«Eu renovo todas as coisas.»
(21,5)
Apocalipse é
um termo grego que significa “revelação”. “Revelação” é, na verdade, o título
com que o último livro da Bíblia aparece em algumas edições. O estilo deste
livro é estranho para a cultura ocidental, mas enquadra-se perfeitamente na
mentalidade semita.
As raízes
desta literatura encontram-se no Antigo Testamento (Isaías, Zacarias, Ezequiel
e sobretudo Daniel), mas também em vários livros judeus que não entraram na
Bíblia: Henoc, 2 Esdras e 2 Baruc. Estes últimos já foram escritos depois da
destruição do Templo. Foi principalmente nestes livros que se inspirou o autor
do Apocalipse de João.
GÊNERO LITERÁRIO
É uma
literatura própria das épocas de crise e de perseguição, em que se procura
“revelar” os caminhos de Deus sobre o futuro, para consolar e encorajar os
justos perseguidos, dando-lhes a certeza da vitória final. Era muito comum no
fim do AT e mesmo no tempo em que foi escrito o NT, pois vivia-se um ambiente
apocalíptico.
Estava-se no
“fim dos tempos”, isto é, adivinhava-se uma revolução global, com uma radical
mudança no modo de ser e de viver. Para isso, muito contribuiu a decadência do
Império Romano e as guerras da Palestina, que levaram à destruição do Templo e
de Jerusalém, no ano 70. Daí os três textos apocalípticos dos Evangelhos
Sinópticos, directa ou indirectamente ligados à destruição de Jerusalém: Mt
24-25; Mc 13; Lc 21.
LIVRO
Caracteriza-se
por imagens grandiosas e simbólicas, constituídas por elementos da natureza,
apresentadas em forma de visões e “explicadas” ao vidente por um anjo. Tais
imagens são tiradas do AT, dos apocalipses judaicos, dos mitos e lendas
antigas. Assim, o papel dos anjos (7,1-3); o livro selado (5,1); o livro para
comer (10,1-11); as trombetas (8,2); as taças (15,7); os relâmpagos e trovões
(4,5; 10,3).
Estas
imagens sugerem mais do que descrevem, e grande parte delas nada tem a ver com
a realidade. Trata-se de puros símbolos (1,16; 5,6; 21,16), que podem
referir-se a pessoas, animais, números e cores, deixando ao leitor um espaço
para alguma criatividade e “inteligência” (13,18; 17,9).
As visões
simbólicas são projectadas no Céu, para dizer que pertencem ao mundo
espiritual, da fé e o que nelas se revela acontece também na terra. Duas forças
antagônicas estão em luta permanente: o Dragão a possível personificação do
império romano, no tempo de Domiciano (81-96 d.C.) e o Cordeiro: Cristo,
Cordeiro pascal, é o vencedor de todas as forças do Mal.
OCASIÃO, FINALIDADE E AUTOR
A
perseguição a que se refere o Apocalipse poderia ser a que açoitou as igrejas
da Ásia no tempo do imperador Domiciano, por volta do ano 95. Também havia as
perseguições internas, isto é, as heresias, sobretudo os nicolaítas (2,6.15),
os marcionitas e os que prestavam culto ao imperador.
O livro
pretende responder à questão: “Quem manda no mundo? Os tiranos, os senhores da
Terra, ou o Senhor do Céu?” Este paralelismo entre o Céu e a Terra assegura aos
crentes que Deus os acompanha a partir do Céu, e a História segue o seu curso
na Terra sob o controlo de Deus e não sob o controlo dos poderes maus. O
“vidente” vive na terra mas vê o que se passa no Céu e transmite aos seus
irmãos sofredores a certeza de que Jesus está com eles e a sua vitória está
para breve.
O
simbolismo, por vezes irracional, de que o autor se serve para transmitir esta
esperança aos perseguidos, assegura aos cristãos que o Reino de Deus ultrapassa
a História que eles estão a viver, e ao mesmo tempo é uma linguagem secreta
para os perseguidores. O autor apresenta-se a si mesmo como João e escreve em
Patmos pequena ilha do Mar Egeu onde se encontra desterrado por causa da fé
(1,9). A tradição identificou este João com o Apóstolo João, mas não existem
argumentos suficientes para o comprovar (Mt 4,21; Jo 21,1-14).
ESTRUTURA E CONTEÚDO
O Apocalipse
apresenta diversas hipóteses de estrutura. Propomos uma divisão em duas partes,
depois de uma Introdução (1,1-20):
Introdução (1,1-20):
Introdução e saudação: 1,1-8;
Visão do Ressuscitado: 1,9-20.
I. Cartas às Sete Igrejas (2,1-3,22):
Sete cartas às igrejas: Éfeso, Pérgamo,
Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia.
II. Revelação do sentido da História
(4,1-22,5):
O trono de Deus: 4,1-11;
Sete selos: 5,1-8,5;
Sete trombetas: 8,6-11,19;
Sete sinais: 12,1-15,4;
Sete taças: 15,5-16,21;
Queda da Babilônia: 17,1-19,4;
Triunfo de Cristo. Nova Jerusalém:
19,5-22,5.
Epílogo (22,6-21).
TEOLOGIA
O Apocalipse
exprime a fé da Igreja da “segunda geração cristã”, isto é, do tempo dos
discípulos dos Apóstolos. A doutrina do Corpo Místico (Jo 15,1-8; 1 Cor
12,12-27) recebe aqui nova dimensão: Cristo está no meio dos sete candelabros
(1,13) e tem na mão direita as sete estrelas (1,16), símbolos das sete igrejas,
que personificam a Igreja universal; Ele é apresentado no mesmo plano que Javé
e com os mesmos atributos: é «o Senhor dos senhores e Rei dos reis» (17,14;
19,16), aquele que tem um «nome que ninguém conhece» (2,17; ver 1,8.18; 2,27; 3,12;
14,1; 15,4; 19,16).
Deus é o
único Senhor da História, apesar das forças conjugadas de todos os senhores
deste mundo; por isso, acontecimentos do AT, como o Êxodo, as pragas do Egipto,
teofanias, destruições... servem de pano de fundo das novas intervenções de
Deus na História do presente. No meio desta História, a Igreja aparece como
espaço litúrgico onde o Cordeiro tem presença permanente, fazendo da comunidade
“o céu” na terra. Isso não impede que as forças do Mal estejam em luta
constante com ela (e com o Cordeiro: 2,3.9.10.13; 3,10; 6,9-11; 7,14).
Por isso, o
Apocalipse não pretende predizer nem “revelar” pormenores sobre o futuro da
Igreja e da Humanidade, mas conferir a certeza absoluta na bondade de Deus, que
se manifestou em Cristo. Também não “fecha” a Bíblia; mas abre diante do leitor
crente um caminho de esperança sem fim: «Eu renovo todas as coisas.» (21,5) «Eu
venho em breve (...). Vem, Senhor Jesus!» (22,7.20).
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