Encarnação.V
Sempre fiz em minha vida a experiência de misturar com
o povo, sempre gostei de ir na casa das pessoas, sempre me envolvi com as
pessoas, sempre gostei de receber as pessoas em minha casa, sempre gostei desta
mistura... e sinto um pouco, ou muito, a falta que isto me faz estando aqui em
Bogotá. Mas sei que este momento é passageiro e no final do ano estou de volta
ao Brasil. Sinto que este mistério da encarnação é este convite de Jesus a
estar cada vez mais próximo do povo, como Ele mesmo o fez, e o que deve
significar para nós hoje este "estar próximo"? Partilho mais uma
pintura e mais um texto para ajudar nesta reflexão.
“E o Verbo de Deus se fez carne
e habitou entre nós”
(Jo 1, 14).
Deus se fez homem. Na Pessoa do Verbo, Ele assumiu a
natureza humana sem abandonar a divina. Foi o maior acontecimento da história.
A fé na Encarnação verdadeira do Filho de Deus é o
sinal distintivo da fé cristã: “Nisto reconheceis o Espírito de Deus. Todo
espírito que confessa que Jesus Cristo veio na carne é de Deus” (1 Jo 4,2).
Esta é a alegre convicção da Igreja desde o seu começo, quando canta “o grande
mistério da piedade”: “Ele foi manifestado na carne” (1 Tm 3,16).
Mas por que Deus se fez homem? A Igreja nos responde:
“O Verbo se fez carne para salvar-nos,
reconciliando-nos com Deus” (Catecismo da Igreja Católica. CIC § 457).
“Foi Ele que nos amou e enviou-nos seu Filho como
vítima de expiação por nossos pecados” (1Jo 4,10). “O Pai enviou seu Filho como
o Salvador do mundo” (1 Jo 4,14). “Este apareceu para tirar os pecados” (1 Jo
3,5).
O pecado de toda a humanidade ofendeu a Majestade
Infinita de Deus Criador; e nenhum resgate humano seria suficiente para reparar
a ofensa contra a Majestade divina. O Catecismo afirma que:
“Nenhum homem, ainda que o mais santo, tinha condições
de tomar sobre si os pecados de todos os homens e de se oferecer em sacrifício
por todos. A existência em Cristo da Pessoa Divina do Filho, que supera e, ao
mesmo tempo, abraça todas as pessoas humanas, e que o constitui Cabeça de toda
a humanidade, torna possível seu sacrifício redentor por todos” (CIC § 616).
A morte de Cristo realizou a redenção definitiva dos
homens pelo “Cordeiro que tira o pecado do mundo” e reconduziu o homem à
comunhão com Deus, reconciliando-o com Ele pelo “Sangue derramado por muitos
para remissão dos pecados”. Este sacrifício de Cristo é único. Ele realiza e
supera todos os sacrifícios. Ele é primeiro um dom do próprio Deus Pai: é o Pai
que entrega seu Filho para reconciliar-nos com Ele. É, ao mesmo tempo, oferenda
do Filho de Deus feito homem, o qual, livremente e por amor, oferece a vida ao
Pai pelo Espírito Santo, para reparar nossa desobediência.
“Como pela desobediência de um só homem todos se
tornaram pecadores, assim, pela obediência de um só, todos se tornarão justos”
(Rm 5,19). Por Sua obediência até a morte, Jesus realizou a substituição do
Servo Sofredor que “oferece sua vida em sacrifício expiatório”, “quando
carregava o pecado das multidões”, “que Ele justifica levando sobre si o pecado
de muitos”.
São Gregório de Nissa, Padre da Igreja (340), explica:
“Doente, nossa natureza precisava ser curada; decaída,
ser reerguida; morta, ser ressuscitada. Havíamos perdido a posse do bem, era
preciso no-la restituir. Enclausurados nas trevas, era preciso trazer-nos à
luz; cativos, esperávamos um salvador; prisioneiros, um socorro; escravos, um
libertador. Essas razões eram sem importância? Não eram tais que comoveriam a
Deus a ponto de fazê-lo descer até nossa natureza humana para visita-la, uma
vez que a humanidade se encontrava em um estado tão miserável e tão infeliz?”
(Or. Catech. 15: PG 45,48B).
A Epístola aos Hebreus fala do mesmo mistério: “Por
isso, ao entrar no mundo, ele afirmou: Não quiseste sacrifício e oferenda. Tu,
porém, formaste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não foram de
teu agrado. Por isso eu digo: Eis-me aqui… para fazer a tua vontade” (Hb
10,5-7, citando Sl 40,7-9 LXX).
“O Verbo se fez
carne para que conhecêssemos o amor de Deus” (CIC § 458).
“Nisto manifestou-se o amor de Deus por nós: Deus
enviou seu Filho Único ao mundo para que vivamos por Ele” (1 Jo 4,9). “Pois
Deus amou tanto o mundo, que deu seu Filho Único, a fim de que todo o que crer
nele não pereça, mas tenha a Vida Eterna” (Jo 3,16).
Ninguém mais tem o direito de duvidar do amor de Deus
por nós. O que mais o Senhor poderia ter feito por nós? Além de nascer como
homem, sujeito às nossas fraquezas, ainda experimentou a morte na cruz.
São Paulo canta o mistério da Encarnação: “Tende em
vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus: Ele tinha a condição divina, e não
considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas
esvaziou-se a si mesmo, assumiu a condição de servo, tomando a semelhança
humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte,
e morte de cruz!” (Fl 2,5-8).
“O Verbo se fez carne para ser nosso modelo de
santidade” (CIC § 459).
“Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim…” (Mt
11,29).
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao
Pai a não ser por mim” (Jo 14,6). E o Pai, no monte da Transfiguração, ordena:
“Ouvi-o” (Mc 9,7). Pois Ele é o modelo das Bem-aventuranças e a norma da Nova
Lei: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12). Este amor implica a
oferta efetiva de si mesmo em seu seguimento.
“O Verbo se fez carne para tornar-nos “participantes
da natureza divina” (II Pd 1,4). (CIC § 460).
Santo Irineu (202) assim explicou essa verdade: “Pois
esta é a razão pela qual o Verbo se fez homem, e o Filho de Deus, Filho do
homem: é para que o homem, entrando em comunhão com o Verbo e recebendo, assim,
a filiação divina, se torne filho de Deus” (Adv. Haer., 3,19,1).
São Tomás de Aquino disse: “O Filho Unigênito de Deus,
querendo-nos participantes de sua divindade, assumiu nossa natureza para que
aquele que se fez homem dos homens fizesse deuses” (Opusc. 57 in festo Corp.
Chr.1).
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