Renascimento
Renascimento, Renascença são os termos usados para
identificar o período da História da Europa aproximadamente entre fins do século
XIV e o fim do século XVI. Os estudiosos, contudo, não chegaram a um consenso
sobre essa cronologia, havendo variações consideráveis nas datas conforme o
autor. Seja como for, o período foi marcado por transformações em muitas áreas
da vida humana. Apesar destas transformações serem bem evidentes na cultura,
sociedade, economia, política e religião, caracterizando a transição do
feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas
medievais, o termo é mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas
artes, na filosofia e nas ciências.
Chamou-se "Renascimento" em virtude da redescoberta
e revalorização das referências culturais da antiguidade clássica, que
nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e
naturalista. O termo foi registrado pela primeira vez por Giorgio Vasari já no
século XVI, mas a noção de Renascimento como hoje o entendemos surgiu a partir
da publicação do livro de Jacob Burckhardt A Cultura do Renascimento na Itália
(1867), onde ele definia o período como uma época de "descoberta do mundo
e do homem".
O Renascimento cultural manifestou-se primeiro na região
italiana da Toscana, tendo como principais centros as cidades de Florença e
Siena, de onde se difundiu para o resto da península Itálica e depois para
praticamente todos os países da Europa Ocidental, impulsionado pelo
desenvolvimento da imprensa por Johannes Gutenberg. A Itália permaneceu sempre
como o local onde o movimento apresentou maior expressão, porém manifestações
renascentistas de grande importância também ocorreram na Inglaterra, Alemanha,
Países Baixos, Portugal e Espanha. Alguns críticos, porém, consideram, por
várias razões, que o termo "Renascimento" deve ficar circunscrito à
cultura italiana desse período, e que a difusão europeia dos ideais clássicos
italianos pertence com mais propriedade à esfera do maneirismo. Além disso, estudos
realizados nas últimas décadas têm revisado uma quantidade de opiniões
historicamente consagradas a respeito deste período, considerando-as
insubstanciais ou estereotipadas, e vendo o Renascimento como uma fase muito
mais complexa, contraditória e imprevisível do que se supôs ao longo de
gerações.
Ideias principais
O humanismo pode ser apontado como o principal valor
cultivado no Renascimento. Baseia-se em diversos conceitos associados:
neoplatonismo, antropocentrismo, hedonismo, racionalismo, otimismo e
individualismo. O humanismo, antes que um corpo filosófico, foi um método de
aprendizado que passava a dar um maior valor ao uso da razão individual e à
análise das evidências empíricas, ao contrário da escolástica medieval, que se
limitava basicamente à consulta às autoridades do passado, principalmente
Aristóteles e os primeiros Padres da Igreja, e ao debate das diferenças entre
os autores e comentaristas. O humanismo afirma a dignidade do homem e o torna o
investigador por excelência da natureza. Na perspectiva do Renascimento, isso
envolveu a revalorização da cultura clássica antiga e sua filosofia, com uma
compreensão fortemente antropocêntrica e racionalista do mundo, tendo o homem e
seu raciocínio lógico e sua ciência como árbitros da vida manifesta. Seu
precursor foi Petrarca, que com sua obra De sui ipsius et multorum aliorum
ignorantia inaugurou o método clássico de crítica à escolástica. O humanismo se
consolidou principalmente através dos escritos de Lorenzo Valla, Leonardo
Bruni, Poggio Bracciolini, Marsilio Ficino, Erasmo de Roterdão, Pico della
Mirandola, Petrus Ramus, Juan Luis Vives, Francis Bacon, Michel de Montaigne,
Bernardino Telesio, Giordano Bruno, Tommaso Campanella e Thomas More, entre
outros, que escreveram sobre variados aspectos do mundo natural e da filosofia,
incorporando elementos do neoplatonismo, do ceticismo, do estoicismo, do
epicurismo e do novo método científico, que iniciava sua ascensão. Muitos
desses autores buscavam uma harmonização entre o conhecimento antigo e as novas
descobertas.
O brilhante florescimento cultural e científico renascentista
deu origem a sentimentos de otimismo, abrindo positivamente o homem para o novo
e incentivando seu espírito de pesquisa. O desenvolvimento de uma nova atitude
perante a vida deixava para trás a espiritualidade excessiva do gótico e via o
mundo material com suas belezas naturais e culturais como um local a ser
desfrutado, com ênfase na experiência individual e nas possibilidades latentes
do homem. Além disso, os experimentos democráticos italianos, o crescente
prestígio do artista como um erudito e não como um simples artesão, e um novo
conceito de educação que valorizava os talentos individuais de cada um e
buscava desenvolver o homem num ser completo e integrado, com a plena expressão
de suas faculdades espirituais, morais e físicas, nutriam sentimentos novos de
liberdade social e individual.
Reunindo esse corpus eclético de ideias, os homens do
Renascimento cunharam ou adaptaram à sua moda alguns outros conceitos, dos
quais se destacam as teorias da perfectibilidade e do progresso, que na prática
impulsionaram positivamente a ciência de modo a tornar o período em foco como o
marco inicial da ciência moderna. Mas como que para contrapô-los surgiu uma
percepção de que a História é cíclica e tem fases de declínio inevitável, e de
que o homem natural é um ser sujeito a forças além de seu poder e não tem
domínio completo sobre seus pensamentos, capacidades e paixões, nem sobre a
duração de sua própria vida. O resultado foi um grande e rico debate teórico,
recheado por fatos novos que apareciam a cada momento, que só teve uma
resolução prática no século XVII, com a afirmação da importância da ciência.
Por um lado, alguns daqueles homens se viam como herdeiros de uma tradição que
havia desaparecido por mil anos, crendo reviver de fato uma grande cultura
antiga, e sentindo-se até um pouco como contemporâneos dos romanos. Mas havia
outros que viam sua própria época como distinta tanto da Idade Média como da
Antiguidade, com um estilo de vida até então inédito sobre a face da Terra,
sentimento que era baseado exatamente no óbvio progresso da ciência. Neste
período foram inventados diversos instrumentos científicos, e foram descobertas
diversas leis naturais e objetos físicos antes desconhecidos; a própria face do
planeta se modificou nos mapas depois dos descobrimentos das grandes
navegações, levando consigo a física, a matemática, a medicina, a astronomia, a
filosofia, a engenharia, a filologia e vários outros ramos do saber a um nível
de complexidade, eficiência e exatidão sem precedentes, cada qual contribuindo
para um crescimento exponencial do conhecimento total, o que levou a se
conceber a história da humanidade como uma expansão contínua e sempre para
melhor. Talvez seja esse espírito de confiança na vida e no homem o que mais
liga o Renascimento à Antiguidade Clássica e o que melhor define a essência do
seu legado. O seguinte trecho de Pantagruel (1532), de François Rabelais,
costuma ser citado para ilustrar o espírito do Renascimento:
Todas as disciplinas são agora ressuscitadas, as línguas
estabelecidas: Grego, sem o conhecimento do qual é uma vergonha alguém
chamar-se erudito, Hebraico, Caldeu, Latim [...] O mundo inteiro está cheio de
acadêmicos, pedagogos altamente cultivados, bibliotecas muito ricas, de tal
modo que me parece que nem nos tempos de Platão, de Cícero ou Papiniano, o
estudo era tão confortável como o que se vê a nossa volta. [...] Eu vejo que os
ladrões de rua, os carrascos, os empregados do estábulo hoje em dia são mais
eruditos do que os doutores e pregadores do meu tempo.
O preparo que os humanistas preconizavam para a formação do
homem ideal, são de corpo e espírito, ao mesmo tempo um filósofo, um cientista
e um artista, se desenvolveu a partir da estrutura de ensino medieval do
Trivium e do Quadrivium, que sistematizavam o conhecimento da época. A novidade
renascentista não foi tanto a ressurreição da sabedoria antiga, mas sua
ampliação e aprofundamento com a criação de novas ciências e disciplinas, de
uma nova visão de mundo e do homem e de um novo conceito de ensino e
educação.[9] O resultado foi um grande e frutífero programa disciplinador e
desenvolvedor do intelecto e das habilidades gerais do homem, que tinha origem
na cultura greco-romana e que de fato em parte se perdera para o ocidente
durante a Idade Média. Mas é preciso lembrar que apesar da ideia que os
renascentistas pudessem fazer de si mesmos, o movimento jamais poderia ser uma
imitação literal da cultura antiga, por acontecer todo sob o manto do catolicismo,
cujos valores e cosmogonia eram bem diversos dos do antigo paganismo. Assim, a
Renascença foi uma tentativa original e eclética de harmonização do
neoplatonismo pagão com a religião cristã, do eros com a charitas, junto com
influências orientais, judaicas e árabes, e onde o estudo da magia, da
astrologia e do oculto não estavam ausentes.
