Barroco
Barroco é o nome dado ao estilo
artístico que floresceu entre o final do século XVI e meados do século XVIII,
inicialmente na Itália, difundindo-se em seguida pelos países católicos da
Europa e da América, antes de atingir, em uma forma modificada, as áreas
protestantes e alguns pontos do Oriente.
Considerado como o estilo correspondente
ao absolutismo e à Contrarreforma, distingue-se pelo esplendor exuberante. De
certo modo o Barroco foi uma continuação natural do Renascimento, porque ambos
os movimentos compartilharam de um profundo interesse pela arte da Antiguidade
clássica, embora interpretando-a diferentemente. Enquanto no Renascimento o
tratamento das temáticas enfatizava qualidades de moderação, economia formal,
austeridade, equilíbrio e harmonia, o tratamento barroco de temas idênticos
mostrava maior dinamismo, contrastes mais fortes, maior dramaticidade,
exuberância e realismo e uma tendência ao decorativo, além de manifestar uma
tensão entre o gosto pela materialidade opulenta e as demandas de uma vida
espiritual. Mas nem sempre essas características são bem evidentes ou se
apresentam todas ao mesmo tempo. Houve uma grande variedade de abordagens que
foram englobadas sob a denominação genérica de "arte barroca", com certas
escolas mais próximas do classicismo renascentista e outras mais afastadas
dele, o que tem gerado muita polêmica e pouco consenso na conceituação e
caracterização do estilo.
Para diversos pesquisadores o Barroco
constitui não apenas um estilo artístico, mas todo um período histórico e um
movimento sociocultural, onde se formularam novos modos de entender o mundo, o
homem e Deus. As mudanças introduzidas pelo espírito barroco se originaram,
pois, de um grande respeito pela autoridade da tradição clássica, e de um
desejo de superá-la com a criação de obras originais, dentro de um contexto que
já se havia modificado profundamente em relação ao período anterior.
Contextualização...
Antecedentes
Desde o Renascimento a Itália se tornara
o maior polo de atração de artistas em toda a Europa, e no início do século XVI
Roma, sede do Papado católico e capital dos Estados Pontifícios, se tornara o
maior centro irradiador de influência artística, tendo a Igreja como o mais
pródigo mecenas. Mas desde lá, tendo passado por invasões dramáticas, como a
que culminou no Saque de Roma de 1527, e sofrendo com agitação interna, a
Itália havia perdido muito prestígio e força, ainda que continuasse a ser a
maior referência na cultura europeia. A atmosfera otimista do Renascimento
havia se desvanecido. Os progressos na filosofia, nas ciências e nas artes, o
florescer do humanismo, não evitaram os ódios e guerras, e a fé no homem como
imagem da Divindade e no mundo como um novo Éden em potencial - um moto
recorrente no Renascimento - se deparava com o cinismo e a brutalidade da
política, a vaidade do clero, a eterna opressão do povo, surgindo uma nova
corrente cultural a que se deu o nome de Maneirismo - erudita, sofisticada,
experimental, mas carregada de dúvidas e agitação, e dada a excentricidades e
ao cultivo do bizarro.
Na religião, o poder papal teve de
enfrentar a Reforma Protestante, um evento com amplas repercussões políticas e
sociais, que pôs um fim à unidade do Cristianismo e solapou a influência
católica sobre os assuntos seculares de toda a Europa, que antes era imensa.
Além das diferenças de doutrina, onde se incluía a condenação do culto às
imagens, os protestantes denunciaram o luxo excessivo dos templos e a corrupção
do clero católico. Suas igrejas rapidamente se esvaziaram de estátuas e
pinturas devocionais e de decoração. A reação católica foi orquestrada a partir
da convocação do Concílio de Trento (1545-1563), o marco inicial da
Contrarreforma, numa tentativa de refrear a evasão de fiéis para o lado
protestante e a perda de influência política da Igreja. Ao mesmo tempo que
fazia uma revisão na doutrina, estabelecendo uma nova abordagem do conceito de
Deus, a Contrarreforma tentou moralizar o clero e disciplinou a produção de
arte sacra, buscando utilizá-la como instrumento de proselitismo. Longas
guerras de religião seguiriam o cisma protestante nas décadas seguintes, devastando
muitas regiões. Na economia, a abertura de novas rotas comerciais em vista das
grandes navegações deixou a Itália fora do centro do comércio internacional,
deslocando o eixo econômico para as nações do oeste europeu. Portugal, Espanha,
França, Inglaterra e Países Baixos eram as novas potências navais, cuja
ascensão política era financiada pelas riquezas coloniais e o comércio em
expansão. A arte desses países se beneficiou enormemente desse novo afluxo de
riquezas. Murray Edelman, fazendo um balanço da arte deste período, disse que:
"Os pintores e escritores
maneiristas do século XVI eram menos "realistas" do que seus
predecessores da Alta Renascença, mas eles reconheceram e ensinaram muito sobre
como a vida pode se tornar motivo de perplexidade: através da sensualidade, do
horror, do reconhecimento da vulnerabilidade, da melancolia, do lúdico, da
ironia, da ambiguidade e da atenção a diversas situações sociais e naturais.
Suas concepções tanto reforçaram como refletiram a preocupação com a qualidade
da vida cotidiana, com o desejo de experimentar e inovar, e com outros impulsos
de índole política.... É possível que toda arte apresente esta postura, mas o
Maneirismo a tornou especialmente visível".
Um novo
contexto
A convocação do Concilio de Trento teve
profundas consequências para a arte produzida na área de influência da Igreja
Católica: a teologia assumiu o controle e impôs restrições às excentricidades
maneiristas buscando reiterar a continuidade da tradição católica, recuperar o
decoro na representação, criar uma arte mais compreensível pelo povo e
homogeneizar o estilo. Desde então tudo devia ser submetido de antemão ao crivo
dos censores, desde o tema, a forma de tratamento e até mesmo a escolha das
cores e dos gestos dos personagens. Nesse processo a Ordem dos Jesuítas foi de especial
importância. Afamados pelo seu refinado preparo intelectual, teológico e
artístico, os jesuítas exerceram enorme influência na determinação dos rumos
estéticos e ideológicos seguidos pela arte católica, estendendo sua presença
para a América e o Oriente através de suas numerosas missões de evangelização.
Também foram grandes responsáveis pela preservação da tradição do Humanismo
renascentista, e, longe de serem conservadores como às vezes foram
considerados, atuaram na vanguarda da arte da época e promoveram o maior
movimento de revivalismo da filosofia do classicismo pagão desde aquele
patrocinado por Lorenzo de' Medici no século XV.
Nesse novo cenário, a arte palaciana e
sofisticada do Maneirismo já não encontrava lugar, e se tornara especialmente
imprópria para a representação sacra. Enfrentando a poderosa concorrência
protestante, que lhe roubava multidões, a orientação da Igreja Católica agora
era na direção de se produzir uma arte que pudesse cooptar a massa do povo,
apelando para o sensacionalismo e uma emocionalidade intensa. O estilo
produzido por este programa se provou desde logo ambíguo: pregava a
espiritualidade mas usava de todos os meios materiais para a sensibilização
sensorial do público. As imagens eram criadas com formas naturalistas como meio
de serem imediatamente compreendidas pelo povo inculto, mas faziam uso de
complexos recursos ilusionísticos e dramáticos, de efeito grandioso e teatral,
para acentuar o apelo visual e emotivo e estimular a piedade e a devoção. São
especialmente ilustrativos os grandes painéis pintados nos tetos nas igrejas
católicas nesse período, que aparentemente dissolvem a arquitetura e se abrem
para visões sublimes do Paraíso, povoado de santos, anjos e do Cristo. Ainda
que alimentado pelo movimento contrarreformista, o Barroco não se limitou ao
mundo católico, afetando também áreas protestantes como a Alemanha, Países
Baixos e Inglaterra, mas por outros motivos, descritos adiante.
Outro elemento de importância para a
formação da estética barroca foi a consolidação das monarquias absolutistas,
que através da arte procuraram consagrar os valores que defendiam. Os palácios
reais passaram a ser construídos em escala monumental, a fim de exibir
visivelmente o poder e a grandeza dos Estados centralizados, e o maior exemplo
dessa tendência é o Palácio de Versalhes, erguido a mando de Luís XIV da
França. Por outro lado, nesta mesma época a burguesia começou a se afirmar como
uma classe economicamente influente, e com isso passou a se educar e abrir um
novo mercado consumidor de arte. Tendo preferências estéticas distintas da
realeza, foi importante para a formação de certas escolas barrocas mais ligadas
ao realismo. Por fim, outra força ativa foi um renovado interesse no mundo
natural e uma gradativa ampliação dos horizontes culturais através da
exploração do globo e do desenvolvimento da ciência, que trouxeram uma
consciência da insignificância do homem em meio à vastidão do universo e da
insuspeitada complexidade da natureza. O desenvolvimento da pintura de paisagem
durante o Barroco foi um reflexo desses novos descobrimentos.
Na economia a principal mudança foi a
formação de um sistema de mercado internacional através do desenvolvimento do
sistema colonial nas Américas e Oriente, com a escravidão como uma das bases de
seu funcionamento. O sistema bancário também foi aprimorado, as práticas de
comércio se tornaram mais complexas e a importação de produtos coloniais, como
o café, tabaco, arroz e açúcar, transformou hábitos culturais e a dieta. Junto
com a afluência para a Europa de outros bens da colônia, incluindo grandes
quantidades de ouro, prata e diamantes, o sucesso do sistema mercantil europeu
enriqueceu o continente e afetou as relações sociais e políticas, originando
novas regras de diplomacia e etiqueta, além de financiar um grande
florescimento artístico.
Os séculos XVII e XVIII, período
principal de vigência do Barroco, continuaram a ser marcados por numerosas
mudanças na situação política europeia e pelo conflito constante. Foi
assinalado que entre 1562 e 1721 a Europa como um todo não conheceu a paz senão
em quatro anos. A maior guerra deste período foi a Guerra dos Trinta Anos
(1618-1648), que envolveu a Espanha, França, Suécia, Dinamarca, Países Baixos,
Áustria, Polônia, Império Otomano e Sacro Império. De início desencadeada pela
disputa entre católicos e protestantes, logo repercutiu para o campo secular em
questões dinásticas e nacionalistas. Na conclusão do confronto, a Paz de
Vestfália determinou uma reorganização ampla na geografia política continental,
favoreceu o fortalecimento de Estados absolutistas, enfraqueceu outros, mas
reconheceu a impossibilidade da reunificação do Cristianismo, que foi deslocado
como força política pelas realidades práticas da política secular.
