O Evangelho Segundo Marcos (em grego: κατὰ Μᾶρκον εὐαγγέλιον, τὸ εὐαγγέλιον
κατὰ Μᾶρκον - transl. euangelion kata Markon) é o segundo livro do Novo
Testamento. Sendo o evangelho mais curto da Bíblia cristã, com apenas 16 capítulos,
ele conta a historia de Jesus de Nazaré. É considerado pelos eruditos um dos
três evangelhos sinópticos. De acordo com a tradição, Marcos foi pensado para
ser um epítome, o que representaria sua atual posição na Bíblia, como um resumo
de Mateus e Lucas. No entanto, a maioria dos estudiosos contemporâneos
considera essa obra como a mais antiga dos evangelhos canônicos - uma posição
conhecida como prioridade de Marcos - embora a obra contenha 31 versículos
relativos a outros milagres não relatados nos outros evangelhos.
O Evangelho de Marcos narra o ministério de Jesus, desde Seu batismo por
João Batista até Sua Ascensão. A obra concentra-se particularmente na última
semana de Sua vida (capítulos 11-16, a viagem até Jerusalém). Sua narrativa
rápida retrata Jesus como um homem de ação heróica, um exorcista, um curandeiro
e um milagreiro.
Um tema importante de Marcos é o Segredo Messiânico. Jesus pede silêncio
sobre sua identidade messiânica aos endemoninhados que Ele cura, além de
esconder sua mensagem com parábolas. Os discípulos também não conseguem
entender as implicações dos milagres de Cristo.
Todos os quatro evangelhos canônicos são anônimos, mas a tradição cristã
primitiva identifica autor deste evangelho como Marcos, o Evangelista, de quem
se diz ter baseado este trabalho sobre o testemunho de Pedro. Alguns estudiosos
modernos consideram essa tradição essencialmente credível, enquanto outros a
põe em cheque. No entanto, mesmo os estudiosos que duvidam da autoria de Marcos
reconhecem que muito do material deste Evangelho remonta um longo caminho,
representando informações importantes sobre o Jesus histórico. Por isso, o
Evangelho de Marcos é muitas vezes considerado a fonte primária de informações
sobre o ministério de Jesus.
Composição
Provavelmente, o Evangelho de Marcos não leva o nome do seu autor. A
tradição do século 2 atribuiu a autoria deste evangelho a Marcos Evangelista
(também conhecido como João Marcos), um companheiro de Pedro. Para os Pais da
Igreja, a obra foi baseada nas memórias de Pedro. O evangelho foi escrito em
grego koiné logo após a destruição do Segundo Templo de Jerusalém no ano 70 dC,
possivelmente na Síria. No entanto, outros estudiosos afirmam que evidências,
tanto externa quanto interna, apontam para a autoria de Marcos, antes do ano 70
dC. Por outro lado, o uso feito pelo autor de fontes variadas seria uma
evidência contra a autoria tradicional. De acordo com a maioria, o autor é
desconhecido.
Autoria e fontes
De acordo com Irineu, Papias de Hierápolis (escritor do início do século
II) relatou que este evangelho foi escrito por João Marcos, companheiro de
Pedro em Roma e em "momento algum errou ao escrever as coisas conforme
recordava. Sua preocupação era apenas uma: não omitir nada do que havia ouvido,
nem falsificar o que transmitia.". A maioria de estudiosos modernos do
Novo Testamento acreditam que este evangelho foi escrito na Síria por um
cristão desconhecido, em torno de 70 dC, utilizando várias fontes, incluindo
uma narrativa da paixão (provavelmente escrito), uma coleção de milagres e
histórias de Jesus (oral ou escrita), tradições apocalípticas (provavelmente
escrito), além de controvérsias e ditos didáticos (alguns possivelmente
escritos). Alguns dos materiais presentes no Evangelho de Marcos, no entanto, são
bastante antigos, o que representa uma importante fonte de informações
históricas sobre o Jesus histórico.
Marcos escreveu principalmente para um público gentio, de língua grega e
residentes do Império Romano: as tradições judaicas são explicadas de forma
clara visando os não-judeus (por exemplo, Marcos 7:1-4; 14:12; 15:42); há
várias palavras e frases em aramaico que são expandidas e explicadas pelo
autor, como ταλιθα κουμ (Talitha qoum, em Marcos 5:41, no episódio da Filha de
Jairo), κορβαν (Corban, Marcos 7:11), αββα (abba, Marcos 14:36). Quando
Marcos faz uso do Antigo Testamento, ele o faz se utilizando da versão
traduzida para o grego, a Septuaginta (por exemplo, Marcos 1:2; Marcos 2:23-28;
Marcos 10:48; Marcos 12:18-27; também compare Marcos 2:10 com Daniel 7:13-14) .
