quinta-feira, 7 de abril de 2016

Princípio e Fundamento dos EE


 
PRINCIPIO E FUNDAMENTO
José Maria Rambla sj
Cuadernos EIDES, n. 63 pp. 3-16

 

Entrada em Exercícios

 

O PF é um elemento essencial no processo dos Exercícios que aparece já nas primeiras tentativas ou formas mais elementares de sua prática. É a rocha sobre a qual se constrói a experiência espiritual de todos os Exercícios. No entanto, a redação definitiva é tardia, possivelmente da época em que Inácio residiu no norte da Itália (1536-1539). Nos Exercícios dados a Helyar, de 1534, o texto acomodado mais antigo que se conserva do texto inaciano, o PF aparece de forma ainda inacabado e dentro das Anotações.

 

1.Princípio e Fundamento (23): Construir sobre rocha

 

A vinculação essencial do PF ao processo dos Exercícios aparece com maior claridade quando se tem em conta que o PF está presente ao longo de toda a experiência: Oração preparatória (46), nos momentos mais decisivos, como o preâmbulo da eleição (169) e inclusive na aplicação dos Exercícios àqueles que não os fazem em completo retiro (19). Em razão desta importância, os diferentes diretórios inacianos supõem que se proponha sempre o PF.

 

1.1.   Um texto desnudo

 

Entre as primeiras orientações sobre os Exercícios Espirituais (1-22) e as pautas para os diferentes exames (22-44), antes de entrar de cheio nas meditações da Primeira Semana, aparece desnudo o PF, sem orientações sobre sua finalidade e a maneira de exercitá-lo. As abundantes indicações sobre o modo de propô-lo e realizá-lo, que são oferecidas nos diretórios inacianos ou de direta inspiração inaciana, suprem em parte esta desnudez do texto.

 

No entanto, o título mesmo parece indicar já sua finalidade: é um “princípio” do qual derivam uma série de verdades essenciais para a concepção da vida humana.  É “fundamento” sobre o qual se constrói o edifício da vida. Consequentemente pode-se afirmar que o PF não é começo, mas início. Seria começo se consistisse em alguma afirmação ou exercício para começar os Exercícios, mas cuja função desapareceria uma vez passados os momentos iniciais. No entanto, o início não só tem sua função ao princípio, senão que continua desenvolvendo-se e influindo ao longo de todos os Exercícios.

 

Percebe-se no texto um processo crescente para a práxis, revelando já seu caráter não teórico, mas existencial. Passa-se de uma consideração do sentido e orientação da vida (“o homem é criado para...”) a uma proposição de atitudes (“é necessário fazer-nos indiferentes”).

 

A importância capital do PF não deve ser obscurecida pela impressão que uma primeira aproximação ao texto pode causar. O caráter conciso e de uma frieza notável, algumas expressões (“salvar a alma”, “fazer-se indiferentes”...), a formulação teológica da época, podem surpreender, mas o esquematismo e a sobriedade do texto é o que permite sempre relê-lo e atualizá-lo, sem trai-lo.

 

No entanto, nos diferentes diretórios sobre o PF, aparece uma insistência, por um lado, no caráter árido deste exercício e, por outro, é indispensável realizá-lo de modo conveniente para o reto enfoque da prática dos Exercícios Espirituais.

 

Conciliar a aridez com a entrada a fundo na experiência do PF pode desembocar num beco sem saída. Por isso, foram muito oportunas as reflexões de Karl Rahner sobre a importância da dimensão afetiva, pois elas nos advertem do risco que se corre de apresentar o PF de modo excessivamente seco, o qual desnaturalizaria a essência do exercício ou inclusive far-se-ia impraticável para algumas pessoas.

 

Convém, pois, analisar o conteúdo mesmo do PF. As três partes do PF indicam claramente o processo mediante o qual se desenrola a experiência espiritual que propõe. Nele se pode distinguir:

 

1) Um princípio geral (“O homem é criado...”). O sentido da vida humana e de todas as coisas criadas ordenadas para o homem para o cumprimento de seu fim. Não diz “foi criado”, mas “é criado”, ou seja, que o ato criador de Deus se dá no presente e, na medida que o ser humano vive conscientemente este presente, adentra-se no ato criador que lhe recria a cada instante, desde a profundidade de si mesmo.

 

2) Uma conclusão teórica (“donde se segue...”). Portanto, cada pessoa deve orientar sua existência no meio do mundo servindo-se das coisas ou deixando-as, na medida que ajudem-na ou não na realização da finalidade de sua vida.

 

3) Uma conclusão dinâmica (“Por isso é necessário...”). É evidente, pois, que tomar decisões orienta-das para a finalidade da vida, no meio de distintas oportunidade que se oferecem, exige liberdade pessoal para não atar-se a condicionamentos afetivos que possam transformar os meios em fins...

 

As três partes do PF indicam, pois, um itinerário personalizador que conduz da passividade à atividade. Não podemos prescindir da letra do texto, mas tampouco podemos ficar presos exclusivamente a ela, a palavras ou frases isoladas do conjunto dos Exercícios e do pensamento inaciano, se queremos interpretá-lo corretamente.