O pensamento medieval tendia a ver o homem como uma criatura
vil, uma "massa de podridão, pó e cinza", como se lê em De laude
flagellorum de Pedro Damião, no século XI. Mas quando se eleva a voz de Pico
della Mirandola no século XV o homem já representava o centro do universo, um
ser mutante, essencialmente imortal, autônomo, livre, criativo e poderoso, o
que ecoava as vozes mais antigas de Hermes Trismegisto ("Grande milagre é
o homem") e do árabe Abdala[desambiguação necessária]("Não há nada
mais maravilhoso do que o homem"). Esse otimismo se perderia novamente no
século XVI, com a reaparição do ceticismo, do pessimismo, da ironia e do
pragmatismo em Erasmo, Maquiavel, Rabelais e Montaigne, que veneravam a beleza
dos ideais do Classicismo mas tristemente constatavam a impossibilidade de sua
aplicação prática universal e testemunhavam o deplorável jogo político, a
pobreza e opressão das populações e outros problemas sociais e morais do homem
real de seu tempo. Cabe notar que muitos pesquisadores consideram esta fase
final não como uma etapa no grande ciclo do Renascimento, e a estabeleceram
como um movimento distinto e autônomo, dando-lhe o nome de Maneirismo.
Fases do
Renascimento e seu contexto
Costuma-se dividir o Renascimento em três grandes fases,
Trecento, Quattrocento e Cinquecento, correspondentes aos séculos XIV, XV e
XVI, com um breve interlúdio entre as duas últimas chamado de Alta Renascença.
Trecento
O Trecento representa a preparação para o Renascimento e é um
fenômeno basicamente italiano, mais especificamente da cidade de Florença, pólo
político, econômico e cultural da região, embora outros centros também tenham
participado do processo, como Pisa e Siena, tornando-os a vanguarda da Europa
em termos de economia, cultura e organização social, conduzindo a transformação
do modelo medieval para o moderno.
A economia era dinamizada pela fundação de grandes casas
bancárias, pelo surgimento da noção de livre concorrência e pela forte ênfase
no comércio, e cada vez mais se estruturava em moldes capitalistas e bastante
materialistas, onde a tradição era sacrificada diante do racionalismo, da
especulação financeira e do utilitarismo. Iniciava, desta forma, um período de
declínio progressivo na capacidade da Igreja de prover um modelo unificado de
cultura e sociedade. O sistema de produção desenvolvia novos métodos, com uma
nova divisão de trabalho organizada pelas guildas e uma progressiva
mecanização, mas levando a uma despersonalização da atividade artesanal. A
Itália nesta época era um mosaico de pequenos países e cidades independentes. O
regime republicano com base no racionalismo fora adotado por vários daqueles
Estados, e a sociedade via crescer uma classe média emancipada intelectual e
financeiramente que se tornaria um dos principais pilares do poder e um dos
sustentáculos de um novo mercado de arte e cultura.
O início do século viveu intensas lutas de classes, com
prejuízo para os trabalhadores não vinculados às guildas, e como consequência
instalou-se grave crise econômica, que teve um ponto culminante na bancarrota
das famílias Bardi e Peruzzi em torno de 1328-38, gerando uma fase de
estagnação que não obstante levaria a pequena burguesia pela primeira vez ao
poder. Esta situação foi comentada depreciativamente pelos poetas célebres da
época — Boccaccio e Villani — mas constituiu a primeira experiência democrática
em Florença, durando cerca de quarenta anos. Tumultos políticos e militares,
além de duas devastadoras epidemias de peste bubônica, provocaram períodos de
fome e desalento, com revoltas populares que tentaram modificar o equilíbrio
político e social, mas só conseguiram assegurar a permanência dos burgueses à
testa do governo. Os Médici, banqueiros plebeus, assumiram a liderança da
classe mas logo se revestiram da dignidade da nobreza, e um sistema oligárquico
voltou a dominar a cena política, muitas vezes se valendo da corrupção para
atingir seus fins, mas também iniciando um costume de mecenato das artes que
seria fundamental para a evolução do classicismo no século seguinte.
Na religião a mudança foi assinalada pela busca, amparada
pela ciência, de explicações racionais para os fenômenos da natureza; por uma
nova forma de ver as relações entre Deus e o homem, e pela ideia de que o mundo
não deveria ser renegado, mas vivenciado plenamente, e que a salvação poderia
ser conquistada também através do serviço público e do embelezamento das
cidades e igrejas com obras de arte, além da prática de outras ações virtuosas.
Deve-se frisar que mesmo com a crescente influência clássica, que era toda pagã
na origem, o cristianismo jamais foi posto em xeque e permaneceu como um pano
de fundo ao longo de todo o período, criando-se a síntese original que conhecemos
hoje.
Quattrocento
O chamado Quattrocento (século XV) viu o Renascimento atingir
sua era dourada. O Humanismo amadurecia e se espalhava pela Europa através de
Ficino, Rodolphus Agricola, Erasmo de Roterdão, Mirandola e Thomas More.
Leonardo Bruni inaugurava a historiografia moderna e a ciência e a filosofia
progrediam com Luca Pacioli, János Vitéz, Nicolas Chuquet, Regiomontanus,
Nicolau de Cusa e Georg von Peuerbach, entre muitos outros.
Ao mesmo tempo, um novo interesse pela história antiga levou
humanistas como Niccolò de' Niccoli e Poggio Bracciolini a vasculharem as
bibliotecas da Europa em busca de livros perdidos de autores clássicos. Muitos
documentos importantes, de fato, foram encontrados, como o tratado De
architectura, de Vitrúvio, discursos de Cícero, Institutos de Oratória, de
Quintiliano, Argonáutica, de Valério Flaco, e De Rerum Natura, de Lucrécio. A
reconquista da Península Ibérica aos mouros também disponibilizou para os
eruditos europeus um grande acervo de textos de Aristóteles, Euclides, Ptolomeu
e Plotino, preservados em traduções árabes e desconhecidos na Europa, e de
obras muçulmanas de Avicena, Geber e Averróis, contribuindo de modo marcante
para um novo florescimento na filosofia, matemática, medicina e outras especialidades
científicas. O aperfeiçoamento da imprensa por Johannes Gutenberg em meados do
século facilitou e barateou imenso a divulgação do conhecimento para um público
maior. O mesmo interesse pela cultura e ciência fez com que se fundassem
grandes bibliotecas na Itália, e se procurasse restaurar o latim, que havia se
transformado em um dialeto multiforme, para sua pureza clássica, tornando-o a
nova língua franca da Europa. A restauração do latim derivou da necessidade
prática de se gerir intelectualmente essa nova biblioteca renascentista.
Paralelamente, teve o efeito de revolucionar a pedagogia, além de fornecer um
substancial novo corpus de estruturas sintáticas e vocabulário para uso dos
humanistas e literatos, que assim revestiam seus próprios escritos com a autoridade
dos antigos.[19] Também foi importante o interesse das elites pelo colecionismo
de arte antiga, estimulando estudos e escavações que levaram ao descobrimento
de diversas obras de arte, impulsionando com isso o desenvolvimento da
arqueologia e influenciando as artes visuais.
Um vigor adicional nesse processo foi injetado pelo erudito
grego Manuel Crisolaras, que entre 1397 e 1415 reintroduziu na Itália o estudo
da língua grega, e com o fim do Império Bizantino em 1453 muitos outros
intelectuais, como Demétrio Calcondilas, Jorge de Trebizonda, João Argirópulo,
Teodoro Gaza e Barlaão de Seminara, emigraram para a península Itálica e outras
partes da Europa, divulgando textos clássicos de filosofia e instruindo os
humanistas na arte da exegese. Grande proporção do que hoje se conhece de
literatura e legislação greco-romanas nos foi preservado pelo Império
Bizantino, e esse novo conhecimento dos textos clássicos originais, bem como de
suas traduções, foi, no entender de Luiz Marques, "uma das maiores operações
de apropriação de uma cultura por outra, comparável em certa medida à da Grécia
pela Roma dos Cipiões no século II a.C. Ela reflete, além disso, a passagem,
crucial para a história do Quattrocento, da hegemonia intelectual de
Aristóteles para a de Platão e de Plotino. Nesse grande influxo de idéias foi
reintroduzida na Itália toda a estrutura da antiga Paideia, um corpo de
princípios éticos, sociais, culturais e pedagógicos concebido pelos gregos e
destinado a formar um cidadão modelar. As novas informações e conhecimentos e a
concomitante transformação em todas as áreas da cultura levaram os intelectuais
a perceberem que se achavam em meio a uma fase de renovação comparável às fases
brilhantes das civilizações antigas, em oposição à Idade Média anterior, que
passou a ser considerada uma era de obscuridade e ignorância.