O
conhecimento
Nesse processo de amplas e continuadas
mudanças se juntaram a religião, a filosofia moral e as ciências, na tentativa
de melhor estudar a adaptabilidade por parte dos indivíduos em meio a um
contexto agitado e incerto, bem como pesquisar a natureza e motivações do ser
humano, a fim de que o conhecimento resultante fosse usado para fins práticos
definidos, como por exemplo, a melhor doutrinação religiosa e o melhor manejo
das massas pelas elites. Segundo José Antonio Maravall, na cultura da época, o
autoconhecimento, desejado desde o tempo de Sócrates, agora se revestia de um
caráter tático, racional e utilitarista. E a partir do autoconhecimento e
autodomínio, se acreditava que se conheceria o íntimo de todos os homens, e se
poderia dominar a natureza e o ambiente social com mais facilidade, um processo
que ficou explícito por exemplo na obra dos poetas Corneille e Gracián, dizendo
que o homem era um microcosmo, e ao dominar-se se tornava mestre do mundo. Esse
autoconhecimento possibilitava ainda que se fizessem previsões sobre tendências
e comportamentos futuros, individuais e coletivos, aproveitando oportunidades e
evitando desgraças. Nesse sentido, a cultura barroca foi essencialmente
pragmática e regulada pela prudência, considerada no período a maior das
virtudes a serem adquiridas. Diversos políticos e moralistas barrocos a
enalteceram como meio de se manter alguma ordem e controle num mundo em eterna
mudança.
Nessa pesquisa do ser humano um papel
importante foi desempenhado pela medicina, considerando-se que se acreditava
que as funções e aspecto do corpo refletiam condições da alma, e assim o estudo
do corpo humano influenciou conceitos religiosos e morais, fazendo com que
muitos doutores se sentissem habilitados a discorrer sobre economia, política e
moralidade. Ao mesmo tempo, o estudo intensificado da anatomia humana e sua
ampla divulgação em livros científicos e gravuras atraiu a atenção dos
artistas, se multiplicaram representações do corpo morto em detalhe, e a
descrição artística da morte e dos cadáveres e esqueletos foi usada para se
meditar sobre os fins últimos da existência e da condição humana. O mesmo
impulso científico alimentou o interesse pela psicologia e pela análise das
emoções e motivações através da fisionomia física do indivíduo, considerada o
espelho do seu estado de espírito, o que possibilitou a formulação de
categorizações para os tipos caracterológicos.
Ainda que a religião tenha preservado
uma grande ascendência sobre as pessoas, ela começou a declinar diante do
crescente racionalismo e pragmatismo promovidos pela ciência e pela nova
realidade política, desafiando antigas crenças fundamente enraizadas; foi a
época da chamada revolução científica. Às vezes o conflito entre ciência e
religião ainda se revelou momentoso, como por exemplo na condenação de Galileu
pela Inquisição, mas os avanços foram rápidos e variados. O Renascimento havia
preparado um ambiente receptivo para a disseminação de novas ideias sobre
ciência e filosofia, e a principal questão da época era a proposta por Michel
de Montaigne: "O que eu conheço?", ou seja, estava aberta a dúvida
sobre a natureza do conhecimento e suas relações com a fé, a razão, a autoridade,
a metafísica, ética, política, economia e ciência natural. A atitude de
questionamento foi a marca da obra de grandes cientistas e filósofos da época,
como Descartes, Pascal e Hobbes, cujas obras lançaram as bases de um novo
método de pesquisa e de um novo modo de pensar, centrado no racionalismo e
expandido para todos os domínios do entendimento e da percepção, repercutindo
profundamente na maneira como o homem via o mundo e a si mesmo.
Academismo
O espírito analítico da época influiu
até mesmo na teoria da arte. Fortalecendo uma tendência que havia iniciado
timidamente no século XVI, o Barroco foi o período em que se estruturaram as
academias de arte e se fundou o método de ensino rigorosamente normatizado e
categorizado conhecido como academismo, que teria imensa influência sobre toda
a arte europeia pelos séculos vindouros. Depois de ensaios irregulares na
Itália, o sistema acadêmico desabrochou na França no reinado de Luís XIV, onde
foram criadas as primeiras academias de abrangência nacional para as várias
modalidades da arte e ciências, das quais uma das mais notáveis e influentes
foi a Academia Real de Pintura e Escultura. Sob a direção de Charles Le Brun e
o patrocínio real a Academia se tornou o principal braço executivo de um
programa de glorificação da monarquia absolutista de Luís XIV, estabelecendo
definitivamente a associação da escola com o Estado e com isso revestindo-a de
enorme poder diretivo sobre todo o sistema de arte francês, o que veio a
contribuir para tornar a França o novo centro cultural europeu, deslocando a
supremacia até então italiana. Neste período a doutrina acadêmica atingiu o
auge de seu rigor, abrangência, uniformidade, formalismo e explicitude, e
segundo Barasch em nenhum outro momento da história da teoria da arte a ideia
de Perfeição foi mais intensamente cultivada como o mais alto objetivo do
artista, tendo como modelo máximo a produção da Alta Renascença italiana, daí
que no caso francês o Barroco sempre permaneceu mais ou menos afiliado à
tradição clássica. Enquanto que para os renascentistas italianos a arte era
também uma pesquisa do mundo natural, para Le Brun era acima de tudo o produto
de uma cultura adquirida, de formas herdadas e de uma tradição estabelecida.
Assim a Itália ainda era uma referência inestimável.
Pierre Bourdieu afirmou que a criação do
sistema acadêmico significou a formulação de uma teoria em que a arte era uma
encarnação os princípios da Beleza, da Verdade e do Bem. A ênfase no
virtuosismo técnico e na referência aos modelos da Antiguidade clássica, que
ligavam a Arte à Ética, expressavam uma visão, primeiro, de uma ordem social
concebida em fundamentos morais e, segundo, do artista como um pedagogo, um
erudito e um humanista. As academias, que a partir do fim do século XVII se
multiplicaram pela Europa e Américas, foram importantes para a elevação do
status profissional dos artistas, afastando-os dos artesãos e aproximando-os
dos intelectuais. Também tiveram um papel fundamental na organização de todo o
sistema de arte enquanto funcionaram, pois além do ensino monopolizaram a
ideologia cultural, o gosto, a crítica, o mercado e as vias de exibição e
difusão da produção artística, e estimularam a formação de coleções didáticas
que acabaram por ser a origem de muitos museus de arte. Essa vasta influência
se deveu principalmente à sua estreita associação com o poder constituído dos
Estados, sendo via de regra veículos para a divulgação e consagração de
ideários não apenas artísticos, mas também políticos e sociais.
Etimologia,
conceituação, caracterização
Usualmente, considera-se que termo
"barroco" originalmente significaria "pérola irregular ou
imperfeita", um termo cuja origem é obscura, pode derivar do português
antigo, do espanhol, do árabe ou do francês. Segundo outras opiniões, porém, o
termo tem origem em uma fórmula mnemotécnica usada pelos escolásticos para
designar um dos modos do silogismo, o que daria ao termo um sentido pejorativo
de raciocínio estranho, tortuoso, que confunde o falso com o verdadeiro. A
palavra rapidamente ganhou circulação nas línguas francesa e italiana, mas nas
artes plásticas, só foi usada no fim do período em questão, quando novos
classicistas começaram a criticar excessos e irregularidades de um estilo já
então visto como decadente e uma simples degeneração dos princípios clássicos.
Na própria Itália em que nasceu, durante muito tempo foi considerado como o
período em que a arte chegou ao seu nível mais baixo: pesada, artificial, de
mau gosto e dada a extravagâncias e contorções injustificáveis e
incompreensíveis.
A carga pejorativa que se ligou ao
conceito de Barroco só começou a ser dissolvida em meados do século XIX, a
partir dos estudos de Jacob Burckhardt e Heinrich Wölfflin. Wölfflin o
descreveu contrapondo-o ao Renascimento, definindo cinco traços genéricos principais
que se tornariam canônicos: o privilégio da cor e da mancha sobre a linha; da
profundidade sobre o plano; das formas abertas sobre as fechadas; da imprecisão
sobre a clareza, e da unidade sobre a multiplicidade. Arnold Hauser explicou a
categorização de Wölfflin, dizendo que a busca de um efeito essencialmente
pictórico e não gráfico procurava criar uma impressão de ilimitado,
imensurável, infinito, dinâmico, subjetivo e inapreensível; o objeto se tornava
um devir, um processo, e não uma afirmação final. Cabe lembrar aqui que na
Renascença o desenho tivera a primazia em todas as artes visuais, sendo
considerado a expressão mais pura da lógica, da razão e do Intelecto Divino que
habitava o homem, e o meio por excelência para captar a primeira manifestação
da ideia criativa abstrata na matéria, e por isso a cor, associada à emoção -
no ordenamento clássico do mundo, um elemento irracional, caótico e
imprevisível, e por isso inferior -, lhe ficava subordinada. A preferência pela
espacialidade profunda sobre a rasa acompanhava o mesmo gosto por estruturas
dinâmicas, a mesma oposição a tudo o que parecia por demais estável, a todas as
fronteiras rígidas, refletindo uma visão de mundo em perpétuo movimento e
mudança. O recurso favorito dos artistas barrocos para a criação de um espaço
dinâmico e profundo foi o emprego de primeiros planos magnificados com objetos
aparentemente bem ao alcance do observador, justapostos a outros em dimensões
reduzidas num plano de fundo muito recuado. Também foi comum o uso do escorço
pronunciado e de perspectiva multifocal. Segundo Hauser, a tendência barroca de
substituir o absoluto pelo relativo, a limitação pela liberdade, é expressa
mais nitidamente no uso de formas abertas. Numa composição clássica, a cena
representada é um todo autossuficiente e autocontido, todos os seus elementos
são inter-relacionados e interdependentes, nada é supérfluo ou casual e tudo
veicula um significado preciso, enquanto que uma obra barroca parece mais
frouxamente organizada, com vários elementos parecendo arbitrários,
circunstanciais ou incompletos, produtos de uma fantasia que adquire valor por
si mesma e não pretende ser essencial ao discurso visual, tendo antes um
caráter decorativo e improvisatório. Além disso, na forma clássica a linha
reta, o equilíbrio e as coordenadas ortogonais são elementos fortes na
articulação da composição, mas no Barroco a preferência passa para as
diagonais, a assimetria, as formas curvas e espiraladas, desprezando a
orientação provida pelos limites físicos da obra, se organizando livremente
pelo espaço disponível e parecendo poder continuar para além da moldura. Esses
mesmos traços falam pela relativa pouca clareza na apresentação das cenas,
sendo mais difícil do que em uma obra classicista compreender o conjunto de uma
só vez. Paradoxalmente, apesar dessas características contribuírem para dar à
obra barroca um aspecto mais difuso, fragmentário e complexo, pareceu a
Wölfflin que havia entre os barrocos um forte desejo de atingir uma unidade
sintética em suas obras, coordenando e subordinando os elementos díspares na
direção de um efeito final de conjunto unificado, refletindo a busca por
princípios compositivos mais eficientes.
