Memória dos “custos” no seguimento de Jesus
Dentro da dinâmica espiritual dos Exercícios, a 3ª Semana é a confirmação da
escolha, teste de autenticidade de uma decisão já feita durante a 2ª Semana. A
interiorização progressiva dos Exercícios se encaminha para a plenitude de
Cristo que levou até às últimas consequências a opção pelo Reino. Uma vez feita
a eleição, somos convidados a estar com Ele na gratuidade, durante a Paixão. Tomada
a decisão de “subir a Jerusalém”, o exercitante começa a descobrir,
contemplando Jesus, qual pode ser o preço da fidelidade.
As contemplações dos “mistérios” da Paixão procedem-se numa atmosfera de
grande intimidade: nenhuma etapa do caminho do Calvário foi omitida por S.
Inácio. A contemplação vem a ser como um acompanhar Jesus em sua Paixão; quem
se exercita não pode permanecer reduzido a um simples espectador mas “entrar” no
caminho de Jesus, apropriar-se dos “mistérios”.
A contemplação leva a uma oração de união, possibilitada pela Eleição: querer
unir-se a Ele, estar com Ele em silêncio, diante de seu ser, mistério que nos
ultrapassa.
S. Inácio explicitamente insiste no percurso do exercitante ao longo dos
“mistérios”, como um itinerário:
- “da última Ceia ao jardim
das Oliveiras” (EE. 290);
- “do jardim à casa de
Anás” (EE. 291);
- “da casa e Pilatos à Cruz”
(EE. 296)...
Os traços de ligação indicam um caminho a ser percorrido, o caminho pascal
do Senhor. Este “caminho pascal” não começa com a Última Ceia, mas no momento
do Nascimento do Senhor:
“desde o instante em que nasceu, até o mistério da PAIXÃO, em que agora
me encontro” (EE. 206).
Ao propor o relato evangélico da Paixão S. Inácio proclama que o caminho do
“magis” é o do “minus”, (“ser estimado por néscio e louco por Cristo”) porque é
na impotência da “kénosis” que a glória do Todo-Poderoso nos é revelada. O
onipotente é o Servo Sofredor.
A 3ª Semana não me põe frente a uma história ou uma teologia, mas frente à
pessoa de Cristo: “diante de mim e posto na Cruz”, numa progressiva e amorosa
identificação. S. Inácio não insiste no
sofrimento, mas no “Cristo que sofre” (EE. 195). De fato, seria falsificar a
oração da 3ª Semana a consideração de problemas intimamente ligados à
Paixão do Senhor, tais como: o significado do sofrimento, o mistério da
Cruz, a existência do mal, o escândalo ou a loucura do Amorde um Deus que
sofre, etc... Não é tanto o sofrimento mesmo que nos aproxima de Cristo. Fiel
ao Evangelho da Paixão, S. Inácio não sacraliza o sofrimento ou a desgraça, mas
ele propõe uma compaixão que santifica todo sofrimento.
O sofrimento é sempre secundário em relação Àquele que sofre. É somente na
3ª Semana que se torna realidade pascal tudo o que foi desejado e imaginado
como projetos e planos concretos de vida; é quando Sua Divina Majestade nos
“coloca” com seu Filho Crucificado.
1ª Contemplação: “Cristo N. Senhor vai de Betânia a Jerusalém para a última Ceia” (EE. 190)
A palavra Amor, que é a única resposta para todas as perguntas desafiadoras
da 3ª Semana, aparece no mistério da Última Ceia, quando o Senhor institui “o
santíssimo sacrifício da Eucaristia, como a maior prova de seu AMOR” (EE. 289).
Só o Amor justifica e suscita nossa compaixão (“o que devo fazer e padecer por
Ele”).
A Última Ceia, na qual S. Inácio insiste como uma espécie de fundamento
para a 3ª Semana, requer uma verdadeira “transubstanciação” do eu, na qual o “velho Adão” morre para ressurgir no “novo Adão” à imagem e semelhança da majestade do Senhor.