Ao longo do Quattrocento Florença se manteve como o maior
centro cultural do Renascimento, atravessando um momento de grande prosperidade
econômica e conquistando também a primazia política em toda a região, apesar de
Milão e Nápoles serem rivais perigosos e constantes. A opulência da sua
oligarquia burguesa, que então monopolizava todo o sistema bancário europeu e
adquiria um brilho aristocrático e grande cultura, se entregava à "bela
vida" e enchia seus palácios e capelas de obras classicistas, gerou
descontentamento na classe média, materializada numa reversão ao idealismo
místico do estilo gótico. Estas duas tendências opostas marcaram a primeira
metade deste século, até que a pequena burguesia abandonou suas resistências,
possibilitando uma primeira grande síntese estética que viria a transbordar de
Florença para quase todo o território italiano, definida pela primazia do
racionalismo e dos valores clássicos. Foi o século dos Medici, destacando-se
principalmente Lorenzo de' Medici, grande mecenas, e o interesse pela arte se
difundia para círculos cada vez maiores.
Alta
Renascença
A Alta Renascença cronologicamente engloba os anos finais do
Quattrocento e as primeiras décadas do Cinquecento, sendo delimitada
aproximadamente pelas obras de maturidade de Leonardo da Vinci (a partir de c.
1480) e o Saque de Roma em 1527. Foi a fase de culminação do Renascimento, que
se dissipou mal foi atingida, mas seu reconhecimento é importante porque ali se
cristalizaram ideais que caracterizam todo o movimento renascentista: o
humanismo, a noção de autonomia da arte, a emancipação do artista de sua
condição de artesão e equiparação ao cientista e ao erudito, a busca pela
fidelidade à natureza, e o conceito de gênio, tão perfeitamente encarnado em Da
Vinci, Rafael e Michelangelo. Se a passagem da Idade Média para a Idade Moderna
não estava ainda completa, pelo menos estava assegurada sem retorno possível.
Eventos como a descoberta da América e a Reforma Protestante, e técnicas como a
imprensa de tipos móveis, transformaram a cultura e a visão de mundo dos
europeus, ao mesmo tempo em que a atenção de toda a Europa se voltava para a
Itália e seus progressos, com as grandes potências da França, Espanha e Alemanha
desejando sua partilha e fazendo dela um campo de batalhas e pilhagens. Com as
invasões que se seguiram a arte italiana espalhou sua influência por uma vasta
região do continente.
Foi na Alta Renascença que a arte atingiu a perfeição e o equilíbrio
classicistas perseguidos durante todo o processo anterior, especialmente no que
diz respeito à pintura e à escultura. Pela primeira vez a Antiguidade era
compreendida como um todo unificado e não como uma sequência de eventos
isolados, levando a arte a descartar a simples imitação decorativa do antigo e
troca de uma emulação mais completa, mais essencial e também mais erudita.
Porém esse classicismo, embora maduro e rico, conseguindo plasmar obras de
grande pujança, comparáveis à arte antiga, tinha forte carga formalista,
espelhando o código de ética artificial, cosmopolita e abstrato que se impunha
entre os círculos ilustrados e que prescrevia a moderação, autocontrole,
dignidade e polidez em tudo, e que teve na pintura de Rafael e na música de Palestrina
seus mais perfeitos representantes artísticos, e no livro O Cortesão de
Baldassare Castiglione sua súmula teórica. O idealismo que foi intensamente
cultivado na Antigüidade Clássica encontrava uma atualização e, segundo Hauser,
"De acordo
com os pressupostos desta arte, pareceria inconcebível, por exemplo, que os
apóstolos fossem representados como camponeses vulgares e artesãos comuns, como
o eram tão frequentemente e com tanto sabor, no século XV. Para esta arte nova,
os profetas, apóstolos, mártires e santos são personalidades ideais, livres,
grandes, poderosas e dignificadas, graves e solenes, uma raça heróica, no pleno
florescimento de uma beleza madura e enternecedora. Na obra de Leonardo
encontramos ainda tipos da vida comum, ao lado destas nobres figuras, mas
gradualmente nada que não seja grande e sublime parece digno de representação
artística".
Apesar desse código de ética, era uma sociedade agitada por
mudanças políticas, sociais e religiosas importantes em que a liberdade anterior
desapareceu, e o autoritarismo e a dissimulação se ocultavam por trás das
normas de boa educação e da disciplina, como se lê em O Príncipe, de Maquiavel,
um manual de governo que dizia que "não existem boas leis sem boas
armas", não distinguindo poder de autoridade e legitimando o uso da força
para controle do cidadão, livro que foi uma referência fundamental do
pensamento político renascentista em sua fase final e uma inspiração decisiva
para a construção do Estado moderno. Assim, a grande diferença de mentalidade
entre o Quattrocento e o Cinquecento é que enquanto naquele a forma é um fim,
neste é um começo; enquanto naquele a natureza fornecia os padrões que a arte
imitava, neste a sociedade precisará da arte para provar que existem tais
padrões. Rafael resumiu os opostos em seu famoso afresco A Escola de Atenas,
uma das mais importantes pinturas da Alta Renascença, realizada na primeira
década do Cinquecento, que ressuscitou o diálogo filosófico entre Platão e
Aristóteles, ou seja, entre o idealismo e o empirismo.[29] Nesse período se
observou o paulatino deslocamento do maior centro cultural renascentista de
Florença para Roma, com a proteção do papado e o crescente afluxo de artistas
de outras partes.
O
Cinquecento e o maneirismo italiano
O Cinquecento (século XVI) é a derradeira fase da Renascença,
quando o movimento se transforma, se expande para outras partes da Europa e
Roma sobrepuja definitivamente Florença como centro cultural, especialmente a
partir do pontificado de Júlio II. Roma até então não havia produzido grandes
artistas renascentistas, e o classicismo havia sido plantado através da
presença temporária de artistas de outras partes. Mas com a fixação na cidade
de mestres do porte de Rafael, Michelangelo e Bramante formou-se uma escola
local, tornando a cidade o mais rico repositório da arte da Alta Renascença e
da sua continuação cinquecentesca, onde a política cultural do papado deu uma
feição característica a toda esta fase. Boa parte dessa nova influência romana
derivou do desejo de reconstituir a grandeza e a virtude cívica da Roma Antiga,
o que se refletiu na intensificação do mecenato e na recriação de práticas
sociais e simbólicas que imitavam as da Antiguidade, como os grandes cortejos
de triunfo, as festas públicas suntuosas, as representações plásticas e
teatrais grandiloquentes, cheias de figuras históricas, mitológicas e
alegóricas.
Na sequência do saque de Roma de 1527 e da contestação da
autoridade papal pelos Protestantes o equilíbrio político do continente se
alterou e sua estrutura sociocultural foi abalada, com consequências negativas
principalmente para a Itália, que além de tudo deixava de ser o centro
comercial da Europa enquanto novas rotas de comércio eram abertas pelas grandes
navegações. Todo o panorama mudava de figura, declinando a influência católica,
perdendo-se a unidade cultural e artística recém conquistada na Alta Renascença
e surgindo sentimentos de pessimismo, insegurança e alheação que caracterizam a
atmosfera do maneirismo. Apareceram escolas regionais nitidamente diferenciadas
em Roma, Florença, Ferrara, Nápoles, Milão, Veneza, e o Renascimento se
espalhou então definitivamente por toda a Europa, dando frutos em especial na
França, Espanha e Alemanha, tingidos pelos históricos locais específicos. A arte
de longevos como Michelangelo e Ticiano registrou em grande estilo a transição
de uma era de certezas e clareza para outra de dúvidas e drama que viu aparecer
a Contrarreforma e se dirigia para o Barroco do século XVII.
Um dos impactos mais importantes da Reforma Protestante sobre
a arte renascentista foi a condenação das imagens sagradas, o que despovoou os
templos do norte de representações pictóricas e escultóricas de santos e
personagens divinos, e muitas obras de arte foram destruídas em ondas de fúria
iconoclasta. Com isso as artes representativas sob influência reformista se
voltaram para os personagens profanos e a natureza. O papado, porém, logo
percebeu que a arte podia ser uma arma eficiente contra os protestantes,
auxiliando em uma evangelização mais ampla e mais sedutora para as grandes
massas do povo, e durante a Contrarreforma foram sistematizados uma nova série
de preceitos baseados na teologia contrarreformista, que determinavam em
detalhe como o artista deveria criar sua obra de tema religioso. Mas assim, se
por um lado a Contrarreforma deu origem a mais encomendas de arte sacra pela
Igreja Católica, a antiga liberdade de expressão artística que se verificara em
fases anteriores desapareceu, uma liberdade que permitira a Michelangelo decorar
seu enorme painel do Juízo Final, pintado no coração do Vaticano, com uma
multidão de corpos nus de grande sensualidade, ainda que o campo profano
permanecesse pouco afetado pelas novas regras, que eram bastante dogmáticas e
moralistas. Apesar disso, as aquisições intelectuais e artísticas da Alta
Renascença que ainda estavam frescas e resplandeciam diante dos olhos não
poderiam ser esquecidas de pronto, mesmo que seu substrato filosófico já não
pudesse permanecer válido diante dos novos fatos políticos, religiosos e
sociais. A nova arte que se fez, ainda que inspirada na fonte do classicismo, o
traduziu em formas inquietas, ansiosas, distorcidas, agitadas, ambivalentes,
apegadas a preciosismos intelectualistas, características que refletiam os
dilemas do século.