 

Com razão Pe. Iparraguirre afirmava que devemos nos guiar pelo conjunto do pensamento de S. Inácio.

 

1.2. Desentranhando o texto

 

1.2.1. A Pessoa humana como sujeito.

 

O texto é óbvio em sua estrutura, mas pede que se clarifique ou sublinhe alguns de seus termos.

O homem é a primeira palavra do primeiro exercício; isto realça a função primordial da pessoa humana como agente e como objeto da experiência dos exercícios. Os Exercícios orientam-se para a transformação da pessoa, fazendo-a plenamente disponível à ação de Deus em sua vida. É a pessoa humana, portanto, quem entra primeiramente em jogo, é o sujeito dos exercícios. “Aquele que os faz”, repete Inácio.

 

Cada um de nós foi e é objeto do olhar amoroso de Deus, desde sempre, pois Ele nos criou para comunicar-nos sua bondade e seu amor. “Tu me teceste nas entranhas de minha mãe” (Sl. 139,13); “é Ele quem primeiro nos amou” (1Jo. 4,19). A expressão “é criado” não só indica a obra já realizada por Deus, mas o caráter permanente de seu amor criador. Porque Deus cria sem cessar e toda a história é uma criação nunca acabada. Ao reviver eesta experiência, os exercícios deixam transparecer “que somos atual-mente criados por Deus nosso Senhor com todo detalhe e que escutamos os chamados de Deus na vida quando escutamos nossos desejos mais profundos, que brotam do amor criador e apaixonado que Deus nos tem” (W.A. Barry).

 

Nesta mesma relação de Deus conosco enraíza-se o caráter relacional da existência humana. Cada um de nós existe para, já que nascemos de uma relação, criados por Aquele que “nos amou primeiro”.

 

1.2.2. A centralidade de Deus e o amor ao próximo

 

Louvar (expansão), reverenciar (contenção), servir (concretização).

A relação que o exercitante estabelece tem seu centro no Criador mesmo, em Deus mesmo. É daqui que o PF ajuda a enfocar corretamente esta relação com Deus, já desde o começo mesmo dos Exercícios, e assim evita-se ou corrige-se qualquer falsa imagem de Deus.

 

O Deus “sempre maior” agostiniano expressa o caráter absoluto, a supremacia total de Deus em relação a qualquer outra realidade alheia a Ele. Louvar é o reconhecimento desta supremacia, mas bem entendido de que a supremacia de Deus é seu Amor e, portanto, o louvor que lhe é tributado é a do regozijo por ser o que é, ou seja, Aquele que tanto ama o mundo que lhe entregou seu próprio Filho.

 

Do mesmo modo, o exercitante deve reconhecer sua dependência filial, deve reverenciar, mas com a consciência de que só se vive a filiação se se vive a fraternidade. E, como não basta dizer “Senhor, Senhor” se não se faz sua vontade, a relação com Deus deve traduzir-se em ato de “servir”.

Naturalmente, já que se trata de uma resposta ao Deus revelado, o amor a Deus não pode ser um amor isolado da humanidade e dos irmãos e irmãs. “Se Deus nos amou tanto, amemo-nos...” (1Jo. 4,11).

 

Este motivo bíblico tem também uma impostação inaciana: dado que na mistagogia dos Exercícios se encontra a experiência mesma de Inácio, não podemos esquecer que o Deus, centro absoluto de sua vida, é um Deus em cuja comunhão, vivida de modo nuclear junto ao Cardoner, faz descobrir a importância fundamental de “ajudar as almas”. Ou seja, o Deus inaciano é um Deus no qual a pessoa de fé encontra o mundo e a humanidade.

 

Por isso, costuma-se relacionar esta perspectiva inaciana com a clássica afirmação de S. Irineu: “a glória de Deus é que o ser humano vivo”. E, por sua vez, “a vida do ser humano se encontra na glória de Deus”. Nesta direção meditativa do começo do PF, o exercitante concilia a adoração (“a glória de Deus”) com a infinita confiança em um Deus que é “vida do ser humano”.

 

Deste modo, desenvolvem-se três atitudes fundamentais na relação com Deus e com o ser humano: a gratuidade que valoriza o outro por si mesmo, a alteridade que não instrumentaliza o outro e as obras que fazem real o amor.

 

Além disso, é preciso destacar que na literatura inaciana o louvor e a glória de Deus não tem um caráter abastrato, mas concretamente apostólico, longe de todo ideal perfeccionista e individualista. 

 

Assim, pois, pode-se afirmar que a primeira parte do PF é uma forma sintética e pedagógica de apresentar a primeira parte do Pai Nosso. Efetivamente, o louvor corresponde ao “santificado seja o teu nome”, já que nele se expressa a supremacia de Deus; reverenciar consiste na dependência do ser humano que deve pôr o Reino de Deus no centro absoluto de suas intenções, deve “buscar o Reino” acima de tudo; mas esta busca se deve traduzir nas obras, em fazer a vontade de Deus, ou seja, em servir.

 

De algum modo, responde-se, assim, à questão repetida com freqüência de que o amor não aparece no PF. Certamente, não se encontra com a mesma palavra, como também no Pai Nosso, mas sim a substância mesma do amor, tanto a Deus como aos irmãos. Além disso, a centralidade de Deus não só não diminui o caráter absoluto do amor aos irmãos, senão que lhe dá uma maior dimensão e uma maior profundidade.

