terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Epifania - III


 
Epifania do Senhor – Mt 2, 1-12.

 A liturgia celebra a manifestação de Jesus a todos os homens… Ele é uma “luz” que se acende na noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Cumprindo o projeto libertador que o Pai nos queria oferecer, essa “luz” encarnou na nossa história, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação, da vida definitiva.

No Evangelho, vemos a concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os “magos” do oriente, representantes de todos os povos da terra… Atentos aos sinais da chegada do Messias, procuram-n’O com esperança até O encontrar, reconhecem n’Ele a “salvação de Deus” e aceitam-n’O como “o Senhor”. A salvação rejeitada pelos habitantes de Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a todos os homens, sem exceção.

Como pano de fundo está a afirmação da eterna preocupação de Deus com a vida e a felicidade desses homens e mulheres a quem Ele criou. Sejam quais forem as voltas que a história dá, Deus está lá, vivo e presente, acompanhando a caminhada do seu Povo e oferecendo-lhe a vida definitiva. Esta “fidelidade” de Deus aquece-nos o coração e renova-nos a esperança… Caminhamos pela vida de cabeça levantada, confiando no amor infinito de Deus e na sua vontade de salvar e libertar o homem.

É preciso, sem dúvida, ligar a chegada da “luz” salvadora de Deus a Jerusalém (anunciada pelo profeta) com o nascimento de Jesus. O projeto de libertação que Jesus veio apresentar aos homens será a luz que vence as trevas do pecado e da opressão e que dá ao mundo um rosto mais brilhante de vida e de esperança. Reconhecemos em Jesus a “luz” libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar que essa “luz” nos liberte das trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Será que, através de nós, essa “luz” atinge o mundo e o coração dos nossos irmãos e transforma tudo numa nova realidade?

Na catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já “não necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus”, é a Igreja – a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer (cf. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas nossas comunidades cristãs e religiosas brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são, pelo seu brilho, uma luz que atrai os homens? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor e de partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, não contribuirão para embaciar o brilho dessa luz de Deus que devíamos refletir?

Será que na nossa Igreja há espaço para todos os que buscam a luz libertadora de Deus? Os irmãos que têm a vida destroçada ou que não se comportam de acordo com as regras da Igreja, são acolhidos, respeitados e amados? As diferenças próprias da diversidade de culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou são rejeitadas porque ameaçam a uniformidade?

A perspectiva de que Deus tem um projeto de salvação para oferecer ao seu Povo – já enunciada na primeira leitura – tem aqui novos desenvolvimentos. A primeira novidade é que Cristo é a revelação e a realização plena desse projeto. A segunda novidade é que esse projeto não se destina apenas “a Jerusalém” (ao mundo judaico), mas é para ser oferecido a todos os povos, sem exceção.

A Igreja, “corpo de Cristo”, é a comunidade daqueles que acolheram “o mistério”. Nela, brancos e negros, pobres e ricos, ucranianos ou moldavos – beneficiários todos da ação salvadora e libertadora de Deus – têm lugar em igualdade de circunstâncias. Temos, verdadeiramente, consciência de que é nesta comunidade de crentes que se revela hoje no mundo o projeto salvador que Deus tem para oferecer a todos os homens? Na vida das nossas comunidades transparece, realmente, o amor de Deus? As nossas comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, de cor ou de estatuto social?

Destinatários, todos, do mistério, somos “filhos de Deus” e irmãos uns dos outros. Essa fraternidade implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade… Sentimo-nos solidários com todos os irmãos que partilham conosco esta vasta casa que é o mundo? Sentimo-nos responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos, mesmo aqueles que estão separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças?

O episódio da visita dos magos ao menino de Belém é um episódio simpático e terno que, ao longo dos séculos, tem provocado um impacto considerável nos sonhos e nas fantasias dos cristãos… No entanto, convém recordar que estamos ainda no âmbito do “Evangelho da Infância”; e que os fatos narrados nesta secção não são a descrição exata de acontecimentos históricos, mas uma catequese sobre Jesus e a sua missão… Por outras palavras: Mateus não está aqui interessado em apresentar uma reportagem jornalística que conte a visita oficial de três chefes de estado estrangeiros à gruta de Belém; mas está interessado em (recorrendo a símbolos e imagens bem expressivos para os primeiros cristãos) apresentar Jesus como o enviado de Deus Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a terra.

 A análise dos vários detalhes do relato confirma que a preocupação do autor (Mateus) não é de tipo histórico, mas catequético.

 Notemos, em primeiro lugar, a insistência de Mateus no fato de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cf. vers. 1.5.6.7). Para entender esta insistência, temos de recordar que Belém era a terra natal do rei David e que era a Belém que estava ligada a família de David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-l’O a esses anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém (cf. Mi 5,1.3; 2 Sm 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai. Com esta nota, Mateus quer aquietar aqueles que pensavam que Jesus tinha nascido em Nazaré e que viam nisso um obstáculo para o reconhecerem como o Messias libertador.

