“Secreta
Ressurreição”; noite, solidão, ausência, ninguém, nenhuma testemunha: é PÁSCOA!
Nenhum traço a
não ser uma pedra removida, uma cova
vazia;
Nenhum sinal, a
não ser o silêncio, o silêncio
eloquente dos grandes inícios,
luz virginal de
uma aurora sempre nova: é madrugada
pascal!
“Sigilosa
Ressurreição”, transparente como fonte cristalina;
transbordante gratuidade-graciosidade;
“discreta
cáritas”
do Amor que se aproxima sem jamais possuir;
logo, porém, que
se deixa sentir à brasa que acende o coração, derruba as dúvidas, suscita
esperança e aura de liberdade.
Luminosa e
máxima pobreza: nada para ver, tudo
para crer.
O Ressuscitado,
aliás, não tem nada para mostrar senão suas chagas cicatrizadas como
manifestação da glória de Deus.
As aparições de Jesus são tão discretas,
destituídas de triunfo, imunes de revanche sobre a Cruz que ninguém o
reconhece.
“Misteriosa
Ressurreição” que apenas se deixa decifrar no íntimo
de uma experiência de despojamento,
onde há lugar
para uma nova visão dos acontecimentos e de sua interpretação.
“Secreta
Ressurreição”
porque ela não se impõe a partir do exterior,
como um acontecimento
que todos podem
constatar. Ela é uma fonte de vida que nos atinge no interior.
Na 4ª Semana dos Exercícios, S.
Inácio entra de cheio no assunto: “Recordarei...” (EE. 219).
Essa é a palavra que abre a 4ª
Semana. Isso é significativo.
“Recordarei...”, isto
é, passarei de novo no meu coração a figura de Jesus morto na Cruz... e
ressuscitado.
Re-cor-dar: visitar de novo aquilo que
o coração guardou.
Não se trata de
uma composição de lugar como
as das semanas precedentes para prender o imaginário, pois, na 4ª
Semana, ele seria incapaz de criar uma imagem.
Somente um
coração humilde, em exercício de recordação
pode ser tocado pela presença do
Ressuscitado, presença envolvente de uma infinita e doce ternura.
Memória
do coração, memória de comunhão que atua e atualiza a proximidade de
Jesus vivo, vencedor da morte, tal como os apóstolos puderam sentí-la, tocá-la e
nunca calá-la (At. 4,20).
Recordação, vibração,
presença no orante de realidades que escapam às categorias de tempo e de
espaço; realidades que ganham vida num coração desapropriado, amorosamente e
alegremente pobre para acolher o
Outro. Sem despojamento não há
comunhão possível.
Neste sentido, o recordar recolhido visibiliza o Invisível.
E, quando a memória leva ao coração a pessoa de
Jesus Ressuscitado, a lembrança torna-se participação, capacidade de amar
e ser
amado, a partir deste lugar em cada um de nós, onde o Ressusciado se
faz logo Ressuscitante.
Engajar a nossa vida
sobre a memória viva do Ressuscitado, de suas palavras, de seus gestos; entregar-nos
à energia irreversível que inspira, ampara, consola, vence as lutas cotidianas
é acolher a Vida plena, alegria
plena num caminho de chão.
O poder da Ressurreição dá realização plena ao “comigo”
do Reino, que supõe o abandono de todos os outros “com” que nos iludem, nos dividem e nos dispersam.
Saborear os “santíssimos efeitos” da “santíssima Ressurreição” lançam o exercitante numa grande aventura que
arranca suas posses e pertences inúteis.
Precisa partir sem nada, a não ser a
invencível esperança que, a cada
manhã, se renova.
Viver
a Ressurreição é “penetrar no coração do mundo até aquele
ponto onde tudo é um e para
onde tudo converge na diferença” (Teilhard de Chardin).
Na 4ª Semana, S. Inácio confere
a Jesus Ressuscitado “o ofício de Consolador”: presença
que envolve, que dilata o coração com uma alegria tranquila e profunda.
