PRINCIPIO E FUNDAMENTO
José Maria Rambla sj
Cuadernos EIDES, n. 63 pp. 3-16
Entrada
em Exercícios
O PF é um elemento essencial no processo
dos Exercícios que aparece já nas primeiras tentativas ou formas mais
elementares de sua prática. É a rocha sobre a qual se constrói a experiência
espiritual de todos os Exercícios. No entanto, a redação definitiva é tardia,
possivelmente da época em que Inácio residiu no norte da Itália (1536-1539).
Nos Exercícios dados a Helyar, de 1534, o texto acomodado mais antigo que se
conserva do texto inaciano, o PF aparece de forma ainda inacabado e dentro das
Anotações.
1.Princípio
e Fundamento (23): Construir sobre rocha
A vinculação essencial do PF ao processo
dos Exercícios aparece com maior claridade quando se tem em conta que o PF está
presente ao longo de toda a experiência: Oração preparatória (46), nos momentos
mais decisivos, como o preâmbulo da eleição (169) e inclusive na aplicação dos
Exercícios àqueles que não os fazem em completo retiro (19). Em razão desta
importância, os diferentes diretórios inacianos supõem que se proponha sempre o
PF.
1.1. Um texto desnudo
Entre as primeiras orientações sobre os
Exercícios Espirituais (1-22) e as pautas para os diferentes exames (22-44),
antes de entrar de cheio nas meditações da Primeira Semana, aparece desnudo o
PF, sem orientações sobre sua finalidade e a maneira de exercitá-lo. As
abundantes indicações sobre o modo de propô-lo e realizá-lo, que são oferecidas
nos diretórios inacianos ou de direta inspiração inaciana, suprem em parte esta
desnudez do texto.
No entanto, o título mesmo parece indicar
já sua finalidade: é um “princípio” do qual derivam uma série de verdades
essenciais para a concepção da vida humana. É “fundamento” sobre o qual se constrói o
edifício da vida. Consequentemente pode-se afirmar que o PF não é começo, mas
início. Seria começo se consistisse em alguma afirmação ou exercício para
começar os Exercícios, mas cuja função desapareceria uma vez passados os
momentos iniciais. No entanto, o início não só tem sua função ao princípio,
senão que continua desenvolvendo-se e influindo ao longo de todos os
Exercícios.
Percebe-se no texto um processo crescente
para a práxis, revelando já seu caráter não teórico, mas existencial. Passa-se
de uma consideração do sentido e orientação da vida (“o homem é criado
para...”) a uma proposição de atitudes (“é necessário fazer-nos indiferentes”).
A importância capital do PF não deve ser
obscurecida pela impressão que uma primeira aproximação ao texto pode causar. O
caráter conciso e de uma frieza notável, algumas expressões (“salvar a alma”,
“fazer-se indiferentes”...), a formulação teológica da época, podem
surpreender, mas o esquematismo e a sobriedade do texto é o que permite sempre
relê-lo e atualizá-lo, sem trai-lo.
No entanto, nos diferentes diretórios
sobre o PF, aparece uma insistência, por um lado, no caráter árido deste
exercício e, por outro, é indispensável realizá-lo de modo conveniente para o
reto enfoque da prática dos Exercícios Espirituais.
Conciliar a aridez com a entrada a fundo
na experiência do PF pode desembocar num beco sem saída. Por isso, foram muito
oportunas as reflexões de Karl Rahner sobre a importância da dimensão afetiva,
pois elas nos advertem do risco que se corre de apresentar o PF de modo
excessivamente seco, o qual desnaturalizaria a essência do exercício ou
inclusive far-se-ia impraticável para algumas pessoas.
Convém, pois, analisar o conteúdo mesmo do
PF. As três partes do PF indicam claramente o processo mediante o qual se
desenrola a experiência espiritual que propõe. Nele se pode distinguir:
1) Um
princípio geral (“O homem é criado...”). O sentido da vida
humana e de todas as coisas criadas ordenadas para o homem para o cumprimento
de seu fim. Não diz “foi criado”, mas “é criado”, ou seja, que o ato criador de
Deus se dá no presente e, na medida que o ser humano vive conscientemente este
presente, adentra-se no ato criador que lhe recria a cada instante, desde a
profundidade de si mesmo.
2) Uma
conclusão teórica (“donde se segue...”). Portanto, cada pessoa
deve orientar sua existência no meio do mundo servindo-se das coisas ou
deixando-as, na medida que ajudem-na ou não na realização da finalidade de sua
vida.
3) Uma
conclusão dinâmica (“Por isso é necessário...”). É evidente,
pois, que tomar decisões orienta-das para a finalidade da vida, no meio de
distintas oportunidade que se oferecem, exige liberdade pessoal para não
atar-se a condicionamentos afetivos que possam transformar os meios em fins...
As três partes do PF indicam, pois, um
itinerário personalizador que conduz da passividade à atividade. Não podemos
prescindir da letra do texto, mas tampouco podemos ficar presos exclusivamente
a ela, a palavras ou frases isoladas do conjunto dos Exercícios e do pensamento
inaciano, se queremos interpretá-lo corretamente.
Com razão Pe. Iparraguirre afirmava que
devemos nos guiar pelo conjunto do pensamento de S. Inácio.