Wölfflin concebeu sua definição pensando
principalmente nas artes visuais, e originalmente o estilo nasceu fortemente
ligado à Contrarreforma, especialmente à arte jesuíta. No entanto, desde então
os teóricos da arte têm tentado testar a definição e expandí-la para outros
contextos, mas essa tentativa provou-se dificultosa, e pouco consenso foi
conseguido. Críticos e historiadores da arte contemporâneos contestam, por
exemplo, a existência do Barroco como um movimento artístico, considerando, em
primeiro lugar, que o termo nunca existiu durante o período histórico a que se
refere. Até a metade do século XVIII, nenhum texto ou obra se auto-descreve
como "barroco". Segundo Leon Kossovitch, "somos nós, enquanto
periodizadores, que inventamos essa categoria de pensamento". Kossovitch
conclui que essa operação periodizadora é "absolutamente nefasta",
por achatar as diferenças, forçando unificações. Essa unificação forçada teria
levado, por exemplo, Wölfflin a excluir Nicolas Poussin do seu esquema, por não
se encaixar no que entendia como Barroco. Assim, segundo alguns críticos,
"barroco" seria um conceito apriorístico, engendrado com base no
esquema wölffliniano de oposições entre "clássico" e
"barroco". Tal esquema teria resultado no estabelecimento de uma ordenação
linear dos estilos artísticos - em que o Clássico necessariamente precede o
Barroco. Ao mesmo tempo, dificulta o reconhecimento de outras tendências
estéticas existentes naquela época.
Numa visão generalista, ao contrário do
Renascimento, que buscava criar através da arte um mundo de formas idealizadas,
purificadas de suas imperfeições e idiossincrasias individuais, dentro de uma
concepção fixa do universo, durante o Barroco a mutabilidade das formas e da
natureza e o dinamismo de seus elementos concentraram a atenção. Ainda que os
modelos do Classicismo idealista tenham permanecido uma referência importante,
a interpretação barroca lhes deu uma feição em muitos pontos anticlássica, pela
sua ênfase na emoção, no drama, no movimento, no espetaculoso e no teatral,
pelo seu grande amor ao ornamento complexo e ao virtuosismo, pelo registro das
formas com suas imperfeições naturais e pela liberdade concedida ao artista
para experimentar, num contexto em que se tentava conciliar a realidade com o
mundo transcendental. As construções monumentais erguidas durante o Barroco,
como os palácios e os grandes teatros e igrejas, e mesmo os ambiciosos planos
barrocos de reurbanização de cidades inteiras, buscavam impactar os sentidos
pela sua exuberância, opulência e grandiosidade, propondo uma integração entre
as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosfera
catártica, retórica e apaixonada. Para Nicolau Sevcenko, nenhuma obra de arte
barroca pode ser analisada adequadamente desvinculada de seu contexto, pois sua
natureza é sintética, aglutinadora e envolvente.
Mas todas estas características têm o
problema de serem elas mesmas dificilmente definíveis com clareza, são
aplicáveis para alguns outros estilos além do Barroco, e a ausência de
uniformidade em seu uso entre os historiadores da arte complica muito a
compreensão do estilo como um movimento unificado; antes, parece atestar que
pouca unidade existiu em tudo o que comumente é chamado em bloco de "arte
barroca". Além disso, o conceito de "barroco" tem sido
transportado para áreas alheias à arte, como a política, a psicologia, a ética,
a história e a ideologia social, fazendo dele mais do que um estilo artístico,
mas todo um período histórico, o que englobaria democraticamente todas as
variadas expressões na arte, na cultura e na sociedade correntes no período
delimitado, e há quem diga que "barroco" é um qualificativo genérico
independente de época, que aparece periodicamente na história da arte e da
cultura desde tempos remotos até a contemporaneidade, em oposição à sua
antítese, o "clássico". Parte desse problema de definição do que é o
Barroco deriva da grande variedade de abordagens entre as várias regiões em que
foi cultivado e entre os artistas individualmente. Como lembrou Braider, ainda
que em certos lugares o Barroco tenha se revelado bastante "típico",
como por exemplo na Itália e Espanha, a identificação do estilo se torna mais
árdua e esparsa na Inglaterra, Alemanha, França e nos Países Baixos, a não ser
que se reconheça que o Barroco foi muito mais diversificado e difícil de
definir do que se convencionou pensar. Germain Bazin chegou a delimitar oito
sub-correntes principais dentro do Barroco, um indicativo de sua grande heterogeneidade,
e Giancarlo Maiorino disse que o Barroco continua sendo "uma das bestas
mais indomáveis da selva da crítica de arte". Apesar de tantas
contradições internas e discórdia entre a crítica a respeito de sua definição,
o conceito de Barroco, na linha do que Wölfflin definiu, permanece usado na
vasta maioria da literatura especializada, e por mais candentes que se revelem
os debates, sua utilidade prática raramente é posta em questão.
Cronologia
Tem sido dito que o Barroco teve
precursores já na Alta Renascença, em obras como o Incêndio no Burgo, de
Rafael, ou nas obras maduras de maneiristas como Michelangelo, Tintoretto,
Giambologna, Barocci e outros, mas usualmente se refere seu início estando na
passagem do século XVI para o século XVII. A data de seu fim é muito mais
polêmica. Alguns indicam a passagem do século XVII para o século XVIII, outros
dão meados do século XVIII, e outros ainda o estendem mais. Parte da confusão
permanece por causa da indefinição do que é Rococó, uma corrente que surgiu em
meados do século XVIII, e que a crítica não decidiu se representa a fase final
do Barroco ou se se trata de um estilo independente. Na Europa de modo geral
quando iniciava o século XIX o Barroco estava definitivamente sepultado, mas
escolas provincianas na América, como em alguns pontos do Brasil, praticaram o
Barroco até o início do século XX. Desta forma, é difícil indicar quando
termina o Barroco, pois cada região se desenvolveu ao longo de linhas próprias
e os conceitos definidores dos estilos ainda são imprecisos e polêmicos.
Barrocos
e o Neobarroco
Depois da proposição feita por Eugenio
d'Ors, muitos críticos consideram que o Barroco, mais do que um estilo
particular, é um princípio constante na história da arte e da cultura, um
princípio que enfatiza o drama, o contraste, a vitalidade exuberante, o
exagero, contrapondo-se periodicamente com sua antítese, um princípio que veio
a ser chamado Clássico, que prima pela economia, lógica, equilíbrio e harmonia.
Assim, por exemplo, a escola helenista de escultura já foi chamada de
"barroca", para salientar sua diferença em relação à escola clássica.
Da mesma forma, vários escritores modernos e contemporâneos têm acusado um
retorno a princípios formais e estéticos "barrocos" ao longo do século
XX, fazendo uso de recursos retóricos tipicamente encontrados nas artes visuais
e literárias no século XVII que pouco se relacionam à tradição clássica. Gregg
Lambert argumentou que um "design barroco" é visível na
contemporaneidade quando se usa a metalinguagem e a intertextualidade, a
"pintura dentro da pintura", ou o "texto dentro do texto".
Michel Foucault enfatizou essa transformação epistemológica quando disse que no
período moderno os limites da verdade já não se encaixam nas categorias
clássicas, significando que hoje existe uma forma de conhecimento que está
constantemente se expondo à autoanulação pela mesma retórica pela qual este
conhecimento se estrutura, quando a descrição artística da experiência real se
aproxima da ficção e da paródia, e quando toda a face da cultura assume um
aspecto de farsa e encenação. A hipótese de um retorno ao Barroco se torna mais
plausível quando se lembra que a própria definição do Barroco histórico até
agora é muito mal estabelecida, e já foi suposto que o Barroco como uma
entidade particular se trata mais de um artefato, uma ficção da crítica, do que
uma realidade viva. Para Gilles Deleuze, Barroco é apenas um conceito e uma
razão suficientes por si mesmos, desvinculados da história, que pertencem à
mesma categoria que o conceito de Deus.
Raymond Williams defendeu a existência
do Barroco contemporâneo, ou Neobarroco, como o chamam alguns, através da
alegação de que todas as estruturas culturais apresentam traços residuais de
épocas pregressas, opinião que é compartilhada com José Maravall e Frederic
Jameson, entre outros. Octavio Paz e José Lezama Lima encontraram
características barrocas na poesia espanhola e latinoamericana recente, muito
da arquitetura eclética do período entre o fim do século XIX e o início do
século XX foi considerada barroquizante, com vários exemplos encontrados também
na escultura, nas artes decorativas, na joalheria e na música. Angela Ndalianis
afirmou que o gosto atual pelo espetáculo e pelo ilusionismo - especialmente
óbvios no sucesso que fazem o cinema e a televisão - pela multimídia e
interatividade, e pelo o "princípio da abolição da moldura", que leva
a forma a extrapolar limites convencionais, tipificam a produção artística
contemporânea e são paralelos claros com a cultura do Barroco histórico. Henri
Focillon também fez eco a estas alegações quando disse que as formas independem
do tempo e são recorrentes ao longo da história, e a corrente pós-moderna é
classificada por alguns autores, como Omar Calabrese e Umberto Eco, como neobarroca.
O
Barroco americano
Em virtude da colonização da América por
países europeus naturalmente se transportou o Barroco para o Novo Mundo,
encontrando um terreno especialmente favorável nas regiões dominadas pela
Espanha e Portugal, ambos os países sendo monarquias centralizadas e
irredutivelmente católicas, por extensão sujeitas a Roma e adeptas do Barroco
contrarreformista mais típico. Artistas europeus migraram para a América e
fizeram escola, e junto com a grande penetração de missionários católicos,
muitos dos quais eram artistas habilidosos, criou-se um Barroco multiforme e
não raro influenciado pelo gosto popular. Os artesãos escravos muito
contribuíram para dar a esse Barroco feições únicas. Os principais centros de
cultivo do Barroco americano foram o Peru, o Equador, o Paraguai, a Bolívia, o
México e o Brasil.
