências. O desenvolvimento que segue pretende a progressiva concretização de tal desejo.

 

O movimento que o Princípio e Fundamento sugere – conduzir a Deus como “ao fim para o qual somos criados” – é a forma de passar da particularidade de conhecimentos, atitudes e práticas de vida a seu “princípio e fim” inalcançáveis; é passar do seu limitado mundo a espaços mais amplos e significativos. Enfim, trata-se de uma tática tendo em vista favorecer a “indiferença”, para revisar os meios empregados e assim alcançar o fim desejado.

A tática que o Princípio e Fundamento põe em prática ao longo dos Exercícios é a de “manter sempre aberta a ruptura inicial”, quebrando  posições fechadas, conhecimentos rígidos, afirmações absolutas, pressentimentos... nos quais o exercitante possa se encontrar.   Uma e outra vez a função do Princípio e Fundamento é a de “deixar falar o desejo”, a de liberar “algo” mais radical, mais transcendental que a ordem das eleições concretas.

 

2) Princípio e Fundamento: do “lugar-comum” ao “lugar-desafiante”

 

O Princípio e Fundamento é um “não-lugar” em relação com todos aqueles outros lugares da vida que podem ser objeto de exame, de análise, de melhora, etc... O Princípio e Fundamento remete a um “fim” que não tem nome adequado, a um “fim” pelo qual o exercitante nunca poderá apropriar-se;  remete a um “princípio” cuja “pegada” está latente no desejo de quem peregrina e que é muito mais radical que todos os sinais que possam orientá-lo, que todos os objetos que possam ser-lhe apresentados e que todos os lugares pelos quais possa atravessar.

 

Tendo em conta tudo isso, poderíamos afirmar que a função do Princípio e Fundamento (não-lugar) é a de des-regionalizar o desejo, de fato sempre encarnado em tal ou qual lugar de vida, em tal ou qual lugar de comportamento, em tal ou qual aspiração de felicidade.

 

A função do Princípio e Fundamento é, portanto, a de “universalizar” o máximo possível o desejo. Não se trata de uma generalização despersonalizadora, mas de situar o próprio desejo num “lugar” muito mais amplo e de dar sentido e horizonte novo às forças que habitam o coração do exercitante. É como se o Princípio e Fundamento (não-lugar) dissesse:

“Teu desejo não tem nem este nem o outro nome. Não tem nome. É um desejo que não é possível circunscrever e limitar. É um desejo estranho às regiões de que falas ou imaginas. É um desejo que procede do mais além de ti mesmo e se dirige para além de toda determinação. Deus é “maior” que tuas esperanças ou que teus pressentimentos”.

 

Deixar-se “romper” pelo Princípio e Fundamento (não-lugar) é deixar-se mover por um “desejo estranho”, diferente do desejo de qualquer ideal, de qualquer projeto, de qualquer caminho que o exercitante possa imaginar. Deixar-se encher por tal desejo é soltar as amarras do barco e lançar-se à aventura do grande mar.

 

3) Princípio e Fundamento: “lugar” que conduz ao “desejo do Outro”

 

O texto do Princípio e Fundamento nos remete a um Outro Peregrino, nos faz mergulhar na dimensão de um outro Alguém incognoscível, ao lugar de sua incognoscibilidade, de sua liberdade e de sua vontade. O próprio texto dos Exercícios nos dá a entender, por exemplo, quando fala das “moções”.

Estas são “irrupções daquela Vontade livre e absoluta” que, mesmo irrompendo no terreno de nosso “sentir”, continuam permanecendo “totalmente Outra” em relação a nossos projetos, pressentimentos ou desejos.

 

Com a irrupção desta Vontade Livre começa no exercitante um novo falar, um novo andar, uma nova direção, algo que brota da irrupção d’Aquele que é absolutamente livre mas também incognoscível. Com esta irrupção, o “rosto do já conhecido” é transformado e o “coração do novo peregrino” é aquecido (aceso).  Tal irrupção é a origem de uma nova ordem de vida, de um “antes de” e um “depois de”, de uma peregrinação inesperada e cheia de surpresas.

 

O Princípio e Fundamento ultrapassa as particularidades da vida cristã e eleva o exercitante para o último, para Aquele que está para além do mundo no qual este novo peregrino vive. O Princípio e Fundamento revela ao exercitante o princípio efetivo daquilo que busca, ou seja, o desejo de pôr em ordem a vida. Ao mesmo tempo, revela ao exercitante que ele nunca poderá chegar a pôr em ordem sua vida plenamente, de maneira que chegue a identificar-se com Aquele que é Liberdade absoluta e soberana.

