sábado, 27 de agosto de 2016

A Paixão segundo Santo Inácio


A PAIXÃO SEGUNDO SANTO INÁCIO

Memória dos “custos” no seguimento de Jesus

Dentro da dinâmica espiritual dos Exercícios, a 3ª Semana é a confirmação da escolha, teste de autenticidade de uma decisão já feita durante a 2ª Semana. A interiorização progressiva dos Exercícios se encaminha para a plenitude de Cristo que levou até às últimas consequências a opção pelo Reino. Uma vez feita a eleição, somos convidados a estar com Ele na gratuidade, durante a Paixão. Tomada a decisão de “subir a Jerusalém”, o exercitante começa a descobrir, contemplando Jesus, qual pode ser o preço da fidelidade.

As contemplações dos “mistérios” da Paixão procedem-se numa atmosfera de grande intimidade: nenhuma etapa do caminho do Calvário foi omitida por S. Inácio. A contemplação vem a ser como um acompanhar Jesus em sua Paixão; quem se exercita não pode permanecer reduzido a um simples espectador mas “entrar” no caminho de Jesus, apropriar-se dos “mistérios”.  A contemplação leva a uma oração de união, possibilitada pela Eleição: querer unir-se a Ele, estar com Ele em silêncio, diante de seu ser, mistério que nos ultrapassa.

S. Inácio explicitamente insiste no percurso do exercitante ao longo dos “mistérios”, como um itinerário:

                    - “da última Ceia ao jardim das Oliveiras” (EE. 290);
                    - “do jardim à casa de Anás” (EE. 291);
                    - “da casa e Pilatos à Cruz” (EE. 296)...

Os traços de ligação indicam um caminho a ser percorrido, o caminho pascal do Senhor. Este “caminho pascal” não começa com a Última Ceia, mas no momento do Nascimento do Senhor:
            “desde o instante em que nasceu, até o mistério da PAIXÃO, em que agora me encontro” (EE. 206).
Ao propor o relato evangélico da Paixão S. Inácio proclama que o caminho do “magis” é o do “minus”, (“ser estimado por néscio e louco por Cristo”) porque é na impotência da “kénosis” que a glória do Todo-Poderoso nos é revelada. O onipotente é o Servo Sofredor.

A 3ª Semana não me põe frente a uma história ou uma teologia, mas frente à pessoa de Cristo: “diante de mim e posto na Cruz”, numa progressiva e amorosa identificação.  S. Inácio não insiste no sofrimento, mas no “Cristo que sofre” (EE. 195). De fato, seria falsificar a oração da 3ª Semana a consideração de problemas intimamente ligados à
             
Paixão do Senhor, tais como: o significado do sofrimento, o mistério da Cruz, a existência do mal, o escândalo ou a loucura do Amorde um Deus que sofre, etc... Não é tanto o sofrimento mesmo que nos aproxima de Cristo. Fiel ao Evangelho da Paixão, S. Inácio não sacraliza o sofrimento ou a desgraça, mas ele propõe uma compaixão que santifica todo sofrimento.
             
O sofrimento é sempre secundário em relação Àquele que sofre. É somente na 3ª Semana que se torna realidade pascal tudo o que foi desejado e imaginado como projetos e planos concretos de vida; é quando Sua Divina Majestade nos “coloca”  com seu Filho Crucificado.

1ª Contemplação: “Cristo N. Senhor vai de Betânia a Jerusalém para a última Ceia” (EE. 190)

A palavra Amor, que é a única resposta para todas as perguntas desafiadoras da 3ª Semana, aparece no mistério da Última Ceia, quando o Senhor institui “o santíssimo sacrifício da Eucaristia, como a maior prova de seu AMOR” (EE. 289). Só o Amor justifica e suscita nossa compaixão (“o que devo fazer e padecer por Ele”).