É de destacar com especial interesse o
chamado "Barroco missioneiro", desenvolvido no âmbito das reduções
guaranis do Brasil, Bolívia, Argentina e Paraguai, aldeamentos de indígenas
organizados por missionários católicos no intuito de convertê-los à fé cristã e
aculturá-los ao modo de vida ocidental, formando um Barroco híbrido com
influência da cultura nativa, onde floresceram muitos artesãos e músicos
índios, até literatos, alguns de grande habilidade e talento próprio. Relatos
dos missionários repetem muitas vezes que a arte ocidental, especialmente a
música, exercia um impacto hipnótico sobre os silvícolas, e as imagens de
santos eram vistas como dotadas de grandes poderes. Converteram-se muitos
índios, e criou-se uma forma de devoção mestiça, de intensidade apaixonada,
carregada de misticismo, superstição e teatralidade, que se deleitava com
missas festivas, concertos sacros e autos de mistérios. A Escola de Cuzco de
pintura, por sua vez, fundada pelos jesuítas Juan Íñigo de Loyola e Bernardo
Bitti, junto com alguns outros mestres, contou com a participação de índios
incas, um povo de sofisticada cultura própria, que deram sua própria
contribuição estética. Produziu-se uma escola original, sincrética e de
tendência fortemente ornamental, cuja influência se espalhou a partir do século
XVII por todo Vice-Reino do Peru e até hoje permanece em atividade, com poucas
modificações em seus princípios estéticos.
De fato, o Barroco parece resistir e se
tornar cada vez mais popular, tanto em sua manifestação histórica como em suas
atualizações. Muitos autores latinoamericanos consideram que ele permanece vivo
como um princípio organizador específico em seus países, e o entendem como uma
manifestação de autenticidade e originalidade de suas culturas. Segundo disse
John Beverley, que ensina na Universidade de Pittsburgh, uma das poucas
universidades norteamericanas que possuem um departamento de literatura
latinoamericana, seus alunos são na maioria latinoamericanos de língua
espanhola, são inspirados pelos trabalhos de Alejo Carpentier, Lezama Lima,
Severo Sarduy, Nestor Perlongher, e são muito interessados na ideia de que um
definido caráter neobarroco os distingue da cultura norteamericana, que
caracterizam como dominada pelo espírito do business e da indústria, ao passo
que vêem suas próprias culturas "neobarrocas" como regidas pelos
princípios da poesia, do exotismo, do excesso visual, da alegria, da
originalidade e da mestiçagem.[63] No Brasil não é diferente, o Barroco é
largamente considerado um dos mais importantes elementos formadores da
identidade nacional, desde os anos 30 vem sendo revisitado com cada vez maior
frequência, processo iniciado pelo próprio governo, gerou volumosa
bibliografia, foi reconhecido e louvado por estrangeiros e foi chamado por
Affonso Romano de Sant'Anna de "a alma do Brasil", uma frase que se
tornou lugar-comum e cujo significado é parte do discurso oficial. Mais do que
isso, dizem muitos que o espírito barroco permanece identificável em grande
número de manifestações culturais brasileiras contemporâneas. Como sintetizou
Zuenir Ventura,
"O Barroco não foi. Ele ainda é,
continua presente em quase todas as manifestações da cultura brasileira, da
arquitetura à pintura, da comida à moda, passando pelo futebol e pelo corpo
feminino.... Barroca é a técnica de composição que Villa-Lobos usou para criar
suas nove Bachianas. Barroco é o cinema de Glauber Rocha, é nossa exuberante
natureza, é o futebol de Pelé e de todos os que, driblando a racionalidade
burra dos técnicos, preferem a curva misteriosa de um chute ou o esplendor de
uma finta. Afinal, o Barroco é o estilo em que, ao contrário do renascentista,
as regras e a premeditação importam menos que a improvisação. Quer coisa mais
barroca que o Guga?"
Artes
barrocas
As características mais típicas do
Barroco na pintura e escultura são aquelas recém-descritas, e não é necessário
repeti-las. Algumas particularidades, porém, cabe mencionar.
Escultura
A Contrarreforma deu uma atenção
redobrada à imaginária sacra, seguindo antiga tradição que afirmava que as
imagens de santos, pintadas ou esculpidas, eram intermediários para a
comunicação dos homens com as esferas espirituais. São João da Cruz afirmava
que havia uma relação recíproca entre Deus e os fiéis que era mediada pelas
imagens, e vários outros religiosos católicos, como São Carlos Borromeu e
Roberto Bellarmino reiteraram sua importância no culto, mas o valor delas havia
sido negado pelos protestantes, o que desencadeou grandes movimentos
iconoclastas em várias regiões protestantes que provocaram a destruição de
incontáveis obras de arte. A imaginária sacra, então, voltou a ser vista como
elemento central no culto católico, fazia parte de um conjunto de instrumentos
usados pela Igreja para invocar emoções específicas nos fiéis e levá-los à
meditação espiritual. Num tratado teórico sobre o assunto, Gabriele Paleotti as
defendeu a partir da ideia de que elas ofereciam para o fiel inculto uma
espécie de Bíblia visual, a Biblia pauperum, enfatizando sua função pedagógica
e seu paralelo com o sermão verbal. Mas considerou ainda a função da excitatio,
a possibilidade de mexer com a imaginação e as emoções do povo, transferindo
para a arte sacra a tipologia da retórica. Nem a liberdade artística deveria
ser tolhida nem os teóricos desenvolveriam prescrições estilísticas
propriamente ditas, apenas orientações normativas e morais. As imagens deveriam
cumprir com o quesito de serem instrutivas e moralmente exemplares para os
fiéis, buscando persuadí-los. Através da transmissão da fé "correta"
aos fiéis, o artista adquiria um papel teologizante, e o próprio espectador em
movimento pela igreja tornava-se uma peça do cenário deste "teatro da
fé". Como disse Jens Baumgarten,
"O teorema jesuítico pós-tridentino
e sua nova concepção da imagem em si, os modelos romanos, a representação do
poder e a liturgia encontram-se e fundem-se numa síntese. Sem a imagem perfeita
não há fé correta. A nova ênfase dada às imagens une-se a uma nova visão da
sociedade. As mudanças ocorridas até 1600 levariam à construção de uma nova
perspectiva eclesiástica e iconográfica que acabou desembocando no ilusionismo
perspectivista, unido elementos de emocionalidade irracional com a
transformação plástica de conceitos teológicos intransigentes".
Dentro desse espírito, na escultura é de
assinalar o desenvolvimento de um gênero de composição grupal chamado de
"sacro monte", concebido pela Igreja e rapidamente difundido por
outros países. Trata-se de um conjunto que reproduz a Paixão de Cristo ou
outras cenas piedosas, com figuras policromas em atitudes realistas e
dramáticas em um arranjo teatralizado, e destinadas a comover o público. Deste
instrumental pedagógico católico fazia parte ainda a construção de cenários nos
quais eram inseridas as estátuas a fim de criar ainda maior ilusão de
realidade, numa concepção verdadeiramente teatral. Às vezes tais grupos eram
confeccionados de forma a poderem ser movidos e transportados sobre carros em
procissões, criando-se uma nova categoria escultórica, a das estátuas de roca
em madeira. Para aumentar o efeito mimético muitas possuíam membros
articulados, para que pudessem ser manipuladas como marionetes, assumindo uma
gestualidade eficiente e evocativa, variável de acordo com o progresso da ação
cênica. Recebiam roupagens que imitavam as de pessoas vivas, e pintura que
assemelhava à carne humana. E para maior ilusão seus olhos podiam ser de vidro
ou cristal, as cabeleiras naturais, as lágrimas de resina brilhante, os dentes
e unhas de marfim ou osso, e a preciosidade do sangue das chagas dos mártires e
do Cristo flagelado podia ser enfatizada com a aplicação de rubis. Assim, nada
melhor para coroar a participação do público devoto na re-criação da realidade
mística do que permitir que a ação se desenrolasse em espaço aberto, na
procissão, onde a movimentação física do fiel ao longo do trajeto poderia
propiciar a estimulação da pessoa como um todo, diferentemente da contemplação
estática diante de uma imagem em um altar. Nos casos em que o "sacro
monte" deveria ser levado às ruas, usualmente era simplificado a uma
sugestão de rochas ou numa gruta. Conforme a ocasião, a gruta ou rocha poderiam
representar o Monte Sinai, o Monte Tabor, o Monte das Oliveiras, a Gruta da
Natividade, a rocha da Tentação de Cristo ou outros locais impregnados de
significado. Algumas vezes o cenário rochoso era substituído por outro
arquitetônico, especialmente após o trabalho de Andrea Pozzo, codificador da perspectiva
ilusionística arquitetônica que foi largamente empregada na decoração de
templos católicos. Com os mesmos fins práticos, para aliviar o peso do
conjunto, as imagens eram entalhadas apenas parcialmente, com acabamento só nas
partes que deveriam ser vistas pelo público, como as mãos, cabeça e pés, e o
restante do corpo consistia em uma simples estrutura de ripas ou armação oca coberta
pela roupa de tecido.
Pintura
Andrea Pozzo, codificando a técnica da
perspectiva arquitetônica ilusionística em seu tratado Perspectiva Pictorum et
Architectorum, foi o responsável pela divulgação em larga escala de uma das
mais típicas modalidades de pintura do Barroco, a criação de grandes tetos
pintados onde as paredes do templo parecem continuar para cima e se abrir para
o céu, oferecendo a visão de uma epifania onde santos, anjos e Cristo parecem
descer entre nuvens e resplendores de glória. A técnica não era inteiramente nova
e já havia sido praticada por outros como Correggio e Michelangelo no
Maneirismo, mas o tratado de Pozzo se tornou canônico, sendo traduzido para
várias línguas ocidentais, e até para o chinês. Enquanto que seus predecessores
continham o céu num espaço mais limitado, Pozzo e seus seguidores buscaram
deliberadamente uma impressão de infinitude.
Também típica da pintura barroca foi a
corrente dedicada à exploração especialmente dramática dos contrastes de luz e
sombra, a chamada escola Tenebrista. Seu nome deriva de tenebra (treva, em
latim), e é uma radicalização do princípio do chiaroscuro. Teve precedentes na
Renascença e se desenvolveu com maior força a partir da obra do italiano
Michelangelo Merisi, dito Caravaggio, sendo praticada também por outros
artistas da Espanha, Países Baixos e França. Como corrente estilística teve
curta duração, mas em termos de técnica representou uma importante conquista,
que foi incorporada à história da pintura ocidental. Por vezes o Tenebrismo é
entendido como sinônimo de Caravaggismo, mas não são coisas idênticas. Os
intensos contrastes de luz e sombra emprestam um aspecto monumental aos
personagens, e embora exagerada, é uma iluminação que aumenta a sensação de realismo.
Torna mais evidentes as expressões faciais, a musculatura adquire valores
escultóricos, e se enfatizam o primeiro plano e o movimento. Ao mesmo tempo, a
presença de grandes áreas enegrecidas dá mais importância à pesquisa cromática
e ao espaço iluminado como elementos de composição com valor próprio. Na França
Georges de La Tour foi um dos adeptos da técnica; na Itália, Battistello
Caracciolo, Giovanni Baglione e Mattia Preti, e na Holanda, Rembrandt van Rijn.
Mas talvez os mais notáveis representantes sejam os espanhóis José de Ribera,
Francisco Ribalta e Francisco de Zurbarán.