O Princípio e Fundamento explica ao novo peregrino que “sempre vai ter que seguir caminhando”, lhe anuncia que sua itinerância será ir de “eleição em eleição”, de “lugar em lugar”, tomando consciência da distância que há entre “qualquer lugar” no qual se encontre e o “não-lugar” que é Aquele cuja Vontade e Liberdade absolutas o atraem O Princípio e Fundamento, portanto, não faz mais que atiçar – como brasas sob cinzas – o desejo latente, mas que tende a apagar-se nos limites de qualquer ordem estabelecida ou de qualquer lugar limitado.

 

Só podemos falar de “autêntica peregrinação teologal” – por parte do exercitante – no caso de que sua eleição seja tal que articule e ordene sua vida a partir desta Vontade Livre e Absoluta. Ou dito de outro modo, quando – mediante sua eleição – ordene seu “lugar na vida” a partir daquela Fonte de vida que é um “não-lugar”. Unicamente então podemos dizer que os “Exercícios” são autenticamente “espirituais”;  unicamente então podemos afirmar que o novo peregrino “não se perdeu”;  unicamente então podemos reconhecer na eleição que o exercitante fez a Eleição que sobre ele fez Aquela Vontade Livre, Absoluta e Atraente, e que logo foi acolhida livremente por ele.

 

4) Princípio e Fundamento: estado de permanente êxodo

 

A itinerância do exercitante é profundamente pessoal; mobiliza-se cada vez mais inteiramente a si mesmo. Não é estranho, portanto, que S. Inácio, no “modo de proceder” que nos oferece, tenha deixado indicações de uma certa idéia de potencialidades e capacidades que o exercitante deve apresentar para mobilizar-se no momento de iniciar a peregrinação.

O método dos Exercícios visa pôr em jogo as diferentes capacidades do exercitante a partir de sua “liberdade para eleger”,  que torna-se um princípio interior e efetivo. Trata-se de mobilizar-se por inteiro para entrar em relação com Aquele que não deixa de atrair para si o exercitante, mediante o “chamado à sua liberdade em êxodo”.

 

O Princípio e Fundamento abre um tipo de discurso e inicia uma peregrinação imprevisível, aparentemente sem uma “lógica” que nos permita prever etapas posteriores. Não se pode antecipar o caminho a percorrer, e menos ainda pensar que as situações às quais chegue o exercitante estão previamente ordenadas. Há um espaço vazio entre a situação concreta na qual se encontra o exercitante e a nova situação, tão somente delineada pelo texto do livro dos Exercícios mediante “regras e práticas”. Este espaço vazio é um umbral, para passar de uma situação a outra. Um umbral imprevisível, em suas consequências, por parte do exercitante (novo peregrino).

 

Nesse sentido, o Princípio e Fundamento não só é o “início”  mas também a “fronteira” entre o lugar que o peregrino deixa e o lugar ao qual o peregrino é dirigido (conduzido), ainda sem saber. O Princípio e Fundamento é, ao mesmo tempo, uma “ruptura” e um “inter-lúdio”. Um “não-lugar” que abre e um “não-lugar” que discerne. Por isso, o Princípio e Fundamento é retomado repetidas vezes ao longo do texto dos Exercícios, cada vez que se trata de “passar”. Por outro lado, o Princípio e Fundamento mantém sempre sua função de ruptura.

 

Sua repetição – de diferentes formas – ao longo do texto do livro não tem outra função que reconduzir o exercitante, uma e outra vez, ao “ponto zero”, àquele ponto desde o qual o peregrino descobre e torna a descobrir a “sempre maior” verdade da Palavra que irrompeu em sua vida;  àquele ponto no qual dita Palavra está mais despossuída “das coisas que fazer”;  àquele ponto no qual a Palavra não “tem lugar neste mundo”;  àquele ponto no qual a Palavra não lhe pertence e portanto não pode ser domesticada;  àquele ponto que no fundo não é outro que “ir sempre peregrinando”;  àquele ponto no qual eleger  não tem nenhum lugar em que viver ou apoiar-se ou não tem mais lugar a não ser a Palavra mesma que irrompeu no coração do novo peregrino.

 

Esta experiência pode ter diferentes momentos: pode acontecer no umbral, no princípio da peregrinação do exercitante; pode dar-se também ao longo da peregrinação. As “recordações” desta variabilidade de momentos de tal experiência são frequentes no livro dos Exercícios: no “chamado do Rei Temporal”, na meditação da “Encarnação”, na meditação das “Duas Bandeiras”, etc...

 

 

(cf. Ferran Manresa, sj – “Andando siempre a buscar lo que quiero”  (Colección Ignaciana 10)

 

Um comentário:


  1. Eu gostaria de saber sobre os Eclesiásticos.O Sr. poderia me ajudar?
    meu email: emiliangelica.71@gmail.com
    Muito obrigada.

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