domingo, 4 de dezembro de 2016

Advento & Natal/2016



Feliz Advento!!! Feliz Natal do Senhor!!!



Desejo a todos uma belíssima experiência de fé e de vida, de amor e paz, de re-encontro com familiares, amigos e companheiros de caminhada. Vamos viver intensamente este tempo tão bonito, muitas vezes em contextos de tanta desigualdade e violência, mas com esperança de dias melhores, pois “nasceu para nós o salvador, que é Cristo, o Senhor.” Sl 95(96)



“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós,

e vimos a sua glória, como a glória do unigênito

 do Pai, cheio de graça e de verdade.” Jo 1, 14.



O Ano Litúrgico…



O Ano Litúrgico começa com o Primeiro Domingo do Advento e termina na última semana do Tempo Comum, onde se celebra a solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo ( Cristo Rei). Em outras palavras, ele começa e termina quatro semanas antes do Natal, cumprindo sempre três ciclos: A, B,e C. No Ano (ou ciclo) A, predomina a leitura do Evangelho de São Mateus; no Ano (ou ciclo) B, predomina a leitura do Evangelho de São Marcos e no Ano(ou ciclo) C, predomina a leitura do Evangelho de São Lucas. O Ano Litúrgico é composto de diversos "tempos litúrgicos" e sua estrutura é a seguinte: Tempo do Advento, Tempo do Natal, Tempo Comum ( Primeira parte ), Tempo da Quaresma, Tríduo Pascal, Tempo Pascal e Tempo Comum.



Particularmente gosto demais deste Tempo do Advento e tem sido muito bom propor o material para o Retiro deste tempo tão bonito. Esse tempo é dividido em duas partes: do início até o dia 16 de dezembro, a Igreja se volta para a segunda vinda do Salvador, que vai acontecer no fim dos tempos. A partir do dia 17 até o final, a Igreja se volta para a primeira vinda do Salvador, que se encarnou no ventre de Maria e nasceu na pobre gruta de Belém.



“Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus.” Lc 1,30



O anjo apareceu para Zacarias, para Maria, para José e para os pastores. Os encontros com os anjos são inusitados e bonitos em cada texto. O anjo apareceu a José enquanto ele “ponderava nestas coisas” que estavam acontecendo com Maria. Parece que José tomou tempo para meditar sobre o que estava acontecendo em sua vida e assim, em sua calma, o anjo apareceu, e ele ouviu o que o anjo lhe disse e assim fez. Em todos os casos, os anjos dizem uma mesma palavra – palavra que é profundamente consoladora e plena de confiança e coragem. Esta palavra é: Não temas! Maria, não temas! Não temais – disse o anjo aos pastores. Não temas, Zacarias, pois a tua oração foi ouvida! José, não temas receber Maria! Aqui podemos meditar sobre os medos e sobre a confiança. Em todas as vezes, a voz do anjo foi ouvida, todos confiaram na voz do anjo. Mas houve momentos em que aconteceram belos diálogos com o anjo, foram feitas perguntas ao anjo e tudo foi esclarecido.



Esses textos são um convite para que em nossa vida saibamos ouvir a voz de Deus que vem sussurrar em nossos ouvidos, aconselhar e orientar em momentos difíceis, de medo e dúvida. Mas é somente no silêncio, no tempo, na meditação e na fé que nós somos capazes de ouvir e de crer nas palavras que Deus nos diz. Maria, Zacarias, José e os pastores confiaram naquilo que Deus lhes sussurrava na voz do anjo. Cada qual escutou e confiou na voz do anjo. Por isso, Deus pôde visitar o seu povo e anunciar a Boa-Nova. Se nós tivermos capacidade de ouvir bem, certamente ouviremos a Boa-Nova de Deus para a nossa vida e para o mundo.



Natal do Senhor… Maria deitou seu filho numa manjedoura...



“E tu, Belém Efrata, posto que pequena entre os milhares de Judá,

de ti me sairá o que governará em Israel, e cujas saídas são desde

os tempos antigos, desde os dias da eternidade.” Mq 5,2



Na segunda parte de nosso texto (Lucas 2,3-7), outra novidade nos é apresentada. Diferentemente dos poderosos, cujo poder está calcado nas armas do exército e nas riquezas acumuladas no centro do império, Jesus vem da periferia. Ele não só não vem de Roma, capital do império, ou de Jerusalém, capital dos judeus, mas vem de Belém, uma aldeia periférica na Judeia.