Também se tornaram comuns no Barroco a
pintura de naturezas-mortas e interiores domésticos, refletindo a crescente
influência dos gostos burgueses. Nos Países Baixos protestantes foram um dos
traços distintivos do Barroco local, conhecido ali como a Era Dourada da
pintura. Na época a região era uma das mais prósperas da Europa, e estando
livre do controle católico pôde manter uma tradição de liberdade de pensamento,
dentro de uma organização política bastante democrática. Tinha a burguesia
comerciante como sua classe social mais influente, a qual patrocinava uma
pintura essencialmente secular, de caráter único no panorama barroco. Entre
seus principais expoentes se contam Frans Hals, Vermeer, Frans Snyders, Pieter
de Hooch, Meindert Hobema, Jacob Jordaens, Anthony van Dyck, Jacob van Ruisdael
e Rembrandt. Oriundo da mesma região, Rubens, um dos maiores pintores de todo o
período, se enquadra em uma outra tradição por ter sido católico e por ter
cultivado um estilo pessoal cosmopolita e eclético. Também se cultivou ali a
pintura de paisagem, geralmente despojada de conteúdo narrativo ou dramático,
ao contrário de outras regiões europeias, onde muitas vezes a paisagem foi produzida
como um cenário para cenas históricas, alegóricas ou religiosas, como foi o
caso de Nicolas Poussin e Claude Lorrain, os principais representantes da
vertente classicista do Barroco. Na Espanha o Barroco pictórico tingiu-se de um
misticismo desconhecido em outras paragens, inspirado no dramatismo do
Tenebrismo, já citado, e na obra de mestres como Francisco Pacheco del Río e em
particular El Greco, possivelmente o mais típico integrante da corrente
mística. Podemos citar como outros pintores importantes no Barroco Diego
Velázquez, Bartolomé Esteban Murillo, Pietro da Cortona, Giovanni Battista
Tiepolo, Guercino, Guido Reni, Salvator Rosa, os Carracci, Hyacinthe Rigaud,
Charles Le Brun, Philippe de Champaigne, Simon Vouet e Josefa de Óbidos, uma
das pouquíssimas mulheres artistas do período.
Arquitetura
e urbanismo
A arquitetura barroca é caracterizada
pela complexidade na construção do espaço e pela busca de efeitos impactantes e
teatrais, uma preferência por plantas axiais ou centralizadas, pelo uso de
contrastes entre cheios e vazios, entre formas convexas e côncavas, pela exploração
de efeitos dramáticos de luz e sombra, e pela integração entre a arquitetura e
a pintura, a escultura e as artes decorativas em geral. O exemplo precursor da
arquitetura barroca geralmente é apontado na Igreja de Jesus em Roma, cujo
projeto foi de Giacomo Vignola e a fachada e a cúpula de Giacomo della Porta.
Vignola partiu de modelos clássicos estabelecidos pelo Renascimento, que por
sua vez se inspiraram na tradição arquitetônica da Grécia e da Roma antigas. As
diferenças introduzidas por ele foram a supressão do transepto, a ênfase na
axialidade e o encurtamento da nave, e procurou obter uma acústica interna
eficaz. A fachada se tornou um modelo para as gerações futuras de igrejas
jesuítas, com pilastras duplas sustentando um frontão no primeiro nível, e um
outro frontão, maior, coroando toda a composição. O interior era originalmente
despojado, e seu aspecto atual é resultado de decorações no final do século
XVII, destacando-se um grande painel pintado no teto com o recurso da
arquitetura ilusionística.
Logo depois de completa a Igreja, o papa
Sisto V revitalizou um projeto de reurbanização de Roma que havia sido iniciado
no século XV. Sua preocupação foi adaptar a cidade a um conceito urbano mais moderno,
organizado e espaçoso, permitindo uma circulação facilitada numa cidade que
ainda mantinha muito de seu perfil medieval, com ruas estreitas e tortuosas e
poucos logradouros públicos amplos. O projeto previu uma organização radial de
avenidas importantes, endireitamento de ruas, ampliação e embelezamento de
praças e parques com fontes e monumentos, numa perspectiva monumental, e se
revelou tão eficiente que foi mantido pelos seus sucessores, sendo
continuamente aprimorado e embelezado ao longo de todo o século XVII. Também se
construíram muitas novas igrejas e palácios, outros foram reformados, como
várias estruturas do Vaticano, entre elas a Basílica de São Pedro, o maior
monumento romano do Barroco, completada por Bernini. As inovações na planta de
Roma se tornaram modelares, e logo passaram a inspirar a reurbanização de
várias cidades italianas, se irradiando também para a Alemanha, França e outros
países, em interpretações variadas e em vários casos alterando radicalmente o
perfil urbano, como por exemplo em Salzburgo, Dresden, Viena, Praga, Nuremberg,
Graz, Cracóvia, Munique, Nápoles e Madrid. Isso se fez mais evidente na
recuperação econômica europeia após as múltiplas crises e guerras do início do
século XVII. À medida que os Estados absolutistas se consolidavam, alianças
renovadas entre o Estado, a Igreja e a nobreza possibilitaram a reformulação
das cidades a fim de expressar seu poder e um novo senso de ordem, manifestos
em construções suntuosas e ostentatórias. Esse programa foi especialmente
intenso onde dinastias católicas governavam e apoiavam a Contrarreforma, mas
mesmo em regiões onde o absolutismo católico não prosperou, como nos Países
Baixos e Alemanha protestantes, as novidades foram aceitas e implementadas na
esteira da expansão e transformação da economia e da sociedade, e em vista das
necessidades novas impostas pelo aumento populacional.
Na arquitetura barroca foi importante a
observação de proporções geométricas definidas, como a Seção Áurea e a
Sequência de Fibonacci, uma vez que a teoria da arquitetura estava permeada de
concepções que a relacionavam com a estrutura do universo. Acreditava-se que o
cosmos fosse estruturado por proporções matemáticas, que a Terra e os outros
planetas se moviam dentro de molduras concêntricas cristalinas, invisíveis e
impalpáveis, mas não obstante reais, que deveria ser imitadas na construção dos
edifícios e no planejamento urbano, refletindo também a ideologia do Estado
centralizado. Além disso, outras artes foram recrutadas pelos arquitetos para
tornar a edificação barroca um espetáculo completo, carregado de alegorias e
simbolismo, como a pintura, a escultura, as artes decorativas, todas reunidas
para ilustrar a ideologia dominante. Já foi dito que na época se concebia o
mundo como um vasto teatro onde cada um desempenhava um papel definido através
de regras predeterminadas, e entre as estratégias empregadas para a exibição do
poder estavam representações teatrais, concertos e produção literária engajada
na glorificação dos Estados e dos governantes. Como disse John Marino, os
cidadãos da "cidade cerimonial" barroca constantemente se dedicavam a
representações públicas como festivais cívicos, procissões e outros ritos
devocionais e vários tipos de demonstrações populares. Monumentos, imagens,
escritos e emblemas de civismo e fé, ornamentações, paramentos e construções
efêmeras se cobriam de alegorias políticas, mitológicas e astrológicas que se
fundiam para veicular mensagens polivalentes para uma audiência urbana de
extração diversificada. Tais eventos faziam parte do processo ritualizado e
doutrinatório que criava uma identidade coletiva, expressava hierarquias
definidas e a solidariedade urbana, ao mesmo tempo em que alimentava
rivalidades e competição entre classes, gêneros, ofícios, famílias, amigos e
vizinhos, e por isso às vezes degeneravam em conflitos violentos.
Entre os arquitetos notáveis na Itália,
além dos já citados, se contam Domenico Fontana, Carlo Maderno, Borromini,
Carlo Rainaldi, Guarino Guarini, Bernardo Vitone, Francesco Bartolomeo
Rastrelli e Filippo Juvarra. Outros europeus foram Johann Balthasar Neumann,
Johann Michael Fischer, Christoph Dientzenhofer, Johann Christoph Glaubitz,
Louis Le Vau, Charles Perrault, François Mansart, Jules Hardouin-Mansart, Jacob
van Campen, Fernando de Casas Novoa, a família Churriguera, Christopher Wren,
John Vanbrugh, James Gibbs, João Frederico Ludovice e João Antunes. No Brasil,
Daniel de São Francisco, Aleijadinho e Francisco de Lima Cerqueira.
Literatura
Especialmente depois das guerras e
tumultos sociais e religiosos da primeira parte do século XVII, a literatura
experimentou um grande florescimento em vários países, dando origem à
literatura moderna. Na Itália apareceu a corrente Marinista liderada por Giambattista
Marino, de grande influência; na Península Ibérica e colônias americanas se
desenvolveu o Cultismo e o Conceptismo de Luis de Góngora, Francisco de
Quevedo, do padre Antônio Vieira e de Gregório de Matos. Na França foi a era de
Molière, Racine, Boileau e La Fontaine; nos Países Baixos, foi a Idade de Ouro
da poesia, com expoentes em Henric Spieghel, Joost van den Vondel, Daniël
Heinsius e Gerbrand Bredero; na Inglaterra, propiciou-se o florescimento de uma
poesia metafísica tipificada por John Dryden, John Milton, John Donne e Samuel
Johnson.
Seu motivo onipresente foi o conflito
entre a tradição clássica herdada do Renascimento e as novas descobertas da
ciência, as mudanças na religião, novas aspirações e um desejo de inovar. A
herança clássica trazia consigo determinadas formas estéticas e padrões morais,
quase toda a literatura do século anterior fora moralizante, mas ao mesmo tempo
se fazia frente à necessidade cristã de rejeitar o tão prezado modelo clássico
por sua origem pagã, considerada uma influência corruptora e enganosa, e isso
explica parte da rejeição do classicismo em boa parte do Barroco. O conflito se
estendeu para a área da educação, até então também pesadamente devedora dos
clássicos e, através da influência jesuítica, vista como o principal e primeiro
instrumento de reforma social.
Santa Teresa de Ávila escrevendo, em
tela de Rubens no Kunsthistorisches Museum
Em termos estilísticos, a literatura
barroca em linhas gerais dedicou um profundo cuidado à forma e ao virtuosismo
linguístico no intuito de maravilhar e convencer o leitor, o que implicava o
uso constante de figuras de linguagem e outros artifícios retóricos, como a
metáfora, a elipse, a antítese, o paradoxo e a hipérbole, com grande atenção ao
detalhe e à ornamentação como partes essenciais do discurso e como formas de
demonstrar erudição e bom gosto. Também deve ser assinalado seu caráter em
muito experimental e sua ousadia no manejo da língua, não tendo precedentes
nestes aspectos na literatura do ocidente.