1.2.
Desentranhando o texto
1.2.1.
A Pessoa humana como sujeito.
O texto é óbvio em sua estrutura, mas pede
que se clarifique ou sublinhe alguns de seus termos.
O homem é a primeira palavra do primeiro
exercício; isto realça a função primordial da pessoa humana como agente e como
objeto da experiência dos exercícios. Os Exercícios orientam-se para a
transformação da pessoa, fazendo-a plenamente disponível à ação de Deus em sua
vida. É a pessoa humana, portanto, quem entra primeiramente em jogo, é o
sujeito dos exercícios. “Aquele que os faz”, repete Inácio.
Cada um de nós foi e é objeto do olhar
amoroso de Deus, desde sempre, pois Ele nos criou para comunicar-nos sua
bondade e seu amor. “Tu me teceste nas entranhas de minha mãe” (Sl. 139,13); “é
Ele quem primeiro nos amou” (1Jo. 4,19). A expressão “é criado” não só indica a
obra já realizada por Deus, mas o caráter permanente de seu amor criador.
Porque Deus cria sem cessar e toda a história é uma criação nunca acabada. Ao
reviver eesta experiência, os exercícios deixam transparecer “que somos
atual-mente criados por Deus nosso Senhor com todo detalhe e que escutamos os
chamados de Deus na vida quando escutamos nossos desejos mais profundos, que
brotam do amor criador e apaixonado que Deus nos tem” (W.A. Barry).
Nesta mesma relação de Deus conosco
enraíza-se o caráter relacional da existência humana. Cada um de nós existe
para, já que nascemos de uma relação, criados por Aquele que “nos amou
primeiro”.
1.2.2.
A centralidade de Deus e o amor ao próximo
Louvar (expansão), reverenciar
(contenção), servir (concretização).
A relação que o exercitante estabelece tem
seu centro no Criador mesmo, em Deus mesmo. É daqui que o PF ajuda a enfocar
corretamente esta relação com Deus, já desde o começo mesmo dos Exercícios, e
assim evita-se ou corrige-se qualquer falsa imagem de Deus.
O Deus “sempre maior” agostiniano expressa
o caráter absoluto, a supremacia total de Deus em relação a qualquer outra
realidade alheia a Ele. Louvar é o reconhecimento desta supremacia, mas bem
entendido de que a supremacia de Deus é seu Amor e, portanto, o louvor que lhe
é tributado é a do regozijo por ser o que é, ou seja, Aquele que tanto ama o
mundo que lhe entregou seu próprio Filho.
Do mesmo modo, o exercitante deve
reconhecer sua dependência filial, deve reverenciar, mas com a consciência de que
só se vive a filiação se se vive a fraternidade. E, como não basta dizer
“Senhor, Senhor” se não se faz sua vontade, a relação com Deus deve traduzir-se
em ato de “servir”.
Naturalmente, já que se trata de uma
resposta ao Deus revelado, o amor a Deus não pode ser um amor isolado da
humanidade e dos irmãos e irmãs. “Se Deus nos amou tanto, amemo-nos...” (1Jo.
4,11).
Este motivo bíblico tem também uma
impostação inaciana: dado que na mistagogia dos Exercícios se encontra a
experiência mesma de Inácio, não podemos esquecer que o Deus, centro absoluto
de sua vida, é um Deus em cuja comunhão, vivida de modo nuclear junto ao
Cardoner, faz descobrir a importância fundamental de “ajudar as almas”. Ou
seja, o Deus inaciano é um Deus no qual a pessoa de fé encontra o mundo e a
humanidade.
Por isso, costuma-se relacionar esta
perspectiva inaciana com a clássica afirmação de S. Irineu: “a glória de Deus é
que o ser humano vivo”. E, por sua vez, “a vida do ser humano se encontra na
glória de Deus”. Nesta direção meditativa do começo do PF, o exercitante
concilia a adoração (“a glória de Deus”) com a infinita confiança em um Deus que
é “vida do ser humano”.
Deste modo, desenvolvem-se três atitudes
fundamentais na relação com Deus e com o ser humano: a gratuidade que valoriza
o outro por si mesmo, a alteridade que não instrumentaliza o outro e as obras
que fazem real o amor.
Além disso, é preciso destacar que na
literatura inaciana o louvor e a glória de Deus não tem um caráter abastrato,
mas concretamente apostólico, longe de todo ideal perfeccionista e
individualista.
Assim, pois, pode-se afirmar que a
primeira parte do PF é uma forma sintética e pedagógica de apresentar a
primeira parte do Pai Nosso. Efetivamente, o louvor corresponde ao “santificado
seja o teu nome”, já que nele se expressa a supremacia de Deus; reverenciar
consiste na dependência do ser humano que deve pôr o Reino de Deus no centro
absoluto de suas intenções, deve “buscar o Reino” acima de tudo; mas esta busca
se deve traduzir nas obras, em fazer a vontade de Deus, ou seja, em servir.
De algum modo, responde-se, assim, à
questão repetida com freqüência de que o amor não aparece no PF. Certamente,
não se encontra com a mesma palavra, como também no Pai Nosso, mas sim a
substância mesma do amor, tanto a Deus como aos irmãos. Além disso, a
centralidade de Deus não só não diminui o caráter absoluto do amor aos irmãos,
senão que lhe dá uma maior dimensão e uma maior profundidade.