Fonte de Mateus e Lucas
Maioria dos estudiosos acreditam que o Evangelho de Marcos foi o primeiro
dos evangelhos canônicos a ser escrito, servindo como fonte para os evangelhos
de Mateus e Lucas. A razão porque este evangelho recebe tanta atenção por parte
da comunidade acadêmica é a crença generalizada de que o Evangelho de Marcos e,
provavelmente, a fonte Q, foram a base dos evangelhos sinópticos, como descrita
na hipótese das duas fontes. Assim, os eruditos no Novo Testamento concordam
que o Evangelho de Marcos é um documento, escrito grego koiné e que serviu de
base para os Evangelhos Sinópticos. Ele fornece a cronologia geral da vida de
Jesus, desde o batismo até o túmulo vazio.
Diferentes versões
O Evangelho de Marcos é o mais curto dos evangelhos canônicos. Seus
manuscritos, tanto os pergaminhos quanto os códices, possuem diferentes versões
do texto, principalmente no início e no final. Estas perdas não afetam
essencialmente o conteúdo teológico do evangelho. Por exemplo, Marcos 1:1 foi
encontrado em duas formas diferentes: a maioria dos manuscritos de Marcos,
incluindo o Codex Vaticanus do século XIV, tem o texto "filho de
Deus", enquanto outros três importantes manuscritos não possuem essa
versão. Esses três são: Codex Sinaiticus (século IV), Codex Koridethi (século
IX) e o texto chamado Minúsculo 28 (século XI). O suporte textual para o Filho
de Deus em Marcos 1:1 é forte, mas a frase pode não estar presente no texto
original.
As interpolações também não são editoriais. Na crítica textual, é comum que
comentários escritos nas margens dos manuscritos sejam incorporadas ao texto
nas cópias daquela versão. Qualquer exemplo particular é aberta à discussão,
mas pode-se tomar como exemplo a nota de «Quem tem ouvidos para ouvir, ouça»
(Marcos 7:16), que não é encontrado nos manuscritos mais antigos.
Revisão e erro editorial também podem contribuir para as diferentes versões
do texto de Marcos. A maioria das diferenças são triviais. No entanto, Marcos
1:41, onde o leproso se aproximou de Jesus implorando para ser curado, é
significativo. Os manucritos mais antigos (Texto-tipo Ocidental) afirmam que
Jesus ficou irado com o leproso, enquanto as versões mais tardias (Texto-tipo
Bizantino) indicam que Jesus mostrou compaixão. Esta é possivelmente uma
confusão entre as palavras em aramaico ethraham (ele tinha pena) e ethra'em
(ele ficou furioso). Como é mais fácil entender por que um escriba iria mudar
raiva para pena do que pena à raiva, a versão anterior é provavelmente a
original.
Final de Marcos
A partir do século XIX, os estudiosos da crítica textual passaram a afirmar
que Marcos 16:9-20, que descreve o encontro de alguns discípulos com Jesus
ressuscitado, foi uma adição posterior ao evangelho. Nesse caso, Marcos 16:8
seria o fim do Evangelho de Marcos com a descrição do túmulo vazio e que é
imediatamente precedido por uma declaração de um jovem vestido com uma túnica
branca afirmando que Jesus ressuscitou e está indo adiante de vós para a
Galiléia. Os últimos doze versos estão faltando nos mais antigos manuscritos do
Evangelho de Marcos. Além disso, o estilo destes versos é diferente do resto
deste evangelho, sugerindo que eles foram uma adição posterior.
Características
O Evangelho de Marcos é diferente dos outros evangelhos em vários detalhes,
na linguagem e no conteúdo. Sua teologia é única. O vocabulário presente nesta
obra possuem 1330 palavras distintas, das quais 60 são nomes próprios. Oitenta
palavras (exclusivo de nomes próprios), não são encontradas em outras partes do
Novo Testamento. Cerca de um quarto delas não são clássicas. Além disso, Marcos
faz uso do presente histórico, bem como do segredo messiânico a fim de revelar
a mensagem do seu Evangelho.
