segunda-feira, 25 de abril de 2016

O Ministério do Acompanhamento Espiritual


 
O MINISTÉRIO DO ACOMPANHAMENTO ESPIRITUAL:
homens e mulheres abertos ao mistério.

 

“Quê tremendo é cair nas mãos de um Deus vivo?”

 

a) Acompanhamento: “Acolher a Vida, acompanhando a vida”

 

A “vida no Espírito” é contínuo itinerário através dos diferentes acontecimentos vividos cada dia, nestes tempos sempre mutáveis e surpreendentes. Tudo muda, permanece o essencial. E o essencial é “buscar a Deus”; buscar Àquele que habita, por seu Espírito, no fundo de cada coração, para consentir em liberdade a essa graça recebida “porque n’Ele vivemos, nos movemos e existimos”.

“Buscar a Deus” é adentrar-se na aventura do caminho interior; uma interioridade entendida como aquele que vai nos libertando dos medos e iluminando os “olhos do coração” (Ef. 1,18), para reconhecê-lo e acolhê-lo em cada pessoa e acontecimento.

 

No acompanhamento espiritual trata-se de ajudar os outros a rastrear os passos de Deus por sua vida, para que vejam como continuar avançando no seguimento de Cristo; o acompanhante ajuda o acompanhado a reconhecer, acolher e responder Àquele que acontece como Vida, para deixar-se transformar por Ele.

 

O acompanhante é mediação que facilita, que serve, que testifica os passos libertadores de Deus pela vida do acompanhado, e o anima a uma melhor resposta. Acompanhar com a finalidade de acolher a Vida é uma ciência do coração. “A realidade de Deus, vivida no profundo do mistério da pessoa, nos convida a refletir, a aprofundar essa ciência do coração que é o acompanhamento espiritual” (Claire Dumouche).

 

Acolher a Vida é fruto de um encontro. O acompanhado se interessa por descobrir as pegadas de Deus em sua existência, necessita de alguém que o ajude a verificar, ler e interpretar estas visitas do Senhor.

 

b) Mc. 1,31: “Ele se aproximou, tomou-a pela mão e a levantou”

 

Esta é a estratégia de Jesus no acompanhamento das pessoas. Sem proximidade não há possibilidade de um acompanhamento fecundo. Quando Jesus “toma-a pela mão”, repete o gesto criador que cria com suas mãos; para acompanhar é preciso “amassar” a realidade, recriá-la, reinventá-la, construir estruturas de novidade. Um acompanha-mento que se limita ao “já criado” e com as mesmas “soluções” de sempre, desembocará no fracasso.

 

Mais ainda: para acompanhar Jesus “levanta”: o termo faz referência à ressurreição, ao “levantamento” da pessoa em todas as suas dimensões e possibilidades. Um acompanhamento que não colaborasse na reconstrução de uma nova “estrutura humana”, o qual toda pessoa busca e deseja com avidez, ficaria a meio caminho.

 

Somos homens e mulheres convidados a crescer em humanidade e em sabedoria para poder acompanhar os outros no caminho da vida. Somos o rosto de Jesus para eles, mestres e aprendizes, testemunhas e ministros do amor de Deus a serviço da “humanização” Acompanha-se um ser humano para que se humanize e se reconheça profundamente humano.

 

Trata-se de facilitar a que o acompanhado se descubra ou seja autenticamente humano: uma pessoa de esperança, apaixonada pela verdade, que possui uma pureza de intenção, uma vontade enorme de ser livre, de amar com autenticidade... A vida espiritual não se constrói à margem da vida humana. Para ser genuinamente espiritual é preciso ser autenticamente humano. “Humanizar” o acompanhado significa que, em si mesmo, ele chegue a gerar um coração com atributos humanos.

 

Acompanhar é um ministério, é comprometer-se a educar eclesialmente uma pessoa e dispô-la à maturidade cristã, ao surgimento nela do “ser humano novo” em Cristo. Acompanhar é um trabalho árduo, integrador, nunca uma mera técnica. Requer homens e mulheres com um coração sábio, com liberdade para pensar, para viver.

 

O serviço de acompanhar supõe uma pessoa confiável, integrada, com capacidade de relacionar-se com liberdade, e assim ajudar o outro a crescer em sua realidade única e irrepetível. É um desafio porque se trata de crescer para chegar a ser uma pessoa simples, vencer a auto-suficiência e a auto-referência, e poder chegar a ocupar o último lugar. Um acompanhante é chamado a ser testemunha da bondade de Deus, de um amor ativo e livre para acolher os acompanhados não só com palavras mas com entranhas, de verdade. Requer aprender a expressar o carinho, a ternura e a proximidade sem a rigidez que o temor produz.

 

Todo acompanhante precisa desenvolver habilidades para olhar, para sentir, vibrar com liberdade e uma grande capacidade de admiração, como também para aguentar contratempos, para sofrer, para frustrar-se. Ser livre para corrigir e paciente para ensinar, disposto sempre a aprender das pessoas, das situações e da experiência dos outros. É necessário, para alguns, purificar suas tendências possessivas que estão profundamente enraizadas em sua maneira de ser; para outros, é preciso purificar sua tendência a ser “light”,  que crê que acompanhar significa dar dois ou três conselhos e com isto basta para que os outros cresçam em humanidade.