Tudo isto é o que Teilhard de Chardin
expressava quando imaginava Deus como o centro de uma esfera para o qual todos
os pontos da esfera confluem e do qual emana a vida que se expande.
1.2.3.
A felicidade plena como cume do projeto de Deus.
O resultado desta relação viva entre Deus
que nos ama e nós que queremos responder ao seu amor é o “salvar a alma”, a
perfeição integral da pessoa, a plenitude última e definitiva da própria existência.
Como diz o Pe. Iparraguirre, “os
Exercícios não se reduzem à ‘salvação’, senão que pretendem a saúde, a
perfeição integral”.
Portanto, tudo o que precede (louvar,
reverenciar, servir) enche de conteúdo o “salvar sua alma”, equi-valente da
plenitude de vida humana ou a felicidade total e não simplesmente o evitar a
desgraça infinita da condenação, como poderia sugerir o verbo “salvar”.
Pois bem, esta plenitude de vida ou
felicidade, que é o anseio supremo que habita o coração humano, não é como um
premio ou recompensa exterior e posterior a uma vida toda ela orientada para o
“Deus conosco”, mas que é algo interior a esta mesma forma de viver.
A expressão do PF “mediante isto” sugere
que na tríplice atitude mencionada se dá a felicidade, inicialmente agora, e em
plenitude quando se manifestará o que já somos (cf. 1Jo 3,2).
Em consequência, é importante que esta
dicha(?) que Deus nos oferece não fique escondida e obscurecida detrás daquilo
que Inácio propõe, em primeiro lugar certamente, mas não como algo separado
dela.
Deus nos escolheu para ser seus filhos e
filhas e desfrutar desta plenitude filial e fraterna (cf. Ef. 1,3-14).
1.2.4.
“As outras coisas” ou a Integração
A vida humana se desenvolve dentro da
criação mediante uma rede de relações muito diversas: sociedade, cultura,
economia e política, família, cosmos, etc. A existência cristã, no mundo, é uma
forma integradora de viver “as outras coisas”, mas com uma certa hierarquia ou
ordem: “as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o ser humano e
para que lhe ajudem na realização da finalidade para o qual é criado”.
Se eliminarmos da idéia de ordenação para
a pessoa humana a conotação negativa de autorização para o domínio arbitrário,
devorador “das outras coisas”, pode-se conceber a vida humana como a harmonia
de um concerto no qual diferentes instrumentos, com sua grande diversidade e
com a riqueza de uma partitura, interpretam uma sinfonia. No centro se encontra
Deus e a pessoa humana - eu e as demais pessoas – em relação com o mundo e as
diferentes estruturas em que se desenvolve a vida, integrados numa unidade dinâmica.
Junto ao Rio Cardoner, Inácio teve “uma ilustração tão grande, que lhe pareciam
novas todas as coisas” (Aut. 30). Por isso, no dizer de Jenonimo Nadal, sempre
via o mundo em um conjunto, não parcialmente, mas na composição de uma unidade
harmônica.
Continuando com a imagem do concerto,
podemos notar como em toda interpretação cabe a variada combinação de sons com
os imprescindíveis silêncios formando a beleza da sinfonia. O mesmo acontece na
vida humana segundo Deus: a pessoa que quer viver a plenitude de vida deve
saber tomar decisões positivas a respeito das coisas (“usar delas”) e, às
vezes, saber distanciar-se e negar determinado uso das coisas (“afastar-se
delas”), na medida em que as coisas ajudam ou, ao contrário, constituem um
impedimento para a realização da vida humana.
Esta relativização das coisas em função da
finalidade da vida humana não deve conduzir a uma pura instrumentalização das
mesmas, já que as coisas em si mesmas tem um valor e formam parte de um
uni-verso e uma história que é em verdade “meio divino”.
A este respeito é importante a
consideração destas duas mensagens bíblicas: um novo céu e uma nova terra como
cume de nosso mundo, segundo os anúncios de Isaías, Romanos 8, Apocalipse 21,
etc. e a concepção de toda a criação integrada no Ressuscitado, como aparece
nas cartas a Efésios e Colossenses. O pensamento de Teilhard de Chardin, de
Raimon Panikar e muitas contribuições da ecologia prolongam estas mensagens
bíblicas.
No PF não nos encontramos, pois, longe
daquilo que hoje se considera como concepção cosmoteândrica da vida humana: o
ser humano em harmonia com os demais seres humanos, com o cosmos e com Deus.
Usando os termos do NT, trata-se de buscar o Reino de Deus, ou seja, Deus em
relação com toda a cria-ção e sua justiça no mundo atual.
1.2.5.
Liberdade para eleger
Em meio a uma espessa trama de realidades
nas quais se desenvolve a vida humana, não é raro que ocorra alguma destas duas
coisas: uma, que se perca o norte, e daí a importância do que foi exposto sobre
o PF até o momento; outra, que alguém se encontre preso por coisas que o
hipnotizam ou lhe aprisionam de tal modo que suas opções não se dirijam no
sentido da vida segundo o PF. É, pois, preciso adotar uma atitude ativa e
comprometida para preservar a própria liberdade de modo que todo o ser do
exercitante e suas capacidades se orientem no reto sentido: “é necessário
fazer-nos indiferentes”.