 

Tudo isto é o que Teilhard de Chardin expressava quando imaginava Deus como o centro de uma esfera para o qual todos os pontos da esfera confluem e do qual emana a vida que se expande.

 

1.2.3. A felicidade plena como cume do projeto de Deus.

 

O resultado desta relação viva entre Deus que nos ama e nós que queremos responder ao seu amor é o “salvar a alma”, a perfeição integral da pessoa, a plenitude última e definitiva da própria existência.

Como diz o Pe. Iparraguirre, “os Exercícios não se reduzem à ‘salvação’, senão que pretendem a saúde, a perfeição integral”.

 

Portanto, tudo o que precede (louvar, reverenciar, servir) enche de conteúdo o “salvar sua alma”, equi-valente da plenitude de vida humana ou a felicidade total e não simplesmente o evitar a desgraça infinita da condenação, como poderia sugerir o verbo “salvar”.

Pois bem, esta plenitude de vida ou felicidade, que é o anseio supremo que habita o coração humano, não é como um premio ou recompensa exterior e posterior a uma vida toda ela orientada para o “Deus conosco”, mas que é algo interior a esta mesma forma de viver.

 

A expressão do PF “mediante isto” sugere que na tríplice atitude mencionada se dá a felicidade, inicialmente agora, e em plenitude quando se manifestará o que já somos (cf. 1Jo 3,2).

Em consequência, é importante que esta dicha(?) que Deus nos oferece não fique escondida e obscurecida detrás daquilo que Inácio propõe, em primeiro lugar certamente, mas não como algo separado dela.

Deus nos escolheu para ser seus filhos e filhas e desfrutar desta plenitude filial e fraterna (cf. Ef. 1,3-14).

 

1.2.4. “As outras coisas” ou a Integração

 

A vida humana se desenvolve dentro da criação mediante uma rede de relações muito diversas: sociedade, cultura, economia e política, família, cosmos, etc. A existência cristã, no mundo, é uma forma integradora de viver “as outras coisas”, mas com uma certa hierarquia ou ordem: “as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o ser humano e para que lhe ajudem na realização da finalidade para o qual é criado”.

 

Se eliminarmos da idéia de ordenação para a pessoa humana a conotação negativa de autorização para o domínio arbitrário, devorador “das outras coisas”, pode-se conceber a vida humana como a harmonia de um concerto no qual diferentes instrumentos, com sua grande diversidade e com a riqueza de uma partitura, interpretam uma sinfonia. No centro se encontra Deus e a pessoa humana - eu e as demais pessoas – em relação com o mundo e as diferentes estruturas em que se desenvolve a vida, integrados numa unidade dinâmica. Junto ao Rio Cardoner, Inácio teve “uma ilustração tão grande, que lhe pareciam novas todas as coisas” (Aut. 30). Por isso, no dizer de Jenonimo Nadal, sempre via o mundo em um conjunto, não parcialmente, mas na composição de uma unidade harmônica.

 

Continuando com a imagem do concerto, podemos notar como em toda interpretação cabe a variada combinação de sons com os imprescindíveis silêncios formando a beleza da sinfonia. O mesmo acontece na vida humana segundo Deus: a pessoa que quer viver a plenitude de vida deve saber tomar decisões positivas a respeito das coisas (“usar delas”) e, às vezes, saber distanciar-se e negar determinado uso das coisas (“afastar-se delas”), na medida em que as coisas ajudam ou, ao contrário, constituem um impedimento para a realização da vida humana.

 

Esta relativização das coisas em função da finalidade da vida humana não deve conduzir a uma pura instrumentalização das mesmas, já que as coisas em si mesmas tem um valor e formam parte de um uni-verso e uma história que é em verdade “meio divino”.

 

A este respeito é importante a consideração destas duas mensagens bíblicas: um novo céu e uma nova terra como cume de nosso mundo, segundo os anúncios de Isaías, Romanos 8, Apocalipse 21, etc. e a concepção de toda a criação integrada no Ressuscitado, como aparece nas cartas a Efésios e Colossenses. O pensamento de Teilhard de Chardin, de Raimon Panikar e muitas contribuições da ecologia prolongam estas mensagens bíblicas.

 

No PF não nos encontramos, pois, longe daquilo que hoje se considera como concepção cosmoteândrica da vida humana: o ser humano em harmonia com os demais seres humanos, com o cosmos e com Deus. Usando os termos do NT, trata-se de buscar o Reino de Deus, ou seja, Deus em relação com toda a cria-ção e sua justiça no mundo atual.

 

1.2.5. Liberdade para eleger

 

Em meio a uma espessa trama de realidades nas quais se desenvolve a vida humana, não é raro que ocorra alguma destas duas coisas: uma, que se perca o norte, e daí a importância do que foi exposto sobre o PF até o momento; outra, que alguém se encontre preso por coisas que o hipnotizam ou lhe aprisionam de tal modo que suas opções não se dirijam no sentido da vida segundo o PF. É, pois, preciso adotar uma atitude ativa e comprometida para preservar a própria liberdade de modo que todo o ser do exercitante e suas capacidades se orientem no reto sentido: “é necessário fazer-nos indiferentes”.

