quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Evangelho segundo São João - II


Evangelho segundo São João
PROF. ERNESTO L SIENNA

O quarto evangelho, a princípio tem a mesma estrutura dos evangelhos sinóticos: inicialmente mostra o testemunho de João Batista sobre Jesus, depois apresenta várias passagens e acontecimentos da vida de Cristo, e termina com os relatos de sua paixão, morte e ressurreição. No entanto destaca milagres ou aspectos da pregação de Jesus que não são relatados pelos sinóticos: o início da vida pública de Jesus nas bodas de Cana; a ressurreição de Lázaro; o lava pés; a questão do paráclito; o longo discurso sobre o pão da vida que vem após a multiplicação dos pães; é o único a apresentar as três grandes festas judaicas; Jesus toma posse da fórmula “Eu sou”, que é própria de Deus. O evangelho segundo João é o evangelho mais puro, o mais radical, o mais teológico, com uma cristologia mais desenvolvida que se preocupa em apresentar a divindade de Cristo.

Para o povo judeu do AT a fé está na lei de Moisés, no culto centrado em Deus efetuado no templo, João vai colocar o eixo em Jesus. Jesus é a Lei, Jesus substitui o templo e a fé está na pessoa de Cristo.

1. O Autor

A tradição antiga da Igreja identificou a autoria deste evangelho como sendo de João o discípulo amado de Cristo. “Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e foi quem as escreveu: e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro” (21,24).

Santo Ireneu de Lião (+/- 125/140 dC) é o autor mais antigo que afirma a autoria do quarto evangelho à João: “Em seguida, o discípulo do Senhor, o mesmo que repousou sobre o seu peito, publicou também o evangelho durante sua estada em Éfeso”. 

2. A data

Provavelmente no final do primeiro século, entre os anos 90 e 100 dC, na localidade de Éfeso.

3. Destinatário

Diferente dos evangelhos sinóticos que tem um destinatário concreto, Marcos escreve para Romanos, Mateus para Judeus e Lucas para Gregos, João tem um destino universal, pois escreve não para uma comunidade específica, mas para todas as comunidades cristãs.

4. Objetivo de João

O propósito de João é inspirar nos leitores a fé em Jesus e está claro nas conclusões finais do capítulo 20,30-31:

• Crer que Jesus é o Filho de Deus
• Para ter vida

5. Particularidades de João

João usa de um material especial para desenvolver seus escritos, possui bons conhecimentos históricos e topográficos. João não está preocupado em mostrar um Jesus “histórico” do ponto de vista moderno, mas seu interesse é levar o leitor, pelos olhos da fé, a raiz dos acontecimentos. Comparando as parábolas vivas e cheias de sinais dos sinóticos com os discursos profundamente teológicos de Jesus no evangelho de João mergulhamos numa realidade onde ele procura revelar as verdades mais secretas e divinas.

Enquanto os sinóticos proclamam o Reino de Deus ou o Reino dos Céus no escrito joanino a grande revelação é o próprio Jesus.

5.1 “Eu Sou”

A fórmula “Eu Sou” como a vemos no livro do Êxodo quando Deus se apresenta à Moisés dizendo “Eu sou aquele é”, é própria do Criador, no entanto Jesus toma posse desta expressão para auto-definir-se:

6,35 “Eu sou o pão da vida”

9,5 “Eu sou a luz do mundo” 

10,7-9 “Eu sou a porta”

10,11-14 “Eu sou o bom pastor”

11,25  “Eu sou a ressurreição”

14,6 “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”

15,1  “Eu sou a videira” 

5.2 O Paráclito

João não usa a palavra Espírito Santo mas a expressão Paráclito várias vezes nos discursos de despedidas dos discípulos, no entanto diferente do evangelho de Lucas que apresente Jesus como cheio do Espírito Santo para João é pelo Espírito Santo que se perpetua a presença de Jesus entre seus seguidores, é o Espírito que nos ilumina e nos dá a conhecer profundamente a pessoa de Jesus. (Espírito = Paráclito, Espírito da Verdade, Espírito Santo).