Não se trata de um esforço prometeico ou
pelagiano de conquista da salvação, senão de libertar o coração para responder
à iniciativa amorosa de Deus que irrompeu na vida pessoal, mas que só espera
uma resposta verdadeiramente livre. E, neste caso, a liberdade não só se
encontra frente a coisas ou opções sobre as quais não cabe nenhuma dúvida
quanto o para onde deve inclinar-se a decisão, ou seja, para o bem ou para o
mal, senão que também se encontra frente a opções possíveis que, sendo em si
neutras, podem converter-se em caminhos perdidos ou aberrantes para a
consecução da verdadeira finalidade da vida: afeições a coisas talvez boas ou
indiferentes, mas que podem ser alguma forma de idolatria, de modo que às vezes
se pode dar uma espécie de ateísmo larvado em pessoas boas.
Embora, obviamente se somos pessoas
normais, temos mais inclinação afetiva para determinadas coisas, é preciso que
não façamos diferença alguma entre todas as possibilidades que se abrem diante
de nós, enquanto não vejamos quais delas são o melhor caminho para uma relação
com Deus, que é nossa felicidade. Isto é o que expressa S. Inácio com o “é necessário
fazer-nos indiferentes”: uma formulação ativa da liberdade interior frente
aquilo que não está claramente unido à realização plena da vida.
S. Inácio fará referência aos nossos
instintos de vitalidade (saúde-enfermidade), de posse (riqueza-pobreza), de
valer ou fazer-nos valer (honra-desonra), de ser (vida longa-curta). Mas esta
enumeração não é exclusiva e por isso acrescenta “em tudo o mais”, já que nos
numerosos e variados contextos da vida humana podem acontecer miragens que nos
levam a inclinar-nos para realidades que não são certa-mente vias que conduzem
“à vida verdadeira” (como dirá o mesmo Inácio mais adiante – 139).
1.2.6.
Deixar Deus ser Deus
A imagem de Deus que se esboça no PF, como
central e absoluto para o ser humano e, ao mesmo tem-po, fonte de sentido e de
felicidade da vida humana, pede uma abertura e disponibilidade plena de cada
um. Assim, a liberdade buscada por cada um é a forma de afirmar realmente,
existencialmente a Deus, como Deus. Deste modo, desde o PF vai se desenvolvendo
no exercitante aquela disposição para que o Senhor se comunique imediatamente à
criatura, tirando as reservas e impedimentos para abrir-se a um Deus que é tudo
para ele...
Em todo caso, o exercitante, que reconhece
o caráter absoluto de sua vida centrada em Deus, desejará e elegerá com toda
sua força “o que mais nos conduz para o fim que somos criados”. Aqui se dá a
primeira aparição da palavra que caracterizará a espiritualidade dos
Exercícios, “mais”, expressão da desmedida do amor, já que o amor sempre pede
mais e em matéria de amor sempre estamos em dívida (cf. Rom. 13,8). Este “mais”
revela o impulso de amor que se esconde na indiferença (termo que Inácio usa
nos Exercicios, mas como uma linguagem mais ativa e dinâmica), já que “não há
indiferença mais verdadeira que em um coração pronto a amar com um amor ardente
e universal, em vez de refugiar-se em tal ou qual coisa ou de professar a
respeito de todas as coisas uma insensibilidade geral” (K. Rahner).
Mais adiante, a disposição expressa pelo
“mais” irá tomando corpo no exercício do Reino (97-98), nas contemplações de
Segunda Semana (104) e nos exercícios prévios à eleição (Bandeiras, Binários e
Humildade).
1.2.7.
Sobre a experiência de fé própria do PF
Em tudo o que precede apareceu com
claridade suficiente que o PF não é simplesmente uma elocubração de teologia
natural, senão que se situa na perspectiva de uma experiência de fé, embora não
em têrmos explícitos. Isto torna-se claro quando se tem em conta a finalidade
dos Exercícios: viver no amor e no serviço, o qual implica uma transformação da
afetividade.
É preciso partir, pois, do dado de que o
enunciado teológico teórico do PF é a expressão de uma realidade, a do amor, da
qual é preciso realizar uma experiência vital.
Na primeira parte, o exercitante se sente
objeto da ação de Deus em sua própria vida, “é criado”. E a ação de Deus só
pode ser amor, já que Ele é Amor. E como esta ação de Deus é, como todo ato de
amor, uma interpelação, suscita de modo espontâneo uma resposta pessoal de amor
e assim se inicia já a dinâmica de aliança que atravessa todo o percurso dos
Exercícios Espirituais. Esta resposta do exercitante se expressará em forma de
louvor, reverência e serviço, mas não a modo de um programa que deverá executar
forçosamente, senão movido pela sedução do amor que por si mesmo chama e
mobiliza a pessoa querida. Trata-se, pois, de uma experiência de passividade (a
acolhida do amor) que se faz atividade (resposta de amor).
Cabe aqui uma pergunta: pode-se apresentar
e oferecer o PF a quem não tem fé?