 

Não se trata de um esforço prometeico ou pelagiano de conquista da salvação, senão de libertar o coração para responder à iniciativa amorosa de Deus que irrompeu na vida pessoal, mas que só espera uma resposta verdadeiramente livre. E, neste caso, a liberdade não só se encontra frente a coisas ou opções sobre as quais não cabe nenhuma dúvida quanto o para onde deve inclinar-se a decisão, ou seja, para o bem ou para o mal, senão que também se encontra frente a opções possíveis que, sendo em si neutras, podem converter-se em caminhos perdidos ou aberrantes para a consecução da verdadeira finalidade da vida: afeições a coisas talvez boas ou indiferentes, mas que podem ser alguma forma de idolatria, de modo que às vezes se pode dar uma espécie de ateísmo larvado em pessoas boas.

Embora, obviamente se somos pessoas normais, temos mais inclinação afetiva para determinadas coisas, é preciso que não façamos diferença alguma entre todas as possibilidades que se abrem diante de nós, enquanto não vejamos quais delas são o melhor caminho para uma relação com Deus, que é nossa felicidade. Isto é o que expressa S. Inácio com o “é necessário fazer-nos indiferentes”: uma formulação ativa da liberdade interior frente aquilo que não está claramente unido à realização plena da vida.

 

S. Inácio fará referência aos nossos instintos de vitalidade (saúde-enfermidade), de posse (riqueza-pobreza), de valer ou fazer-nos valer (honra-desonra), de ser (vida longa-curta). Mas esta enumeração não é exclusiva e por isso acrescenta “em tudo o mais”, já que nos numerosos e variados contextos da vida humana podem acontecer miragens que nos levam a inclinar-nos para realidades que não são certa-mente vias que conduzem “à vida verdadeira” (como dirá o mesmo Inácio mais adiante – 139).

 

1.2.6. Deixar Deus ser Deus

 

A imagem de Deus que se esboça no PF, como central e absoluto para o ser humano e, ao mesmo tem-po, fonte de sentido e de felicidade da vida humana, pede uma abertura e disponibilidade plena de cada um. Assim, a liberdade buscada por cada um é a forma de afirmar realmente, existencialmente a Deus, como Deus. Deste modo, desde o PF vai se desenvolvendo no exercitante aquela disposição para que o Senhor se comunique imediatamente à criatura, tirando as reservas e impedimentos para abrir-se a um Deus que é tudo para ele...

 

Em todo caso, o exercitante, que reconhece o caráter absoluto de sua vida centrada em Deus, desejará e elegerá com toda sua força “o que mais nos conduz para o fim que somos criados”. Aqui se dá a primeira aparição da palavra que caracterizará a espiritualidade dos Exercícios, “mais”, expressão da desmedida do amor, já que o amor sempre pede mais e em matéria de amor sempre estamos em dívida (cf. Rom. 13,8). Este “mais” revela o impulso de amor que se esconde na indiferença (termo que Inácio usa nos Exercicios, mas como uma linguagem mais ativa e dinâmica), já que “não há indiferença mais verdadeira que em um coração pronto a amar com um amor ardente e universal, em vez de refugiar-se em tal ou qual coisa ou de professar a respeito de todas as coisas uma insensibilidade geral” (K. Rahner).

 

Mais adiante, a disposição expressa pelo “mais” irá tomando corpo no exercício do Reino (97-98), nas contemplações de Segunda Semana (104) e nos exercícios prévios à eleição (Bandeiras, Binários e Humildade).

 

1.2.7. Sobre a experiência de fé própria do PF

 

Em tudo o que precede apareceu com claridade suficiente que o PF não é simplesmente uma elocubração de teologia natural, senão que se situa na perspectiva de uma experiência de fé, embora não em têrmos explícitos. Isto torna-se claro quando se tem em conta a finalidade dos Exercícios: viver no amor e no serviço, o qual implica uma transformação da afetividade.

 

É preciso partir, pois, do dado de que o enunciado teológico teórico do PF é a expressão de uma realidade, a do amor, da qual é preciso realizar uma experiência vital.

 

Na primeira parte, o exercitante se sente objeto da ação de Deus em sua própria vida, “é criado”. E a ação de Deus só pode ser amor, já que Ele é Amor. E como esta ação de Deus é, como todo ato de amor, uma interpelação, suscita de modo espontâneo uma resposta pessoal de amor e assim se inicia já a dinâmica de aliança que atravessa todo o percurso dos Exercícios Espirituais. Esta resposta do exercitante se expressará em forma de louvor, reverência e serviço, mas não a modo de um programa que deverá executar forçosamente, senão movido pela sedução do amor que por si mesmo chama e mobiliza a pessoa querida. Trata-se, pois, de uma experiência de passividade (a acolhida do amor) que se faz atividade (resposta de amor).

 

Cabe aqui uma pergunta: pode-se apresentar e oferecer o PF a quem não tem fé?

