O Novo Testamento inclui três Cartas atribuídas a João. A 1.ª sempre foi
aceite como escrito inspirado; as dúvidas de autenticidade incidem na 2.ª e na
3.ª, certamente por serem menos conhecidas e utilizadas, dado o seu menor
interesse e importância. No entanto, já aparecem no Cânon de Muratori (pelo ano
180).
AUTOR
Deve ser o mesmo do IV Evangelho, atendendo às enormes semelhanças de
vocabulário, estilo, ideias e doutrina. As Cartas não aparecem assinadas, como
as restantes do NT; apenas a 2.ª e a 3.ª se dizem ser do Ancião (Presbítero),
sem declarar o seu nome. Toda a tradição as atribuiu ao Apóstolo João. O título
de «o Ancião» não constitui uma dificuldade para a autoria apostólica dos
escritos, pois o artigo “o” deixa ver que não se trata de um ancião qualquer,
mas de «o Ancião» por excelência, dotado de grande autoridade, quando o
Apóstolo já teria uma idade muito avançada. Pedro também assim se autodesigna
em 1 Pe 5,1.
Se é certo que na 1.ª DE JOÃO o autor faz parte de um “nós”, também é certo
que não fica diluído nesse colectivo, pois sobressai acima da sua comunidade
como alguém que teve um contacto pessoal e directo com o próprio Jesus: «O que
ouvimos, o que vimos... e as nossas mãos tocaram…» (1 Jo 1,1-4).
COMPOSIÇÃO
A crítica levantou objecções contra a unidade da 1.ª Carta, partindo de que
se misturam nela dois estilos um polémico, outro homilético e também posições
contrárias quanto à pecabilidade dos cristãos: não podem pecar (3,6.9; 5,18);
podem pecar (1,8-2,1; 3,3; 5,16-17). Mas esta contradição parece ser apenas
aparente: deve-se ao estilo semita do autor, que gosta de afirmações absolutas
e contundentes, sem se preocupar com os matizes; assim, o cristão «não pode
pecar» (3,9), corresponde a o cristão “não deve pecar”.
Alguns autores consideram que, assim como no IV Evangelho pode ter havido
uma redacção sucessiva com a intervenção de um redactor final, discípulo e
continuador fiel do Apóstolo, o mesmo poderia ter acontecido também com esta
Carta. Com efeito, o “nós” coaduna-se bem com o grupo de colaboradores e chefes
da comunidade dirigida pelo Discípulo Amado.
Um caso à parte foi o do chamado “Comma ioanneum” (o acrescento a 1 Jo 5,7:
«No Céu: o Pai, o Filho e o Espírito Santo; e estes três são um só.
E são três a dar testemunho na terra»), que motivou tanta discussão inútil.
Hoje não há dúvidas de que não é autêntico, por se tratar de uma glosa tardia,
posterior à própria Vulgata.
DESTINATÁRIOS,
FINALIDADE E DATA
Cada uma das Cartas tem as suas características próprias:
1.ª Carta não tem endereço e não parece ser dirigida apenas a uma
comunidade, mas provavelmente ao conjunto das igrejas que estavam ligadas ao
Apóstolo João. A tradição diz que ele passou os seus últimos tempos em Éfeso;
os destinatários seriam provavelmente as comunidades cristãs da Ásia
Proconsular, sobretudo aquelas a quem se endereçam as Cartas do início do
Apocalipse.
DIVISÃO E CONTEÚDO
1 Jo pode estruturar-se do modo seguinte:
Prólogo: 1,1-4;
I. Caminhar na Luz: 1,5-2,29;
II. Viver como filhos de Deus: 3,1-24;
III. A fé e o amor: 4,1-5,12;
Conclusão: 5,13-21.
A Carta não foi escrita apenas para reavivar a fé em Cristo e o amor aos
irmãos; parece ser, antes de mais, um escrito polémico: perante a ameaça de
erros graves, apresenta fórmulas claras e confissões obrigatórias da fé, como
garantia da fé genuína e sinal da ortodoxia (4,1-3).
Parece que se enfrenta com os gnósticos, que afirmavam ter um conhecimento
directo de Deus e negavam tanto a vinda de Deus «em carne mortal» (4,2) como a
identidade entre o Cristo celeste e o Jesus terreno (2,22). Para eles, o Jesus
terreno não passava de um mero instrumento de que o Cristo celeste se tinha
servido para comunicar a sua mensagem, descendo a Ele por ocasião do Baptismo e
abandonando-o por ocasião da Paixão; e assim negavam a Incarnação e a morte do
Filho de Deus, e o seu valor redentor. Daí o seu ensino categórico: o Filho de
Deus, «Jesus Cristo, é aquele que veio com água e com sangue; e não só com a
água, mas com a água e com o sangue» (5,6); isto é, Deus não abandonou o homem
Jesus antes da sua Paixão e Morte.
Esta Carta, de uma notável riqueza doutrinal e numa forma mais
desenvolvida, é considerada posterior ao IV Evangelho e terá sido escrita nos
últimos anos do séc. I.
2ª Carta de João
A 2.ª Carta é um brevíssimo escrito dirigido «à Senhora eleita e a seus
filhos» (v.1), designação simbólica de uma igreja concreta da Ásia Menor; pois,
se fosse uma pessoa singular, não teria o mesmo nome da sua irmã: «Saúdam-te os
filhos da tua Irmã eleita» (v.13). Visa incitar os fiéis à vida cristã e à caridade
e defendê-los da heresia. Há quem a imagine como um esboço da Primeira.
3ª Carta de João
A 3.ª Carta é dirigida a um cristão, Gaio (v.1). Anima-o a continuar a
receber em sua casa os enviados do Apóstolo João, que eram mal recebidos pelo
chefe da comunidade local, um certo Diótrefes. Não temos outras notícias destas
pessoas.
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