Teologia
Os cristãos consideram o Evangelho de Marcos como divinamente inspirado, tendo
a teologia desta obra em consonância com a do resto da Bíblia. Cada um vê
Marcos como uma das mais importantes contribuições para a teologia cristã,
apesar de os cristãos discordarem às vezes sobre a natureza dessa teologia. No
entanto, a contribuição deste evangelho para a teologia do Novo Testamento pode
ser identificada como única em si.
Marcos é visto tanto como um historiador quanto como um teólogo, declarando
que sua narrativa seja sobre o Evangelho de Jesus Cristo. O tema do Messias
sofredor é a peça central para a interpretação que Marcos faz de Jesus, da
teologia deste evangelho bem como da estrutura da obra. O conhecimento sobre a
verdadeira identidade sobre o messias está oculto e somente aqueles com uma
visão espiritual podem ver. O conceito de conhecimento oculto pode ter se
tornado a base dos Evangelhos Gnósticos. Por isso, John Killinger argumenta
que, em Marcos, a narrativa da ressurreição está escondida durante todo o
evangelho ao invés de estar presente no final. Ele especula assim que o autor
deste evangelho pode ter sido um gnóstico cristão. No entanto, a maioria dos
estudiosos no Novo Testamento não concordam com essa visão.
Segredo messiânico
Em Marcos, mais do que nos outros sinóticos, Jesus esconde sua identidade
messiânica. Quando ele vai exorcizar demônios e eles o reconhecem, Jesus sempre
manda-os ficar em silêncio. Quando Ele cura as pessoas, pede-lhes para não
revelar como elas foram curados. Quando prega, ele usa parábolas para esconder
sua verdadeira mensagem. Os discípulos são ignorantes sobre a compreensão do
verdadeiro significado do Cristo, compreendendo-o somente após Sua morte. Este
segredo messiânico é uma questão central nos estudos da Bíblia.
Em 1901, William Wrede desafiou a visão corrente. Ele criticou os estudos
de Marcos que afirmavam que este evangelho possuía uma narrativa simples e
histórica. Para Wrede, o segredo messiânico foi um artifício literário que
Marcos usou para resolver a tensão entre os primeiros cristãos, que saudaram
Jesus como o Messias, e o Jesus histórico que, segundo ele, nunca fez tal
afirmação sobre si. O segredo messiânica continua a ser um dos principais
tópico de debate entre os eruditos do Novo Testamento.
Adocionismo
Os cristãos acreditam que Jesus é o Filho de Deus. Para a maioria dos
adeptos do cristianismo, Jesus de Nazaré foi concebido pelo Espírito Santo e
nasceu da Virgem Maria.
No entanto, há uma crença entre uma minoria cristã chamada Adocionismo. Os
adocionistas acreditam que Jesus era plenamente humano, nascido de uma união
sexual entre José e Maria. Nesse caso, Jesus só se tornou divino mais tarde, em
seu batismo. Ele foi escolhido como o primogênito de toda a criação por causa
de sua devoção sem pecado à vontade de Deus.
O adocionismo provavelmente surgiu entre os primeiros cristãos judeus que
procuravam conciliar as alegações de que Jesus era o Filho de Deus, com o
estrito monoteísmo do Judaísmo - onde o conceito de uma Trindade era
inaceitável. Estudiosos como Bart D. Ehrman argumentam que a teologia
adocionista pode remontar quase ao tempo de Jesus. O início judaico-cristã dos
Evangelhos não fazem nenhuma menção de um nascimento sobrenatural. Em vez
disso, eles afirmam que Jesus foi gerado em seu batismo.
A teologia da adocionismo caiu em descrédito depois que o cristianismo
deixou suas raízes judaicas e a visão dos gentios sobre a religião cristã
tornou-se dominante. Dessa forma, o adocionismo foi declarado heresia no final
do século II, sendo rejeitada pelo Primeiro Concílio de Niceia, que proclamou a
doutrina ortodoxa da Trindade e identificou Jesus como eternamente gerado de
Deus. O Credo de Niceia passou a afirmar que Jesus nasceu do Espírito Santo e
da Virgem Maria - como afirmam os evangelhos de Lucas e Mateus.
O adocionismo já estava presente no tempo de Mateus e dos outros Apóstolos.