De um lado, seu nascimento é situado em Belém, especialmente para colocar Jesus na tradição e na esperança profética de seu povo (Miqueias 5,1-3). De outro, é para dizer que, desde o começo de sua vida, Jesus tem a mesa da partilha como centralidade de seu projeto. Como assim? É que Belém quer dizer casa do pão. Daí ser teologicamente fundamental situar o nascimento de Jesus em meio ao pão, indicando, assim, o foco de sua missão. Já dizia Noemi, a sogra de Rute, que “o Senhor se lembrará do seu povo, dando-lhe pão” (cf. Rute 1,1.6). E, mais uma vez, em Jesus de Nazaré, Deus visita seu povo em Belém, a casa do pão.



E mais. Não é por acaso, que Jesus assumiu como eixo de sua missão a partilha dos pães de acordo com a necessidade de todas as pessoas. Temos, inclusive, dois relatos exemplares dentre as muitas partilhas que sua presença promovia em meio ao povo (cf. Marcos 6,30-44; 8,1-10). Além disso, não pode escapar ao nosso olhar que Jesus colocou o pedido pelo pão no centro do Pai-nosso, no coração de sua oração, de sua conversa com o Pai, síntese do seu projeto (cf. Lucas 11,2-4; Mateus 6,9-13). Por fim, não é mera coincidência que também a partilha do pão foi o sinal maior da Boa Nova do Pai, celebrada ao redor da mesa na santa ceia (Lucas 22,14-20).



Como vimos, Jesus não só não vem de Roma, capital do império, nem de Jerusalém, capital dos judeus, mas vem de Belém, uma aldeia periférica na Judeia. Se Belém já é uma aldeia marginal, Jesus nasce ainda mais na exclusão, nasce numa estrebaria, num estábulo nos arredores de Belém, “porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lucas 2,7). Ali, seu primeiro berço foi uma manjedoura, um cocho onde os animais fazem a sua refeição. Também não é por acaso que o primeiro berço de Jesus é uma vasilha em que se coloca a comida, o pão cotidiano dos animais. Segundo o relato, os pais de Jesus eram forasteiros no lugar e não tinham onde pernoitar. É a partir dessa realidade extrema de marginalidade e de fragilidade, de abandono e de solidão de uma mãe dando à luz a sua primeira criança, que vem a força do Deus libertador que quer incluir todas as pessoas de boa vontade em seu reinado de justiça e de paz. Deus se revela na fragilidade e na ternura de uma criança. Jesus criança é o rosto humano da ternura de Deus e, ao mesmo tempo, o rosto divino do ser humano.



Hoje, podemos até concordar que o ambiente natalino respira um ar de harmonia e de confraternização universal. No entanto, o que se vê, de fato, é que a celebração do nascimento de Jesus foi manipulada e mascarada pelo mercado em função do consumismo que legitima relações desiguais, portanto, injustas. Quantas crianças ficam de fora desse natal do consumismo? Neste sentido, não é o natal de Jesus um sinal subversivo, ao revelar que Deus está justamente nos lugares dos quais muitas pessoas fazem questão de passar longe? Não é revolucionária a estrela da criança de Belém por revelar a solidariedade de Deus para quem se encontra bem longe, na periferia? Não será que a sociedade capitalista justamente domesticou o natal de Jesus para manipular a sua força transformadora de todas as formas de violência e de exclusão? (Ildo Bohn Gass)



Nas cores da experiência latina…



Tem sido uma constante e uma característica de minhas pinturas esta multiplicidade de cores e tonalidades. Que a população latino-americana é muito miscigenada não é novidade para ninguém que já tenha andado por aqui. A grande base indígena, maior em algumas regiões do que noutras, a colonização ibérica, a escravidão de africanos e as várias ondas de imigrantes de outros continentes, sobretudo da Europa, deram origem a uma população heterogênea.



E a variedade é imensa, pois se falarmos em nativos, não são de fato latino-hispânicos! Não mesmo, são nativos, portanto representando cada país onde nasceram, e no caso dos Países considerados Latinos nas Américas, os nativos se diferenciam por grupos ou por raças, não por países em si.  No entanto, a cor nativa é sempre com um tom mais escuro que os considerados brancos, isto por se exporem mais ao ambiente livre ou ao sol, como característica predominante, pois as raças em si já possuem em sua genética um cor definida na média. Uma das cores mais difíceis em um pintura, sempre foi a cor humana.



Desenhos indígenas pré-colombianos…



Nas laterais da pintura coloquei vários símbolos, vários desenhos indígenas… Entre os estudiosos da história latino-americana não há acordo sobre o volume da população indígena no continente antes da chegada de Cristóvão Colombo. Os dados flutuam entre cem milhões e três milhões habitantes nativos. A verdade é que a América foi povoada por uma variedade de culturas, símbolos , tradições, costumes, artes, conhecimento e sabedoria ..., que foram ignorados, negligenciados e destruídos, principalmente pelos invasores que vieram da Europa com o seu desejo de riqueza, dominação e sentimentos de uma superioridade ilusória.