Ao mesmo tempo se popularizaram as
literaturas vernaculares e aquelas centradas no cotidiano, cultivando temas
naturalistas e de crítica social, como contrapartida ao idealismo cavaleiresco
e nobilitante do Renascimento. São criados gêneros naturalistas como a novela
picaresca, com um grande exemplo no Simplicius Simplicissimus de Hans Jakob
Christoffel von Grimmelshausen, ou a novela polifônica moderna, tipificada no
Don Quixote, de Cervantes. A esta tendência anticlássica corresponde também a
fórmula da comédia nova criada por Lope de Vega, e divulgada através de seu
Arte Nova de fazer comédias neste tempo, rompendo com as unidades aristotélicas
de ação, tempo, e espaço. A conquista da América deu lugar ao gênero das
crônicas, entre as quais podemos encontrar algumas obras mestras, como as de
Frei Bartolomé de las Casas e Inca Garcilaso de la Vega.
Na poesia sacra se notabilizaram São
João da Cruz, Soror Juana de la Cruz e Santa Teresa de Ávila. Ao longo do
século XVIII os gêneros satíricos e sentimentais como os cultivados por
Alexander Pope, Voltaire e Jonathan Swift, por exemplo, se tornaram favoritos,
à medida que a influência da religião declinava, os ideais clássicos se
fortaleciam novamente, se consolidava a sensibilidade do Rococó e o pensamento
iluminista se tornava predominante.
Um trecho do Sermão do Mandato (1655) do
padre Antônio Vieira pode transmitir uma ideia do discurso literário
tipicamente barroco, com reiterações, comparações, antíteses e outros recursos
retóricos e eruditos de linguagem:
"Com duas comparações ou metáforas,
declara S. Paulo este fazer-se e desfazer-se: com metáfora da roupa que se
veste e se despe, e com metáfora do vaso que se enche e se vaza. Com metáfora
da roupa que se veste e se despe: 'Habitu inventus ut homo'; com metáfora do
vaso que se enche e vaza: 'Exinanivit semetipsum' e ambas as metáforas parece
que as tomou S. Paulo do mesmo ato do lavatório em que estamos. A da roupa
enquanto se despe: 'Ponit vestimenta sua' - e a do vaso enquanto se vaza:
'Mittit aquam in pelvim'. E por que usou S. Paulo destas duas metáforas e
destas duas comparações? Porque só com elas podia mostrar a diferença deste ato
e deste dia ao ato e ao dia da Encarnação. No dia e ato da Encarnação,
fazendo-se Deus homem, Deus vestiu-se da humanidade, porque a uniu a si, e se
cobriu com ela; e a humanidade, que era um vaso de barro pequeno e estreito,
ficou cheia de Deus, porque Deus a encheu com toda a imensidade de seu ser:
'Quia ín ipso inhabitat omnis plenitudo divinitatis corporaliter'. E, sendo
isto o que se fez no dia da Encarnação, tudo isto - quanto à vista dos olhos
humanos - se desfez no dia e no ato de hoje. Porque, lançando-se Cristo aos pés
dos homens, e tais homens, e fazendo-se servo seu, e servo em ministério tão
vil e tão abatido, parece que Deus se despira outra vez da humanidade de que
estava vestido, desunindo-se dela, e que a mesma humanidade, que estava cheia
de Deus, perdida a união com a divindade, ficara totalmente vazia: 'Exinanivit
semetipsum, formam servi accipiens'. E foi isto assim como parece? Não. Mas,
posto que a humanidade de Cristo por este ato não perdeu a união com a
divindade, nem deixou de estar tão cheia de Deus como dantes estava,
abaixar-se, porém, e pôr-se em estado tão abatido, que o parecesse ou pudesse
parecer aos homens, foi uma diferença tão notável e tão estupenda, que só o
mesmo S. Paulo a pode ponderar e encarecer."
Literatura
para o teatro
O drama barroco tipicamente usa motivos
clássicos mas tenta trazê-los para o mundo moderno, muitas vezes centrando a
ação na figura do monarca. Ao contrário do drama clássico, onde o destino é uma
das principais forças propulsoras da ação, um destino que é cego e contra o
qual não há nada capaz de se opor, no drama barroco o interesse passa para as
dificuldades inerentes ao exercício do poder, da vontade e da razão diante da
realidade política corrupta, cruel e cínica e do descontrole das paixões,
gerando uma perene e dolorosa tensão entre o desejo por um mundo harmonioso,
belo e santificado e a impressão de que tudo se dirige para a catástrofe e a
destruição, sem qualquer esperança para o homem. Para a expressão desses
conflitos um recurso técnico comum é a alegoria, que transporta os fatos
concretos para uma esfera mais abstrata e mais abrangente, possibilitando
múltiplas interpretações e fazendo relacionamentos simultâneos entre vários
níveis de realidade. O uso da alegoria é típico do Barroco também porque ela
não oferece uma resposta unívoca às questões propostas, permanecendo o incerto,
o ambíguo e o mutável como elementos integrantes do tema, permite o exercício
da crítica social sem ligar-se diretamente a figuras públicas verdadeiras, e
possibilita a exploração da psicologia humana em todos os seus extremos
contrastantes de virtude e vício, e com todas as nuances intermédias. Por tais
motivos, nas alegorias dramáticas do Barroco abundam imagens de ruínas e da
morte, mas abrindo a perspectiva de um novo nascimento e de uma ação humana
significativa. Nas regiões protestantes o drama se tornou particularmente
pessimista, uma vez que o Protestantismo só admite a doutrina da salvação pela
fé, e as boas obras perdem assim significado transcendente. No drama
protestante a História é essencialmente decadência ou regressão, e seus temas
são principalmente lamentos sobre um mundo envilecido. Mesmo nos dramas sacros
católicos são recorrentes os temas do sacrifício, do martírio, da abstinência,
da penitência e da melancólica, ainda que espiritualmente gloriosa, renúncia ao
mundo da matéria, o "fruto proibido", dirigindo as esperanças para a
esfera divina e eivando as narrativas com imagens trágicas e dolorosas,
especialmente quando os dramas sacros eram representados em associação com
festividades religiosas como a Paixão de Cristo, quando procissões de devotos
se autoflagelavam e davam outras provas ritualizadas e teatralizadas de fé entre
excessos emocionais.
Ainda que os personagens e os motivos
tenham se multiplicado em relação ao Renascimento, no drama Barroco a ação é
mantida mais coesa e ininterrupta por uma rede mais complexa de relacionamentos
entre os seus agentes, conduzindo um desenvolvimento narrativo marcado pelas
leis da causa e efeito, ainda que em seu curso a trama muitas vezes seja
entremeada por surpresas e reviravoltas imprevistas, de qualquer forma
encaixadas plausivelmente dentro dos limites da lógica. Outra diferença em
relação ao período anterior é que os personagens já não são tipos fixos, com
caracteres imutáveis e previsíveis. Antes um herói era sempre um herói, e suas
ações sempre virtuosas; um bandido era sempre vil e suas intenções sempre
obscuras e daninhas. No Barroco os personagens são mais humanos e
contraditórios, suas personalidades apresentam áreas claras e escuras, e as
mudanças nos comportamentos, humores e motivações podem ser abruptas e
drásticas. Finalmente, a ação não é mais concebida como um arco perfeito, com
um início, meio e fim nítidos, com um progressivo e calculado acúmulo de tensão
que culmina num clímax final; os dramas barrocos podem iniciar com uma
impressão de casualidade, como se o observador tivesse capturado uma cena de
passagem e sido jogado para dentro da trama acidentalmente; tampouco os finais
são sempre um clímax, e nas tragédias barrocas a morte do protagonista no final
deixa de ser uma regra. Esses traços, contudo, são muito genéricos, e casos
particulares podem apresentar estruturas e desenvolvimentos bastante diversos,
como é típico de todo o Barroco.
Teatro
O teatro barroco herdou os avanços
renascentistas na construção de cenários com perspectivas ilusionísticas, o que
estava ligado à revivescência da arquitetura clássica. Arquitetos como Vincenzo
Scamozzi, Sebastiano Serlio, Bernardo Buontalenti e Baldassare Peruzzi haviam
participado ativamente da concepção de cenários de impacto realista, seja
através de painéis pintados, o que era mais comum, seja com construções
realmente tridimensionais sobre os palcos, e pelo fim do século XVI a
cenografia se tornara uma parte importante na representação teatral. Ao longo
do século seguinte adquiriu relevo ainda maior, e como os cenários teatrais não
estavam sujeitos às limitações da arquitetura real, desenvolveu-se uma linha de
cenários altamente fantasiosos e bizarros, onde a imaginação encontrou um terreno
livre para se manifestar. À medida que os cenários móveis se tornavam mais
complexos, da mesma forma evoluíam as casas teatrais, até então construções
temporárias ou de proporções modestas. O primeiro grande teatro permanente fora
erguido em Florença em meados do século XVI, e no século seguinte vários outros
apareceram. O primeiro proscênio permamente surgiu em 1618 no Teatro Farnese em
Parma, sob a forma de uma derivação de um arco de triunfo. Fixos, limitavam a
visão do público à regra da perspectiva central, que correspondia
simbolicamente à visão do governante, um reflexo da ideologia absolutista.
Também herança do Renascimento foram a
presença amiudada de motivos clássicos e a concepção da ação numa unidade de
tempo e espaço, que havia sido definida por Aristóteles na Grécia Antiga. O
resultado dessa regra foi a narrativa se desenvolver em um único local num
mesmo dia, forçando a ação dentro destes limites rígidos. Essencialmente
artificial, este tipo de teatro só encontrou apreciadores entre a elite
italiana. Contudo, à medida que o Barroco progredia, estes parâmetros foram
paulatinamente sendo abandonados, enquanto que na Inglaterra e Espanha, por
exemplo, a tradição dos mistérios e paixões medievais continuava viva. No fim
do século XVI nasceu um dos gêneros teatrais mais importantes, a ópera, que foi
concebida inicialmente como uma ressurreição do drama clássico grego, mas logo
se desenvolveu para tornar-se a súmula de todas as artes, envolvendo
representação, dança, música e um complexo aparato cênico para a produção de
efeitos especiais. Também reservada de início às elites, logo se tornou
apreciada pelo povo, fazendo imenso sucesso em quase toda a Europa.