De acordo com os Padres da Igreja, o primeiro Evangelho foi escrito pelo
apóstolo Mateus, e sua narrativa foi chamada de Evangelho dos Hebreus ou
Evangelho dos Apóstolos. Este primeiro relato escrito da vida de Jesus foi
adocionista em sua natureza. O Evangelho dos Hebreus não tem menção ao
nascimento virginal e quando Jesus é batizado a obra afirma: Jesus saiu da
água, o céu se abriu e viu-se o Espírito Santo descer na forma de uma pomba e
entrar nEle. Em seguida, uma voz do céu disse: Tu és o meu Filho amado, em ti
me comprazo". E, novamente, "Hoje eu te gerei". Imediatamente
uma grande luz brilhou ao redor do local".
Alguns estudiosos também vêem a teologia adocionista no Evangelho de
Marcos. Marcos tem Jesus como o Filho de Deus, que ocorrem em pontos
estratégicos do Evangelho, em 1:1 ("O começo do evangelho de Jesus Cristo,
o Filho de Deus") e em 15:39 ("Certamente este homem era o Filho de
Deus!"), mas o nascimento virginal de Jesus não foi narrado. A frase
"Filho de Deus" não está presente em alguns manuscritos antigos em
1:1. Bart D. Ehrman usa esta omissão para apoiar a noção de que o título de
"Filho de Deus" para Jesus não é usado até Seu batismo. Sendo assim,
Marcos refletiria uma visão de adoção. No entanto, a autenticidade da omissão
de "Filho de Deus" e seu significado teológico tem sido rejeitada por
boa parte dos estudiosos, como Bruce Metzger e Ben Witherington III.
No momento em que os Evangelhos de Lucas e Mateus foram escritos, Jesus é
retratado como sendo o Filho de Deus, desde o momento do nascimento.
Finalmente, o Evangelho de João retrata o Filho como existente desde o
"princípio".
Significado da morte de
Jesus
O Evangelho de Marcos retrata a morte de Jesus como um sacrifício
expiatório pelo pecado. A cortina do Templo, que servia como uma barreira entre
a santa presença de divina e o mundo profano, rasga no momento da morte de
Jesus - simbolizando o fim da divisão entre o homem e Deus[4].
A única menção explícita do significado da morte de Jesus ocorre em Marcos
10:45, onde Jesus diz que o Filho do Homem não veio para ser servido mas para
servir e dar a sua vida em resgate (lutron) de muitos (anti Pollon). De acordo
com Barnabé Lindars, este versículo refere-se a canção do servo sofredor de
Isaías, com lutron referindo-se à "oferta pelo pecado" (Isaías 53:10)
e anti Pollon ao Servo "carregando o pecado de muitos", em Isaías
52:12. A palavra grega anti significa "no lugar de", que indica uma
morte substitutiva.
O autor deste evangelho também fala da morte de Jesus por meio de metáforas
como a do noivo que parte em Marcos 2:20, e do herdeiro rejeitado em Marcos
12:6-8. Ele vê Jesus como cumprindo da profecia do Antigo Testamento (Marcos
9:12, Marcos 12:10, Marcos 14:21 e Marcos 14:27).
Muitos estudiosos acreditam que Marcos estruturou seu evangelho de forma a
enfatizar a morte de Jesus. Alan Culpepper, por exemplo, vê Marcos 15:1-39 como
o desenvolvimento em três atos, cada um contendo um evento e uma resposta. O
primeiro evento é o julgamento, seguido pelas zombarias do soldados contra
Jesus; o segundo evento é Jesus sendo crucificado, seguido pelos espectadores
zombando dele; o terceiro e último evento nesta seqüência é a morte de Jesus,
seguida pelo véu do templo sendo rasgado e a confissão do centurião que afirma:
"Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus". Essa estrutura
triádica de Marcos enfatiza a importância desta última confissão do centurião romano,
o que proporciona um contraste dramático com as duas cenas de escárnio que a
precedem. Bauer sugere que "o evangelho de Marcos, ao trazer um clímax com
esta confissão cristológica na cruz, indica que Jesus é, em primeiro lugar, o
Filho de Deus; E que Jesus é Filho de Deus como aquele que sofre e morre em
obediência a Deus". Joel observa que enquanto os outros evangelistas
atenuam, Marcos "enfatiza o sofrimento e a morte de Jesus na cruz".
Por isso, ele vê "Marcos como mais fortemente influenciado pela teologia da
cruz de Paulo do que os outros evangelhos".
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