O maneirismo, que cobre os dois terços finais do século XVI e
depois se confunde com o Barroco, foi um movimento que tem gerado
historicamente muito debate entre os historiadores da arte. Depois do século
XVII ele passou a ser encarado com desprezo, como uma degeneração mórbida e
afetada dos ideais clássicos autênticos. Nos dias de hoje, porém, essa visão já
não permanece, tendo sido revisada através de duas vertentes da crítica. Para
uns ele se manifestou em uma área geográfica tão vasta e de maneira tão
polimorfa e tão distinta do Quattrocento e da Alta Renascença, que se tornou um
dilema inconciliável descrevê-lo como parte do fenômeno original, basicamente
classicista e italiano, pois parece-lhes que em muitos sentidos ele constitui
uma completa antítese dos princípios clássicos de proporção equilibrada,
unidade formal, clareza, lógica e naturalismo, tão prezados pelas fases
anteriores e que definiriam o "verdadeiro" Renascimento. A
consequência foi estabelecer o maneirismo como um movimento independente,
reconhecendo uma nova e vigorosa forma de expressão no que se chegou a ver como
decadência e distorção, tendo sua importância realçada por esses traços fazerem
dele a primeira escola moderna de arte. A outra vertente crítica, contudo, o
analisa como um aprofundamento e um enriquecimento dos pressupostos clássicos e
como uma legítima conclusão do ciclo do Renascimento; não tanto uma negação ou
desvirtuamento daqueles princípios, mas uma reflexão sobre sua aplicabilidade
prática naquele momento histórico e uma adaptação - às vezes dolorosa mas em
geral criativa e bem sucedida - às circunstâncias da época.
As artes no
Renascimento
Nas artes o Renascimento se caracterizou, em linhas muito
gerais, pela inspiração nos antigos gregos e romanos, e pela concepção de arte
como uma imitação da natureza, tendo o homem nesse panorama um lugar
privilegiado. Mas mais do que uma imitação, a natureza devia, a fim de ser bem
representada, passar por uma tradução que a organizava sob uma óptica racional
e matemática, num período marcado por uma matematização de todos os fenômenos
naturais. Na pintura a maior conquista da busca por esse "naturalismo
organizado" foi a recuperação da perspectiva, representando a paisagem, as
arquiteturas e o ser humano através de relações essencialmente geométricas e
criando uma eficiente impressão de espaço tridimensional; na música foi a
consolidação do sistema tonal, possibilitando uma ilustração mais convincente
das emoções e do movimento; na arquitetura foi a redução das construções para
uma dimensão mais humana, abandonando-se as alturas transcendentais das
catedrais góticas; na literatura, a introdução de um personagem que estruturava
em torno de si a narrativa e mimetizava até onde possível a noção de sujeito.
Pintura
Sucintamente, a contribuição maior da pintura do Renascimento
foi sua nova maneira de representar a natureza, através de domínio tal sobre a
técnica pictórica e a perspectiva de ponto central, que foi capaz de criar uma
eficiente ilusão de espaço tridimensional em uma superfície plana. Tal
conquista significou um afastamento radical em relação ao sistema medieval de
representação, com sua estaticidade, seu espaço sem profundidade e seu sistema
de proporções simbólico - onde os personagens maiores tinham maior importância
numa escala que ia do homem até Deus - estabelecendo um novo parâmetro cujo
fundamento era matemático, no que se pode ver um reflexo da popularização dos
princípios filosóficos do racionalismo, antropocentrismo e do humanismo. A
linguagem visual formulada pelos pintores renascentistas foi tão bem sucedida
que permanece válida até hoje.
O cânone greco-romano de proporções voltava a determinar a
construção da figura humana; também voltava o cultivo do Belo tipicamente
clássico. A pintura renascentista é em essência linear; o desenho era agora
considerado o alicerce de todas as artes visuais e seu domínio, um
pré-requisito para todo artista. Para tanto, foi de grande utilidade o estudo
das esculturas e relevos da Antiguidade, que deram a base para o desenvolvimento
de um grande repertório de temas e de gestos e posturas do corpo. Na construção
da pintura, a linha convencionalmente constituía o elemento demonstrativo e
lógico, e a cor indicava os estados afetivos ou qualidades específicas. Outro
diferencial em relação à arte da Idade Média foi a introdução de maior
dinamismo nas cenas e gestos, e a descoberta do sombreado, ou claro-escuro,
como recurso plástico e mimético.
Giotto, atuando entre os séculos XIII e XIV, foi o maior
pintor da primeira Renascença italiana e o pioneiro dos naturalistas em
pintura. Sua obra revolucionária, em contraste com a produção de mestres do
gótico tardio como Cimabue e Duccio, causou forte impressão em seus
contemporâneos e dominaria toda a pintura italiana do Trecento, por sua lógica,
simplicidade, precisão e fidelidade à natureza. Ambrogio Lorenzetti e Taddeo
Gaddi continuaram a linha de Giotto sem inovar, embora em outros
características progressistas se mesclassem com elementos do gótico ainda
forte, como se vê na obra de Simone Martini e Orcagna. O estilo naturalista e
expressivo de Giotto, contudo, representava a vanguarda na visualidade desta
fase, e se difundiu para Siena, que por um tempo passou à frente de Florença
nos avanços artísticos. Dali se estendeu para o norte da Itália.
No Quattrocento as representações da figura humana adquiriram
solidez, majestade e poder, refletindo o sentimento de autoconfiança de uma
sociedade que se tornava muito rica e complexa, com vários níveis sociais, de
variada educação e referenciais, que dela participavam ativamente, formando um
painel multifacetado de tendências e influências. Mas, ao longo de quase todo o
século, a arte revelaria o embate entre os derradeiros ecos do gótico
espiritual e abstrato, exemplificado por Fra Angelico, Paolo Uccello, Benozzo
Gozzoli e Lorenzo Monaco, e as novas forças organizadoras, naturalistas e
racionais do classicismo, representadas por Botticelli, Pollaiuolo, Piero della
Francesca e Ghirlandaio. Nesse sentido, depois de Giotto, o próximo marco
evolutivo foi Masaccio, em cujas obras o homem tem um aspecto nitidamente
enobrecido e cuja presença visual é decididamente concreta, com eficiente uso
dos efeitos de volume e espaço tridimensional. Dele se disse que foi "o
primeiro que soube pintar homens que realmente tocavam seus pés na terra".
Junto com Florença, Veneza representa a vanguarda artística
européia no Quattrocento, dispondo de um grupo de artistas ilustres, como
Jacopo Bellini, Giovanni Bellini, Vittore Carpaccio, Mauro Codussi e Antonello
da Messina. Siena, que já fizera parte da vanguarda em anos anteriores, agora
hesitava entre o apelo espiritual do gótico e o fascínio profano do
classicismo, e perdia ímpeto. Enquanto isso também outras regiões do norte da
Itália começavam a conhecer o classicismo, através de Perugino em Perugia;
Francesco Laurana em Urbino; Pinturicchio, Masaccio, Melozzo da Forli, e
Giuliano da Sangallo em Roma, e Mantegna em Pádua e Mântua. Também deve-se
lembrar a influência renovadora sobre os pintores italianos da técnica da
pintura a óleo, que no Quattrocento estava sendo desenvolvida nos Países Baixos
e atingira elevado nível de refinamento, possibilitando a criação de imagens
muito mais precisas e nítidas e com um sombreado muito mais sutil do que o que
era conseguido com o afresco, a encáustica e a têmpera. As telas flamengas eram
muitíssimo apreciadas na Itália exatamente por essas qualidades, e uma grande
quantidade delas foi importada, copiada ou emulada pelos italianos.
