quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Tobite


 
Tobite

Escrito sob a forma de um romance de cariz sapiencial, este livro narra-nos a história de Tobite, de Sara, mulher de seu filho Tobias, e das respectivas famílias. Apresentados como israelitas piedosos, que sempre permaneceram fiéis ao Senhor seu Deus, mesmo no meio das piores tribulações, constituem, por isso mesmo, um paradigma de comportamento nas circunstâncias normais da vida. Dentro desta perspectiva, toda a trama se desenrola em torno de questões práticas que vão sendo resolvidas sempre com uma fé inabalável em Deus e dentro da fidelidade absoluta à sua vontade. Atribuindo-lhe uma linguagem dos nossos dias, poderíamos dizer que se trata de um tema de amor. Amor de dois jovens esposos; amor das diversas personagens dentro do quadro das respectivas famílias; amor dos fiéis pelo seu Deus que, através dos séculos e do suceder-se aparentemente inocente dos acontecimentos, guia o seu povo em direção ao cumprimento do seu destino de realização plena.

O TEXTO

A história da sua transmissão é algo atribulada e só com alguma dificuldade entrou no conjunto dos livros canônicos. Com efeito, é considerado apócrifo pelas Igrejas Evangélicas, não faz parte do cânone hebraico e só o Concílio de Hipona, em 393, o admitiu como inspirado. O livro foi redigido em aramaico, língua esta que, sendo próxima do hebraico, rapidamente se tornou também veículo de comunicação em toda a zona do Crescente Fértil e das suas zonas circundantes. Não chegou até nós nenhuma versão do texto nesta língua. Assim, o conhecimento que temos desta obra, é através das suas traduções em grego e latim. Para a tradução que se segue, usamos quase exclusivamente o chamado texto longo da versão dos LXX.

AMBIENTE E CRONOLOGIA

Não há unanimidade acerca da data de composição do livro. Para uns, teria sido escrito provavelmente entre os anos 200 e 180 a.C. e para outros numa data muito posterior. Como quer que seja, todo o texto deixa perceber um ambiente ligado à diáspora, em torno à época do exílio persa. Contudo, e independentemente das considerações cronológicas, é um texto com uma intencionalidade didática e edificante evidente, visível não só a partir da sua forma narrativa, em jeito de saga, mas também a partir da constatação do pouco cuidado que o autor colocou nas referências cronológicas, históricas e geográficas, que resultam, na sua maioria, incoerentes.

CONTEÚDO

O esquema geral da obra é a sequência da sua história: Origens de Tobite e a sua piedade (cap. 1). Tobite no cativeiro (2,1-9). A sua resignação nas provas (2,10-3,6). Sara, no meio da sua aflição, ora ao Senhor (3,7-17). Discurso de Tobite a seu filho (cap. 4). O filho de Tobite empreende a viagem, acompanhado por um anjo (5,1-6,9). Bodas do filho de Tobite com Sara (6,10-8,9). Gabael assiste às bodas (cap. 9). Regresso de Tobias para junto de seus pais (10-11). Revelação do anjo (cap. 12). Cântico de Tobite (cap. 13). Mortes de Tobite e de Tobias (cap. 14).

DIVISÃO E CONTEÚDO

O livro pode dividir-se nas seguintes secções:

I. História de Tobite: 1,1-3,6;

II. História de Sara: 3,7-4,21;

III. Preparação da viagem: 5,1-23;

IV. Viagem à Média: 6,1-19;

V. Casamento de Tobias e Sara: 7,1-14,15.

MENSAGEM TEOLÓGICA

Depois do Exílio, enquanto uma parte do povo judeu se reuniu à volta de Jerusalém, um grande número permaneceu na Babilônia e nos outros territórios em redor de Israel: no Egito, na Assíria e nos territórios que atualmente constituem a zona norte do Irão. Muito provavelmente, o livro de Tobite nasce dentro deste ambiente linguístico e geográfico. Ao ser um texto narrativo de caráter “romanceado”, a atenção do leitor é levada a centrar-se nas personagens, nas suas genealogias escrupulosamente israelitas e na forma fiel e piedosa segundo a qual orientam as suas vidas. Estas características, típicas dos intervenien­tes, são ainda postas em relevo graças ao recurso sistemático a comparações, quer com os outros membros do povo de Israel, quer com as personagens reais com as quais cada um deles se vai relacionando.

Assim, o texto avança claramente em dois níveis paralelos e concêntricos de desenvolvimen­to: por um lado, o nível da fidelidade e piedade de Tobite e dos seus familiares diretos; por outro, a infidelidade do povo e a impiedade dos governantes. Todo o enredo, na sua forma simplista, está impregnado de um inconfundível sabor sapiencial e de referências indisfarçáveis, por exemplo, à História de José e à personagem de Job.

Nesta simplicidade linear, o texto não é capaz de criar qualquer tensão dramática. Desde o início, o leitor tem a sensação de já saber o que vem a seguir. Seguindo as regras típicas deste gênero, o texto avança num crescendo de complicação com sucessivos momentos de resolução, atingindo o climax ou ponto de viragem quando ficam resolvidas as duas dificuldades principais ligadas à questão da herança: o aspecto financeiro e a descendência, que se supõe venha a seguir-se à conclusão feliz do casamento de Sara e Tobias.

Apesar disto, e na sua ingenuidade, o livro de Tobite respira um ambiente de fé incondicional em Deus. Para além das tribulações e dificuldades sofridas, as persona­gens centrais vivem com a certeza inabalável da presença de Deus, como condutor da História, e da recompensa que hão de ter pela sua fidelidade.

O próprio nome de Tobite (abreviatura hebraica de “Tôbiyyâh”, que quer dizer “Deus é bom”, ou “o meu bem está em Deus”) confirma a ação da divina Providência, que vela por aqueles cuja fé é inabalável e os ajuda a vencer as provações, acabando por lhes dar uma recompensa muito acima de toda a expectativa, como no caso do próprio Tobite.

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