Embora a perspectiva plena e explícita do
PF é, sem dúvida, uma proposta para cristãos, não se pode ne-gar que seu
conteúdo tem um sentido pleno para pessoas que vivem alguma experiência de
“serem cria-das”, que querem orientar suas vidas em relação a um absoluto, que
desejam viver uma vida toda ela unificada em um único sentido e são pessoas que
não se considerem ilhas, mas que concebem sua própria vida como abertura aos
outros.
1.2.8.
Aprendendo a amar
No fim dos Exercícios, S. Inácio diz que o
amor deve-se pôr mais em obras que em palavras (231) e propõe uma contemplação
para continuar vivendo no amor para além dos Exercícios. Parece, pois, que o
amor deve estar presente no PF, já que contém, de modo concentrado no começo
dos Exercícios, o essencial da experiência.
Além disso, o PF introduz na prática do
amor, que consiste nas obras, mediante a explicitação de “louvar, reverenciar e
servir”. Um amor certamente a Deus, mas, como já foi dito, também a irmãos e
irmãs.
José M. Castillo, a propósito da
“indiferença de afeto” de que fala Francisco Suárez, diz que este “não fala
nunca de indiferença de vontade, mas de indiferença de afeto...” Isto já está
nos dizendo que para Suárez a indiferença ultrapassa os limites de nossa
vontade; ou seja, “trata-se de uma disposição mais ampla e mais profunda” .
Além disso, como disse Karl Rahner “a
indiferença não é outra coisa que a fase inicial do amor, a aprendizagem do
amor final”, já que se trata de ir centrando o coração no essencial, sem
deixar-se hipnotizar pelas miragens de particularidades que desviam o coração
do centro do amor.
E, em todo caso, o “fazer-nos
indiferentes” só é sadio se corresponde a um apaixonamento pessoal profundo,
que neste caso é a paixão por Jesus Cristo e pelo Reino de Deus. De modo que,
falar de indiferença é falar de uma paixão que gera liberdade.
Nisto S. Inácio conecta com uma tradição
antiga, em particular S. Bernardo, que já percebeu como o verdadeiro amor,
fundado em Deus, suscita manter um equilíbrio a respeito das coisas cuja
orientação para a vontade de Deus se desconhece, “sempre prontos a seguir sua
vontade (de Deus), seja qual for o sentido para o qual saberemos que esta
vontade se inclina” (Rahner)
1.2.9.
Cristo e o PF
Dado o caráter essencialmente cristológico
dos Exercícios Espirituais, torna-se inconcebível que o PF não seja uma
experiência fundamentalmente cristológica, já que o PF está presente
continuamente em todos os exercícios de oração, mediante a “oração
preparatória” (46) e é preâmbulo essencial do momento culminante de todo o
processo espiritual, a eleição. Cristo, com quem o exercitante deve se
identificar, é a realização mais perfeita do PF: a plenitude da glória do Pai e
da vida dos homens se dá “em Cristo”, porque “só Cristo ressuscitado constitui
o homem perfeito, cuja imagem e semelhança foi plasmado o corpo de Adão” (S.
Irineu). Por sua vez, Cristo,
frequentemente denominado “Criador e
Senhor” nos Exercícios, é também objeto do “louvor, reverenciar e servir”.
1.3. A
prática do PF
1.3.1.
Importância e caráter dinâmico do PF
As diferentes orientações dos Diretórios
sobre o modo de propor os Exercícios sempre dão especial destaque ao modo como
propor o PF e a divisão de suas diferentes partes. A prática atual continua
dando grande importância ao PF para orientar o sentido da vida, buscando
relativizar tudo o que não seja de Deus mesmo: é um projeto de máximos e
orienta todos os Exercícios.
Os Diretórios destacam também o caráter
dinâmico do PF, já que se trata de algo que o exercitante deve realizar:
adquirir uma certa abertura inicial de espírito, uma disponibilidade pessoal.
Isto é demonstrado pelas expressões mesmas do texto, como “fazer-se”,
“desejando e elegendo” e a “oração preparatória” (46), prolongação permanente
do PF, na qual pede-se a Deus uma ordenação plena de toda a existência.
O “preâmbulo para fazer eleição” (169)
insiste na atitude dinâmica e existencial iniciada no começo dos exercícios com
palavras que sintetizam o mesmo PF: “Nenhuma coisa deve me mover a tomar ou
privar-me de tais meios, senão somente o serviço e louvor de Deus nosso Senhor
e salvação eterna de minha alma”. O exercitante não deve se encontrar fixado ou
ancorado em coisas que não sejam Deus mesmo ou sua vontade e por isto há de
trabalhar esta liberdade para amar, ou, talvez, fosse melhor que retardasse a
entrada nos Exercícios, “até que estivesse mais maduro”.
No entanto, no texto dos Exercícios e
Diretórios, nem sempre aparece claramente em que consiste o trabalho do
exercitante para chegar ao objetivo do PF.
Trata-se de uma consideração da lógica da
vida cristã? Trata-se de criar uma convicção pessoal? Talvez consiste em mover
a vontade? É um exercício mais racional que afetivo? Tempo mais de reflexão que
de oração? Na verdade, grande parte dos comentaristas e das exposições
clássicas levam a pensar que o PF é um exercício mais adaptado à inteligência e
à vontade que ao afeto. Não falta quem destaca seu caráter duro e árido.