A despeito de sua rápida popularização e
enorme prestígio entre a nobreza, chegando a deslocar o drama falado como o gênero
favorito de teatro, a ópera como um gênero representativo enfrentava limitações
sérias, além de ser regida por uma série de convenções. A dificuldade de se
conseguir uma eficiência dramática com a ópera barroca derivava de vários
fatores. Em primeiro lugar poucos cantores tinham verdadeiro talento como
atores, e no mais das vezes sua presença em palco só se justificava pelas suas
habilidades vocais. Em segundo, grande número de libretos era de baixa
qualidade, tanto em termos de ideia como de forma, tendo seus textos reformados
e adaptados infinitas vezes a partir de várias fontes, resultando em
verdadeiros mosaicos literários. Em terceiro, a própria estrutura da ópera,
fragmentada em uma longa sequência de trechos mais ou menos autônomos, as
árias, coro e recitativos, entre os quais os cantores saíam e voltavam à cena várias
vezes para receber aplausos, anulava qualquer senso de unidade de ação que
mesmo um libreto excelente pudesse oferecer.[93] As árias eram seções
essencialmente estáticas, serviam acima de tudo para exibir o virtuosismo do
cantor e faziam uma meditação altamente retórica, estilizada e formal sobre
algum elemento da narrativa - cantavam um sentimento, planejavam uma ação,
refletiam sobre algum acontecimento anterior, e assim por diante, mas não havia
ação nenhuma. A trama era levada adiante somente nos recitativos, partes
cantadas de uma forma próxima da fala, com acompanhamento instrumental reduzido
a um mínimo. Os recitativos eram os trechos que o público considerava menos
interessantes, vendo-os como necessários apenas para dar alguma unidade na frouxa
e vaga coesão dramática da maioria dos libretos, e durante sua performance era
comum que os espectadores se engajassem em conversas com seus vizinhos,
bebessem e comessem, circulassem pelo teatro, enquanto esperavam a próxima
ária. Destarte, as óperas da época podem bem ser consideradas peças de concerto
com uma decoração visual luxuriante e apenas um esboço de ação cênica. No caso
da França, porém, a situação era diferente. A ópera nacional francesa, chamada
de tragédia lírica, como concebida pelo compositor Jean-Baptiste Lully e o
libretista Philippe Quinault, tinha libretos de alta qualidade, uma perfeita
adequação entre música e texto, e consistente desenvolvimento dramático,
superando em popularidade os dramas falados até de Racine, que então estava no
auge de sua carreira.
Duas outras tendências influentes também
floresceram no Barroco. A primeira foi a da Commedia dell'Arte, um gênero
popular e cômico de características heterogêneas, derivado em parte dos jograis
da Idade Média, das festividades e mascaradas populares espontâneas do Carnaval
e do folclore. O gênero se estruturou na segunda metade do século XVI e se
consolidou ao iniciar o século XVII, e em vez de se fixar somente no texto
escrito dava amplo espaço para a improvisação. Mas longe de ser apenas um
improviso, requeria um grande domínio da técnica representativa e um fino senso
de ação em conjunto. Seus temas eram do cotidiano, ou faziam paródias de
motivos consagrados pela tradição clássica, entremeando-os com exibições de
malabarismo e canções populares. Vários dos personagens da Commedia dell'Arte
eram tipos fixos, como Pierrot, Colombina, Arlequim, Polichinelo, reconhecíveis
por máscaras e trajes característicos. Apresentavam-se nas ruas como grupos
itinerantes, falando no dialeto local, mas também participavam de festas nobres.
Algumas companhias alcançaram fama continental e inspiraram autores barrocos
como Molière e Carlo Goldoni, como antes já haviam inspirado Shakespeare.
A outra tendência de vasta repercussão
foi o teatro sacro desenvolvido pelos jesuítas, como parte de suas estratégias
contrarreformistas. Embora mantendo traços do drama clássico na forma, na
técnica e na linguagem, seus temas eram naturalmente religiosos e seu
propósito, declaradamente doutrinário. O drama jesuítico foi muito cultivado em
todos os colégios mantidos pelos padres, e se tornou parte integral da
empreitada missionária pela América e Oriente, adaptando-se a costumes locais e
incorporando as inovações na arte dramática profana. Seu estilo teve uma
influência também na obra de Pierre Corneille, Molière e Goldoni. Embora esse
teatro não tenha chegado às regiões protestantes, pelo menos na Inglaterra
exerceu influência no teatro estudantil cômico e na representação de dramas
sacros no Natal. Por outro lado, na Espanha foi recebido com entusiasmo,
fundindo-se à já grande tradição dos autos sacramentais que tivera origem na
Idade Média. Os autos espanhóis se tornaram então obras de arte erudita,
estando entre os principais gêneros dramáticos da Espanha barroca, e alguns
foram produzidos pelos melhores poetas do Século de Ouro. Paralelamente a
Espanha desenvolveu um teatro profano de particular vigor e sucesso de público,
com um estilo passional, romântico e lírico, tratando de uma multiplicidade de
temas, mas geralmente envolvendo o amor e a honra, num tratamento realista e
vivaz. Lope de Vega, Tirso de Molina e Calderón de la Barca estão entre seus
grandes expoentes.
A França, que no século XVI tinha um
teatro pobre, no século XVII se tornou um dos maiores centros europeus, formando
uma forte escola nacional de tendência classicista, em temas sérios e cômicos,
com representantes notáveis em Racine, Corneille e Molière. Na Inglaterra já
havia uma sólida tradição de teatro profano desde o tempo de Elisabeth I, de
modo que os ingleses puderam assimilar inovações italianas sem perder sua
individualidade. Preocuparam-se com a unidade dramática e estabeleceram uma
distinção mais clara entre comédia e drama do que aquela praticada no teatro
elisabetano, quando a tragicomédia se tornara favorita da aristocracia, com
bons representantes em John Fletcher e Francis Beaumont. As peças de Fletcher
conheceram grande popularidade até passada a metade do século XVII,
ultrapassando as de Shakespeare e explorando o romance, a honra, a surpresa e o
suspense às expensas da caracterização dos personagens. Ao mesmo tempo se
popularizaram o gênero da pastoral, um idílio mitológico ambientado no campo,
que dava margem ao uso de recursos cênicos espetaculosos, e o da mascarada,
combinando música, poesia, dança e cenários e figurinos extravagantes
inspirados na Itália. A associação do arquiteto Inigo Jones como cenógrafo com
o libretista Ben Johnson produziu algumas das mais refinadas mascaradas
inglesas. Na Guerra Civil os teatros profanos foram fechados, e em sua
reabertura dezoito anos depois a tradição de teatro profano estava
completamente transformada, voltando-se para as comédias de costumes e
reservado às elites, com uma qualidade geral mais baixa. Uma tentativa de
elevar novamente o nível do teatro inglês foi feita por John Dryden, criando
peças heroicas. Os ingleses foram ainda os responsáveis pela reativação do
teatro germânico, que fora muito prejudicado pelas guerras, através da presença
de companhias itinerantes, até que a influência italiana começou a predominar
no final do século XVII, quando a qualidade geral do teatro europeu sofreu
sensível declínio, somente restaurado no século XVIII, especialmente com peças
de conteúdo burguês ou satírico.
Música
O século XVII trouxe à música a
revolução mais profunda desde aquela promovida pela Ars nova no século XIV, e
talvez tão importante quanto a que foi implementada pela música moderna no
século XX. É certo que tais mudanças não surgiram do nada e tiveram
precursores, e demoraram anos até serem absorvidas em larga escala, mas em
torno do ano 1600 se apresentaram obras que constituem verdadeiros marcos de
passagem. Esse novo espírito requereu a criação de um vocabulário musical
vastamente expandido e uma rápida evolução na técnica, especialmente a vocal.
As origens do Barroco musical estão no contraste entre dois estilos nitidamente
diferenciados, o chamado prima prattica, o estilo geral do século XVI, e o
seconda prattica, derivado de inovações na música de teatro italiana. Na
harmonia, outra área que sofreu mudança significativa, abandonaram-se os modos
gregos ainda prevalentes no século anterior para adotar-se o sistema tonal,
construído a partir de apenas duas escalas, a maior e a menor, que encontrou
sua expressão mais típica na técnica do baixo contínuo.
Além disso, se instalou a primazia do
texto e dos afetos sobre a forma e a sonoridade; o contraponto e os estilos
polifônicos, especialmente na música sacra, sobreviveram, mas descartaram
texturas intrincadas onde o texto se torna incompreensível, como ocorria no
Renascimento; iniciou-se a teorização da performance com tratados e manuais
para profissionais e amadores; foram introduzidas afinações temperadas e formas
concertantes; o baixo e a melodia assumem um lugar destacado na construção das
estruturas; a melodia buscou fontes populares e a dissonância passou a ser
empregada como recurso expressivo; as vozes superior e inferior foram
enfatizadas; às sonoridades interválicas sucederam as acórdicas, e escolas
nacionais desenvolveram características idiossincráticas. Entretanto, assim
como nas outras artes, o Barroco musical foi uma pletora de tendências
distintas; George Buelow considera que a diversidade foi tão grande que o
conceito perdeu relevância como definição de uma unidade estilística, mas
reconhece que o termo se fixou na musicologia.
No terreno da simbologia e linguagem
musical, foi de grande importância o desenvolvimento da doutrina dos afetos, propondo
que recursos técnicos específicos e padronizados usados na composição podiam
despertar emoções no ouvinte igualmente específicas e comuns a todos. A
doutrina teve sua primeira formulação no final do Renascimento através do
trabalho de músicos florentinos que estavam engajados na ressurreição da música
da Grécia Antiga e que foram os fundadores da ópera. De acordo com sua
interpretação de ideias de Platão, procuravam estabelecer relações exatas entre
palavra e música. Para eles uma ideia musical não era somente uma representação
de um afeto, mas sua verdadeira materialização. Os recursos técnicos da
doutrina foram minuciosamente catalogados e sistematizados por vários teóricos
do Barroco como Athanasius Kircher, Andreas Werckmeister, Johann David
Heinichen e Johann Mattheson. Mattheson escreveu com especial detalhe sobre o
assunto em seu Der vollkommene Capellmeister (O perfeito mestre de capela,
1739). Como exemplo, disse que os intervalos amplos suscitavam alegria, e a
tristeza era despertada por intervalos pequenos, a fúria se descrevia com uma
harmonia rude associada a um tempo rápido. A doutrina teve uma aplicação
particularmente importante no desenvolvimento da ópera. A opera seria, o gênero
mais prestigiado, se estruturava sobre diversas convenções que buscavam dar
verossimilhança e impacto emocional a eventos apresentados de maneiras em tudo
artificiais e retóricas, um conflito estético que, no entanto, foi resolvido de
modo tão eficiente se tornou uma mania em muitos países. Os recitativos, seus
trechos falados com acompanhamento instrumental muito resumido, conduziam a
ação dramática, mas eram frequentemente ignorados pela plateia, que se dedicava
então a beber, comer e conversar. As árias, os trechos cantados, porém, que
eram os mais apreciados e mais substanciais musicalmente, eram quadros fixos em
que a ação congelava sobre uma ideia ou sentimento, e davam espaço para o
protagonista exibir o seu virtuosismo vocal seguindo modelos formais
padronizados para cada tipo de expressão a ser ilustrada. Por exemplo, árias de
fúria tipicamente eram em tempos rápidos com muitas vocalizações em coloratura,
intervalos amplos, frequentemente na clave de ré menor, enquanto que árias de
amor muitas vezes eram compostas em lá maior. Tais convenções eram tão
impessoais que se por qualquer motivo um cantor não apreciasse uma certa ária
composta para ele podia sem maiores problemas substituí-la por outra de sua
preferência, de outra fonte, desde que expressasse o mesmo afeto.
