Contemplação
para alcançar Amor
(
EE 230-237)
A Contemplação para alcançar o amor é o coroamento dos
Exercícios Espirituais. A partir daqui podemos perceber o sentido unitário e
global de todo o caminho. O Princípio e Fundamento e a Contemplação para
alcançar o amor são inseparáveis, como chaves que se enriquecem mutuamente.
Os dois momentos do exercício, o inicial e o final
proporcionam visões de conjunto de toda a existência humana. O Princípio e Fundamento
é por assim dizer a porta de entrada dos EE e a CAA – a porta de saída.
A CAA é uma espécie de grande acorde final que nos lembra
que tudo “ é graça”. É a mais profunda e íntima satisfação de sentir “filho/a
amado/a” pelo Pai.
Se o amor de Deus tem uma constituição trinitária, talvez
nos ajude a contemplar esse amor, considerar o mistério das divinas pessoas
como fonte e como fim dos dons que o amor nos faz experimentar.
Os EE são cristológicos; assim, o amor de Deus é lido na
ótica cristológica, pois só por Cristo, em Cristo temos acesso a Deus. Não há
acesso ao Pai a não ser pela mediação de Cristo. Quem revela a Trindade é
Cristo.
Uma das coisas mais importantes da CAA é focalizar
a comunicação entre Deus e a
criatura. Antes de iniciar a CAA, Santo Inácio dá a orientação que o exercitante
deve levar em conta a respeito do significado da palavra “amor”.
Ø O amor deve
estar mais nas obras que nas palavras.
Ø O amor que se
dá na comunicação das duas partes: amado
x amante.
Deus é Amor. Entrar no caminho de Deus “significa” viver
no amor, transformar-se nele, no “Amor”.
A iniciativa do amor, não vem do exercitante e sim de
Deus. Ele nos amou primeiro. Deus colocou sua “Palavra” em todas as coisas: na
vida, natureza, história, culturas, religiões, e em nós. É preciso descobrir
essas sementes do Verbo e admirar o amor em tudo. O amor se põe mais em obras
que nas palavras, e na troca de bens entre o amante e o amado.
No Princípio e Fundamento o exercitante se encontra
diante da tarefa para um mês... Na CAA se encontra diante de uma tarefa para a
vida inteira.
Nos retiros de 8 dias, passa despercebida entre malas a
serem feitas, arrumação do quarto, ligações, despedidas, etc...
A última contemplação não é um enfeite dos Exercícios.
Muito pelo contrário, é lá onde o exercitante tem a chance de recolher o fruto
do retiro.
A permanente tarefa de um coração contemplativo é
impedir “opacidade” das coisas, que
pouco a pouco vai fechando a nossa capacidade de ver a Deus de maneira
“transparente” em todas as coisas e de ver todas as coisas em Deus.
Em nossa experiência espiritual o problema de nossos
olhos “não enxergar”, na realidade é sempre um problema do coração. Os que têm
o coração limpo vêem a Deus. Falando espiritualmente, precisamos mais de
“cardiologistas” do que de “oftalmologistas”.
A tentação da “opacidade” faz-nos esquecer Deus, o autor
dos dons, e daí a desordem de nossas afeições, desviando-nos do sentido do fim
para o qual fomos criados.
A “transparência” consiste na capacidade de ler a própria
vida, descobrindo os dons de Deus, sua presença, sua atividade. Santo Inácio
apresenta uma visão da vida que permite encontrar Deus e unir-se a Ele em todas
as coisas. Nas coisas criadas revela-se
a presença de Deus que se dá (1), que se aproxima das pessoas (2), que trabalha
por elas ( 3 ), e é a fonte da qual provém todo bem ( 4
).
Esse amor ativo e primeiro de Deus, suscita em nós a
gratidão profunda que nos leva a responder com a própria vida, para fazê-lo
mais conhecido e amado por todos os seres humanos de Deus.
Santo Inácio coloca duas notas que é preciso ter
presente:
·
A primeira, que o amor deve consistir mais em
obras do que em palavras (EE 230 ) ;
·
“A segunda, que o amor consiste na comunhão
mútua, isto é, quem ama dá e comunica o que tem ou pode a quem ama e igualmente, por sua vez, o amado ao que
ama. ( EE 231).
Oração preparatória: - consiste em pedir a graça a Deus nosso Senhor para que
todas a minhas intenções, ações e operações, sejam dirigidas unicamente ao
serviço e louvor de sua Divina
Majestade” ( EE 46).
Preâmbulos:
Os preâmbulos, como sempre, são a composição de lugar e a
petição da graça para o exercício. Ambos vão
nos dar a entender muito claramente quais os objetivos de Santo Inácio
para esta contemplação.