• Espírito enviado pelo Pai: 14,15-17: “e rogai ao Pai e ele vos dará outro Paráclito, para que convosco permaneça para sempre”;

• Espírito enviado por Cristo: 16,7: “se eu não for o Paráclito não virá a vós, mas se for envialo-ei à vós”;

• Para recordar todas as coisas: 14,26: “mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos disse”;

• Para revelar as coisas futuras e glorificar a Jesus: 16,13: “quando vier o Espírito da Verdade, ele vos guiará na verdade plena...e vos anunciará as coisas futuras”;

• Para testemunhar a Cristo: 15,26: “quando vier o Paráclito...dará testemunho de mim”.

Conforme a tradução da Bíblia Ave Maria paráclito é uma palavra grega que significa advogado, intercessor.

5.3 Os milagres de Jesus

João não utiliza a palavra milagres para falar das grandes realizações de Jesus mas utiliza-se da expressão grega “semeion” que significa sinais.

Sinais significam o indício revelador de alguma coisa, pode ser um milagre ou não. João apresenta seis sinais como forma de provar que Jesus é o enviado do Pai e que o que interessa realmente não é o sinal em si mas o autor deste:

1º Bodas de Cana: 2,1-11;

2º Cura do filho do funcionário real: 4,46-54;

3º Cura do enfermo na piscina de Betesda: 5,2ss

4º Multiplicação dos pães: 6,5-14;

5º Cura do cego de nascença: 9,1-16;

6º Ressurreição de Lázaro: 11,1-44;

Sendo que o grande sinal, o de número sete, é sua própria ressurreição, como forma de apresentar a perfeição dos tempos no Cristo ressuscitado.

Para o povo da Bíblia os números são muito significativos, o número 7 significa intensidade, perfeição. Porisso que quando Pedro pergunta à Jesus: quantas vezes devemos perdoar 7? Jesus responde não 7 mas, deveis perdoar 70 x 7.

5.3 Eucaristia 

Para os sinóticos Jesus instituiu a Eucaristia na quinta-feira santa. João coloca na quinta-feira o relato do lava-pés, para dizer que a Eucaristia deve levar à um gesto concreto, mostra Jesus como aquele que serve, como escravo. (diakonia em grego = serviço).

Para João a Eucaristia se dá no capítulo 6,11 (multiplicação dos pães) onde o que importa e dar graças e distribuir.

5.4 Jesus é o templo

Os evangelhos sinóticos narram a expulsão dos vendilhões do Templo como acontecida na última Páscoa, no final do mistério de Jesus.

Para João este fato está na primeira Páscoa (2,13ss), quando Jesus começa a pregar, pois para encontrar Deus o lugar não é mais o Templo, mas a própria figura de Jesus. A partir de agora se adora em Espírito e Verdade.

5.5 As Festas Judaicas

Os Evangelhos sinóticos não têm interesse pelas festas Judaicas, e com referência a Páscoa, sua principal festa, apresentam apenas a passagem de uma Páscoa que se dá no último ano do Ministério de Jesus.

O Evangelista João mostra que conhece profundamente a cultura judaica, apresentando no ministério de Jesus três Páscoas (três anos de vida pública), além das outras principais festas Judaicas, como o Pentecostes, Tendas e a Festa da Dedicação.

1ª Páscoa: Jo 2,13-22; acontece após o início de seu ministério com as bodas de Cana.

Festa de Pentecostes: Jo 5,1, embora o texto não revele que era pentecostes, subentende-se por que se dá logo após a descrição da primeira Páscoa. (Pentecostes em grego significa qüinquagésimo, é a festa da colheita ou das primícias realizada pelos judeus cinqüenta dias após a Páscoa).

2ª Páscoa: Jo 6,4; é a Páscoa precedida da multiplicação dos pães.