Mais adiante, na Alta Renascença, com Leonardo da Vinci, a
técnica do óleo se refinou e penetrou no terreno do sugestivo, ao mesmo tempo
em que aliava fortemente arte e ciência. Com Rafael o sistema classicista de
representação visual chegou a um apogeu, e se revelou a doçura, a grandeza solene
e a perfeita harmonia. Mas essa fase, de grande equilíbrio formal, não durou
muito, logo seria transformada profundamente, dando lugar ao Maneirismo. Aqui
Michelangelo, coroando o processo de exaltação do homem, levou-o a uma nova
dimensão, a do sobre-humano, abrindo-lhe também as portas do trágico e do
patético. Com os maneiristas toda a noção de espaço foi então alterada, a
perspectiva se fragmentou em múltiplos pontos de vista, e as proporções da
figura humana foram distorcias com finalidades expressivas ou meramente
estéticas, formulando-se uma linguagem visual mais dinâmica, vibrátil,
subjetiva, dramática e sofisticada. Pontormo, Paolo Veronese, Giulio Romano,
Tintoretto, Bronzino, e Michelangelo em sua fase madura foram exemplos típicos
do Maneirismo plenamente manifesto. Giorgio Vasari, um pintor e arquiteto
maneirista de mérito secundário, também deve ser lembrado por sua importância
como biógrafo e historiador da arte, um dos primeiros a reconhecer todo o ciclo
renascentista como uma fase de renovação cultural e o primeiro a usar o termo
"Renascimento" na bibliografia, em sua enciclopédica Le Vite de' più
Eccellenti Pittori, Scultori e Architettori, uma das fontes primárias para o
estudo da vida e obra de muitos artistas do período.
Escultura
Na escultura os sinais de uma revalorização de uma estética
classicista são mais antigos, datando do século XIII. Nicola Pisano em torno de
1260 produziu um púlpito para o Batistério de Pisa que é considerado a
manifestação precursora da Renascença em escultura. Na passagem do século XIII
para o século XIV seu filho Giovanni Pisano levaria seu estilo mais longe e
dominaria a cena em Florença no primeiro terço do século, e seria um dos
introdutores de um gênero novo, o dos cruxifixi dolorosi, de grande dramaticidade
e larga influência, até então incomum na Toscana. Seu talento versátil daria
origem a outras obras de suma elegância e austeridade, de linhas limpas e
puras, como o retrato de Enrico Scrovegni. Suas Madonnas, relevos e o púlpito
da Catedral de Pisa são, por outro lado, muito mais movimentados e graciosos,
com elementos góticos mesclados a um novo senso de proporção e espaço que
infere seu estudo dos clássicos. Contemporâneos como Tino di Camaino seguem
aproximadamente a mesma linha de trabalho, num cruzamento de correntes que seria
típico de todo o Trecento. Em meados do século Andrea Pisano se tornaria um dos
escultores mais importantes da Itália, autor dos relevos da porta sul do
Batistério de Florença e sendo nomeado arquiteto da Catedral de Orvieto. Foi
mestre de Orcagna, cujo tabernáculo em Orsanmichele é uma das obras-primas do
período, e de Giovanni di Balducci, autor de um requintado e complexo monumento
funerário na Capela Portinari de Milão.
Apesar dos avanços dos mestres citados acima, sua obra ainda
reflete o embate entre as tendências antigas e modernas, e elementos góticos
ainda são nitidamente visíveis em todos eles. Para o fim do Trecento surge em
Florença a figura de Lorenzo Ghiberti, autor de relevos no Batistério de São
João, onde os modelos clássicos são recuperados por completo. Logo em seguida
Donatello conduz os avanços em várias frentes. Nas suas obras principais
figuram as estátuas de profetas do Antigo Testamento. Deles talvez o Habacuc
seja a mais impressionante, uma imagem cujo porte lembra fortemente um romano
com sua toga, quase extraído diretamente da retratística da Roma republicana.
Ousou ao modelar a primeira figura de nu de grandes dimensões em volume
completo desde a antiguidade, o David de 1430. Também inovou na estatuária
equestre, criando o monumento a Gattamelata, a mais importante obra em seu
gênero desde o Marco Aurélio romano do Capitólio. Por fim, sua descarnada
Madalena penitente, em madeira, de 1453, é uma imagem de dor, austeridade e
transfiguração que não teve paralelos em sua época, reintroduzindo um pungente
senso de drama e realidade na estatuária que só se viu no helenismo.
Na geração seguinte, Verrocchio se destaca pela teatralidade
e dinamismo das composições. Seu Cristo e São Tomé tem grande realismo e poesia.
Compôs um Jovem com um golfinho para a fonte de Netuno em Florença que é o
protótipo da figura serpentinata, que seria o modelo formal mais prestigiado
pelo maneirismo e barroco. Sua obra maior, o monumento equestre a Bartolommeo
Colleoni é uma expresão de poder e força mais impressionante que o Gattamelata.
Desiderio da Settignano e Antonio Rosselino também merecem lembrança. Florença
continuou o centro da evolução até o aparecimento de Michelangelo, que
trabalhou em Roma para os papas - e também em Florença para os Medici - e foi o
maior nome da escultura desde a Alta Renascença até meados do Cinquecento. Sua
obra passou do classicismo puro do David, do Baco, e chegou ao maneirismo,
expresso em obras veementes como os Escravos, o Moisés, e os nus da Capela dos
Médici em Florença. Artistas como Baccio Bandinelli, Agostino di Duccio e
Tullio Lombardo também deixaram obras de grande maestria, como o Adão deste
último. Encerram o ciclo renascentista Giambologna, Francesco da Sangallo,
Jacopo Sansovino e Benvenuto Cellini, com um estilo de grande dinamismo e
expressividade, tipificado no Rapto das Sabinas, de Giambologna. Artistas
importantes em outros países da Europa já iniciavam a trabalhar em linhas
claramente italianas, como Adriaen de Vries no norte e Germain Pilon na França,
espalhando o gosto italiano por uma grande área geográfica e dando origem a
várias formulações sincréticas com escolas regionais.
Música
Em linhas gerais, a música do Renascimento não oferece um
panorama de quebras abruptas de continuidade, e todo o longo período pode ser
considerado o terreno da lenta transformação do universo modal para o tonal, e
da polifonia horizontal para a harmonia vertical. O Renascimento foi também um
período de grande renovação no tratamento da voz e na orquestração, no
instrumental e na consolidação dos gêneros e formas puramente instrumentais com
as suítes de danças para bailes, havendo grande demanda por animação musical em
todo festejo ou cerimônia, público ou privado.
Na técnica compositiva a polifonia melismática dos órganons,
derivada diretamente do canto gregoriano, é abandonada em favor de uma escrita
mais enxuta, com vozes tratadas de maneira cada vez mais equilibrada. No início
do período o movimento paralelo é usado com moderação, acidentes são raros mas
as dissonâncias duras são comuns. Mais adiante a escrita a três vozes começa a
apresentar tríades, dando uma impressão de tonalidade. Tenta-se pela primeira
vez escrever música descritiva ou programática, os rígidos modos rítmicos cedem
lugar à isorritmia e a formas mais livres e dinâmicas como a balada, a chanson
e o madrigal. Na música sacra a forma da missa se torna a mais prestigiada. A
notação evolui para adoção de notas de menor valor, e mais para o final do
período passa a ser aceito o intervalo de terça como consonância, quando antes
apenas a quinta, a oitava e o uníssono o eram.
Os precursores desta transformação não foram italianos, mas
franceses como Guillaume de Machaut, autor da maior realização musical do
Trecento em toda Europa, a Missa de Notre Dame, e Philippe de Vitry, muito
elogiado por Petrarca. Da música italiana dessa fase inicial muito pouco chegou
a nós, embora se saiba que a atividade era intensa e quase toda no terreno
profano, sendo as principais fontes de partituras o Codex Rossi, o Codex
Squarcialupi e o Codex Panciatichi. Entre seus representantes estão Matteo da
Perugia, Donato da Cascia, Johannes Ciconia e sobretudo Francesco Landini.
Somente no Cinquecento a música italiana começou a desenvolver características
próprias e originais, sendo até então muito dependente da escola
franco-flamenga.