·
Composição de lugar: - “ consiste aqui em ver como você está diante de Deus nosso Senhor,
dos anjos e santos que intercedem por você... “Lá está também a Mãe amorosa e
gloriosa, Mãe dele e sua também! Lá estão tantos de seus parentes e amigos!
Todos vencedores no Cristo vencedor! (EE 232
).
·
“... pedir o que
quero”: será aqui pedir conhecimento interno de
tantos bens recebidos para que eu, reconhecendo-os inteiramente, possa em tudo
amar e servir à sua divina Majestade” ( EE 233 ).
Santo Inácio nos propõem quatro passos para a Contemplação para alcançar
Amor:
1.
A
Memória - Os dons recebidos de Deus (EE 234).
Este primeiro passo está intimamente relacionado com a 1ª
Semana dos Exercícios... Fala das bênçãos e prodigalidades divinas: a Criação,
a Redenção, o que Deus fez por mim, o que ele me deu, o seu grande desejo de
dar-se a si próprio.
Trazer á memória todos os dons recebidos como: a Criação,
a Redenção, os dons particulares: vida, família, amigos, acontecimentos,
experiências... Recordando com muito afeto quanto Deus nosso Senhor fez por mim:
recordar as pessoas que me ajudaram a encontrar Deus; os acontecimentos que me
revelaram Deus; alguns lugares, paisagens que me falaram de Deus; algumas
experiências que me fizeram sentir Deus em meu coração.
Precisamos “levantar os olhos das pedras do caminho” e
apreciar a “chuva de graças”! São como raios que nos unem mais ao sol; como
águas que nos vêm da fonte limpa.
Considerar de minha parte
o que devo oferecer e dar a sua divina Majestade, meus bens e a mim mesmo/a,
como presente, com toda afeição.
Deste conhecimento interno de tanto bem recebido, surgirá, “com toda a
afeição”, o oferecimento de mim mesmo/a :
‘Tomai, Senhor, e
recebei toda a minha liberdade, a minha memória também, o meu entendimento e
toda a minha vontade, tudo o que tenho e possuo Vós me destes com amor. Todos
os dons que me destes com gratidão vos devolvo. Disponde deles Senhor, segundo
a vossa vontade... Dai-me somente: o vosso amor vossa graça, isto me basta nada mais quero pedir.” (EE 234).
Agradecer a Deus. Com Maria repetir seu canto: o “Magnificat”.
“Suscipe”: dizer a Deus que tudo o que é meu é dele.
Aprender com ele a amar os irmãos, sem buscar meu
interesse, “amando primeiro” como Cristo.
Colocar à disposição dos outros os dons recebidos (1 Pd
4, 10 ).
Quando alguém guarda uma
profunda mágoa por seu passado, ou nunca experimentou a gratuidade do amor
humano, ou tem algum problema de aceitação de si mesmo/a, dificilmente vai
poder agradecer os benefícios recebidos.
2. A Presença - Deus
se faz presente a mim em todas as coisas (EE 235).
O segundo passo da CAA se relaciona com a Segunda Semana
dos Exercícios... A Santíssima Trindade está presente em todos os seres, dando
ser, viver, sentir, entender e amar.
Deus não se contenta com plenificar-nos de dons. Deus não
só dá os seus presentes, mas vive neles. Não fica alheio ao que criou. Ele não
despacha pelo “correio” e fica distante. Ele, ao contrário, está presente no
dom; habita em todas as criaturas... das
mais imponentes e das que nos parecem sem utilidade e até desprezíveis... faz crescer as plantas... dá sensibilidade
aos animais... inteligência aos seres humanos. Habita em mim. Ele é quem me dá
ser, vida, sentidos, inteligência... e me adota como filho, no Filho
Jesus... e faz do meu corpo templo do
Espírito...
E me constitui pedra viva sobre o fundamento que é o
Cristo, a pedra que é Pedro, na edificação espiritual, a Igreja, que vai ser
expandida na Jerusalém celeste, cujas portas serão
abertas para uma multidão mais numerosa do que as areias do mar, do que as
estrelas do céu...
Essa presença de Deus se manifesta de muitos modos para
aquele/a que crê. Cristo fica presente na Eucaristia, como aquele que se dá e
que leva as pessoas a comungarem com ele, assumindo o compromisso de se darem a
seus irmãos.
Perceber como na minha comunidade posso tornar-me
presente aos outros. Na proporção do meu amor novo, identificar-me com a vida
dos que mais sofrem necessidades, como Jesus.