Que a luz da estrela do menino de Belém ilumine nossos corações, nossos lares e nossos caminhos...



Luís Renato Carvalho de Oliveira,SJ

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Livro do Apocalipse


Livro do Apocalipse

«Eu renovo todas as coisas.»
(21,5)

Apocalipse é um termo grego que significa “revelação”. “Revelação” é, na verdade, o título com que o último livro da Bíblia aparece em algumas edições. O estilo deste livro é estranho para a cultura ocidental, mas enquadra-se perfeitamente na mentalidade semita.

As raízes desta literatura encontram-se no Antigo Testamento (Isaías, Zacarias, Ezequiel e sobretudo Daniel), mas também em vários livros judeus que não entraram na Bíblia: Henoc, 2 Esdras e 2 Baruc. Estes últimos já foram escritos depois da destruição do Templo. Foi principalmente nestes livros que se inspirou o autor do Apocalipse de João.

GÊNERO LITERÁRIO

É uma literatura própria das épocas de crise e de perseguição, em que se procura “revelar” os caminhos de Deus sobre o futuro, para consolar e encorajar os justos perseguidos, dando-lhes a certeza da vitória final. Era muito comum no fim do AT e mesmo no tempo em que foi escrito o NT, pois vivia-se um ambiente apocalíptico.

Estava-se no “fim dos tempos”, isto é, adivinhava-se uma revolução global, com uma radical mudança no modo de ser e de viver. Para isso, muito contribuiu a decadência do Império Romano e as guerras da Palestina, que levaram à destruição do Templo e de Jerusalém, no ano 70. Daí os três textos apocalípticos dos Evangelhos Sinópticos, directa ou indirectamente ligados à destruição de Jerusalém: Mt 24-25; Mc 13; Lc 21.

LIVRO

Caracteriza-se por imagens grandiosas e simbólicas, constituídas por elementos da natureza, apresentadas em forma de visões e “explicadas” ao vidente por um anjo. Tais imagens são tiradas do AT, dos apocalipses judaicos, dos mitos e lendas antigas. Assim, o papel dos anjos (7,1-3); o livro selado (5,1); o livro para comer (10,1-11); as trombetas (8,2); as taças (15,7); os relâmpagos e trovões (4,5; 10,3).

Estas imagens sugerem mais do que descrevem, e grande parte delas nada tem a ver com a realidade. Trata-se de puros símbolos (1,16; 5,6; 21,16), que podem referir-se a pessoas, animais, números e cores, deixando ao leitor um espaço para alguma criatividade e “inteligência” (13,18; 17,9).

As visões simbólicas são projectadas no Céu, para dizer que pertencem ao mundo espiritual, da fé e o que nelas se revela acontece também na terra. Duas forças antagônicas estão em luta permanente: o Dragão a possível personificação do império romano, no tempo de Domiciano (81-96 d.C.) e o Cordeiro: Cristo, Cordeiro pascal, é o vencedor de todas as forças do Mal.

OCASIÃO, FINALIDADE E AUTOR

A perseguição a que se refere o Apocalipse poderia ser a que açoitou as igrejas da Ásia no tempo do imperador Domiciano, por volta do ano 95. Também havia as perseguições internas, isto é, as heresias, sobretudo os nicolaítas (2,6.15), os marcionitas e os que prestavam culto ao imperador.

O livro pretende responder à questão: “Quem manda no mundo? Os tiranos, os senhores da Terra, ou o Senhor do Céu?” Este paralelismo entre o Céu e a Terra assegura aos crentes que Deus os acompanha a partir do Céu, e a História segue o seu curso na Terra sob o controlo de Deus e não sob o controlo dos poderes maus. O “vidente” vive na terra mas vê o que se passa no Céu e transmite aos seus irmãos sofredores a certeza de que Jesus está com eles e a sua vitória está para breve.

O simbolismo, por vezes irracional, de que o autor se serve para transmitir esta esperança aos perseguidos, assegura aos cristãos que o Reino de Deus ultrapassa a História que eles estão a viver, e ao mesmo tempo é uma linguagem secreta para os perseguidores. O autor apresenta-se a si mesmo como João e escreve em Patmos pequena ilha do Mar Egeu onde se encontra desterrado por causa da fé (1,9). A tradição identificou este João com o Apóstolo João, mas não existem argumentos suficientes para o comprovar (Mt 4,21; Jo 21,1-14).