O predomínio de influências do norte não significa que o
interesse italiano pela música fosse pequeno. Na ausência de exemplos musicais
da Antiguidade para serem emulados, filósofos italianos como Ficino se voltaram
para textos clássicos de Platão e Aristóteles em busca de referências para que
se pudesse criar uma música digna dos antigos. Nesse processo um significativo
papel foi desempenhado por Lorenzo de' Medici em Florença, que fundou uma
academia musical e atraiu diversos músicos europeus, e por Isabella d'Este,
cuja pequena mas brilhante corte em Mântua atraiu poetas que escreviam em
italiano poemas simples para serem musicados, e lá a récita de poesia, assim
como em outros centros italianos, era geralmente acompanhada de música. O
gênero preferido era a frottola, que já mostrava uma estrutura harmônica tonal
bem definida e contribuiria para renovar o madrigal, com sua típica fidelidade
ao texto e aos afetos. Outros gêneros polifônicos como a missa e o moteto fazem
a esta altura pleno uso da imitação entre as vozes e todas são tratadas de um
modo semelhante. Compositores flamengos importantes trabalham na Itália, como
Adriaen Willaert e Jacob Arcadelt, mas as figuras mais célebres do século são
Giovanni da Palestrina, italiano, e Orlande de Lassus, flamengo, que
estabelecem um padrão de para a música coral que seria seguido em todo o
continente, com uma escrita melodiosa e rica, de grande equilíbrio formal e
nobre expressividade, preservando a inteligibilidade do texto, aspecto que no
período anterior muitas vezes era secundário e se perdia na intrincada
complexidade do contraponto. A impressão de sua música se equipara à grandeza
idealista da Alta Renascença, florescendo em uma fase em que o maneirismo já se
manifestava com força em outras artes como a pintura e escultura. No final do
século aparecem três grandes figuras, Carlo Gesualdo, Giovanni Gabrieli e
Claudio Monteverdi, que introduziriam avanços na harmonia e um senso de cor e
timbre que enriqueceriam a música dando-lhe uma expressividade e dramatismo
maneiristas e a preparariam para o Barroco. Monteverdi em especial é importante
por ser o primeiro grande operista da história, e suas óperas L'Orfeo (1607) e
L'Arianna (1608, perdida, só resta uma famosa ária, o Lamento) representam o
nobre ocaso da música renascentista e os primeiros grandes marcos do barroco
musical
Arquitetura
A permanência de muitos vestígios da Roma antiga em solo
italiano jamais deixou de influir na plástica edificatória local, seja na
utilização de elementos estruturais ou materiais usados pelos romanos, seja
mantendo viva a memória das formas clássicas. Mesmo assim, no Trecento o gótico
continua a linha dominante e o classicismo só viria a emergir com força no
século seguinte, em meio a um novo interesse pelas grandes realizações do
passado. Esse interesse foi estimulado pela redescoberta de bibliografia
clássica dada como perdida, como o De Architectura de Vitrúvio, encontrado na
biblioteca da Abadia do Monte Cassino em 1414 ou 1415. Nele o autor exaltava o
círculo como forma perfeita, e elaborava sobre proporções ideais da edificação
e da figura humana, e sobre simetria e relações da arquitetura com o homem.
Suas ideias seriam então desenvolvidas por outros arquitetos, como o primeiro
grande expoente do classicismo arquitetônico, Filippo Brunelleschi, que tirou
sua inspiração também das ruínas que estudara em Roma. Foi o primeiro a usar
modernamente as ordens arquitetônicas de maneira coerente, instaurando um novo
sistema de proporções baseado na escala humana. Também se deve a ele o uso
precursor da perspectiva para representação ilusionística do espaço
tridimensional em um plano bidimensional, uma técnica que seria aprofundada
enormemente nos séculos vindouros e definiria todo o estilo da arte futura,
inaugurando uma fertilíssima associação entre a arte e a ciência. Leon Battista
Alberti é outro arquiteto de grande importância, considerado um perfeito
exemplo do "homem universal" renascentista, versátil em várias
especialidades. Foi o autor do tratado De re aedificatoria, que se tornaria
canônico. Outros arquitetos, artistas e filósofos acrescentaram à discussão,
como Luca Pacioli em seu De Divina Proportione, Leonardo com seus desenhos de igrejas
centradas e Francesco di Giorgio com o Trattato di architettura, ingegneria e
arte militare.
Dentre as características mais notáveis da arquitetura
renascentista está a retomada do modelo centralizado de templo, desenhado sobre
uma cruz grega e coroado por uma cúpula, espelhando a popularização de
conceitos da cosmologia neoplatônica e com a inspiração concomitante de
edifícios-relíquias como o Panteão de Roma. O primeiro desse gênero a ser
edificado na Renascença foi talvez San Sebastiano, em Mântua, obra de Alberti
de 1460, mas deixado inconcluso. Este modelo tinha como base uma escala mais
humana, abandonando o intenso verticalismo das igrejas góticas e tendo na
cúpula o coroamento de uma composição que primava pela inteligibilidade.
Especialmente no que toca à estrutura e técnicas construtivas da cúpula,
grandes conquistas foram feitas no Renascimento. Das mais importantes são a
cúpula octogonal da Catedral de Florença, de Brunelleschi, que não usou
andaimes apoiados no solo ou concreto na construção, e a da Basílica de São
Pedro, em Roma, de Michelangelo, já do século XVI.
No lado profano aristocratas como os Medici, os Strozzi, os
Pazzi, asseguram seu status ordenando a construção de palácios de grande
imponência e originalidade, como o Palácio Pitti (Brunelleschi), o Palazzo
Medici Riccardi (Michelozzo), o Palazzo Rucellai (Alberti) e o Palazzo Strozzi
(Maiano), todos transformando o mesmo modelo dos palácios medievais italianos,
de corpo mais ou menos cúbico, pavimentos de alto pé-direito, estruturado em
torno de um pátio interno, de fachada rústica e coroado por grande cornija, o
que lhes confere um aspecto de solidez e invencibilidade. Formas mais puramente
clássicas são exemplificadas na Vila Medici, de Giuliano da Sangallo. Variações
interessantes deste modelo são encontradas em Veneza, dadas as características
alagadas do terreno.
Depois da figura principal de Donato Bramante na Alta
Renascença, trazendo o centro do interesse arquitetônico de Florença para Roma,
e sendo o autor de um dos edifícios sacros mais modelares de sua geração, o
Tempietto, encontramos o próprio Michelangelo, tido como o inventor da ordem
colossal e por algum tempo arquiteto das obras da Basílica de São Pedro.
Michelangelo, na visão dos seus próprios contemporâneos, foi o primeiro a
desafiar as regras até então consagradas da arquitetura classicista,
desenvolvendo um estilo pessoal, pois fora segundo Vasari o primeiro a abrir-se
para a verdadeira liberdade criativa. Ele representa, então, o fim do
"classicismo coletivo", bastante homogêneo em suas soluções, e o
início de uma fase de individualização e multiplicação das linguagens
arquitetônicas. Ele abriu caminho, pelo imenso prestígio que desfrutava entre
os seus, para que a nova geração de criadores realizasse um sem-número de
experimentações a partir do cânone clássico de arquitetura, tornando esta arte
independente dos antigos - ainda que largamente devedora deles. Alguns dos mais
notáveis nomes desta época foram Della Porta, Sansovino, Palladio, Fontana,
Peruzzi e Vignola. Entre as modificações que esse grupo introduziu estavam a
flexibilização da estrutura do frontispício e a anulação das hierarquias das
ordens antigas, com grande liberdade para o emprego de soluções não ortodoxas e
o desenvolvimento do gosto por um jogo puramente plástico com as formas, dando
muito mais dinamismo aos espaços internos e às fachadas. De todos os
derradeiros renascentistas Palladio foi o mais influente, e ainda hoje é o
arquiteto mais estudado em todo o mundo. Foi criador de uma fértil escola,
chamada palladianismo, que perdurou, com altos e baixos, até
A
italianização da Europa
Com o crescente movimento de artistas, humanistas e
professores entre as cidades ao norte dos Alpes e a península Itálica, e com a
grande circulação de textos impressos e obras de arte através de reproduções em
gravura, o classicismo iniciou em meados do século XV uma etapa de difusão por
todo o continente. Mas foram Francisco I da França e Carlos V, Sacro Imperador
Romano, que logo reconheceram o potencial da Renascença italiana para promover
suas imagens régias através de formas clássicas, os agentes decisivos para a
divulgação intensiva da arte italiana além dos Alpes. Mas isso aconteceu apenas
por volta do início do século XVI, quando o ciclo renascentista já tinha pelo
menos duzentos anos de amadurecimento na Itália, já chegara a uma culminação e
já estava em sua fase maneirista. Destarte, cabe advertir que não houve nada
como um Quattrocento ou uma Alta Renascença no restante da Europa, pois nela
não houve um lento e orgânico processo de classicização como o italiano, foi em
muito um resultado de eventos políticos que ocorreram em um curto espaço de
tempo, mas que tiveram repercussão continental. Como resultado, como se se
abrissem de repente as comportas de uma represa, o vasto derrame de cultura
italiana para o norte e o oeste depois das invasões na Itália gerou em cada
região ou país uma original mescla de raízes locais góticas com o classicismo
italiano tardio.
França
A influência renascentista via Flandres e a Borgonha já
existia desde o século XV, como se nota na produção de Jean Fouquet, mas a
Guerra dos Cem Anos e as epidemias de peste atrasaram seu florescimento, que
ocorre somente a partir da invasão francesa da Itália por Carlos VIII em 1494.
O período se estende até cerca de 1610, mas seu final é tumultuado com as
guerras de religião entre católicos e huguenotes, que devastaram e
enfraqueceram o país. Durante sua vigência a França inicia o desenvolvimento do
absolutismo e se expande pelo mar explorando a América. O centro focal se
estabelece em Fontainebleau, sede da corte, e ali se forma a Escola de
Fontainebleau, integrada por franceses e italianos como Rosso, Primaticcio,
Dell'Abbate e Toussaint Dubreuil, sendo uma referência para outros como
François Clouet, Jean Clouet, Jean Goujon, Germain Pilon e Pierre Lescot.