É importante perceber que o sujeito da contemplação sou novamente
eu. A consideração de Deus presente nas criaturas vai ascendendo como por uma
escada: “Nos elementos... Nas plantas... Nos animais... Nos homens... Em
mim...”, considerar como Deus está presente em mim é o que Santo Inácio
pretende neste exercício.
Santo Inácio introduz como Deus faz de mim, templo seu. O
mundo todo está em Deus. A Criação seria a contração de Deus como se Deus se
contrai como uma mulher que dá à luz. Tudo isso exige uma resposta: - Tomai,
Senhor, e recebei...
Um coração dilatado, não pensa em si mesmo é capaz de se
abrir ao que Deus quer que se faça. “Rezem para que se abra uma porta à
nossa palavra para que possamos anunciar o mistério de Cristo” (Col 4, 3). Quando eu estou fechado a
realidade também se fecha.
3. A Ação
- O Senhor trabalha por mim (EE 236).
O terceiro passo da CAA, nos lembra a Terceira Semana dos
EE., Cristo sofre e morre por nós ( EE
197 ).
Considerar como Deus por mim trabalha e age em todas as
coisas criadas sobre a terra. A presença de Deus é ativa. O amor de Deus
trabalha por mim em Jesus Cristo. Deus não só é Vida, mas é presença que
impulsiona a Vida. Deus não é um expectador da história, presente na arquibancada
do Universo. Ele se engaja e age na
história.
A palavra
“trabalho” é sempre relacionada com o sofrimento.
Esse ponto de vista quer mostrar a habitação de Deus na
criação é um habitar trabalhador. A
presença de Deus no mundo é laboriosa.
Contemplar o trabalho de Deus nas coisas criadas por
minha causa. É no amor criativo da Trindade que age nas criaturas e opera em
benefício dos que são capazes de conhecer esse amor: nós. Ver como Deus me
sustenta, como me veste, cuida da minha saúde, revela-me a verdade, ordenando a
ação de uns para o bem de outros. Maravilha da providência e do amor de Deus.
É em Cristo que a Trindade age mais evidentemente entre
nós... Cristo Senhor, continua agindo como cabeça de seu Corpo, a Igreja,
presente neste mundo vivificando-nos por seu Espírito.
Contemplar como eu me encontro nesse grande trabalho,
recebendo inúmeros dons por meio da ação de Cristo em meus irmãos, que com sua palavra e seu exemplo fazem o bem
para minha salvação.
Contemplar como eu recebo também o poder de fazer o bem a
meus irmãos e trabalhar para a salvação dos outros. Cristo se comunica aos
outros pelo meu trabalho, pela minha palavra, pelo meu exemplo, pela minha
paciência.
O terceiro passo da contemplação aponta na direção do
Espírito. Fala-nos do “trabalho” de Deus, do Espírito que dá a vida. O
“trabalho” do Espírito consiste em nos
mover, conduzir, levar-nos aos tempos e lugares onde nossa presença é
necessária para construir o Reino de Deus. É obra do Espírito mover-nos internamente, desinstalar-nos,
converte-nos, transformar nossos
corações de terra em corações de carne
(Ez 11,19).
Qual a minha resposta a um Deus que trabalha?
Renovar minha oblação, minha entrega, etc. Não procurar a
oração como refúgio, como fuga, etc.
4.
A
Participação – Todos os bens descem do alto (EE 237).
Tudo desce do alto: o limitado poder humano vem do Poder
dele... assim como a justiça... a bondade... a piedade... a prudência... a
misericórdia... a fé... a esperança..., a caridade sincera e sem fingimento.
Nosso Deus é a Fonte de todo o bem, beleza, vitalidade... É o vivificador... o
Santificador... o Salvador... o Restaurador... o Inovador.
“Olhar como todos os bens e dons descem do alto; tais
como do sol descem os raios, da fonte as águas, etc.”
No quarto passo, contemplamos a presença de Deus através
das criaturas. Podemos relacionar este 4º passo, com a Quarta Semana , o Senhor
Ressuscitado, no seu papel de Consolador
comunicando o Espírito Santo, que nos abre o entendimento.,
O Deus presente e que age nos seus dons é um Deus que
ama. A sua ação é libertadora. Deus quer se revelar, se comunicar, se doar. Seu
ser transparece no seu agir. Ele inicia um diálogo com o homem e espera deste
uma resposta “a sua imagem e semelhança”: resposta humana, livre, gratuita.
Resposta de amor.
A vocação da pessoa humana é ser imagem e semelhança de Deus,
isto é, “ser dom”; “estar presente” no dom; ser presença “ativa e criadora;
deixar “transparecer” em nós o amor de
Deus. A fonte, a origem, é só Deus. Deus é fonte sempre.