Precisamente, para contrastar esta linha
na forma de propor o PF, insiste-se atualmente em que “deve ser como um olhar
para o alto, que suscita desejos de subir até lá”, “uma experiência do amor de
Deus que nos interpela e move à correspondência”, “um encontro com a utopia do
Reino de Deus que ajude a que cada exercitante escreva sua própria utopia”...
De qualquer modo, é preciso ajudar a que o
exercitante comece os Exercícios com prazer e esperança, já que neles vai
acolher existencialmente a Boa Nova do Reino de Deus.
Nesta linha, W.A. Barry fala do “Princípio
e Fundamento afetivo” e faz suas as palavras do psiquiatra J.S. Mackenzie: “O
desfrute de Deus deveria ser o cume da pedagogia espiritual” .
Refere-se a uma vivência de sentir-se em
companhia de Deus que faz desaparecer os sentimentos negativos e sentir-se
acolhido e amado. Esta vivência afetiva é um bom “inicio”, enquanto mobiliza o
exercitante desde o centro de sua pessoa, o coração. Pode-se, pois, afirmar
também que o prazer espiritual, que é um elemento importante dos Exercícios
Espirituais e que culmina na Quarta Semana, começa a desenvolver-se já desde o
PF.
1.3.2.
Praticar o PF como verdadeiro inicio dos Exercícios
Dado que os Exercícios Espirituais começam
estritamente com o primeiro exercício da Primeira Semana (45), é preciso situar
o PF na atividade prévia ao começo mesmo dos Exercícios, junto com a proposição
das anotações e a criação das disposições necessárias para entrar de cheio em
exercícios.
Parece confirmar esta maneira de conceber
a prática do PF o fato já mencionado de que em um dos textos ordenados de mais
autoridade como é o de Helyar, o PF figura entre as anotações.
Pois bem, o PF não só tem uma finalidade
dinâmica, senão que, nas palavras de Elias Royón sj, é mais um “inicio” que um
“princípio”. Ou seja, não se trata de uma experiência a partir da qual o
exercitante se adentra em um novo processo espiritual independente, mas de algo
assim como a abertura musical de uma sinfonia, a qual (em nosso caso, os
Exercícios) não fará outra coisa senão ampliar o “movimento” inicial.
Os Exercícios Espirituais tem como
objetivo ordenar a vida a partir da transformação da afetividade, em sintonia
com o Evangelho. “Que desde o princípio saiba bem o exercitante aonde vai, e
que se determine seriamente a chegar com seu trabalho aonde se quer conduzi-lo”
(J. Calveras).
1) O
exercitante deve ter consciência clara e firme de qual é o sentido de sua vida:
A finalidade da vida (a plenitude de sua
existência = “salvar a alma”) no amor a Deus e aos irmãos = (“louvar”). Deve
orientar tudo para esta finalidade (“as outras coisas”).
2)
Além disso, deve dispôr-se seriamente à tarefa de tornar realidade este
projeto.
Isto é proposto mediante o “tanto-quanto”,
o “é necessário fazer-nos indiferentes”, o “somente desejando e elegendo”. Não
se trata de conseguir no começo o que é fruto de todos os Exercícios.
Esta tarefa se enuncia já na primeira
anotação (1): “tirar de si todas as afeições desordenadas”; e no título (21):
“vencer-se”. Também a quinta anotação(5) já prepara o caminho: “grande ânimo e
libaralidade... oferendo-o todo seu querer e liberdade para que sua divina
majestade se sirva de sua pessoa e de tudo o quanto possui, conforme a sua
santíssima vontade”.
Este é o objetivo do PF nos Exercícios
completos, que supõem uma pessoa com verdadeiros desejos de progredir na vida
cristã, “que em todo o possível deseja aproveitar” (20), e que capacitam para
uma verdadeira eleição evangélica.
Mas, de todo modo, o exercitante começa
com a consciência do paralítico que necessita que alguém o liberte da
imobilidade, com a confiança de ter Jesus a seu lado.
Em outras situações, convirá usar o PF, ou
só parcialmente, ou dedicar-lhe mais ou menos tempo. Por exemplo, nos
Exercícios na Vida Cotidiana, há quem lhe dedica pelo menos quatro semanas, com
o qual esta entrada lenta e prolongada beneficia a facilidade para iniciar a
Primeira Semana dos Exercícios a partir de uma perspectiva positiva.
1.3.3.
Tomar a vida a sério
“Determine-se seriamente”, assim lemos.
Trata-se de uma seriedade ou responsabilidade que responda a uma atitude responsavelmente
séria na vida. “O pressuposto antropológico para fazer os Exercícios é tomar a
sério a existência humana” (Jon Sobrino). Portanto, quem decide entrar nos
Exercícios deve partir de uma posição pessoal existencialista, ou seja, que não
busque simplesmente satisfações pietistas ou dar respostas teóricas ou
moralizantes à própria vida, mas que se pergunte pelo sentido real de sua vida
ou queira fazer frente a questões verdadeiramente fundamentais de sua
existência.
Dada a conhecida inadequação da expressão
humana para manifestar realidades profundamente vitais e para comprovar que se
dá esta disposição no candidato, convém não guiar-se precipitadamente pelo
brilho ou pela pobreza das palavras ou formulações eloqüentes das pessoas que
solicitam fazer os Exercícios.