A Última Ceia, na qual S. Inácio insiste como uma espécie de fundamento para a 3ª Semana, requer uma verdadeira “transubstanciação”  do eu, na qual o “velho Adão”  morre para ressurgir no “novo Adão”  à imagem e semelhança da majestade do Senhor.

Não podemos desligar a ação de Jesus na Última Ceia do conjunto da sua vida, da sua ação, da sua missão: o anúncio e a construção do Reino. A eucaristia recebe a sua significação a partir do conjunto desta vida e ação de Jesus. Ela é o ponto de chegada desta Vida e Ação, e também uma nova maneira de Jesus participar da vida dos homens e de fazer dos homens participantes da sua Vida.

Duas práticas de Jesus impressionaram vivamente os que as testemunharam: as curas e a partilha nas mesas. Curando os doentes e compartilhando a mesa com os pobres, Jesus mostrou sensibilidade diante de dois problemas básicos da vida dos pobres de todos os tempos: pão e saúde. A mesa é para ser compartilhada por todos. A partilha do pão com pecadores e pobres fazia parte das práticas transgressoras de Jesus.

Com isso Ele vivia desafiando as formalidades do comportamento social, tornava-se igual a todos que se sentavam com Ele à mesa. A “comensalidade” cria laços de comunhão, é um remédio contra a rigidez das hierarquias, dos privilégios e dos exclusivismos. Na comensalidade entre Jesus e os excluídos, tratava-se de reconstruir a nova comunidade em princípios totalmente diferentes dos que fundamentavam a desigualdade, a dependência, a ordem estabelecida na sociedade.

Comendo e bebendo com os camponeses sem-terra e igualmente com os publicanos e as mulheres, Jesus estava transgredindo as regras estabelecidas de bom comportamento na sociedade.

        “Ele come com os pecadores e se senta à mesa com os publicanos” (Mt 9,11).

Jesus se senta à mesa com todos e aí fala de Deus e das coisas divinas.
Assim Ele subvertia o raciocínio de seus interlocutores, virava a moral pelo avesso, mostrava o mundo pelo reverso como na parábola do fariseu e do publicano. Falando em parábolas Jesus procurava o tempo todo um bom interlocutor, alguém que compartilhasse com Ele a aventura de “sentar-se à mesa” com as pessoas e ao mesmo tempo de duvidar das verdades estabelecidas e das hierarquias dominantes.

Além disso, o lugar sagrado, onde se discutem os assuntos de Deus e de seu Reino, não é o “santuário”  onde as pessoas se retiram do mundo para ter uma experiência sacral, mas pelo contrário, coincide com o lugar da vida do dia-a-dia, a mesa, a casa...
O modo de falar de Jesus era coloquial, seu templo era a casa de família.
Com isso Ele se tornava cúmplice com os seus comensais, partilhava a mesa com publicanos e prostitutas. Não era o pregador com ar de asceta distante, mas o companheiro, o amigo, o confidente.

- Composição vendo o lugar (E. 192): extrema sobriedade; que cada um utilize o que mais lhe ajudar.

- Petição (EE. 193): “dor, compaixão, confusão”. A grande graça a pedir é a compaixão, ou seja, sofrer com Cristo que sofre, sair de si e de seu mundo de idéias e sentimentos para “entrar” no mundo de Jesus, através da empatia com seu modo de ser e padecer, com sua palavra...
                                    
Não devemos explorar a sensibilidade; devemos percorrer o “mistério” com espírito de fé impregnada de humilde compulsão: “é por meus pecados que o Senhor vai à Paixão”. O “esforço” que S. Inácio pede ao exercitante (EE. 195) não é um esforço nervoso, estéril, mas um esforço humilde, amor contrito e doloroso. Diante da Paixão, basta a cena para falar; qualquer discurso se tornaria supérfluo e acintoso, tão grande é o amor.

- Colóquio (EE. 199: grande liberdade espiritual, segundo a matéria e a devoção de cada um.


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