ESTRUTURA E CONTEÚDO

O Apocalipse apresenta diversas hipóteses de estrutura. Propomos uma divisão em duas partes, depois de uma Introdução (1,1-20):

    Introdução (1,1-20):
    Introdução e saudação: 1,1-8;
    Visão do Ressuscitado: 1,9-20.
    I. Cartas às Sete Igrejas (2,1-3,22):
    Sete cartas às igrejas: Éfeso, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia.
    II. Revelação do sentido da História (4,1-22,5):
    O trono de Deus: 4,1-11;
    Sete selos: 5,1-8,5;
    Sete trombetas: 8,6-11,19;
    Sete sinais: 12,1-15,4;
    Sete taças: 15,5-16,21;
    Queda da Babilônia: 17,1-19,4;
    Triunfo de Cristo. Nova Jerusalém: 19,5-22,5.
    Epílogo (22,6-21).

TEOLOGIA

O Apocalipse exprime a fé da Igreja da “segunda geração cristã”, isto é, do tempo dos discípulos dos Apóstolos. A doutrina do Corpo Místico (Jo 15,1-8; 1 Cor 12,12-27) recebe aqui nova dimensão: Cristo está no meio dos sete candelabros (1,13) e tem na mão direita as sete estrelas (1,16), símbolos das sete igrejas, que personificam a Igreja universal; Ele é apresentado no mesmo plano que Javé e com os mesmos atributos: é «o Senhor dos senhores e Rei dos reis» (17,14; 19,16), aquele que tem um «nome que ninguém conhece» (2,17; ver 1,8.18; 2,27; 3,12; 14,1; 15,4; 19,16).

Deus é o único Senhor da História, apesar das forças conjugadas de todos os senhores deste mundo; por isso, acontecimentos do AT, como o Êxodo, as pragas do Egipto, teofanias, destruições... servem de pano de fundo das novas intervenções de Deus na História do presente. No meio desta História, a Igreja aparece como espaço litúrgico onde o Cordeiro tem presença permanente, fazendo da comunidade “o céu” na terra. Isso não impede que as forças do Mal estejam em luta constante com ela (e com o Cordeiro: 2,3.9.10.13; 3,10; 6,9-11; 7,14).

Por isso, o Apocalipse não pretende predizer nem “revelar” pormenores sobre o futuro da Igreja e da Humanidade, mas conferir a certeza absoluta na bondade de Deus, que se manifestou em Cristo. Também não “fecha” a Bíblia; mas abre diante do leitor crente um caminho de esperança sem fim: «Eu renovo todas as coisas.» (21,5) «Eu venho em breve (...). Vem, Senhor Jesus!» (22,7.20).





quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Carta de Judas


Carta de Judas

O autor apresenta-se como «irmão de Tiago» (1,1), ou seja, «irmão do Senhor» (ver Mt 13,55 par.). Hoje parece ter muito mais peso a opinião de que este «irmão do Senhor» é distinto do Apóstolo Judas Tadeu (Mc 3,18). Com efeito, os “irmãos do Senhor” não pertenceriam ao grupo dos Doze, pois se distanciaram de Jesus, não crendo nele durante a sua vida terrena (Jo 7,5); ora o autor dá a entender que não se situa entre os Apóstolos (v.17).

A brevidade desta Carta e o seu menor interesse doutrinal justificam ter sido menos citada na antiguidade e ter havido dúvidas acerca da sua canonicidade; mas já aparece citada em Tertuliano e no Cânon de Muratori.

DESTINATÁRIOS

A Carta não menciona os destinatários; seriam cristãos residentes fora da Palestina, que correriam o perigo de se deixarem seduzir por vícios próprios do paganismo. Entre esses destinatários haveria judeo-cristãos da diáspora; de outro modo, não fariam sentido tantas alusões ao AT e à literatura apócrifa judaica: o I Livro de Henoc, citado nos v.14-15, e a Assunção de Moisés, possivelmente no v.9.

Com uma linguagem rica e cuidada e com grande vivacidade de estilo, este escrito é uma duríssima invectiva contra os hereges e uma vibrante exortação aos cristãos a permanecerem firmes na fé e no amor de Deus, segundo o ensino dos Apóstolos.

LOCAL E DATA

Quanto ao lugar onde foi escrita e à sua data, não podemos ir além de conjecturas. Embora não se refira à parusia, são grandes as semelhanças com a 2.ª de Pedro (compare-se 2 Pe 2,1-18; 3,1-3 e Jd 4-19), a qual parece depender desta, em virtude do maior e mais ordenado desenvolvimento dos temas. Por isso, teria sido escrita antes de 2 Pe: ou nos fins da vida de Pedro, ou então, como pensam outros, já depois da sua morte, por volta do ano 80.