Festa das Tendas ou Tabernáculos: Jo 7,2, recordava os quarenta anos de permanência do povo no deserto quando saíram do Egito.

Festa da Dedicação: Jo 10,22, dedicação ou purificação do Templo que havia sido profanado no ano 200 aC.

3ª Páscoa: Jo 11,55; 12,1 e 13, 1, é a Páscoa da morte e Ressurreição de Jesus, esta é apresentada pelos quatro evangelistas.

Com este estilo teológico de escrever João quer mostrar que com a vinda de Jesus termina o culto antigo representado pelas festas e pelo Templo. O novo Templo agora é Jesus e a Ele se deve o culto, este é o sentido da vida de Cristo.

5.6 Jesus é o Logos 

Para os sinóticos a divindade de Jesus vai se revelando aos poucos.

João apresenta Jesus desde o princípio como o messias o filho de Deus (1,1-2.14).

João ainda usa a palavra verbo para dar dinâmica a Jesus.

5.7 Títulos de Jesus

Mateus: Emanuel (1,23 – 28,20);

Marcos: Filho de Deus (1.1 – 15,39);

Lucas: não há título específico mas Jesus é o possuído pelo Espírito Santo;

João apresenta Jesus como o cordeiro de Deus 1,29 – 19,36.

5.8 O discípulo que Jesus amava

A expressão “o discípulo que Jesus amava” aparece em João cinco vezes, isto é um fato enigmático:

1. no anúncio da traição (13,22): “Estava à mesa, ao lado de Jesus, um de seus discípulos, aquele que Jesus amava”;

2. aos pés da cruz (19,25-26): “Perto da cruz de Jesus permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria mulher de Cleofas, e Maria Madalena. Jesus, então, vendo sua mãe, e perto dela, o discípulo a quem amava”;

3. no sepulcro (20,2): “Maria Madalena...corre, então e vai a Simão Pedro e ao outro discípulo, que Jesus amava”;

4. reconhece Jesus a beira do lago de Tiberíades (21,7): “Aquele discípulo que Jesus amava disse então a Pedro: É o Senhor”;

5. Pedro vê o discípulo (21,20): “Pedro, voltando-se, viu que o seguia o discípulo que Jesus amava”.

5.9 Interlocutores de Jesus

Ao invés das parábolas João usa de vários diálogos com Jesus. Seus principais interlocutores são: Nicodemos, a Samaritana, a multidão, as irmãs de Lázaro....

5.10 Oração

Mateus e Lucas apresentam o Pai nosso.

Lucas mostra Jesus orante em muitos momentos decisivos.

João apresenta a Oração sacerdotal no capítulo 17: oração pelos 12

5.11 Eclesiologia

Profissão de amor de Pedro 21,15-17, “apascenta minhas ovelhas”.

Barca, pesca, rede...

Quadro sintético Evangelhos Sinóticos



7 - Referências bibliográficas

• BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Paulus: São Paulo, 2004.


• BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Editora Ave Maria: São Paulo, 2004.


• BÍBLIA. Português. Tradução Ecumênica da Bíblia – TEB. Edições Loyola: São Paulo, 1997.


• CHOURAQUI, André. A Bíblia – João (O Evangelho segundo João). Imago Editora Ltda: Rio de Janeiro, 1996.


• DATTLER, Frederico. Sinopse dos Quatro Evangelhos. Paulus: São Paulo, 2003.


•FONSATTI, José Carlos. Introdução à Bíblia. Editora Vozes: Petrópolis, 2002.


• HARRINGTON, Wilfrid John. Chave para a Bíblia: a revelação: a promessa : a realização. Paulus: São Paulo, 1985.


• LIBÂNIO, João Batista. Jesus na perspectiva de Marcos, Mateus, Lucas e João. Paulinas: São Paulo, 1994.


• MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. Paulus: São Paulo, 2003.


• MORACHO, Felix. Como ler Os Evangelhos – para entender o que Jesus fazia e dizia. Paulus: São Paulo, 1997.


• SCHÖKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002.






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