Com efeito, há aqueles que dispõem de uma
capacidade e riqueza de expressão que nem sempre responde a uma atitude séria
diante da vida e ocorre o inverso com pessoas de expressão e formulação muito
pobre.
Em definitiva, é preciso evitar, desde
logo, que o PF seja ocasião para elocubrações estéreis e fadigosas, mas também
que degenere em um moralismo ou voluntarismo extenuante. Não se trata de
conseguir plenamente o que se enuncia no PF, que irá sendo assimilado durante
todos os Exercícios (cf. 16, 46, 157, 166, 169). O objetivo do exercício é
principalmente impregnar-se do sentido do PF e avivar disposições em
consonância.
1.3.4.
“Sentir e saborear”
Dado que o PF é o primeiro exercício que
se realiza, convém que se enfoque de modo que o exercitante possa “saborear”
algo da bondade e do amor do Senhor. Ou saborear o conteúdo do texto mesmo com
o recurso ao Pai Nosso, como acabamos de indicar: a centralidade de Deus, de
seu reino e de sua vontade. O PF, como experiência de uma passividade ativa,
pede a “tarefa” de deixar-se querer, coisa não muito fácil, mas que toca a
fundo a dimensão mais afetiva da relação com Deus: descobrir e saborear “quê
bom é o Senhor” (Sl 34,9), com o qual a imagem de Deus Amor revela um alto
destaque vivencial.
E, ao mesmo tempo, esta experiência do
amor concreto de Deus, em mim profundamente sentida, é o detonante de uma
resposta progressiva ao Deus da Aliança com a qual culminam os Exercícios
Espirituais.
A primeira parte do PF deixa passagem
aberta a uma dimensão mais prática: “Filhos, não amemos com palavras e de boca,
mas com obras e de verdade” (1Jo. 3,18). Como se concretiza e se faz operante o
amor? A resposta inclui dois momentos: um primeiro momento é a tomada de
consciência de que o amor deve buscar suas mediações próprias; um segundo
momento, que o amor rege tudo e que, portanto,exige um coração aberto e
disponível para eleger as mediações apropriadas.
O “mais” com que conclui o PF aponta a um
sentimento profundo, a uma certa paixão por Deus, como centro de toda a vida do
exercitante. Um início que é preciso desenvolver, sobretudo mediante a petição
repetida na “oração preparatória”.
1.3.5.
Relação pessoal e confiada com Deus
“Pôr-se em suas mãos”, dirão os diretórios
inacianos, segundo o espírito da anotação 5ª. (5). A oração de Charles de
Foucauld: “Pai, coloco-me em tuas mãos...”, pode ajudar a fazer efetiva esta
anotação. 8
A este propósito convém notar que, assim
como S. Inácio propõe como inicio para todos os tempos de oração dos Exercícios
a oração preparatória (46), também põe o “Pater noster” como conclusão de todos
estes tempos, uma oração que é ao mesmo tempo síntese do PF e suporte contínuo
da atitude de confiança profunda. E, nesta relação de confiança, a atividade do
exercitante deve ser, sobretudo, a de pedir com simplicidade, mais que um mero
esforçar-se: na oração preparatória, pedir aquele “resignar-se de tudo” e
aquele “equilíbrio” ou liberdade de que nos fala nos diretórios.
1.4.
Algumas aproximações recentes ao PF
1.4.1.
Alguns pontos de partida do PF
O fato de que o texto do PF não vem
acompanhado de orientações metodológicas, embora não faltem nos diretórios
inacianos, impulsionou uma certa criatividade nos enfoques deste exercício
espiritual.
Indicamos, de forma muito sintética,
somente alguns destes enfoques mais recentes.
- Decisão existencial de dar à vida
sentido teologal (J. Gómez Caffarena).
- Consagração e comunhão: abrir-se, a
partir do coração, a Deus e à comunhão universal (J.C. Guy).
- Tomar a sério a própria existência, toda
ela polarizada por um Absoluto (Jon Sobrino).
- Ajuste entre dever e liberdade (F.
Segura).
- Ponte levadiça que une a vida do exercitante
com a vida de fé (J. González Faus).
- Não partir do zero na experiência do PF,
mas a partir do ponto de onde o exercitante chegou em sua vida espiritual (A.
Lefrank).
- Aprendizagem do amor: começar a
libertar-se daquelas coisas que hipnotizam ou são espelhismos que impedem
orientar a vida no amor (K. Rahner).
- Conscienciar que só Deus é Deus e
afirmar existencialmente a Deus mediante o “fazer-nos indiferentes”
(J. Vives).
1.4.2.
Alguns desenvolvimentos do PF
Hoje é comum iniciar o PF com o convite ao
exercitante para reler sua própria história de salvação. Não se trata nem de
uma crônica da própria vida, nem de uma interpretação, mas de um olhar de fé,
na qual o exercitante se sente filho ou filha querido por Deus e movido à
gratidão e à correspondência.
Com perspectiva teologal e trinitária, o
exercitante toma mais consciência, em relação a Deus Pai Criador, de sua
condição filial e esta filiação, reconhecida e vivida no Filho, submerge-o no
clima trinitário.