CONTEÚDO

A maior parte desta pequena carta dirige-se contra os falsos mestres, que se tinham infiltrado nas comunidades. E nesta polémica tem especial interesse a influência da literatura apocalíptica judaica, citando mesmo o Livro de Henoc (v.4.6.14) e a Assunção de Moisés (v.9).



quarta-feira, 9 de novembro de 2016

1ª, 2ª e 3ª Carta de João


Carta de João

O Novo Testamento inclui três Cartas atribuídas a João. A 1.ª sempre foi aceite como escrito inspirado; as dúvidas de autenticidade incidem na 2.ª e na 3.ª, certamente por serem menos conhecidas e utilizadas, dado o seu menor interesse e importância. No entanto, já aparecem no Cânon de Muratori (pelo ano 180).

AUTOR

Deve ser o mesmo do IV Evangelho, atendendo às enormes semelhanças de vocabulário, estilo, ideias e doutrina. As Cartas não aparecem assinadas, como as restantes do NT; apenas a 2.ª e a 3.ª se dizem ser do Ancião (Presbítero), sem declarar o seu nome. Toda a tradição as atribuiu ao Apóstolo João. O título de «o Ancião» não constitui uma dificuldade para a autoria apostólica dos escritos, pois o artigo “o” deixa ver que não se trata de um ancião qualquer, mas de «o Ancião» por excelência, dotado de grande autoridade, quando o Apóstolo já teria uma idade muito avançada. Pedro também assim se autodesigna em 1 Pe 5,1.

Se é certo que na 1.ª DE JOÃO o autor faz parte de um “nós”, também é certo que não fica diluído nesse colectivo, pois sobressai acima da sua comunidade como alguém que teve um contacto pessoal e directo com o próprio Jesus: «O que ouvimos, o que vimos... e as nossas mãos tocaram…» (1 Jo 1,1-4).

COMPOSIÇÃO

A crítica levantou objecções contra a unidade da 1.ª Carta, partindo de que se misturam nela dois estilos um polémico, outro homilético e também posições contrárias quanto à pecabilidade dos cristãos: não podem pecar (3,6.9; 5,18); podem pecar (1,8-2,1; 3,3; 5,16-17). Mas esta contradição parece ser apenas aparente: deve-se ao estilo semita do autor, que gosta de afirmações absolutas e contundentes, sem se preocupar com os matizes; assim, o cristão «não pode pecar» (3,9), corresponde a o cristão “não deve pecar”.

Alguns autores consideram que, assim como no IV Evangelho pode ter havido uma redacção sucessiva com a intervenção de um redactor final, discípulo e continuador fiel do Apóstolo, o mesmo poderia ter acontecido também com esta Carta. Com efeito, o “nós” coaduna-se bem com o grupo de colaboradores e chefes da comunidade dirigida pelo Discípulo Amado.

Um caso à parte foi o do chamado “Comma ioanneum” (o acrescento a 1 Jo 5,7: «No Céu: o Pai, o Filho e o Espírito Santo; e estes três são um só.

E são três a dar testemunho na terra»), que motivou tanta discussão inútil. Hoje não há dúvidas de que não é autêntico, por se tratar de uma glosa tardia, posterior à própria Vulgata.

DESTINATÁRIOS, FINALIDADE E DATA

Cada uma das Cartas tem as suas características próprias:

1.ª Carta não tem endereço e não parece ser dirigida apenas a uma comunidade, mas provavelmente ao conjunto das igrejas que estavam ligadas ao Apóstolo João. A tradição diz que ele passou os seus últimos tempos em Éfeso; os destinatários seriam provavelmente as comunidades cristãs da Ásia Proconsular, sobretudo aquelas a quem se endereçam as Cartas do início do Apocalipse.

DIVISÃO E CONTEÚDO

1 Jo pode estruturar-se do modo seguinte:

Prólogo: 1,1-4;

I. Caminhar na Luz: 1,5-2,29;

II. Viver como filhos de Deus: 3,1-24;

III. A fé e o amor: 4,1-5,12;

Conclusão: 5,13-21.

A Carta não foi escrita apenas para reavivar a fé em Cristo e o amor aos irmãos; parece ser, antes de mais, um escrito polémico: perante a ameaça de erros graves, apresenta fórmulas claras e confissões obrigatórias da fé, como garantia da fé genuína e sinal da ortodoxia (4,1-3).

Parece que se enfrenta com os gnósticos, que afirmavam ter um conhecimento directo de Deus e negavam tanto a vinda de Deus «em carne mortal» (4,2) como a identidade entre o Cristo celeste e o Jesus terreno (2,22). Para eles, o Jesus terreno não passava de um mero instrumento de que o Cristo celeste se tinha servido para comunicar a sua mensagem, descendo a Ele por ocasião do Baptismo e abandonando-o por ocasião da Paixão; e assim negavam a Incarnação e a morte do Filho de Deus, e o seu valor redentor. Daí o seu ensino categórico: o Filho de Deus, «Jesus Cristo, é aquele que veio com água e com sangue; e não só com a água, mas com a água e com o sangue» (5,6); isto é, Deus não abandonou o homem Jesus antes da sua Paixão e Morte.