Música
vocal
Entre os gêneros vocais teve um papel
importante a forma policoral com estruturas antifonais, os chamados cori
spezzati, desenvolvida por Andrea Gabrieli e Giovanni Gabrieli em Veneza, na
passagem do século XVI para o século XVII, estabelecendo precedentes para os
gêneros concertantes vocais e instrumentais e inovando nas técnicas polifônicas.
Mas possivelmente a mais influente e seminal forma vocal a se desenvolver no
Barroco foi a ópera, o mais ambicioso projeto de exploração dos efeitos
dramáticos em música, com o auxílio de representação cênica e requintadas
cenografias. Os precursores da ópera foram os florentinos Giulio Caccini e
Jacopo Peri, cuja ópera Euridice (1600), composta conjuntamente, é a mais
antiga que sobreviveu, mas o primeiro grande expoente foi o veneziano Claudio
Monteverdi, que em 1607 apresentou seu L'Orfeo, seguido de várias outras
composições importantes e influentes, como L'Arianna e L'Incoronazione di
Poppea. Suas óperas, como todas as de sua época, fizeram face ao desafio de estabelecer
uma unidade coerente para um paradoxo de origem - a tentativa de criar uma
representação realista num contexto artístico que primava pelo artificialismo e
convencionalismo. Para Ringer as óperas de Monteverdi foram uma resposta
brilhante para esse desafio, estão entre as mais pura e essencialmente teatrais
de todo o repertório sem perder em nada suas qualidades musicais, e foram a
primeira tentativa bem sucedida da ilustração dos afetos humanos em música numa
escala monumental, sempre amarrada a um senso de responsabilidade ética. Com
isso ele revolucionou a prática de seu tempo e se tornou o fundador de toda uma
nova estética que teve uma influência enorme em todas as gerações de operistas
posteriores.
Enquanto Monteverdi desenvolvia a parte
final de sua carreira em Veneza, Roma e Nápoles também patrocinavam uma rica
atividade operística, introduzindo outras novidades: um uso mais frequente do
coro, introdução de intermezzi dançados entre os atos, e a adoção de uma
abertura em estilo de canzona. A ópera logo ganhou ampla aceitação, e o gosto
popular passou a influir sobre os compositores, utilizando melodias populares e
cenários suntuosos e engenhosos, com maquinismos cênicos para efeitos especiais
e aberturas no estilo de fanfarras. O desejo da audiência por melodias
facilmente memorizáveis e cantáveis possibilitou a progressiva distinção entre
árias e recitativos.
No início do século XVIII fixou-se a
fórmula da opera seria, cuja dramaturgia se desenvolveu em boa parte como uma
resposta à crítica francesa daqueles que frequentemente era vistos como
"libretos impuros e corrompedores". Como resposta, a Accademia
dell'Arcadia, sediada em Roma, buscou retornar a ópera italiana aos princípios
clássicos, obedecendo as unidades dramáticas de Aristóteles e substituindo
tramas "imorais" por narrativas altamente moralistas, que buscavam
instruir, além de entreter. No entanto, os finais quase sempre trágicos do
drama clássico eram rejeitados, por motivos de decoro; os principais autores de
libretos da opera seria, como Apostolo Zeno e Pietro Metastasio, acreditavam
que a virtude devia ser recompensada, e mostrada triunfando. Os episódios
cômicos e o balé, comuns na ópera francesa, foram banidos, mas foi o período
áureo dos solistas vocais virtuosos, especialmente os castrati.
Ainda no século XVII ópera se difundiu
para a França, onde se adaptou à tradição da tragédia e do balé e formou a
chamada tragédia lírica, que se tornou uma instituição nacional. Na França a
abertura italiana se transformou em uma peça mais consistente, a chamada
abertura francesa, com uma seção em fugatto. Os mestres da tragédia lírica
foram Jean-Baptiste Lully e Jean-Philippe Rameau. Na Alemanha a ópera não foi
tão popular, mas não obstante recebeu atenção em várias cidades importantes,
como Hamburgo, Munique e Dresden. Na Áustria, Viena foi um grande centro
operístico, e em toda a área germânica a influência italiana foi predominante,
com destaque para os compositores Reinhard Keiser, Niccolò Jommelli, Georg Philipp
Telemann e Johann Adolph Hasse. Na Inglaterra a situação era semelhante à da
França, podendo desenvolver um estilo nacional com Henry Purcell e John Blow
antes dos italianos, ou italianizados como Handel, dominarem a cena no século
XVIII.
Os operistas napolitanos também ajudaram
a desenvolver um outro gênero de música vocal dramática, a cantata, para voz
solo com acompanhamento instrumental. Giacomo Carissimi consolidou o gênero num
modelo compacto, com duas ou três árias entremeadas de recitativos, forma
levada adiante por vários outros compositores e introduzida na França por
Marc-Antoine Charpentier. Em virtude da progressiva diluição dos limites entre
os gêneros sacros e profanos, logo a cantata foi adotada como veículo de temas
religiosos, originando a cantata sacra. Nesta forma foi muito popular nos
países germânicos, onde se tornou parte integrante do culto luterano. Seu maior
cultivador foi Johann Sebastian Bach, mas também se dedicaram ao gênero
Dietrich Buxtehude e Johann Kuhnau. Paralelamente à evolução da ópera, surgiram
o oratório, o seu equivalente sacro, e a paixão, também semelhante. Emilio de'
Cavalieri é tido como o fundador do oratório com sua Rappresentazione di anima
e di corpo, estreada em Roma em 1600, e Carissimi, Alessandro Scarlatti,
Heinrich Schütz e Georg Friedrich Handel deram importantes contribuições à
expansão da forma.
Música
instrumental
À medida que novas técnicas de canto
eram desenvolvidas, estas inovações iam sendo absorvidas pela música
instrumental, especialmente agora que instrumentos participavam de formas antes
executadas a capella, como o moteto. O instrumental não sofreu transformações
tão importantes e permaneceu em linhas gerais o mesmo do Renascimento, mas seus
usos sim foram modificados, como por exemplo o abandono do alaúde como condutor
do baixo contínuo, substituído pelo cravo ou órgão. As danças renascentistas,
executadas em pares, foram expandidas para organizarem suítes em vários
movimentos, usualmente de quatro a seis, allemande, courante, sarabande, menuets
I & II, e gigue, mas podendo aparecer com movimentos adicionais como a air,
a bourrée, a chaconne e a passacaglia. A toccata, o prelúdio e a fantasia, já
existentes no Renascimento, foram expandidas em dimensões e profundidade de
tratamento, enquanto que as formas polifônicas instrumentais mais importantes
da geração anterior, a canzona e o ricercare, evoluíram para formar a fuga.
Muitas formas de dança foram inseridas em óperas e foram organizadas em
bailados, e nesses gêneros mistos a peça de abertura, em regra somente
instrumental, adquiriu grande importância.
Outras formas importantes a nascerem no
Barroco foram a sonata e o concerto, que se multiplicaram em várias formas
subsidiárias, o primeiro na sonata da chiesa, na sonata da camera e na trio-sonata,
e o segundo dando origem ao concerto grosso, o concerto para solista e a
sinfonia. Para estes gêneros escreveram obras importantes Arcangelo Corelli,
Antonio Vivaldi, Giuseppe Tartini, Jean-Marie Leclair, Bach, Händel e Purcell.
Ao mesmo tempo, a música para teclado - órgão ou cravo - conheceu grande
expansão, através do trabalho de Dietrich Buxtehude, Jan Pieterszoon Sweelinck,
Johann Pachelbel, Johann Froberger, Georg Muffat, Bach, Girolamo Frescobaldi,
Domenico Scarlatti, Rameau e François Couperin.
Interiores
e mobiliário
A decoração de interiores foi parte
integral da concepção da arte barroca, contribuindo de modo importante para a
consumação do desejo de criar obras de arte "totais" e envolventes,
que tiveram seus pontos máximos nos interiores dos grandes palácios, teatros e
igrejas. Neste aspecto as regiões protestantes também adotaram princípios
barrocos, pois a ornamentação não estava necessariamente ligada à propaganda da
fé, embora nos países católicos ela fosse consistentemente usada para auxiliar
no efeito didático final do programa iconográfico estabelecido através das
pinturas e esculturas. Nessas outras regiões, especialmente onde o sistema
político tendia para o absolutismo, cujos objetivos totalizantes encontravam um
fértil campo de representação numa decoração luxuosa e ostentatória, indicativa
do poder do monarca e de sua glória, o Barroco floriu expressivamente.
Da mesma forma que nas artes visuais, a
decoração prima pelas formas curvas, pela abundância ornamental, pelo uso de
materiais preciosos, como o ouro e pedras decorativas tais como os mármores
coloridos, as ágatas, o alabastro e outras. Tanto a pedra como a madeira e o
metal foram submetidas ao capricho dos artistas e se dobraram e curvaram em uma
cornucópia de motivos de infinita inventividade. Colunas se torceram em
espirais, frontispícios se povoaram de volutas, portas se cobriram de
almofadões em relevo, arcos foram quebrados, ondulados e multiplicados, as
cornijas arquitetônicas e os beirais se tornaram assentos de anjos e deidades
clássicas, mísulas foram substituídas por atlantes e cariátides, janelas
assumiram feições variadas - ovoide, periforme, estrelada e outras - e
virtualmente todas as superfícies recebiam tratamento ornamental. O Barroco foi
um período de apogeu para a talha em madeira, tão típica das igrejas da época,
especialmente na América, frequentemente coberta de ouro e esculpida com enorme
densidade de elementos ornamentais, com motivos fitomórficos entremeados de
figuras de anjos, santos, animais fabulosos e outros, em certos exemplares
chegando a obscurecer as formas arquitetônicas e criando uma forma espacial
nova. Também no mobiliário as formas se dinamizaram e curvaram, e a decoração
magnificou-se a ponto de às vezes assumir dimensões arquitetônicas, como
mostram certas camas ornadas com grandes baldaquinos e cabeceiras monumentais e
as grandes bancadas e armários encontrados em palácios e sacristias de igrejas,
que fundem suas formas à arquitetura do entorno. Interiores como o da Galeria
dos Espelhos do Palácio de Versalhes, da Igreja de São Francisco em Salvador,
do Teatro Argentina em Roma, e as movimentadas fachadas da Igreja de Santa
Maria Madalena em Braga e da Catedral de Múrcia, na Espanha, são apenas alguns
dos numerosíssimos exemplos de decoração tipicamente barroca.