Alguns textos de apoio costumam ajudar:
Col. 1,15-20 e Ef. 1,3-10 para assimilar a centralidade absoluta de Jesus
Cristo; Jo. 1,30-39 para aprofundar a atração de Jesus Cristo.
Pode-se também enfocar a oração como um
exercício de acolhida de todos os bens que Deus nos dá (“as outras coisas”)
para “usar” e de desprendimento deles (“tirar”). Em termos de psicologia
elementar, saber dizer “olá” e saber dizer “adeus”.
Ou também recorre-se à prática orante da
respiração: neste movimento vital, quando alguém inspira, acolhe e quando
expira, entrega; do mesmo modo, recebemos a vida e se não damo-la aos outros,
morremos. Naturalmente, em práticas como esta, é preciso evitar o
ensimesmamento egocêntrico.
1.4.3.
Alguns textos muito usados, entre tantos outros.
O arsenal de textos, sobretudo bíblicos,
de que se servem aqueles que dão Exercícios Espirituais, é imenso e, portanto,
aqui só são indicados alguns que foram sublinhados de modo particular por
provocar especial fruto.
- História de Jonas e de Rute: sair de si
mesmo, desejar e eleger o que mais conduz.
- Sab. 11,22ss: desapegar-se de tudo o que
não seja Deus ao começar os Exercícios.
- Romanos 8,31ss: para pessoas que tendem
à angústia; inspirar confiança e colocar-se nas mãos de Deus.
- Magnificat: pôr Deus no centro, mas não
num pedestal, mas perto de modo que “se alegra meu coração” porque “olha minha
pequenez”.
- Lc. 10,25-42: o Bom Samaritano e Marta e
Maria mostram-nos como a vida consiste no amor absoluto a Deus e ao próximo,
superando as miragens do “religioso” ou de um serviço não bem orientado.
- O Pequeno Príncipe (cap. 21) oferece
também boa matéria laica para entrar na abertura da fé.
1.4.4.
Uma formulação secular do PF: “Projeto de Vida” ou “Marco de minha existência”
Uma formulação secular do PF, como a que
apresentamos aqui, pode ser especialmente sugestiva para uma pessoa com
mentalidade secular e se aplica inclusive a não-crentes. A partir da reflexão
sobre este texto, o mais provável é que o exercitante se sinta incapaz de realizar
o projeto proposto e, assim pode compreender melhor o sentido dos Exercícios,
precisamente para ajudar a conseguir a liberdade interior e dispor-se a
comprometer-se.
Como continuação, mediante a consideração
de textos bíblicos, o exercitante comprova que este plano tão humano de
realização pessoal é o que Deus quer...
“A
pessoa humana está nesta terra para apreciar, respeitar e ajudar os outros a
realizar-se plenamente; e, mediante isto, realizar-se ela mesma; e as outras
coisas sobre a face da terra estão para a pessoa humana e para que a ajudem a
conseguir o fim para o qual está na terra. Donde se segue que o ser humano tanto há de
usar delas quanto lhe ajudem para seu fim, e tanto há de livrar-se delas quanto
para isso lhe impedem. Por isso, é necessário
fazer-nos livres diante de todas as coisas, sem sentir-nos atados a nenhuma
delas, em tudo o que não constitui um prejuízo para qualquer pessoa (não se
pode eleger entre maltratar ou não maltratar uma pessoa); de tal maneira que
não queiramos de nossa parte mais saúde que enfermidade, riqueza que pobreza,
honra que desonra, vida longa que curta, segurança que risco, bom senso que
demência e do mesmo modo em tudo o mais; somente desejando e elegendo o que
mais nos conduz para o fim o qual nos sentimos chamados”.
1.5.
Nas mãos de Deus
É frequente, durante a prática do PF,
servir-se da oração mais recente e familiar a muitos cristãos como a de Charles
Foucauld: “Pai, em tuas mãos...” . Este recurso não é alheio ao espírito do PF
inaciano.
Com efeito, no Diretório do P. Vitória,
“baseado em notas ditadas por S. Inácio”, diz-se que o fruto dos Exercícios
será tanto maior quanto mais o exercitante se abandone “nas mãos do Senhor para
que faça dele segundo seu beneplático, de acordo com isto: Filho meu, dá-me teu
coração e o transbordarei”.
Mais adiante, fala da importância de
colocar-se “totalmente em suas mãos, pois aqui está o fundamento de que
encontremos o que desejamos” (Los Diretórios de Ejercicios). E, para conseguir
este abandono total nas mãos de Deus, diz o Diretório, referindo-se ao
exercitante, que se deve considerar bem o PF.
Com estas expressões repetidas, resume-se
bem a disposição inicial do exercitante, que busca conseguir no PF: entrega e
abandono total, mas a partir da relação filial de sentir-se de verdade filho ou
filha de Deus, e com a grande confiança de estar nas mãos do Pai. Os Exercícios
começam com toda a exigência de uma verdadeira experiência de Deus – abandono
-, com toda a consciência da própria dignidade – filiação – e com uma confiança
que se deverá manter e cultivar continuamente – nas mãos do Pai.
FONTE:
CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade
Inaciana
Rua Bambina, 115 - Botafogo – RJ –
22251-050
secretaria@ceijesuitas.org.br /
www.ceijesuitas.org.br
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