Leonardo também esteve presente ali.
Na música houve um enorme florescimento através da Escola da
Borgonha, que dominou a cena musical européia durante o século XV e daria
origem à Escola franco-flamenga, que produziria mestres como Josquin des Prez,
Clément Janequin e Claude Le Jeune. A chanson francesa do século XVI teria um
papel na formação da canzona italiana, e sua Musique mesurée estabeleceria um
padrão de escrita vocal declamatória na tentativa de recriação da música do
teatro grego, e favoreceria a evolução para a plena tonalidade. Também apareceu
um gênero de música sacra distinto de seus modelos italianos, conhecido como
chanson spirituelle. Na arquitetura foram deixados monumentos ímpares como o
Castelo de Chambord e o Château d'Amboise. Na literatura se destacam Rabelais,
um precursor do gênero fantástico, Montaigne, popularizador do gênero ensaio
onde é até hoje um dos maiores nomes, e o grupo integrante da Plêiade, com Pierre
de Ronsard, Joachim du Bellay e Jean-Antoine de Baïf, que buscavam um
atualização vernácula da literatura greco-romana, a emulação de formas
específicas e a criação de neologismos baseados no latim e no grego.
Países
Baixos e Alemanha
Os flamengos estavam em contato com a Itália desde o século
XV, mas somente no século XVI o contexto se transforma e se caracteriza como
renascentista, tendo uma vida relativamente curta. Nesta fase a região
enriquece, a Reforma Protestante se torna uma força decisiva, oposta à
dominação católica de Carlos V, levando a conflitos sérios que dividiriam a
área. As cidades comerciais de Bruxelas, Gante e Bruges estreitam os contatos
com o norte da Itália e encomendam obras ou atraem artistas italianos, como os
arquitetos Tommaso Vincidor e Alessandro Pasqualini, que passaram a maior parte
de suas vida ali. O amor pela gravura trouxe para a região inúmeras reproduções
de obras italianas, Dürer deixou uma marca indelével quando passou por lá,
Erasmo mantinha aceso o Humanismo e Rafael mandava executar tapeçarias em
Bruxelas. Vesálio faz avanços importantes na Anatomia, Mercator na Cartografia
e a nova imprensa encontra em Antuérpia e Leuven condições para a fundação de
editoras de larga influência.
Na música os Países Baixos, junto com o noroeste da França,
se tornam o centro principal para toda a Europa através da Escola
franco-flamenga. A pintura desenvolve uma escola original, que popularizou a
pintura a óleo e dava enorme atenção ao detalhe e à linha, mantendo-se muito fiel
à temática sacra e incorporando sua tradição gótica às inovações maneiristas
italianas. Teve em Jan van Eyck, Rogier van der Weyden e Hieronymus Bosch seus
precursores no século XV, e logo a região daria sua contribuição própria à arte
européia consolidando o paisagismo através de Joachim Patinir e a pintura de
gênero com Pieter Brueghel o velho e Pieter Aertsen. Outros nomes notáveis são
Mabuse, Maarten van Heemskerck, Quentin Matsys, Lucas van Leyden, Frans Floris,
Adriaen Isenbrandt e Joos van Cleve.
A Alemanha impulsionou seu Renascimento fundindo seu rico
passado gótico com os elementos italianos e flamengos. Um de seus primeiros
mestres foi Konrad Witz, seguindo-se Albrecht Altdorfer e Albrecht Dürer, que
esteve em Veneza duas vezes e foi lá profundamente influenciado, lamentando ter
de voltar para o norte. Junto com o erudito Johann Reuchlin, Dürer foi uma das
maiores influências para disseminação do Renascimento no centro da Europa e
também nos Países Baixos, onde suas célebres gravuras foram altamente elogiadas
por Erasmo, que o chamou de "o Apeles das linhas negras". A escola
romana foi um elemento importante para a formação do estilo de Hans Burgkmair e
Hans Holbein, ambos de Augsburgo, visitada por Ticiano.[8][54] Na música basta
a menção a Orlande de Lassus, um integrante da Escola franco-flamenga radicado
em Munique que se tornaria o compositor mais célebre da Europa em sua geração,
a ponto de ser nobilitado pelo imperador Maximiliano II e tornado cavaleiro
pelo papa Gregório XIII, algo extremamente raro para um músico.
Portugal
A influência do Renascimento em Portugal estende-se de meados
do século XV a finais do século XVI. Embora o Renascimento italiano tenha tido
um impacto modesto na arte, os portugueses foram influentes no alargamento da
visão do mundo dos europeus, estimulando a curiosidade humanista.
Como pioneiro da exploração europeia, Portugal floresceu no
final do século XV com as navegações para o oriente, auferindo lucros imensos
que fizeram crescer a burguesia comercial e enriquecer a nobreza, permitindo
luxos e o cultivar do espírito. O contacto com o Renascimento chegou através da
influência de ricos mercadores italianos e flamengos que investiam no comércio
marítimo. O contato comercial com a França, Espanha e Inglaterra era assíduo, e
o intercâmbio cultural se intensificou.
Como principal potência naval, atraiu especialistas em
matemática, astronomia e tecnologia naval, como Pedro Nunes e Abraão Zacuto; os
cartógrafos Pedro Reinel, Lopo Homem, Estevão Gomes e Diogo Ribeiro, que
fizeram avanços cruciais para mapear o mundo. E enviados ao oriente, como o
boticário Tomé Pires e o médico Garcia de Orta, recolheram e publicaram
trabalhos sobre as novas plantas e medicamentos locais.
Na arquitetura, os lucros do comércio de especiarias das
primeiras décadas do século XVI financiaram um estilo sumptuoso de transição,
que mescla elementos marinhos com o gótico, o manuelino.[56] O Mosteiro dos
Jerônimos, a Torre de Belém e a janela do Capítulo do Convento de Cristo, em
Tomar são os mais conhecidos, Diogo Boitaca e Francisco de Arruda os
arquitectos. Na pintura destacam-se Nuno Gonçalves, Gregório Lopes e Vasco
Fernandes. Na música, Pedro de Escobar e Duarte Lobo, além de quatro
cancioneiros, entre os quais o Cancioneiro de Elvas e o Cancioneiro de Paris.
Na literatura Sá de Miranda introduziu as formas de verso
italianas; Garcia de Resende compilou o Cancioneiro Geral em 1516 e Bernardim
Ribeiro foi pioneiro no bucolismo. Gil Vicente fundiu-os com a cultura popular,
relatando a mudança dos tempos e Luís de Camões inscreveu os feitos dos
portugueses no poema épico Os Lusíadas. Em especial a literatura de viagem
floresceu: João de Barros, Castanheda, António Galvão, Gaspar Correia, Duarte
Barbosa, Fernão Mendes Pinto, entre outros, descreveram novas terras e foram
traduzidos e divulgados pela nova imprensa. Após participar na exploração
portuguesa do Brasil, em 1500, Amerigo Vespucci, agente dos Medici, cunhou o
termo Novo Mundo.
O intenso intercâmbio internacional produziu vários
estudiosos humanistas e cosmopolitas: Francisco de Holanda, André de Resende e
Damião de Góis, amigo de Erasmus, que escreveu com independência rara no
reinado de D. Manuel I; Diogo e André de Gouveia, que fizeram importantes
reformas no ensino via França. Relatos e produtos exóticos na Feitoria
Portuguesa de Antuérpia, atrairam o interesse de Thomas More e Durer para o
mundo mais vasto.[57] Em Antuérpia, os lucros e conhecimento portugueses
ajudaram a alimentar o renascimento holandês e a Idade de Ouro dos Países
Baixos, especialmente após a chegada da comunidade judaica culta e rica expulsa
de Portugal.
Espanha
Na Espanha, as circunstâncias foram em vários pontos
semelhantes. A reconquista do território espanhol aos árabes e o fantástico
afluxo de riquezas das colônias americanas, com o intenso intercâmbio comercial
e cultural associado, sustentaram uma fase de expansão e enriquecimento sem
precedentes da arte local. Artistas como Alonso Berruguete, Diego de Siloé,
Tomás Luis de Vitoria, El Greco, Pedro Machuca, Juan Bautista de Toledo,
Cristóbal de Morales, Garcilaso de la Vega, Juan de Herrera, Miguel de
Cervantes e muitos mais deixaram obra notável em estilo clássico ou maneirista,
mais dramático do que seus modelos italianos, já que o espírito da
Contra-Reforma ali tinha um baluarte e, em escritores sacros como Teresa de
Ávila, Inácio de Loyola e João da Cruz, grandes representantes. Particularmente
na arquitetura a ornamentação luxuriante se torna típica do estilo que se
conhece como plateresco, uma síntese única de influências góticas, mouriscas e
renascentistas. A Universidade de Salamanca, cujo ensino tinha moldes
humanistas, mais a fixação de italianos como Pellegrino Tibaldi, Leone Leoni e
Pompeo Leoni injetaram uma força adicional no processo.
