Jeremias
Jeremias é o nome dado ao livro do profeta cuja vida
melhor conhecemos, pois a sua obra nos oferece inúmeros dados, tanto pessoais
como sociais e históricos, relativos ao seu tempo. Nasceu por volta de 650
a.C., em Anatot, aldeia da tribo de Benjamim, situada a uns 5 km a nordeste de
Jerusalém, de uma família de ascendência sacerdotal. Este facto marcará de
forma decisiva a sua mensagem, especialmente a vinculação às tradições
provenientes das tribos do Norte e a insistência com que sublinha a importância
da aliança de Moisés. No que diz respeito à sua personalidade, temos diversos
capítulos de carácter autobiográfico: 1; 20,1-6; 26; 28-29; 34,8-22; 36-38; 45.
Mais significativos ainda são os textos chamados “confissões”, em que ele
testemunha, a par das suas angústias, o seu enamoramento por Deus: 11,18-12,6;
15,10-21; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18.
CONTEXTO
HISTÓRICO
Jeremias viveu num dos períodos mais conturbados da
história do povo de Israel: o fim do reino de Judá e a destruição de Jerusalém
(587/86) pelo império da Babilónia; e foi chamado à vocação profética ainda na
sua juventude (1,6-7), no ano treze do reinado de Josias (1,2), em 626. Numa
primeira época manifesta a esperança na restauração da unidade do povo, tarefa
na qual se empenhara o rei Josias, através da sua reforma religiosa, com um
momento forte em 622 (2 Rs 22,1-23,30), e estava centrada no movimento
deuteronomista.
Com as mudanças políticas que se deram no Médio
Oriente, a partir de 625, altura em que a Babilónia começou a impor-se
politicamente, essa esperança foi-se esfumando pouco a pouco; e, com a morte do
rei Josias às mãos do faraó Necao (em 609), fica traçado o destino do reino,
devendo o profeta suportar as trágicas consequências daí resultantes.
Os dois reis que sucederam a Josias, Joaquim (609-597)
e Sedecias (597-586), apenas adiaram por algum tempo o destino já traçado sobre
Jerusalém após a morte de Josias. Podemos dizer que Jeremias se viu confrontado
entre o imperativo da sua missão profética e a perseguição sistemática por
parte dos seus contemporâneos, que o acusavam de estar na origem do descalabro
da pátria. São deste período os oráculos mais dramáticos do livro, que
reflectem a experiência do profeta e a tragédia iminente que pairava sobre
Jerusalém e o reino de Judá.
A OBRA DE
JEREMIAS
O livro de Jeremias teve uma composição lenta no tempo
e muito complexa. De acordo com os dados do cap. 36, o profeta não escrevia;
para isso tinha um “secretário” (Baruc), que registou os seus oráculos e os leu
no templo. O rei Joaquim mandou queimar aquela que terá sido, na linguagem
moderna, a primeira versão do livro do profeta; este refez os seus oráculos,
acrescentando outros. É a melhor fonte que possuímos acerca da situação
política e social do seu tempo, razão pela qual tem sido objecto de inúmeros
estudos, que nos possibilitam um melhor conhecimento de uma época tão
conturbada.
CONTEÚDO
Para além do relato da vocação do profeta (1,4-19), o
texto de Jeremias pode dividir-se nas seguintes secções temáticas:
I. Oráculos dirigidos ao povo de Deus: 1,1-25,14. II.
Oráculos contra as nações estrangeiras: 25,15-38. III. Relatos biográficos de
Jeremias: 26,1-45,5. IV. Oráculos contra as nações estrangeiras: 46,1-51,64. V.
Apêndice: 52,1-34.
Devido à forma como a obra está organizada e à falta
de ordem cronológica, nem sempre é fácil seguir a mensagem do profeta no seu
desenvolvimento. Por vezes, sucede também que as versões actuais são
apresentadas a partir do texto grego, conhecido por tradução dos Setenta, que
não corresponde integralmente ao original hebraico, pois, além de ser mais
breve (cerca de um oitavo), os textos encontram-se numa ordem diferente.
TEOLOGIA
A mensagem que Jeremias nos oferece é profundamente
espiritual e teológica. Dela, apraz-nos destacar a doutrina da nova aliança
(31,31-34), bem como a sua permanente confiança no Senhor que o ajuda a superar
todas as adversidades com que se vê confrontado. Jeremias, dotado de grande
sensibilidade, é um testemunho vivo de homem plenamente apaixonado pela causa
de Deus e pela identidade espiritual e religiosa do seu povo. É neste sentido
que devem ser lidos os seus oráculos sobre a infidelidade do povo e o castigo
de Deus. Aliás, ele viveu esta paixão até ao fim e por causa dela terá dado a
vida.
Além da veemência com que proclamava os seus oráculos,
o profeta recorria também, frequentemente, a gestos simbólicos com um forte
acento nacional, capazes de impressionar os seus ouvintes e de os interpelar à
conversão.
Apesar das constantes proclamações de que a pátria
seria destruída, Jeremias não foi um profeta ao serviço da Babilónia. Soube pôr
o projecto de Deus acima dos interesses políticos e exortar os homens do seu
tempo à fidelidade, embora se constate que os seus apelos foram em vão. Por
isso Jerusalém viria a ser destruída em 587 e o povo de Israel partiria para o
exílio na Babilônia, a fim de expiar o seu pecado.
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