Notemos, em segundo lugar, a referência a uma estrela “especial” que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os “magos” para Belém. A interpretação desta referência como histórica levou alguém a cálculos astronômicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenômeno luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura de um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente… Na realidade, é inútil procurar nos céus a estrela ou cometa em causa, pois Mateus não está a narrar fatos históricos. Segundo a crença popular da época, o nascimento de uma personagem importante era acompanhado da aparição de uma nova estrela. Também a tradição judaica anunciava o Messias como a estrela que surge de Jacob (cf. Nm 24,17). Ora, é com estes elementos que a imaginação de Mateus, posta ao serviço da catequese, vai inventar a “estrela”. Mateus está, sobretudo, interessado em fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos seguros para rebater aqueles que negavam que Jesus era esse Messias esperado.

 Temos ainda as figuras dos “magos”. A palavra grega “mágos”, usada por Mateus, abarca um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos… Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, esses “magos” representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (cf. Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa “luz”.

Além de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao longo de todo o Evangelho: o Povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os “magos” do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém “ficam perturbados” diante da notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte, enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador.

 Mateus anuncia, desta forma, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu Povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos “magos” reflete a caminhada que os pagãos percorreram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus – que conhecem as Escrituras – o que fazer, encontram Jesus e adoram-n’O como “o Senhor”. É muito possível que um grande número de pagano-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho em direção a Jesus.

Em primeiro lugar, meditemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo… Diante de Jesus, o libertador enviado por Deus, estes distintos personagens assumem atitudes diversas, que vão desde a adoração (os “magos”), até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse Messias que eles conheciam bem dos textos sagrados). Identificamo-nos com algum destes grupos? Não é fácil “conhecer as Escrituras”, como profissionais da religião e, depois, deixar que as propostas e os valores de Jesus nos passem ao lado?

Os “magos” são apresentados como os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da chegada da libertação… Somos pessoas atentas aos “sinais” – isto é, somos capazes de ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de Deus? Procuramos perceber nos “sinais” que aparecem no nosso caminho a vontade de Deus?

Impressiona também, no relato de Mateus, a “desinstalação” dos “magos”: viram a “estrela”, deixaram tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão especial, à nossa televisão, à nossa aparelhagem, ao nosso computador? Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz através dos irmãos?

Os “magos” representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que acolhem a proposta libertadora que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a imagem da Igreja – essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o seu Senhor.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA EPIFANIA

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

 Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Epifania, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

 2. PALAVRA DE VIDA.

 A caminho da estrela… Os magos tinham o hábito de perscrutar os astros. Eles viram uma estrela, sem dúvida nova para os seus olhos, então puseram-se a caminho… Aquele que procuravam parece querer fazer-se conhecer, um sinal basta para estes magos. Param, experimentam uma grande alegria, prostram-se e oferecem os seus presentes. A criança que eles descobrem não é uma criança como as outras: é rei, então oferecem-lhe oiro; é Deus, então queimam incenso; passará pela morte antes de ressuscitar, então apresentam a mirra. Para o regresso, não têm necessidade de estrela. Deus convida-os a regressar por outro caminho. O verdadeiro rei não é Herodes, mas esta criança que acaba de nascer.

 3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

 Um convite ao acolhimento e à abertura… Festa da salvação para todos os povos, a Epifania convida as comunidades cristãs ao acolhimento e à abertura. Como viver isso concretamente hoje na celebração? Por exemplo, dando a cada um, ao chegar à igreja, uma pequena estrela. Em cada uma, está escrito o nome de um dos continentes: África, América, Ásia, Europa, Oceânia. No fim da primeira leitura que descreve em imagens sumptuosas Jerusalém como o cruzamento das nações, o animador diz o nome África, depois América, e os outros; a cada apelo, aqueles que têm o nome escrito na estrela levantam a estrela e mantêm-na levantada durante o salmo responsorial. Em seguida, vão colocá-la no presépio.

 4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

Aceitar pôr-se a caminho… Erguer os olhos: tal é o convite que nos é feito hoje. Uma estrela brilha sempre na noite, se nós a perscrutamos com atenção. Erguer os olhos: descentrar-se de si mesmo, procurar ajuda da parte de qualquer outro, de Deus. Depois de ver a estrela, aceitar pôr-se a caminho. Nos próximos dias, esta estrela será talvez uma caminhada a empreender para sair, encontrar ajuda ou levar ajuda a alguém, tomar uma decisão até aqui adiada…

Fonte: http://www.dehonianos.org/portal/liturgia_dominical_ver.asp?liturgiaid=341

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