 

Os acompanhados tem direito a encontrar-se com um homem ou uma mulher de olhar amplo e coração aberto, com a experiência da complexidade da vida e com delicadeza para não manipulá-los, permitindo-lhes que sejam eles mesmos. O acompanhante é alguém que pode “compreender” o mundo interior das pessoas com suas riquezas, sua complexidade e suas inseguranças...; é alguém que pode também “con-sentir”, ou seja, deixar-se afetar pelo sentir com os outros. Isto requer em si, baixar suas defesas para assim co-alegrar e co-sofrer com as alternativas de vida de seus acompanhados. A amplitude de coração implica saber escutar, saber “estar aí” e esperar os tempos e os ritmos dos outros, suas flutuações com avanços e recuos, suas confusões e momentos de luz.

 

Acompanhar é um serviço de misericórdia e requer uma grande flexibilidade intelectual, emocional e moral. Para isso precisa desenvolver suas “entranhas de pai-mãe” de maneira a poder ter espaço e energia para ajudar a que outros tenham vida. O acompanhante tem que ser testemunha de humanidade. Para isso, é preciso primeiramente ter “entrado em si”  para ter clara consciência de suas habilidades e de seus limites, para assumir as luzes e sombras de sua maneira de ser, para dar nome àquilo que é difícil e belo no seu ser interior. Assim poderá conseguir ordenar sua memória e seus afetos: raivas, penas, medos, agressividades, impulsividades... e aprender a manejá-los.

 

O acompanhante deve ser uma pessoa em quem se possa fiar, descansar e crer. Para isso é preciso cultivar algumas virtudes, forças, valores:

- ser veraz: não só dizer a verdade, senão também que haja coerência entre o ser, o pensar e o agir;

- ser capaz de carregar o segredo do que foi visto e escutado, com uma confidencialidade a toda prova;

- sabedoria de vida, que é fruto da graça de Deus e a reflexão sobre os erros cometidos ao longo da vida

- confiar nas intuições pessoais; a intuição é um dom do Senhor presente na pessoa que acompanha; a intuição, como os grandes desejos, brotam de maneira inesperada; não é algo que alguém elabora, senão que surge como dom do ser;

- assombrar-se do caminho de Deus, diferente e original em cada pessoa; isso facilita o estar aberto ao que o Senhor realiza nessa pessoa com sua personalidade, sua história, suas fortalezas e debilidades.

 

Uma pessoa tem “massa humana” para o acompanhamento quando é capaz de escutar e de intuir, de empatizar em profundidade, de conter as emoções e as moções espirituais da pessoa ajudada; quando possui discreção, um sentido comum básico, um sentido do concreto, da vida cotidiana, um talante otimista e esperançador do Espírito de Deus que trabalha no mundo e nas pessoas.

 

Acompanhar supõe ter feito uma opção  radical por Jesus Cristo; essa é uma opção afetiva que orienta nossa razão e que canaliza nossa energia. O acompanhante precisa conhecer, maturar a mensagem de Jesus, sua vida, sua maneira de relacionar-se, seu projeto, sua morte e ressurreição. O acompanhante é chamado a ser degustador da Palavra, obedien-te à Palavra, mestre da Palavra, para assim saber “ler” a vida e os acontecimentos com olhos novos. O acompanhante precisa cultivar em si mesmo e em seus acompanhados sua capacidade de sonhar e de construir o Reino com tanta intensidade que lhe encha a imaginação e o coração e lhe permita aceitar as dores da vida, as dificuldade da fé, os limites do humano.

 

Busca transformar a realidade com os critérios do Evangelho. Precisa aprender e ensinar a abrir caminhos junto com os outros, no meio dos homens, conduzidos pelo Espírito. Tudo isso tem a ver com uma clara e explícita espiritualidade de missão que o mobiliza e o coloca (ele e seus acompanhados) ao serviço daqueles que mais necessitam ser servidos, animados, consolados.

 

Os acompanhantes são chamados a estar inseridos no mundo; são homens e mulheres marcados pelo mistério da Encarnação do Filho de Deus que se esvaziou para percorrer todos os nossos caminhos, com suas belezas e seus limites evidentes. Inseridos no coração da Igreja, o acompanhante é parte dela, com sua graça e seu pecado. A experiência cristã não é um processo intimista que se vive solitariamente. Pertencemos à Igreja e é ela quem nos alimenta com o melhor que tem: o amor misericordioso de Deus e a sabedoria de séculos.

 

Por fim, é preciso que o acompanhante chegue a ter uma clara consciência do mistério, estar aberto ao mistério de Deus e de suas estratégias que o ultrapassam. Nós e nossos acompanhados somos também um mistério inalcançável. Não conseguimos conhecer-nos e entender o que somos e fazemos, e menos ainda chegamos a conhecer e entender os outros. Precisamos entrar no mistério da dor, do pecado próprio e alheio, da cruz...

                                            

 cf. Alvaro Gonzalez – Madurez humana y spiritual del acompañante Testimonio no. 197-198 (2003)

 

 

 

“Três nostalgias se aninham nas profundezas do coração humano:

- a nostalgia de um colo materno,

- a nostalgia de uma voz paterna

- e a nostalgia de um eu purificado de traumas e complexos”

(E. Erickson)

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