A consolação é movimento que
abrasa o coração no amor do Senhor, aumenta a esperança, a fé
e a caridade,
produz a alegria e fascina pelas coisas celestes (EE. 316). Pode-se notar
que se trata de movimento, isto é,
de uma realidade dinâmica, de um impulso
interior visando começos novos.
O “aumento
de esperança” precede o da fé e da caridade.
Esperança é,
ao mesmo tempo, premissa e conteúdo da consolação: faz surgir um desejo, fortalece um passo hesitante, abre um caminho, alarga o horizonte; nela tudo renasce, se dilata e emerge em direção à luz; incandescência
súbita na noite; chave encontrada
para a porta fechada... todo esse
borbulhar no coração do exercitante
traduz o movimento esperançoso a produzir a consolação.
A consolação que Jesus Ressuscitado
oferece cria aquilo que promove. Ele confirma no progresso e comunica alegria e
gozo espiritual àqueles que se
comprometem a seguí-lo e serví-lo.
“Consolar”:
sua raíz bíblica significa “respirar com o outro”.
Isso evoca logo a proximidade, a identificação com o Jesus Ressuscitado; fazer-se
próximo, “como amigo”, de quem é consolado, comungando do seu sopro vital, no silêncio atento que
dispensa toda palavra.
Ela supõe também
uma kénosis do Consolador para
eliminar a distancia a fim de viver o comum respiro. No ponto tangente
dos dois sopros conjugados, passa o único sopro
consolador, o Espírito que Jesus
entregou à sua Igreja.
O sopro de Jesus simboliza o Espírito (em hebraico “ruah”,
vento, sopro) que Ele envia, princípio da Nova Criação.
O “comigo”
do convite do rei adquire aí seu ponto culminante no dom supremo do Espírito de Consolação.
Graça
a ser pedida: que
se realize em nós, como o itinerário da fé pascal dos discípulos, a passagem da ausência para a presença, da incredulidade para a fé, da
desolação e da tristeza pela ausência de Jesus para
a alegria
do reencontro com
Ele, agora
ressuscitado;
- a graça de conhecer e acolher a novidade do Ressuscitado e da nossa relação pessoal com
Ele;
- a graça de
receber o dom da “vida
eterna” e a graça de realizar a missão
de anunciá-lo aos que ainda não o viram e não creram.
As
aparições: “Jesus
aparece como quer ser visto”.
O
propósito das aparições não é
insistir em um fato nem demonstrá-lo. É curar, reconciliar.
Cada
uma das aparições de Jesus é para
restabelecer uma relação, confirmar um elo de confiança, tocar e curar
um coração
partido.
O
modo e a maneira das aparições de
Jesus conformam-se às necessidades dos que vêm a reconhecer quem Ele é. “Jesus aparece como precisa ser visto”.
Seu
modo de aparição adapta-se em cada
caso à angústia individual nos corações e nas mentes daqueles(as) a quem Ele
aparece.
Maria
de Mágdala
está inconsolável pela perda do corpo de Jesus. O túmulo já não é local para
prantear, mas se tornou local de amarga
ausência. Jesus elimina essa ausência com um senso bastante físico de presença.
Os dois discípulos na estrada para Emaús tinham perdido a esperança e
estavam fugindo de Jerusalém. Jesus inflama-lhes os corações, e eles voltam
correndo para a cidade santa a fim de contar aos onze discípulos. O próprio Jesus
aparece e traz paz e perdão para os discípulos atribulados e compungidos na
sala do andar superior. Tomé é conquistado pela ternura e pela clemência de
Jesus, ao convidá-lo para que tocasse suas chagas.
As aparições de Jesus não foram
meras oportunidades de provar que Ele ressuscitara dos mortos nem de manifestar
sua divindade. Elas guardam dentro de si os esforços de Jesus para
operar a reconciliação na vida de seus desalentados discípulos que ficaram
traumatizados com sua morte. Pelo poder da Ressurreição,
Ele se deixou “ver” como cada um dos discípulos precisava vê-lo.
Textos
bíblicos:
1) Jo
20,19-29
2) Ez.
37,7-14
3) Ez.
36,22-29
4) Jo.
1,31-34
5)
Jd.
l6,13-18
6)
Gen.
1,2 e 2,7
7)
Jo.
19,28-30
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