Esta Carta, de uma notável riqueza doutrinal e numa forma mais desenvolvida, é considerada posterior ao IV Evangelho e terá sido escrita nos últimos anos do séc. I.


Carta de João

A 2.ª Carta é um brevíssimo escrito dirigido «à Senhora eleita e a seus filhos» (v.1), designação simbólica de uma igreja concreta da Ásia Menor; pois, se fosse uma pessoa singular, não teria o mesmo nome da sua irmã: «Saúdam-te os filhos da tua Irmã eleita» (v.13). Visa incitar os fiéis à vida cristã e à caridade e defendê-los da heresia. Há quem a imagine como um esboço da Primeira.

Carta de João




A 3.ª Carta é dirigida a um cristão, Gaio (v.1). Anima-o a continuar a receber em sua casa os enviados do Apóstolo João, que eram mal recebidos pelo chefe da comunidade local, um certo Diótrefes. Não temos outras notícias destas pessoas.

1ª e 2ª Carta de Pedro


Carta de Pedro

Esta Carta foi sempre considerada como escrito inspirado e, se não aparece no Cânon de Muratori, será porque este está deteriorado. Aparece escrita pelo Apóstolo Pedro (1,1), por meio de um seu secretário, Silvano (5,12). A crítica bíblica moderna tem chamado a atenção para uma série de dificuldades em admitir a autoria de Pedro, mas sem que elas nos obriguem a ter de procurar outro autor. Vejamos:

O seu carácter de discurso exortativo e baptismal não exige que seja um escrito tardio; com efeito, uma Carta do Apóstolo podia ter, logo na origem, um carácter de exortação moral e um fundo que se coadune com uma “homilia baptismal”. Por outro lado, as referências às perseguições não implicam tratar-se das perseguições oficiais dos imperadores romanos, que só nos fins do séc. I se estenderam a todo o império. Finalmente, a elegância e perfeição do grego, assim como as frequentes expressões paulinas, podem dever-se ao secretário utilizado, Silvano (5,12), o mesmo que Silas nos Actos, discípulo e companheiro de Paulo.

DESTINATÁRIOS

Os destinatários da Carta são nomeados no início (1,1). Uns pensam que se tratava dos cristãos de toda a Ásia Menor (menos a Cilícia), como parecem indicar as províncias designadas; outros, que seriam apenas as regiões evangelizadas por Paulo.

A designação de «os que peregrinam na diáspora» (1,1) é entendida por uns no sentido literal os judeo-cristãos da diáspora e por outros no sentido figurado os cristãos em geral, dispersos por este mundo.

CONTEXTO, LOCAL E DATA

A Carta pretende exortar os fiéis a permanecerem firmes na fé, no meio de um ambiente hostil. A sua ocasião é desconhecida; alguns pensam que teria sido a chegada a Roma de notícias de graves dificuldades para a perseverança dos cristãos daquelas regiões, enquanto Paulo andaria pela Espanha.

Aparece como enviada a partir da «comunidade dos eleitos que está em Babilónia» (5,13), isto é, de Roma, como esta é designada no Apocalipse; de facto, não podia tratar-se da Babilónia da Mesopotâmia, já destruída, nem da do Egipto, simples guarnição militar. Admitida a autenticidade da Carta, deve datar-se antes da morte de Pedro, o mais tardar, no ano 67.

DIVISÃO E CONTEÚDO

A carta encontra-se dividida em 4 secções:

Saudação inicial e acção de graças: 1,1-12;

I. Exortação à santidade: 1,13-2,10;

II. Os cristãos perante o mundo: 2,11-3,12;

III. Os cristãos perante o sofrimento: 3,13-4,11;

IV. Últimas exortações: 4,12-5,14.

Estamos perante um escrito da segunda geração cristã que pretende animar a fé dos que já tinham desanimado na sua caminhada na Igreja.


Carta de Pedro

O autor desta Carta apresenta-se como «Simão Pedro, servo e Apóstolo de Jesus Cristo» (1,1) e testemunha da Transfiguração de Jesus na montanha (1,16). Não obstante, é o escrito do NT com menos garantias de autenticidade, apesar de Orígenes e São Jerónimo o considerarem autêntico, assim como vários críticos actuais. Mas as dificuldades são de peso. Concretamente: das 700 palavras da 2 Pe apenas umas 100 são comuns à 1 Pe; são raras as citações do AT, ao contrário da 1 Pe; as Cartas paulinas já são consideradas como Escritura (3,15-16), o que pressupõe uma época tardia.