 

Embora a perspectiva plena e explícita do PF é, sem dúvida, uma proposta para cristãos, não se pode ne-gar que seu conteúdo tem um sentido pleno para pessoas que vivem alguma experiência de “serem cria-das”, que querem orientar suas vidas em relação a um absoluto, que desejam viver uma vida toda ela unificada em um único sentido e são pessoas que não se considerem ilhas, mas que concebem sua própria vida como abertura aos outros.

 

1.2.8. Aprendendo a amar

 

No fim dos Exercícios, S. Inácio diz que o amor deve-se pôr mais em obras que em palavras (231) e propõe uma contemplação para continuar vivendo no amor para além dos Exercícios. Parece, pois, que o amor deve estar presente no PF, já que contém, de modo concentrado no começo dos Exercícios, o essencial da experiência.

 

Além disso, o PF introduz na prática do amor, que consiste nas obras, mediante a explicitação de “louvar, reverenciar e servir”. Um amor certamente a Deus, mas, como já foi dito, também a irmãos e irmãs.

José M. Castillo, a propósito da “indiferença de afeto” de que fala Francisco Suárez, diz que este “não fala nunca de indiferença de vontade, mas de indiferença de afeto...” Isto já está nos dizendo que para Suárez a indiferença ultrapassa os limites de nossa vontade; ou seja, “trata-se de uma disposição mais ampla e mais profunda” .

 

Além disso, como disse Karl Rahner “a indiferença não é outra coisa que a fase inicial do amor, a aprendizagem do amor final”, já que se trata de ir centrando o coração no essencial, sem deixar-se hipnotizar pelas miragens de particularidades que desviam o coração do centro do amor.

E, em todo caso, o “fazer-nos indiferentes” só é sadio se corresponde a um apaixonamento pessoal profundo, que neste caso é a paixão por Jesus Cristo e pelo Reino de Deus. De modo que, falar de indiferença é falar de uma paixão que gera liberdade.

 

Nisto S. Inácio conecta com uma tradição antiga, em particular S. Bernardo, que já percebeu como o verdadeiro amor, fundado em Deus, suscita manter um equilíbrio a respeito das coisas cuja orientação para a vontade de Deus se desconhece, “sempre prontos a seguir sua vontade (de Deus), seja qual for o sentido para o qual saberemos que esta vontade se inclina” (Rahner)

 

1.2.9. Cristo e o PF

 

Dado o caráter essencialmente cristológico dos Exercícios Espirituais, torna-se inconcebível que o PF não seja uma experiência fundamentalmente cristológica, já que o PF está presente continuamente em todos os exercícios de oração, mediante a “oração preparatória” (46) e é preâmbulo essencial do momento culminante de todo o processo espiritual, a eleição. Cristo, com quem o exercitante deve se identificar, é a realização mais perfeita do PF: a plenitude da glória do Pai e da vida dos homens se dá “em Cristo”, porque “só Cristo ressuscitado constitui o homem perfeito, cuja imagem e semelhança foi plasmado o corpo de Adão” (S. Irineu). Por sua vez, Cristo,

frequentemente denominado “Criador e Senhor” nos Exercícios, é também objeto do “louvor, reverenciar e servir”.

 

1.3. A prática do PF

 

1.3.1. Importância e caráter dinâmico do PF

 

As diferentes orientações dos Diretórios sobre o modo de propor os Exercícios sempre dão especial destaque ao modo como propor o PF e a divisão de suas diferentes partes. A prática atual continua dando grande importância ao PF para orientar o sentido da vida, buscando relativizar tudo o que não seja de Deus mesmo: é um projeto de máximos e orienta todos os Exercícios.

 

Os Diretórios destacam também o caráter dinâmico do PF, já que se trata de algo que o exercitante deve realizar: adquirir uma certa abertura inicial de espírito, uma disponibilidade pessoal. Isto é demonstrado pelas expressões mesmas do texto, como “fazer-se”, “desejando e elegendo” e a “oração preparatória” (46), prolongação permanente do PF, na qual pede-se a Deus uma ordenação plena de toda a existência.

 

O “preâmbulo para fazer eleição” (169) insiste na atitude dinâmica e existencial iniciada no começo dos exercícios com palavras que sintetizam o mesmo PF: “Nenhuma coisa deve me mover a tomar ou privar-me de tais meios, senão somente o serviço e louvor de Deus nosso Senhor e salvação eterna de minha alma”. O exercitante não deve se encontrar fixado ou ancorado em coisas que não sejam Deus mesmo ou sua vontade e por isto há de trabalhar esta liberdade para amar, ou, talvez, fosse melhor que retardasse a entrada nos Exercícios, “até que estivesse mais maduro”.

 

No entanto, no texto dos Exercícios e Diretórios, nem sempre aparece claramente em que consiste o trabalho do exercitante para chegar ao objetivo do PF.

 

Trata-se de uma consideração da lógica da vida cristã? Trata-se de criar uma convicção pessoal? Talvez consiste em mover a vontade? É um exercício mais racional que afetivo? Tempo mais de reflexão que de oração? Na verdade, grande parte dos comentaristas e das exposições clássicas levam a pensar que o PF é um exercício mais adaptado à inteligência e à vontade que ao afeto. Não falta quem destaca seu caráter duro e árido.

