O MINISTÉRIO
DO ACOMPANHAMENTO ESPIRITUAL:
homens e
mulheres abertos ao mistério.
“Quê tremendo é cair nas mãos de um Deus vivo?”
a) Acompanhamento: “Acolher a Vida, acompanhando a vida”
A “vida no Espírito” é contínuo itinerário através dos diferentes
acontecimentos vividos cada dia, nestes tempos sempre mutáveis e
surpreendentes. Tudo muda, permanece o essencial. E o essencial é “buscar a
Deus”; buscar Àquele que habita, por seu Espírito, no fundo de cada coração,
para consentir em liberdade a essa graça recebida “porque n’Ele vivemos, nos
movemos e existimos”.
“Buscar a
Deus”
é adentrar-se na aventura do caminho interior; uma interioridade entendida como
aquele que vai nos libertando dos medos e iluminando os “olhos do coração” (Ef.
1,18), para reconhecê-lo e acolhê-lo em cada pessoa e acontecimento.
No acompanhamento espiritual trata-se de ajudar os outros a
rastrear os passos de Deus por sua vida, para que vejam como continuar
avançando no seguimento de Cristo; o acompanhante ajuda o acompanhado a
reconhecer, acolher e responder Àquele que acontece como Vida, para deixar-se
transformar por Ele.
O acompanhante é mediação que facilita, que serve, que testifica
os passos libertadores de Deus pela vida do acompanhado, e o anima a uma melhor
resposta. Acompanhar com a finalidade de acolher a Vida é uma ciência do
coração. “A realidade de Deus, vivida no
profundo do mistério da pessoa, nos convida a refletir, a aprofundar essa
ciência do coração que é o acompanhamento espiritual” (Claire Dumouche).
Acolher a Vida é fruto de um encontro. O acompanhado se interessa
por descobrir as pegadas de Deus em sua existência, necessita de alguém que o
ajude a verificar, ler e interpretar estas visitas do Senhor.
b) Mc. 1,31: “Ele se aproximou, tomou-a pela mão e a levantou”
Esta é a estratégia de Jesus no acompanhamento das pessoas. Sem
proximidade não há possibilidade de um acompanhamento fecundo. Quando Jesus
“toma-a pela mão”, repete o gesto criador que cria com suas mãos; para
acompanhar é preciso “amassar” a realidade, recriá-la, reinventá-la, construir
estruturas de novidade. Um acompanha-mento que se limita ao “já criado” e com
as mesmas “soluções” de sempre, desembocará no fracasso.
Mais ainda: para acompanhar Jesus “levanta”: o termo faz
referência à ressurreição, ao “levantamento” da pessoa em todas as suas
dimensões e possibilidades. Um acompanhamento que não colaborasse na
reconstrução de uma nova “estrutura humana”, o qual toda pessoa busca e deseja
com avidez, ficaria a meio caminho.
Somos homens e mulheres convidados a crescer em humanidade e em
sabedoria para poder acompanhar os outros no caminho da vida. Somos o rosto de
Jesus para eles, mestres e aprendizes, testemunhas e ministros do amor de Deus
a serviço da “humanização” Acompanha-se um ser humano para que se humanize e se
reconheça profundamente humano.
Trata-se de facilitar a que o acompanhado se descubra ou seja
autenticamente humano: uma pessoa de esperança, apaixonada pela verdade, que
possui uma pureza de intenção, uma vontade enorme de ser livre, de amar com
autenticidade... A vida espiritual não se constrói à margem da vida humana. Para
ser genuinamente espiritual é preciso ser autenticamente humano. “Humanizar” o
acompanhado significa que, em si mesmo, ele chegue a gerar um coração com
atributos humanos.
Acompanhar é um ministério, é comprometer-se a educar
eclesialmente uma pessoa e dispô-la à maturidade cristã, ao surgimento nela do
“ser humano novo” em Cristo. Acompanhar é um trabalho árduo, integrador, nunca
uma mera técnica. Requer homens e mulheres com um coração sábio, com liberdade
para pensar, para viver.
O serviço de acompanhar supõe uma pessoa confiável, integrada, com
capacidade de relacionar-se com liberdade, e assim ajudar o outro a crescer em
sua realidade única e irrepetível. É um desafio porque se trata de crescer para
chegar a ser uma pessoa simples, vencer a auto-suficiência e a auto-referência,
e poder chegar a ocupar o último lugar. Um acompanhante é chamado a ser
testemunha da bondade de Deus, de um amor ativo e livre para acolher os
acompanhados não só com palavras mas com entranhas, de verdade. Requer aprender
a expressar o carinho, a ternura e a proximidade sem a rigidez que o temor
produz.
Todo acompanhante precisa desenvolver habilidades para olhar, para
sentir, vibrar com liberdade e uma grande capacidade de admiração, como também
para aguentar contratempos, para sofrer, para frustrar-se. Ser livre para
corrigir e paciente para ensinar, disposto sempre a aprender das pessoas, das
situações e da experiência dos outros. É necessário, para alguns, purificar
suas tendências possessivas que estão profundamente enraizadas em sua maneira
de ser; para outros, é preciso purificar sua tendência a ser “light”, que crê que acompanhar significa dar dois ou
três conselhos e com isto basta para que os outros cresçam em humanidade.