Por outro lado, não há inconveniente em pensar que um discípulo anónimo de Pedro, sob a inspiração do Espírito Santo, quisesse transmitir uns ensinamentos em sintonia com os do Apóstolo; ao utilizar o seu nome e a sua autoridade, não fazia mais do que valer-se de um recurso frequente naquela época, a pseudonímia, com a consciência de que as ideias desenvolvidas não eram pessoais, saídas da própria cabeça, mas as do Apóstolo Pedro. Assim, o hipotético redactor da Carta não pretenderia substituir Pedro, mas fazer justiça à autenticidade da mensagem.

DATA E LOCAL

Pressupondo a pseudonímia, a Carta poderia ter sido escrita entre os anos 80-90, mas não já em pleno séc. II, como foi proposto por alguns. O local da redacção é desconhecido; poderia ser Roma.

DESTINATÁRIOS

Os destinatários não são expressamente referidos; mas são cristãos que conhecem os escritos paulinos (ver 3,13). Pela referência de 3,1 bem poderiam ser os da 1.ª Carta; a não ser que esta alusão não passe de um estratagema para reforçar a possível pseudonímia. Seja como for, a Carta tem um carácter universal.

O seu objectivo é denunciar graves erros que ameaçavam a fé e os bons costumes, sobretudo a negação da segunda vinda do Senhor (3,3-4).

DIVISÃO E CONTEÚDO

Podemos estruturar 2 Pe do seguinte modo:

Saudação: 1,1-2;

I. Exortação à perseverança na fé: 1,3-21;

II. Denúncia dos falsos mestres: 2,1-22;

III. A segunda vinda do Senhor: 3,1-16;

Conclusão: 3,17-18.

Os temas fundamentais desta Carta são: a segunda vinda do Senhor (1,16), definida como misericordiosa (3,4.8-10.15), mas que vai trazer uma mudança radical no cosmos; a lembrança da Transfiguração (1,16-19); a inspiração das Escrituras (1,20-21; 3,14-16); a importância do «conhecimento» religioso (1,2-8; 2,20; 3,1).

Tudo indica que esta Carta é o desenvolvimento da Carta de Judas, sobretudo em 2,1-18; 3,1-13, onde recolhe a temática de Jd 4-19. Por isso mesmo, seria mais tardia que esta. Nas duas se combatem os falsos mestres.



terça-feira, 8 de novembro de 2016

Carta de Tiago


Carta de Tiago

A Carta de Tiago foi raramente comentada ao longo dos séculos, talvez pelo seu carácter de exortação moral e pelo seu sabor judaico: só duas vezes cita o nome de Jesus (1,1; 2,1) e propõe como modelos apenas figuras do Antigo Testamento: Abraão, Job, Raab, Elias. Mas nos nossos dias veio a merecer um interesse especial dos estudiosos, pois apresenta uma exposição viva e espontânea da mensagem no ambiente das primitivas comunidades cristãs de origem judaica e revela uma série de contrastes que despertam a atenção.

Só se percebe que é uma Carta pelo primeiro versículo, pois tem todo o aspecto de uma homilia. Mostra uma grande afinidade com os livros do AT, mormente os Sapienciais (Pr, Sb e Sir) e Proféticos (Is, Jr e Ml), e com os escritos judaicos (Pirqê Abot, Testamento dos 12 Patriarcas, etc.); mas está impregnada do espírito cristão. Nela, podem contar-se 29 dependências do Sermão da Montanha (Mt 5-7), duas alusões ao Baptismo (1,21; 2,7) e à lei da liberdade (1,25; 2,12), um desenvolvimento da relação entre a fé e as obras, problema candente no cristianismo (2,14-26), a única referência expressa do Novo Testamento à Unção dos Enfermos (5,14-15) e a insistência na perfeição (1,4.17.25; 2,22; 3,2), como em Mateus.

ESTILO E LINGUAGEM

O texto contém muitos hebraísmos: construções hebraicas (1,22; 2,12; 4,11), paralelismo, parataxe, genitivo de qualidade (1,25; 5,15). O autor exprime-se num grego de alto nível, apenas comparável ao de Hebreus; de facto, tem um vocabulário rico (63 palavras não aparecem no resto do NT, 45 encontram-se nos Setenta e 4 estão ausentes do grego helenístico) e utiliza os recursos retóricos da diatribe cínico-estóica, pequenos diálogos com um interlocutor imaginário (2,14-26), perguntas retóricas (2,4.5b.14.16; 3,11-12; 4,4-5) e interpelações incisivas (1,16.19; 4,13; 5,1), imperativos (mais de 60), paradoxos e contrastes (1,26; 2,13.26; 3,15; 4,12), bem como frequentes exemplos e comparações. Tudo isto dá à Carta uma grande vivacidade e faz pensar em escritores como Epicteto ou Séneca.