 

Precisamente, para contrastar esta linha na forma de propor o PF, insiste-se atualmente em que “deve ser como um olhar para o alto, que suscita desejos de subir até lá”, “uma experiência do amor de Deus que nos interpela e move à correspondência”, “um encontro com a utopia do Reino de Deus que ajude a que cada exercitante escreva sua própria utopia”...

De qualquer modo, é preciso ajudar a que o exercitante comece os Exercícios com prazer e esperança, já que neles vai acolher existencialmente a Boa Nova do Reino de Deus.

 

Nesta linha, W.A. Barry fala do “Princípio e Fundamento afetivo” e faz suas as palavras do psiquiatra J.S. Mackenzie: “O desfrute de Deus deveria ser o cume da pedagogia espiritual” .

Refere-se a uma vivência de sentir-se em companhia de Deus que faz desaparecer os sentimentos negativos e sentir-se acolhido e amado. Esta vivência afetiva é um bom “inicio”, enquanto mobiliza o exercitante desde o centro de sua pessoa, o coração. Pode-se, pois, afirmar também que o prazer espiritual, que é um elemento importante dos Exercícios Espirituais e que culmina na Quarta Semana, começa a desenvolver-se já desde o PF.

 

1.3.2. Praticar o PF como verdadeiro inicio dos Exercícios

 

Dado que os Exercícios Espirituais começam estritamente com o primeiro exercício da Primeira Semana (45), é preciso situar o PF na atividade prévia ao começo mesmo dos Exercícios, junto com a proposição das anotações e a criação das disposições necessárias para entrar de cheio em exercícios.

Parece confirmar esta maneira de conceber a prática do PF o fato já mencionado de que em um dos textos ordenados de mais autoridade como é o de Helyar, o PF figura entre as anotações.

 

Pois bem, o PF não só tem uma finalidade dinâmica, senão que, nas palavras de Elias Royón sj, é mais um “inicio” que um “princípio”. Ou seja, não se trata de uma experiência a partir da qual o exercitante se adentra em um novo processo espiritual independente, mas de algo assim como a abertura musical de uma sinfonia, a qual (em nosso caso, os Exercícios) não fará outra coisa senão ampliar o “movimento” inicial.

Os Exercícios Espirituais tem como objetivo ordenar a vida a partir da transformação da afetividade, em sintonia com o Evangelho. “Que desde o princípio saiba bem o exercitante aonde vai, e que se determine seriamente a chegar com seu trabalho aonde se quer conduzi-lo” (J. Calveras).

 

1) O exercitante deve ter consciência clara e firme de qual é o sentido de sua vida:

 

A finalidade da vida (a plenitude de sua existência = “salvar a alma”) no amor a Deus e aos irmãos = (“louvar”). Deve orientar tudo para esta finalidade (“as outras coisas”).

 

2) Além disso, deve dispôr-se seriamente à tarefa de tornar realidade este projeto.

 

Isto é proposto mediante o “tanto-quanto”, o “é necessário fazer-nos indiferentes”, o “somente desejando e elegendo”. Não se trata de conseguir no começo o que é fruto de todos os Exercícios.

 

Esta tarefa se enuncia já na primeira anotação (1): “tirar de si todas as afeições desordenadas”; e no título (21): “vencer-se”. Também a quinta anotação(5) já prepara o caminho: “grande ânimo e libaralidade... oferendo-o todo seu querer e liberdade para que sua divina majestade se sirva de sua pessoa e de tudo o quanto possui, conforme a sua santíssima vontade”.

 

Este é o objetivo do PF nos Exercícios completos, que supõem uma pessoa com verdadeiros desejos de progredir na vida cristã, “que em todo o possível deseja aproveitar” (20), e que capacitam para uma verdadeira eleição evangélica.

 

Mas, de todo modo, o exercitante começa com a consciência do paralítico que necessita que alguém o liberte da imobilidade, com a confiança de ter Jesus a seu lado.

 

Em outras situações, convirá usar o PF, ou só parcialmente, ou dedicar-lhe mais ou menos tempo. Por exemplo, nos Exercícios na Vida Cotidiana, há quem lhe dedica pelo menos quatro semanas, com o qual esta entrada lenta e prolongada beneficia a facilidade para iniciar a Primeira Semana dos Exercícios a partir de uma perspectiva positiva.

 

1.3.3. Tomar a vida a sério

 

“Determine-se seriamente”, assim lemos. Trata-se de uma seriedade ou responsabilidade que responda a uma atitude responsavelmente séria na vida. “O pressuposto antropológico para fazer os Exercícios é tomar a sério a existência humana” (Jon Sobrino). Portanto, quem decide entrar nos Exercícios deve partir de uma posição pessoal existencialista, ou seja, que não busque simplesmente satisfações pietistas ou dar respostas teóricas ou moralizantes à própria vida, mas que se pergunte pelo sentido real de sua vida ou queira fazer frente a questões verdadeiramente fundamentais de sua existência.

 

Dada a conhecida inadequação da expressão humana para manifestar realidades profundamente vitais e para comprovar que se dá esta disposição no candidato, convém não guiar-se precipitadamente pelo brilho ou pela pobreza das palavras ou formulações eloqüentes das pessoas que solicitam fazer os Exercícios.