Não podemos medir a nossa eficácia pastoral com critérios
empresariais. Não importa quantos sejam nossos trabalhos pastorais ou ainda o
lugar que ocupemos na Igreja: todo o nosso trabalho se resume em sermos “imagens
de Cristo”, em sermos o bastante transparentes, de tal modo que outros – sem
preconceitos, mas também sem precisarem ser adivinhos – possam descobrir a
Cristo em nosso rosto, nosso jeito e nossas ações. Isto é o único importante –
o jeito concreto de ser outro Cristo, isto é segui-lo.
Quem foi “alcançado”
pelo amor de Deus mergulha-se no oceano do acatamento reverencial.
A resposta a Deus só pode ser da mesma qualidade e sabor
do dom recebido. A gente pode ser também dom: estar presente em tudo o que
fazemos com o nosso toque pessoal e criativo, entregando-nos a nós mesmos com
dedicação e alegria.
Inácio formulou uma bela oração. Nós também podemos formular a nossa:
“ Tomai, Senhor , e recebei toda a minha liberdade, ...”
A pedagogia do “Ad Amorem”, CAA abre nossos olhos para
contemplar e buscar Deus em todas as coisas e viver sempre na sua presença. O
fruto último dos EE é viver
a mística inaciana que pode ser
assim resumida :
- Ser
contemplativo na ação.
- Amar Deus em
todas as coisas e todas as coisas em Deus.
Salmo : Tudo é Dom do Amor
Manuel Eduardo Iglesias, SJ
A gente, Senhor, pode passar pela vida
como cego
se não enxergar o AMOR;
como surdo
se não escutar tua voz.
Dá-me, Senhor,
capacidade de ver e escutar!
Quem sou eu? Sou aquele que
poderia não ter existido, e existo.
Sou puro dom gratuito.
- O sol que me alegra,
a natureza que me sustenta,
o ar que eu respiro,
são dons que não mereço.
- Os pais que tenho,
os amigos e os colegas,
os sábios e os artistas,
são dons que me enriquecem.
- O Cristo, a fé, a Igreja,
Maria e os Santos,
A Eucaristia e o mundo,
são dons inesperados.
- O grande, Senhor, é que:
No sol,
nos amigos,
no Cristo,
na vida...
Tu estás presente,
Tu ages dia e noite,
Tu me dizes, lá dentro:
Eu te amo!
Aminha
vocação é
SER DOM, Senhor,
Para os outros, para ti.
Assim, através do meu dom,
Outros escutarão o que lhes dizes:
EU TE AMO!
CEI-ITAICI
Curso de Capacitação para Orientadores de Exercícios Espirituais
1ª Etapa - 09 a 18 de julho de 2010!
Ir. Teresa Cristina Potrick, ISJ
Bibliografia
Ø Inácio de Loyola, Santo - Exercícios Espirituais - Apresentação, tradução e notas do Centro de Espiritualidade Inaciana de
Itaici –. Pg. 91 – 94 – Ed. Loyola, São
Paulo, Brasil, 2000.
Ø Iglesias, Manuel Eduardo SJ - Um
retiro com São João e o Êxodo .pg.-82 – 84;
Ed. Loyola .
Ø Iglesias, Manuel Eduardo SJ – Um retiro com o
Peregrino – pg. 127 – 132 . Ed. Loyola
Ø Antoncich,
Ricardo SJ, - Quando rezarem digam: “Pai-Nosso...” – pg. 259-269. Ed. Loyola.
Ø Paiva, Raul SJ – Da Ceia ao Pai-Nosso – pg.
146 – 148. Ed. Loyola
Ø Almeida, D. Luciano Mendes , SJ – Servir por
amor – pg. 165 – 174. Ed Loyola.
Ø Palaoro, Adroaldo, SJ - A
Experiêmcia Espiritual de Santo Inácio e
a dinâmica interna dos
Exercícios – pg. 114 – 116 . Ed. Loyola.
Ø Futrell, JohnCarroll, SJ – Cowan. CSJ,
Marian - Como dar um Retiro Inaciano. Pg. 129 -130.
Ed. Loyola.
Ø Herra, Javier Saravia, SJ - Um Camino de amor Y Servicio . Centro
Ignaciano de Espiritulidad
Guadalajara, Jal. México.
Ø Revista: CEI_ITAICI – Navarro, Maria Ângeles – Dezembro/ 1997 :
Nº 30 –– pg. 54 – 62.
Ø Vazquez, Ulpiano, SJ – Meus apontamentos sobre:
contemplação para Alcançar amor. CEI-
ITAICI.