O último Renascimento chega a cruzar o oceano e se enraizar na
América e no oriente, onde ainda hoje sobrevivem muitos mosteiros e igrejas
fundados pelos colonizadores espanhóis em centros do México e do Peru, e pelos
portugueses no Brasil, em Macau e Goa, alguns deles hoje Patrimônio da
Humanidade.
Inglaterra
Na Inglaterra, o Renascimento coincide com a chamada Era
Elisabetana, de grande expansão marítima e de relativa estabilidade interna
depois da devastação da longa Guerra das Rosas, quando se tornou possível
pensar em cultura e arte. Como na maior parte dos outros países da Europa, a
herança gótica ainda viva mesclou-se com referências da Renascença tardia, mas
suas características distintivas são o predomínio da literatura e da música
sobre as outras artes, e sua vigência até cerca de 1620.
Poetas como John Donne
e John Milton pesquisam novas formas de compreender a fé cristã, e dramaturgos
como Shakespeare e Marlowe se movem com desenvoltura entre temas centrais da
vida humana - a traição, a transcendência, a honra, o amor, a morte - em
tragédias célebres como Romeu e Julieta, Macbeth, Otelo, o Mouro de Veneza
(Shakespeare), e Doutor Fausto (Marlowe), bem como sobre seus aspectos mais
prosaicos e ligeiros em fábulas encantadoras como Sonho de uma noite de verão
(Shakespeare). Filósofos como Francis Bacon descortinam novos limites para o
pensamento abstrato e refletem sobre uma sociedade ideal, e na música a escola
madrigalesca italiana é assimilada por Thomas Morley, Thomas Weelkes, Orlando
Gibbons e muitos outros, adquire um sabor inconfundivelmente local e cria uma
tradição que permanece viva até hoje, ao lado de grandes polifonistas sacros
como John Taverner, William Byrd e Thomas Tallis, este deixando o famoso moteto
Spem in alium, para quarenta vozes divididas em oito coros, uma composição sem
paralelos em sua época pela maestria no manejo de enormes massas vocais. Na
arquitetura se destacaram Robert Smythson e os palladianistas Richard Boyle,
Edward Lovett Pearce e Inigo Jones, cuja obra repercutiu até na América do
Norte, fazendo discípulos em George Berkeley, James Hoban, Peter Harrison e
Thomas Jefferson.[59] Na pintura o Renascimento foi recebido principalmente
através da Alemanha e dos Países Baixos, com a figura maior de Hans Holbein,
florescendo depois com William Segar, William Scrots, Nicholas Hilliard e
vários outros mestres da Escola Tudor.
Críticas
Boa parte do debate moderno em torno do Renascimento tem
procurado determinar se ele representou de fato uma melhoria em relação à Idade
Média. Seus primeiros comentadores, como Michelet e Burckhardt não hesitaram em
se posicionar favoravelmente e em considerá-lo uma fase decisiva em direção à
modernidade, comparando-o à remoção de um véu dos olhos da humanidade, permitindo-lhe
ver claramente.
Por outro lado, um grupo de historiadores modernos ressaltou
que muitos dos fatores sociais negativos comumente associados à Idade Média -
pobreza, perseguições religiosas e políticas - parecem ter piorado nesta era
que viu nascerem Maquiavel, as guerras de religião, a corrupção do papado e a
intensificação da caça às bruxas no século XVI. Muitas pessoas que viveram na
Renascença não a tinham como a "Idade Dourada" que os intelectuais do
século XIX imaginaram, mas estavam cientes dos graves problemas sociais e
morais, como Savonarola, que desencadeou um dramático revivalismo religioso no
fim do século XV que causou a destruição de inúmeras obras de arte e enfim o
levou à morte na fogueira, e Filipe II da Espanha, que censurou obras de arte
florentinas. Mesmo assim, os intelectuais, artistas e patronos da época que estavam
envolvidos na movimentação cultural realmente acreditavam que estavam
testemunhando uma nova era que constituía uma ruptura nítida com a idade
anterior.
Alguns historiadores marxistas preferiram descrever o
Renascimento em termos materialistas, sustentando que as mudanças em arte,
literatura e filosofia eram apenas uma parte da tendência geral de
distanciamento da sociedade feudalista em direção ao capitalismo, que resultou
no aparecimento de uma classe burguesa que dispunha de tempo para se devotar às
artes. Também se aventou que o recurso aos referenciais clássicos foi naquela
época muitas vezes um pretexto para a legitimação dos propósitos da elite, e a
inspiração na Roma republicana e principalmente na Roma imperial teria dado
margem à formação de um espírito de competitividade e mercenarismo que os
arrivistas usaram para sua escalada social tantas vezes inescrupulosa. Johan
Huizinga reconheceu a existência da Renascença mas questionou se ela
representou uma mudança positiva. Em seu livro The Waning of the Middle Ages
ele argumentou que o Renascimento foi um período de declínio em relação à Idade
Média, destruindo muitas coisas que eram importantes. Por exemplo, o latim
havia conseguido evoluir e manter-se bastante vivo até lá, mas a obsessão pela pureza
clássica interrompeu este processo natural e o fez reverter à sua forma
clássica. Robert Lopez declarou que a fase foi de grande recessão econômica,
enquanto que Eugenio Garin, Lynn Thorndike e vários outros consideram que
talvez o progresso científico realizado tenha sido na verdade bem menos original
do que se supõe. Desta forma, muitos historiadores começaram a pensar que o
termo Renascimento vinha sendo por demais sobrecarregado com uma apreciação
positiva, automaticamente desvalorizando a Idade Média, e propuseram o uso do
termo substituto "Primeira Modernidade", de caráter mais neutro e que
o estabelecia como uma passagem da Idade Média para Idade Moderna. Mas esses
próprios estudos foram objeto de controvérsia, levando a que se chamasse o
Renascimento de "a criança mais intratável da historiografia". Depois
do que hoje parece ter ido apenas uma fase de saudáveis questionamentos de
conceitos consagrados mas pouco aprofundados, o Renascimento vem sendo
reafirmado como um período de enorme importância na história da arte e da
cultura ocidental. A quantidade de estudos sobre o tema, que vem aumentando a
cada dia, seja a que conclusões tenha chegado, somente pelo seu volume
evidencia que o Renascimento é uma polêmica ainda muito viva, e que é rico o bastante
para continuar atraindo a atenção da crítica e do público ininterruptamente
desde sua fundação.
Legado
Mesmo com opiniões divergentes sobre aspectos particulares,
hoje parece ser um consenso que o Renascimento foi um período em que muitas
crenças arraigadas e tomadas como verdadeiras foram postas em discussão e
testadas através de métodos científicos de investigação, inaugurando uma fase
em que o predomínio da religião e seus dogmas deixou de ser absoluto e abriu
caminho para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia como hoje as
conhecemos. Os filósofos renascentistas foram buscar na Antiguidade precedentes
para defender o regime republicano e a liberdade humana, atualizando ideias que
tiveram um impacto na jurisprudência e teoria constitucional atuais, e o
pensamento político da época pode ter sido uma inspiração importante para a
formação de Estados modernos como a Inglaterra e o Estados Unidos.
No campo das artes visuais foram desenvolvidos recursos que
possibilitaram um salto imenso em relação à Idade Média em termos de capacidade
de representação do espaço, da natureza e do corpo humano, ressuscitando
técnicas que haviam sido perdidas desde a Antiguidade e criando outras inéditas
a partir dali. A linguagem arquitetônica dos palácios, igrejas e grandes
monumentos que foi estabelecida a partir da herança clássica ainda hoje
permanece válida e é empregada quando se deseja emprestar dignidade e
importância à edificação moderna. Na literatura as línguas vernáculas se
tornaram dignas de veicular cultura e conhecimento, e o estudo dos textos dos
filósofos greco-romanos disseminou máximas ainda hoje presentes na voz popular
e que incentivam valores elevados como o heroísmo, o espírito público e o
altruísmo, que são peças fundamentais para a construção de uma sociedade mais
justa e livre para todos. A reverência pelo passado clássico e pelos seus
melhores valores criou uma nova visão sobre a história e fundou a
historiografia moderna, e proveu as bases para a formação de um sistema de
ensino que na época se estendeu para além das elites e ainda hoje estrutura o
currículo escolar de grande parte do ocidente e sustenta sua ordem social e
seus sistemas de governo. Por fim, a fantástica produção artística
renascentista que sobrevive em tantos países da Europa continua a atrair
multidões de todas as partes do mundo e constitui parte significativa da
própria definição de cultura ocidental.
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