AUTOR

A teoria de esta Carta ser um escrito judaico retocado por cristãos é destituída de base sólida; toda a Carta tem um cunho cristão. A Tradição da Igreja é unânime em atribuí-la a um Apóstolo do Senhor, de nome Tiago; e, se a perfeição do grego utilizado não condiz com um Tiago palestino, isto poderia dever-se à redacção cuidada de um secretário judeo-cristão muito culto ligado àquele Apóstolo.

A hipótese de um escrito posterior pseudo-epigráfico também não oferece probabilidade, pois um estranho que se quisesse servir de um nome notável não deixaria de apelar para os títulos tão importantes de “Apóstolo” ou “Irmão do Senhor”, coisa que o autor não faz, limitando-se a apresentar-se modestamente como «servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo» (1,1).

Mas o autor também não deve ser Tiago Maior, o Apóstolo irmão de João, pois foi martirizado muito cedo (em 42 ou 44). E alguns pensam que tão-pouco é o outro Apóstolo do mesmo nome, o filho de Alfeu (ver Mc 3,18 par.), mas um terceiro Tiago, «o irmão do Senhor», homem de grande prestígio, ligado aos Apóstolos e chefe da comunidade de Jerusalém (Act 12,17; 15,13-21; 21,18-25; Gl 1,19; 2,9.12), o qual, após a Ressurreição, passou a crer em Jesus. A identificação habitual destes dois Tiagos (o Menor, «filho de Alfeu» e «o Irmão do Senhor») só se teria dado no correr dos séculos, a partir do que se diz em Gl 1,19: «Não vi nenhum outro Apóstolo, excepto Tiago, irmão do Senhor.» Trata-se de uma questão discutida, pois este texto de Gálatas pode entender-se de outra maneira, traduzindo, em vez de «excepto Tiago»: «mas somente Tiago».

DESTINATÁRIOS

Os destinatários desta Carta são «as doze tribos da Dispersão» (1,1), mas não seriam nem os judeus da emigração fora da Palestina (a Diáspora em sentido próprio; há quem pense mesmo em judeus helenizados de tendência essénia), nem os cristãos em geral, dispersos pelo mundo (a “Diáspora” em sentido figurado). Seriam os judeo-cristãos da Diáspora, embora sem excluir outros cristãos em contacto com Tiago.




DATA

A maioria dos estudiosos adota uma das posições seguintes: trata-se do primeiro escrito cristão, dos fins da década de 40, pois tem um aspecto muito primitivo, como se vê ao chamar à comunidade cristã «sinagoga» (aqui traduzido por «assembleia»: 2,2) e parece ignorar a crise judaizante e a conversão dos pagãos. Outros pensam que foi escrita por volta do ano 60, pouco antes da morte de Tiago, irmão do Senhor, que se deu pelo ano 62, pois pensam que Tg 2,14-26 pressupõe as Cartas de Paulo aos Romanos e Gálatas, que alguns deturpavam para justificarem uma vida fácil.

Não parece ter base suficientemente sólida classificá-la como um escrito tardio: a ausência de elementos do primeiro anúncio (kerigma) não serve para estabelecer a data, mas a natureza do documento; e as semelhanças com Mateus não exigem uma redação posterior.

CONTEÚDO TEOLÓGICO

Como escrito tipicamente didático e moral, a Carta não obedece a um plano doutrinal previamente elaborado. Os temas sucedem-se ao correr da pena, sempre com a preocupação dominante de apelar a que os fiéis vivam o espírito cristão em todas as circunstâncias de um modo coerente com a fé, em perfeita unidade de vida: o comportamento dos cristãos tem de ser um reflexo da sua fé. Sublinhamos os temas das principais exortações:

A atitude cristã perante as provações: 1,2-18;

Pôr em prática a Palavra: 1,19-27;

Caridade para com todos: 2,1-13;

Fé com obras: 2,14-26;

Domínio da língua: 3,1-12;

Verdadeira sabedoria: 3,13-18;

Origem das discórdias: 4,1-12;

Evitar a presunção: 4,13-17;

Advertências aos ricos: 5,1-6;

Exortações finais: 5,7-20.

Como foi dito, esta Carta é o único escrito do NT a referir expressamente o Sacramento da Unção dos Doentes (5,13-15), que não aparece como um piedoso costume, mas como um dos Sacramentos instituídos por Cristo. De fato, a unção é feita apenas pelos presbíteros da Igreja, em nome do Senhor e obtém efeitos sobrenaturais, como o perdão dos pecados.