Não podemos desligar a ação de Jesus na Última Ceia do conjunto da sua
vida, da sua ação, da sua missão: o anúncio e a construção do Reino. A
eucaristia recebe a sua significação a partir do conjunto desta vida e ação de
Jesus. Ela é o ponto de chegada desta Vida e Ação, e também uma nova maneira de
Jesus participar da vida dos homens e de fazer dos homens participantes da sua
Vida.
Duas práticas de Jesus impressionaram vivamente os que as testemunharam: as
curas e a partilha nas mesas. Curando os doentes e compartilhando a mesa com os
pobres, Jesus mostrou sensibilidade diante de dois problemas básicos da vida
dos pobres de todos os tempos: pão e saúde. A mesa é para ser compartilhada por
todos. A partilha do pão com pecadores e pobres fazia parte das práticas transgressoras
de Jesus.
Com isso Ele vivia desafiando as formalidades do comportamento social,
tornava-se igual a todos que se sentavam com Ele à mesa. A “comensalidade” cria
laços de comunhão, é um remédio contra a rigidez das hierarquias, dos
privilégios e dos exclusivismos. Na comensalidade entre Jesus e os excluídos,
tratava-se de reconstruir a nova comunidade em princípios totalmente diferentes
dos que fundamentavam a desigualdade, a dependência, a ordem estabelecida na
sociedade.
Comendo e bebendo com os camponeses sem-terra e igualmente com os
publicanos e as mulheres, Jesus estava transgredindo as regras estabelecidas de
bom comportamento na sociedade.
“Ele come com os pecadores e se senta à
mesa com os publicanos” (Mt 9,11).
Jesus se senta à mesa com todos e aí fala de Deus e das coisas divinas.
Assim Ele subvertia o raciocínio de seus interlocutores, virava a moral
pelo avesso, mostrava o mundo pelo reverso como na parábola do fariseu e do
publicano. Falando em parábolas Jesus procurava o tempo todo um bom
interlocutor, alguém que compartilhasse com Ele a aventura de “sentar-se à
mesa” com as pessoas e ao mesmo tempo de duvidar das verdades estabelecidas e
das hierarquias dominantes.
Além disso, o lugar sagrado, onde se discutem os assuntos de Deus e de seu
Reino, não é o “santuário” onde as
pessoas se retiram do mundo para ter uma experiência sacral, mas pelo
contrário, coincide com o lugar da vida do dia-a-dia, a mesa, a casa...
O modo de falar de Jesus era coloquial, seu templo era a casa de família.
Com isso Ele se tornava cúmplice com os seus comensais, partilhava a mesa
com publicanos e prostitutas. Não era o pregador com ar de asceta distante, mas
o companheiro, o amigo, o confidente.
- Composição vendo o
lugar (E. 192): extrema sobriedade; que cada um utilize o
que mais lhe ajudar.
- Petição (EE. 193): “dor, compaixão, confusão”. A grande graça a pedir é a compaixão, ou seja,
sofrer com Cristo que sofre, sair de si e de seu mundo de idéias e sentimentos
para “entrar” no mundo de Jesus, através da empatia com seu modo de ser e
padecer, com sua palavra...
Não devemos explorar a sensibilidade; devemos percorrer o “mistério” com espírito
de fé impregnada de humilde compulsão: “é por meus pecados que o Senhor vai à
Paixão”. O “esforço” que S. Inácio pede ao exercitante (EE. 195) não é um
esforço nervoso, estéril, mas um esforço humilde, amor contrito e doloroso.
Diante da Paixão, basta a cena para falar; qualquer discurso se tornaria supérfluo
e acintoso, tão grande é o amor.
- Colóquio (EE. 199: grande liberdade espiritual, segundo a matéria e a devoção de cada um.
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