 

Com efeito, há aqueles que dispõem de uma capacidade e riqueza de expressão que nem sempre responde a uma atitude séria diante da vida e ocorre o inverso com pessoas de expressão e formulação muito pobre.

Em definitiva, é preciso evitar, desde logo, que o PF seja ocasião para elocubrações estéreis e fadigosas, mas também que degenere em um moralismo ou voluntarismo extenuante. Não se trata de conseguir plenamente o que se enuncia no PF, que irá sendo assimilado durante todos os Exercícios (cf. 16, 46, 157, 166, 169). O objetivo do exercício é principalmente impregnar-se do sentido do PF e avivar disposições em consonância.

 

1.3.4. “Sentir e saborear”

 

Dado que o PF é o primeiro exercício que se realiza, convém que se enfoque de modo que o exercitante possa “saborear” algo da bondade e do amor do Senhor. Ou saborear o conteúdo do texto mesmo com o recurso ao Pai Nosso, como acabamos de indicar: a centralidade de Deus, de seu reino e de sua vontade. O PF, como experiência de uma passividade ativa, pede a “tarefa” de deixar-se querer, coisa não muito fácil, mas que toca a fundo a dimensão mais afetiva da relação com Deus: descobrir e saborear “quê bom é o Senhor” (Sl 34,9), com o qual a imagem de Deus Amor revela um alto destaque vivencial.

 

E, ao mesmo tempo, esta experiência do amor concreto de Deus, em mim profundamente sentida, é o detonante de uma resposta progressiva ao Deus da Aliança com a qual culminam os Exercícios Espirituais.

 

A primeira parte do PF deixa passagem aberta a uma dimensão mais prática: “Filhos, não amemos com palavras e de boca, mas com obras e de verdade” (1Jo. 3,18). Como se concretiza e se faz operante o amor? A resposta inclui dois momentos: um primeiro momento é a tomada de consciência de que o amor deve buscar suas mediações próprias; um segundo momento, que o amor rege tudo e que, portanto,exige um coração aberto e disponível para eleger as mediações apropriadas.

 

O “mais” com que conclui o PF aponta a um sentimento profundo, a uma certa paixão por Deus, como centro de toda a vida do exercitante. Um início que é preciso desenvolver, sobretudo mediante a petição repetida na “oração preparatória”.

 

1.3.5. Relação pessoal e confiada com Deus

 

“Pôr-se em suas mãos”, dirão os diretórios inacianos, segundo o espírito da anotação 5ª. (5). A oração de Charles de Foucauld: “Pai, coloco-me em tuas mãos...”, pode ajudar a fazer efetiva esta anotação. 8

 

A este propósito convém notar que, assim como S. Inácio propõe como inicio para todos os tempos de oração dos Exercícios a oração preparatória (46), também põe o “Pater noster” como conclusão de todos estes tempos, uma oração que é ao mesmo tempo síntese do PF e suporte contínuo da atitude de confiança profunda. E, nesta relação de confiança, a atividade do exercitante deve ser, sobretudo, a de pedir com simplicidade, mais que um mero esforçar-se: na oração preparatória, pedir aquele “resignar-se de tudo” e aquele “equilíbrio” ou liberdade de que nos fala nos diretórios.

 

1.4. Algumas aproximações recentes ao PF

 

1.4.1. Alguns pontos de partida do PF

 

O fato de que o texto do PF não vem acompanhado de orientações metodológicas, embora não faltem nos diretórios inacianos, impulsionou uma certa criatividade nos enfoques deste exercício espiritual.

Indicamos, de forma muito sintética, somente alguns destes enfoques mais recentes.

 

- Decisão existencial de dar à vida sentido teologal (J. Gómez Caffarena).

- Consagração e comunhão: abrir-se, a partir do coração, a Deus e à comunhão universal (J.C. Guy).

- Tomar a sério a própria existência, toda ela polarizada por um Absoluto (Jon Sobrino).

- Ajuste entre dever e liberdade (F. Segura).

- Ponte levadiça que une a vida do exercitante com a vida de fé (J. González Faus).

- Não partir do zero na experiência do PF, mas a partir do ponto de onde o exercitante chegou em sua vida espiritual (A. Lefrank).

- Aprendizagem do amor: começar a libertar-se daquelas coisas que hipnotizam ou são espelhismos que impedem orientar a vida no amor (K. Rahner).

- Conscienciar que só Deus é Deus e afirmar existencialmente a Deus mediante o “fazer-nos indiferentes”

(J. Vives).

 

1.4.2. Alguns desenvolvimentos do PF

 

Hoje é comum iniciar o PF com o convite ao exercitante para reler sua própria história de salvação. Não se trata nem de uma crônica da própria vida, nem de uma interpretação, mas de um olhar de fé, na qual o exercitante se sente filho ou filha querido por Deus e movido à gratidão e à correspondência.

 

Com perspectiva teologal e trinitária, o exercitante toma mais consciência, em relação a Deus Pai Criador, de sua condição filial e esta filiação, reconhecida e vivida no Filho, submerge-o no clima trinitário.