Os acompanhados tem direito a encontrar-se com um homem ou uma
mulher de olhar amplo e coração aberto, com a experiência da complexidade da
vida e com delicadeza para não manipulá-los, permitindo-lhes que sejam eles
mesmos. O acompanhante é alguém que pode “compreender” o mundo interior das
pessoas com suas riquezas, sua complexidade e suas inseguranças...; é alguém
que pode também “con-sentir”, ou seja, deixar-se afetar pelo sentir com os
outros. Isto requer em si, baixar suas defesas para assim co-alegrar e
co-sofrer com as alternativas de vida de seus acompanhados. A amplitude de
coração implica saber escutar, saber “estar aí” e esperar os tempos e os ritmos
dos outros, suas flutuações com avanços e recuos, suas confusões e momentos de
luz.
Acompanhar é um serviço de misericórdia e requer uma grande
flexibilidade intelectual, emocional e moral. Para isso precisa desenvolver
suas “entranhas de pai-mãe” de maneira a poder ter espaço e energia para ajudar
a que outros tenham vida. O acompanhante tem que ser testemunha de humanidade.
Para isso, é preciso primeiramente ter “entrado em si” para ter clara consciência de suas
habilidades e de seus limites, para assumir as luzes e sombras de sua maneira
de ser, para dar nome àquilo que é difícil e belo no seu ser interior. Assim
poderá conseguir ordenar sua memória e seus afetos: raivas, penas, medos,
agressividades, impulsividades... e aprender a manejá-los.
O acompanhante deve ser uma pessoa em quem se possa fiar,
descansar e crer. Para isso é preciso cultivar algumas virtudes, forças,
valores:
- ser veraz: não só dizer a verdade, senão também que haja
coerência entre o ser, o pensar e o agir;
- ser capaz de carregar o segredo do que foi visto e escutado, com
uma confidencialidade a toda prova;
- sabedoria de vida, que é fruto da graça de Deus e a reflexão
sobre os erros cometidos ao longo da vida
- confiar nas intuições pessoais; a intuição é um dom do Senhor
presente na pessoa que acompanha; a intuição, como os grandes desejos, brotam
de maneira inesperada; não é algo que alguém elabora, senão que surge como dom
do ser;
- assombrar-se do caminho de Deus, diferente e original em cada
pessoa; isso facilita o estar aberto ao que o Senhor realiza nessa pessoa com
sua personalidade, sua história, suas fortalezas e debilidades.
Uma pessoa tem “massa humana” para o acompanhamento quando é capaz
de escutar e de intuir, de empatizar em profundidade, de conter as emoções e as
moções espirituais da pessoa ajudada; quando possui discreção, um sentido comum
básico, um sentido do concreto, da vida cotidiana, um talante otimista e
esperançador do Espírito de Deus que trabalha no mundo e nas pessoas.
Acompanhar supõe ter feito uma opção radical por Jesus Cristo; essa é uma opção
afetiva que orienta nossa razão e que canaliza nossa energia. O acompanhante
precisa conhecer, maturar a mensagem de Jesus, sua vida, sua maneira de
relacionar-se, seu projeto, sua morte e ressurreição. O acompanhante é chamado
a ser degustador da Palavra, obedien-te à Palavra, mestre da Palavra, para
assim saber “ler” a vida e os acontecimentos com olhos novos. O acompanhante
precisa cultivar em si mesmo e em seus acompanhados sua capacidade de sonhar e
de construir o Reino com tanta intensidade que lhe encha a imaginação e o
coração e lhe permita aceitar as dores da vida, as dificuldade da fé, os
limites do humano.
Busca transformar a realidade com os critérios do Evangelho. Precisa
aprender e ensinar a abrir caminhos junto com os outros, no meio dos homens,
conduzidos pelo Espírito. Tudo isso tem a ver com uma clara e explícita
espiritualidade de missão que o mobiliza e o coloca (ele e seus acompanhados)
ao serviço daqueles que mais necessitam ser servidos, animados, consolados.
Os acompanhantes são chamados a estar inseridos no mundo; são
homens e mulheres marcados pelo mistério da Encarnação do Filho de Deus que se
esvaziou para percorrer todos os nossos caminhos, com suas belezas e seus
limites evidentes. Inseridos no coração da Igreja, o acompanhante é parte dela,
com sua graça e seu pecado. A experiência cristã não é um processo intimista
que se vive solitariamente. Pertencemos à Igreja e é ela quem nos alimenta com
o melhor que tem: o amor misericordioso de Deus e a sabedoria de séculos.
Por fim, é preciso que o acompanhante chegue a ter uma clara
consciência do mistério, estar aberto ao mistério de Deus e de suas estratégias
que o ultrapassam. Nós e nossos acompanhados somos também um mistério
inalcançável. Não conseguimos conhecer-nos e entender o que somos e fazemos, e
menos ainda chegamos a conhecer e entender os outros. Precisamos entrar no
mistério da dor, do pecado próprio e alheio, da cruz...
cf. Alvaro Gonzalez –
Madurez humana y spiritual del acompañante Testimonio no. 197-198 (2003)
“Três
nostalgias se aninham nas profundezas do coração humano:
- a
nostalgia de um colo materno,
- a
nostalgia de uma voz paterna
- e a
nostalgia de um eu purificado de traumas e complexos”
(E.
Erickson)
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