Alguns textos de apoio costumam ajudar: Col. 1,15-20 e Ef. 1,3-10 para assimilar a centralidade absoluta de Jesus Cristo; Jo. 1,30-39 para aprofundar a atração de Jesus Cristo.

 

Pode-se também enfocar a oração como um exercício de acolhida de todos os bens que Deus nos dá (“as outras coisas”) para “usar” e de desprendimento deles (“tirar”). Em termos de psicologia elementar, saber dizer “olá” e saber dizer “adeus”.

 

Ou também recorre-se à prática orante da respiração: neste movimento vital, quando alguém inspira, acolhe e quando expira, entrega; do mesmo modo, recebemos a vida e se não damo-la aos outros, morremos. Naturalmente, em práticas como esta, é preciso evitar o ensimesmamento egocêntrico.

 

1.4.3. Alguns textos muito usados, entre tantos outros.

 

O arsenal de textos, sobretudo bíblicos, de que se servem aqueles que dão Exercícios Espirituais, é imenso e, portanto, aqui só são indicados alguns que foram sublinhados de modo particular por provocar especial fruto.

 

- História de Jonas e de Rute: sair de si mesmo, desejar e eleger o que mais conduz.

- Sab. 11,22ss: desapegar-se de tudo o que não seja Deus ao começar os Exercícios.

- Romanos 8,31ss: para pessoas que tendem à angústia; inspirar confiança e colocar-se nas mãos de Deus.

- Magnificat: pôr Deus no centro, mas não num pedestal, mas perto de modo que “se alegra meu coração” porque “olha minha pequenez”.

- Lc. 10,25-42: o Bom Samaritano e Marta e Maria mostram-nos como a vida consiste no amor absoluto a Deus e ao próximo, superando as miragens do “religioso” ou de um serviço não bem orientado.

- O Pequeno Príncipe (cap. 21) oferece também boa matéria laica para entrar na abertura da fé.

 

1.4.4. Uma formulação secular do PF: “Projeto de Vida” ou “Marco de minha existência”

 

Uma formulação secular do PF, como a que apresentamos aqui, pode ser especialmente sugestiva para uma pessoa com mentalidade secular e se aplica inclusive a não-crentes. A partir da reflexão sobre este texto, o mais provável é que o exercitante se sinta incapaz de realizar o projeto proposto e, assim pode compreender melhor o sentido dos Exercícios, precisamente para ajudar a conseguir a liberdade interior e dispor-se a comprometer-se.

Como continuação, mediante a consideração de textos bíblicos, o exercitante comprova que este plano tão humano de realização pessoal é o que Deus quer...

 

 “A pessoa humana está nesta terra para apreciar, respeitar e ajudar os outros a realizar-se plenamente; e, mediante isto, realizar-se ela mesma; e as outras coisas sobre a face da terra estão para a pessoa humana e para que a ajudem a conseguir o fim para o qual está na terra.  Donde se segue que o ser humano tanto há de usar delas quanto lhe ajudem para seu fim, e tanto há de livrar-se delas quanto para isso lhe impedem.  Por isso, é necessário fazer-nos livres diante de todas as coisas, sem sentir-nos atados a nenhuma delas, em tudo o que não constitui um prejuízo para qualquer pessoa (não se pode eleger entre maltratar ou não maltratar uma pessoa); de tal maneira que não queiramos de nossa parte mais saúde que enfermidade, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que curta, segurança que risco, bom senso que demência e do mesmo modo em tudo o mais; somente desejando e elegendo o que mais nos conduz para o fim o qual nos sentimos chamados”.

 

1.5. Nas mãos de Deus

 

É frequente, durante a prática do PF, servir-se da oração mais recente e familiar a muitos cristãos como a de Charles Foucauld: “Pai, em tuas mãos...” . Este recurso não é alheio ao espírito do PF inaciano.

 

Com efeito, no Diretório do P. Vitória, “baseado em notas ditadas por S. Inácio”, diz-se que o fruto dos Exercícios será tanto maior quanto mais o exercitante se abandone “nas mãos do Senhor para que faça dele segundo seu beneplático, de acordo com isto: Filho meu, dá-me teu coração e o transbordarei”.

 

Mais adiante, fala da importância de colocar-se “totalmente em suas mãos, pois aqui está o fundamento de que encontremos o que desejamos” (Los Diretórios de Ejercicios). E, para conseguir este abandono total nas mãos de Deus, diz o Diretório, referindo-se ao exercitante, que se deve considerar bem o PF.

 

Com estas expressões repetidas, resume-se bem a disposição inicial do exercitante, que busca conseguir no PF: entrega e abandono total, mas a partir da relação filial de sentir-se de verdade filho ou filha de Deus, e com a grande confiança de estar nas mãos do Pai. Os Exercícios começam com toda a exigência de uma verdadeira experiência de Deus – abandono -, com toda a consciência da própria dignidade – filiação – e com uma confiança que se deverá manter e cultivar continuamente – nas mãos do Pai.

 

FONTE:

 

CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade Inaciana

Rua Bambina, 115 - Botafogo – RJ – 22251-050

secretaria@ceijesuitas.org.br / www.ceijesuitas.org.br

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